Fanfic: A Criada Francesa | Tema: Sherlock Holmes

Não foi preciso ir além da sala de estar para ver que o interior da casa fazia jus ao seu exterior. Logo que entrei, minha visão foi imediatamente atraída para o grandioso retrato à óleo da família Hyde, exposto no topo da escadaria que dava para o segundo andar. Também não pude deixar de contemplar o elegante e reluzente lustre de cristais que iluminava o ambiente por completo.

O lugar era ricamente mobiliado e, a pedido da dona da casa, nos acomodamos no confortável sofá Chesterfield, enquanto ela dirigiu-se à poltrona logo ao lado. Como era de se esperar, nos foram oferecidos comes e bebes, que educadamente tratamos de recusar, para podermos finalmente iniciar nossa conversa de forma oficial.

- Sra. Hyde, - começou Holmes. – como a senhora já deve saber, o assunto que nos traz aqui é o mesmo que trouxe o Detetive Inspetor Lestrade há alguns dias: a Srta. Juliette Renard.

- Meu criado já havia me adiantado o assunto, mas não imaginei que mais alguém soubesse da visita do inspetor. – disse ela um pouco surpresa. – Ele disse que se tratava de um caso particular e sigiloso, e que nem mesmo a Scotland Yard estava ciente. Fiquei realmente chocada quando vi as notícias sobre o Inspetor no jornal.

- É exatamente por esse motivo que estamos aqui. Fomos colocados a par da situação pelo irmão da Srta. Renard e, a pedido dele, assumimos a investigação. – explicou Holmes.

- Os senhores têm alguma notícia do estado de saúde do Inspetor Lestrade? É muito grave? – perguntou ela, preocupada.

- Seu estado ainda inspira cuidados, mas o inspetor é um homem forte, e acreditamos que conseguirá se recuperar. – respondi, sem me aprofundar demais no assunto para não deixar escapar nada sobre nossas suspeitas.

- A senhora poderia nos contar o que disse ao inspetor? – pedi. – Sabemos que já faz algum tempo desde que Juliette trabalhou para a família, mas a senhora se lembra dela?

- Na verdade, quem conversou com o Inspetor Lestrade foi o meu filho, mas confesso que seria difícil esquecê-la, ainda mais depois de tudo o que aconteceu... – respondeu a dona da casa, sem demora.

- E o que aconteceu, exatamente? – perguntei, curioso, já percebendo que novas informações certamente surgiriam daquela conversa.

- Bem, eu já havia visto a Srta. Renard pelas redondezas antes de ela começar a trabalhar aqui. Ela costumava ficar nos portões das casas, esperando uma oportunidade para oferecer seus serviços, até que um dia, o portão escolhido foi o meu. Eu saía de casa, acompanhada de minha antiga governanta, quando me deparei com Juliette sentada em frente ao portão. Assim que nos viu, ela se levantou, mas sentiu-se mal e precisou agarrar-se às grades para não cair. Ela pediu desculpas e disse que estava fraca porque já não comia nada há dois dias.

“Com pena, dei-lhe algo para comer e ouvi sua história. Ela contou como havia sido enganada, mas estava em busca de um emprego digno para poder ajudar a mãe e um dia voltar para casa. Ela realmente me pareceu ter muita vontade de trabalhar, então resolvi dar-lhe uma chance e contratei-a como ajudante da governanta. No entanto, não foram apenas sua humildade e sinceridade que fizeram com que eu me simpatizasse com ela, foi porque enquanto conversávamos, vi que Juliette também poderia ser-me útil em outra tarefa.”

“Como era francesa e falava muito bem o nosso idioma, perguntei-lhe se poderia ensinar sua língua ao meu filho, durante apenas algumas horas na semana. Ela aceitou sem pensar duas vezes, já que isso lhe proporcionaria uma renda extra.”

“Meu filho, apesar de já ser o presidente da Flora Cosmetics na época, ainda era jovem e inexperiente. Quando meu marido faleceu, Ethan sequer tinha saído da adolescência e mal tinha começado a ser preparado para suceder o pai futuramente, mas por causa dessa desgraça que se abateu sobre nossa família, as coisas precisaram ser aceleradas. Havia muito a ser aprendido e a dificuldade para dominar idiomas estrangeiros era algo preocupante. Ele já havia tomado aulas com outros professores, mas nenhum deles tinha realmente conseguido fazer com que ele se interessasse pelo assunto. Pensei que, talvez, com uma abordagem menos didática, de uma professora com idade e mentalidade mais próximas da dele, as coisas pudessem começar a fluir.”

- Mas pouco tempo depois a senhora se deu conta da estupidez que havia cometido e as coisas saíram do seu controle, não é mesmo? – disse Holmes, sem nenhuma cerimônia, deixando-a desconcertada com o comentário.

- O que quer dizer, Sr. Holmes?

- Isso é bastante elementar, minha senhora. Sem querer ofendê-la, mas não é preciso ser nenhum gênio para imaginar o que pode acontecer quando se coloca uma moça humilde, bonita e gentil, junto de um rapaz rico, solitário e com os hormônios a flor da pele. Os dois, obviamente acabaram se envolvendo de uma forma inapropriada e, quando a senhora descobriu, expulsou a moça de casa.

- Acha que sou algum tipo de monstro, Sr. Holmes? – perguntou Violet Hyde, ofendida com a acusação de meu colega.

- Não, mas tenho certeza de que a senhora jamais deixaria o legado de seu marido ir por água abaixo por causa de um simples capricho de um jovem despreparado. Se essa história chegasse ao conhecimento da alta sociedade, ou melhor, dos grandes investidores, causaria um dano irreversível à imagem da Flora Cosmetics.

- Envergonho-me de admitir que realmente fui ingênua, ao acreditar que meu filho seria diferente dos rapazes da idade dele, e que não se deixaria levar tão facilmente por seus impulsos. No entanto, quando descobri o que estava acontecendo, nós conversamos seriamente e ele entendeu o meu ponto de vista. Pouco tempo depois ele terminou o que havia entre os dois, afinal, ela não era nada além de uma distração para ele. Depois disso, foi impossível manter a Srta. Renard conosco e eu pedi a ela que deixasse a casa, mas não a expulsei. Nós combinamos que ela só partiria depois de encontrar um novo emprego onde pudesse morar e que, para ajudá-la, eu até lhe daria uma carta de recomendação, mas um dia, ela simplesmente foi embora.

- A senhora pode nos contar um pouco mais sobre esse dia?

- Era 31 de dezembro de 1878. Noite de ano novo. Ethan e eu tínhamos ido à festa de confraternização oferecida pela empresa aos funcionários, e como a casa estaria vazia, dei folga aos criados para que pudessem celebrar a passagem de ano com suas famílias. Juliette foi a única que ficou, pois não tinha familiares na cidade. A festa acabou durando praticamente a madrugada toda e quando retornamos, um pouco antes do amanhecer do dia primeiro, ela já não estava mais. Procuramos por toda a casa, mas não havia sinal dela ou de seus pertences. Estranhamos, mas chegamos à conclusão de que ela talvez tivesse desistido de procurar outro emprego e resolvido voltar para casa.

- O que fizeram quando a mãe dela veio procurá-la e descobriram estavam enganados?

- Ficamos muito surpresos, mas tudo havia acontecido há quase dois anos e já não tinha nada que pudéssemos fazer. Preferimos não contar sobre o envolvimento entre Juliette e meu filho, e dissemos apenas o que sabíamos: que ela havia ido embora de uma hora para outra e nunca mais tivemos notícias suas.

- E vocês não chegaram a comunicar o desaparecimento à polícia? – perguntei.

- Não, porque até onde sabemos, não foi um desaparecimento. Afinal de contas, ela pretendia ir embora e, ao que tudo indica, ela foi. Se tivesse mesmo desaparecido de alguma forma misteriosa como os senhores sugerem, não acho que teria tido condições ou tempo para juntar e levar todos os seus pertences consigo.

Para nós, o sumiço de Juliette era algo bastante incomum, mas a senhora Hyde parecia pensar diferente. Para ela, a moça não tinha desaparecido, e sim apenas ido embora por vontade própria. Seu raciocínio tinha certa lógica, mas se fosse mesmo isso, por que a moça deixaria de manter contato até mesmo com a família?

Para mim aquela explicação ainda não era totalmente satisfatória, mas infelizmente, era nítido que não conseguiríamos extrair maiores informações de Violet Hyde e decidimos encerrar nossa visita. Holmes parecia já ter chegado a algumas conclusões após conversar com nossa anfitriã, mas eu o conhecia e sabia que também não estava completamente satisfeito com a visita, porque certamente queria trocar algumas palavras com Ethan Hyde, ainda mais depois de saber sobre o caso entre o jovem herdeiro e a humilde criada francesa.

No entanto, quando nos preparávamos para sair, um homem elegante de cerca de trinta anos e belas feições, entrou pela porta. Eu já havia visto fotos suas nos jornais e não tive dúvidas de que se tratava do famoso Ethan Hyde.