Fanfic: Bruto e Indecente | Tema: vondy
Por telefone, combinei um encontro com Clarice em sua casa. Minha
antiga amiga ainda morava no mesmo lugar, na propriedade de seus pais, que
eram praticamente os nossos vizinhos ou o mais próximo que tínhamos disso
nas proximidades.
Dez minutos dentro da caminhonete do meu pai foi o suficiente para
que eu chegasse lá.
A poeira se levantando, os vidros abertos e o meu cabelo dourado
balançando com o vento, traziam-me lembranças da garota rebelde que eu
costumava ser.
Estar dirigindo o carro do meu pai daquela forma, sem me preocupar
com um possível flagrante de um de seus amigos, era estranhíssimo. Por mais
que tivesse plena consciência de que não era mais uma frustrada garota de
dezoito anos de idade, com todas aquelas lembranças me invadindo, era
impossível me controlar e não deixar esse sentimento me dominar.
E esse era exatamente o problema de se esconder do passado, de
trancafiar todas as lembranças no fundo da mente. Em determinado
momento, todas essas coisas acabam nos encurralando, fazendo-nos sentir em
décuplo tudo aquilo que não queríamos sentir.
Antes de passar pela porteira da propriedade, onde precisei descer da
caminhonete para abrir com as minhas próprias mãos, como se ainda
estivéssemos no século passado, estava com medo do quê, ou melhor, de
quem eu encontraria lá dentro. Afinal, todos aqueles anos sem nenhum tipo
de contato com Maite era a receita perfeita para um clima estranho entre nós
duas, o famoso bolo de climão.
E eu não queria sentir isso — não com ela —, não com alguém que já
tinha sido tão especial para mim. Eu não queria ficar desconfortável a ponto
de desejar que nosso reencontro, que havia demorado muito tempo para
acontecer, acabasse de forma tão rápida. Não queria olhar para a minha amiga
mais antiga e perceber que, naquele momento, nós não passávamos de duas
estranhas, de pessoas que já tinham significado muito uma para a outra, mas
que não se conheciam mais.
No instante em que a vi deixando a casa para me receber, todos esses
meus pensamentos pessimistas desapareceram.
Estacionei o carro e abri a porta, ansiosa para confirmar aquilo que os
meus olhos vislumbraram de relance. Quando me aproximei de Maite , notei
que não se tratava de uma espécie de miragem ou memória do passado
tornando a me invadir.
Ela realmente estava ali, bem ao meu lado.
Com os meus olhos colados na Miss Girassol, cheguei à conclusão de
que a minha amiga não havia mudado praticamente nada. Ela continuava com
a mesma cor e corte de cabelo, a mesma postura e principalmente o mesmo
estilo brega, que era bem expresso no seu jeans boca de sino e em suas
botinhas com detalhes em xadrez.
— AI MEU DEUS, OLHE SÓ PRA VOCÊ! — gritou ela, assustandome pela altura que a sua voz soou.
Tinha me esquecido do quanto a Maite costumava ser escandalosa ou,
como a minha mãe dizia, “ardida”.
— Olha só pra esse cabelo e rosto? Você está gostosona, Dul! —
Depois de mais alguns segundos me analisando, ela concluiu: — Mas
continua perdendo pra mim em corpo, ainda não tem bunda.
Eu nem tive tempo de formular uma resposta ácida, pois os seus braços
me envolveram com tanta força que me deixou sem ar e palavras.
— Você está ainda melhor do que nas fotos do seu Facebook —
continuou ela, como se a minha aparência realmente a tivesse surpreendido.
— Sempre pensei que você exagerava nos filtros e por isso as suas fotos
ficavam tão perfeitas, mas aqui está você, ao vivo e em cores… É oficial, eu
te odeio, sua cretina.
Definitivamente, fazia muito tempo que ninguém do meu círculo social
me chamava de “cretina”. A última pessoa a fazer isso, muito
provavelmente, foi a própria Clarice — ou uma das muitas pessoas que eu
demiti.
O fato de ela estar exatamente como antes, também significava que a
minha melhor amiga continuava maravilhosa. Os seus cabelos castanhos
permaneciam volumosos e brilhantes, seus olhos continuavam naquela cor de
mel que sempre amei e o seu corpo estava mais magro do que nunca, nem
mesmo a sua segunda gravidez foi capaz de deixá-la menos perfeita.
E tudo isso confirmava as suas palavras — ainda que eu nunca fosse
admitir em voz alta —, que Maite ainda ganhava de mim com o seu corpinho
de “Miss Girassol”, competição de beleza da cidade que ela venceu por dois
anos consecutivos.
— Você não mudou nada — disse segundos antes de receber um “eu
sei!”, o que me fez tornar a prestar atenção nas suas roupas. — O seu
péssimo senso de moda, definitivamente, continua igual.
Ela revirou os olhos e riu de forma debochada, antes de disparar: —
Você acha mesmo que eu vou me vestir bem pra ser vista por um bando de
animais?
— E quanto ao William? — eu fiz questão de lembrá-la do marido.
— Ele já estava incluso nos animais, sua tonta — contra-argumentou
Maite , provando-me que ela continuava a mesma.
A morena acenou com a mão, trazendo-me para próximo da entrada da
casa.
— Não vou nem te pedir pra não reparar na bagunça porque eu te
conheço e sei que você vai reparar mesmo assim, sua vaca!
Ela realmente me conhecia bem.
E para Maite , coisas como “sua vaca” eram equivalentes a um “eu te
amo”.
Diferente da proprietária, o lugar tinha sofrido uma mudança
significativa com os anos. Eu tinha impressão de que até a divisão de alguns
cômodos estava diferente da última vez em que eu havia estado ali, quando a
ajudei com a mudança.
Ainda que não fosse exatamente do meu gosto — na verdade, era
completamente o oposto —, era bem confortável, a cara do William.
— Nem conseguimos falar muito por telefone ontem… Quando foi que
você chegou? — questionou ela, convidando-me para me sentar no sofá. —
Pra falar a verdade, demorei pra acreditar que você realmente estava aqui no
Inferno.
— Cheguei ontem mesmo, pela manhã — respondi, ainda observando
os detalhes da casa. — Mas, então, me conte! Quais são as novidades?
Ela riu e balançou a cabeça, antes de me dizer: — Se eu te contasse
tudo, nós teríamos que passar a semana inteira aqui, sentadas neste sofá
velho.
Nós conversamos sobre os nossos colegas de escola e o quanto as
aparências enganavam ou, no mínimo, mudavam bastante com o tempo.
Lívia, que costumava ser a garota mais popular e rica da turma — do
tipo que cuspia na cara de todo mundo sobre o quanto a vida dela era incrível
e a sua não —, estava vivendo em um sítio menor do que o dos meus pais,
com três filhos e casada com o Ferdinando, que também era conhecido como
“Fedornando”, o garoto que não tomava banho.
Gustavo, conhecido como Gu ou “Gustoso” — como eu e Maite o
chamávamos secretamente —, era basicamente o cara que sempre nos
deixava molhadas só com um sorriso. Ele foi o nosso sonho de consumo
durante toda a adolescência. Atualmente, o garanhão trabalhava como caseiro
em uma fazenda na região e, de acordo com a minha amiga, que era sempre
maldosa com os detalhes, estava com muita barriga e pouco cabelo.
E o fato mais assustador — talvez não tanto quanto o nosso príncipe
encantado ter se transformado num sapo — era que eu fui uma das poucas
pessoas a se mudar para um lugar sem terra, mato ou vacas para ordenhar.
Dulce Savinnon tinha sido uma exceção.
Maite se levantou e caminhou em direção à mesa da cozinha, segundos
antes de voltar a sua atenção para mim.
— Quer um pouco de café? — Antes que eu pudesse responder com
um “sim”, minha amiga completou: — Mas já aviso que não é um
cappuccino ou qualquer outra porcaria chique que você deve estar
acostumada a tomar.
Eu a fuzilei com o meu olhar e retruquei: — Se não for tão ruim quanto
costumava ser… Sinceramente? Eu já vou sair no lucro.
Maite riu enquanto colocava o café nas duas xícaras.
E alguma coisa me dizia que não era da minha frase sobre o café dela
ser péssimo.
— Não se preocupe… Esse aqui foi o Williamerico quem fez —
comentou a morena, ainda rindo, agora de uma forma mais debochada.
Quando ela o chamava de “Williamerico” significava que as coisas não
estavam muito bem entre os dois.
— O infeliz fez até torrada e ovos mexidos pra tentar me agradar.
Não compreendendo o problema em tentar ser agradável, indaguei: —
E qual o problema nisso? Em tentar te agradar pela manhã? Eu acho isso tão
romântico, Clari.
— Ele só fez isso porque ficou do lado da mãe dele em uma de nossas
discussões — revelou-me ela enquanto me entregava a xícara com o café. —
Aquela velha sempre me irritou, mas nos últimos dias está passando dos
limites.
Provei o café e, para a minha surpresa, estava ótimo, nem precisei
fingir. Era mais forte do que aqueles que eu estava acostumada a tomar, mas
estava longe de ser tão ruim quanto o que Maite costumava fazer.
— Pelo menos, ele ainda tentou te agradar, outros nem isso fazem… —
disse, lembrando-me do traste do meu ex-noivo e do quanto ele havia me
decepcionado.
— O meu problema com esse agradar de macho é que sempre vem com
uma segunda intenção — continuou ela, dessa vez, fazendo-me concordar. —
William mesmo só me agrada em duas ocasiões. Uma delas é quando faz
alguma coisa errada, tipo ficar defendendo a vaca da mamãezinha dele.
Como ela não prosseguiu, comentando sobre a segunda coisa, a minha
curiosidade me obrigou a questionar: — E qual é o outro motivo?
Ela voltou o olhar para o meu rosto e me encarou com uma expressão
de “vai me dizer que não sabe mesmo?” e isso fez com que eu começasse a
rir, pois eu realmente não tinha ideia do que aquela louca estava insinuando.
— Não é óbvio, amiga? — continuou Maite , deixando-me ainda mais
curiosa pela resposta. Quando ela percebeu que eu realmente não sabia,
finalmente respondeu, revelando: — Boquete e anal!
Não tive nem tempo de rir da resposta, pois, logo em seguida, uma
garotinha loira surgiu de surpresa e aproximou-se de onde nós duas
estávamos sentadas.
Eu ainda não conhecia a segunda filha de Maite ; tudo o que tinha visto
eram fotos nas redes sociais. Depois de eu cumprimentá-la com um abraço, a
garotinha voltou toda a sua atenção para a mãe.
— O que é “onal”, mamãe? — quis saber a criança, fazendo com que
eu quase me afogasse com o café.
Beatriz tinha apenas quatro anos de idade e, aparentemente, estava
entrando naquela fase de questionar o significado de tudo. E agora, estava na
minha frente, querendo saber o significado do tal do “onal”.
— Essa palavra não existe querida, a mamãe disse “ah não!” —
respondeu ela, tornando impossível não rir daquela situação constrangedora.
Eu mesma, nunca conseguiria sair de uma saia justa daquelas.
Provavelmente, era por esse mesmo motivo que nunca tinha pensado em ter
um filho, mesmo quatro anos depois de já ter completado trinta.
— Agora vá brincar com a sua irmã, a mamãe está conversando com a
titia.
gente.
“Fiquei pra titia”, eu me dei conta enquanto a criança se afastava da
— Meu Deus, como ela é linda, Clari! — comentei, voltando o meu
olhar para a morena. — Nem parece que essa coisinha fofa saiu de você.
A mulher ao meu lado sorriu e, como se estivesse se vingando da
brincadeira, perguntou-me: — E quanto a vocês, já estão planejando ter um
monstrinho?
As pessoas sempre me perguntavam isso.
“Quando é que vocês vão ter um filho?”.
“A criança já está encomendada?”.
Só não me perguntavam mais do que a famosa: “e o casamento de
vocês, quando é que saí?”.
Com o tempo, eu comecei a responder isso de forma padronizada —
para os dois casos —, usava apenas um “por enquanto ainda não estamos
planejando”.
Eu havia construído uma vida incrível: possuía uma posição
cobiçadíssima no ramo publicitário, alcancei a independência financeira —
talvez o meu maior sonho na época em que deixei o sítio dos meus pais —,
entretanto, sempre que dizia que não era casada e que ainda não possuía
filhos, as pessoas agiam como se eu tivesse fracassado como mulher.
Em relação a ser mãe, eu até compreendia essa “preocupação”, pois,
com o tempo, infelizmente acabava ficando mais difícil.
No entanto, isso não se aplicava ao casamento, não existia nenhuma
questão biológica nisso. E, mesmo assim, ouvia coisas como: “Mulher, se
apresse aí... Se você chegar aos quarenta anos solteira, não casa mais”.
Eu nem tive tempo de responder a sua primeira pergunta, pois a minha
amiga já emendou outra: — Falando nisso, e o seu casamento, amiga?
Droga.
Foi como se ela estivesse lendo os meus pensamentos.
E como dessa vez aquela resposta padronizada não serviria, eu não
tinha a mínima ideia do que deveria lhe responder.
Deveria dizer a verdade?
Dizer que não existia mais noivado, que estava solteira depois de levar
um chifre seguido por um baita pé na bunda?
Ou mentiria, dizendo que ainda não havíamos planejado nada disso?
Mesmo depois de vários anos sem nos encontrarmos, a minha amiga
mais antiga ainda me conhecia melhor do que ninguém. Eu nem precisei
decidir, pois o meu breve silêncio e hesitação deu a ela a resposta para aquela
pergunta.
— Merda… Eu… eu não tinha ideia…
— Tudo bem… Na verdade, esse é o motivo da minha viagem pra cá
— revelei, sentindo-me confortável o suficiente para dividir aquelas coisas
com ela. — Não foi um término muito amigável e eu precisava descansar a
minha cabeça de todos esses problemas.
— Ele te traiu? — ela adivinhou, sendo direta como de costume.
Balancei a cabeça confirmando a teoria certeira dela.
— Me diz que você, pelo menos, deu uma surra nos dois safados?
Fiquei em silêncio.
— Bateu só na vadia? — continuou ela, tentando adivinhar o que mais
havia acontecido. — Se você bateu só nela e não ralou a cara do infeliz, eu é
que vou quebrar a sua cara.
Novamente, nenhuma palavra deixou a minha boca.
Depois de mais alguns segundos, ela desistiu de continuar chutando.
— Desisto…
— Eu não bati em ninguém… Em vez disso, fui bem compreensiva,
tentei desculpá-lo e dar uma chance pra ele, para a nossa relação, mas…
Pablo não quis.
Com uma expressão bem surpresa, minha amiga comentou, com aquela
sua sinceridade aguda: — Deixa eu ver se entendi bem essa história? O cara
te coloca um par de chifres, você o perdoa e, logo em seguida, ele te dá um
pé na bunda?
Envergonhada, eu balancei a minha cabeça, confirmando.
Foi exatamente o que aconteceu.
— Ele me trocou por uma garota de vinte anos…
Basicamente, alguém catorze anos mais jovem do que eu.
— Eu já achei uma tremenda burrice você não ter quebrado a cara dos
dois… Mas tentar perdoá-lo depois de ser chifrada? Isso é ser trouxa demais,
Dul... Até pra você, amiga!
Olhando através daquele ângulo, eu realmente aparentava ser a mulher
mais burra do universo.
Eu não conseguia colocar em palavras exatamente o que havia me feito
tentar salvar algo que já estava perdido. Tudo o que eu sabia era que conhecia
Pablo — ou pensei conhecê-lo. Ele era alguém que eu conseguiria
administrar, com quem eu conseguiria fazer dar certo. Tínhamos feito planos
demais para acabar com tudo o que nós dois possuíamos sem nem tentar
encontrar uma maneira de salvar aquele barco afundando.
Além disso — por mais que eu não quisesse admitir —, ainda havia a
questão da minha idade. Em apenas cinco anos, estaria quase chegando aos
quarenta, solteira e sozinha. Infelizmente para uma mulher, de acordo com
aquilo que cresci ouvindo, era um claro sinal de fracasso.
No final das contas, eu realmente não havia colocado um fim em nossa
relação.
Foi ele quem fez isso.
Depois de notar o meu silêncio e que, provavelmente, estava pegando
pesado demais comigo, Maite tentou consertar a situação com aquela velha
conversa fiada de “vai ficar tudo bem, amiga”.
— Você vai encontrar um cara bacana e muito gostoso, não se
preocupe... — continuou ela em sua falha tentativa de me colocar para cima,
segundos depois de quase ter me enterrado viva com toda aquela sinceridade.
Após mais alguns instantes em silêncio, ela prosseguiu completamente
animada: — Nós podemos sair e festejar juntas, tipo relembrar os velhos
tempos?
Eu não tinha ideia se aquilo havia sido uma pergunta ou afirmação.
— E quando foi que passaram a dar festas no Inferno? — questionei
sem nem disfarçar o tom debochado em minha voz.
Felizmente, a minha amiga não se importou com isso, ela até entrou na
brincadeira.
— Agora nós também temos festas, exatamente como na cidade
grande, querida… Só que a nossa é no meio do mato, o que torna tudo ainda
mais divertido, pois nem precisamos de quartos. — Antes que eu pudesse
chamá-la de nojenta, Maite continuou: — E eu fiquei sabendo que a próxima
acontecerá na sexta-feira.
— Eu não…
— Vamos sim, você mesma disse que veio pra cá esfriar a cabeça e
nada melhor do que em uma festa com a sua velha amiga — respondeu ela,
interrompendo-me antes que eu pudesse enumerar os vários motivos pelos
quais aquela não parecia ser uma boa ideia. — Vai que você encontra um
peão gostoso por lá, se casa e mora em um sítio aqui perto, já pensou?
Quase fiz um sinal da cruz e rezei um pai-nosso para me proteger
daquela maldição que Maite estava jogando pra cima de mim.
E como eu sabia bem que ela não desistiria tão fácil, resolvi apelar para
a família dela.
— E o William, amiga? — indaguei, com os meus olhos fixos nos
dela. — O que ele vai pensar de tudo isso?
Com um sorriso estampado nos lábios, ela me respondeu: — Se você
não contar, eu também não conto.
Autor(a): babyuckermann
Esta é a unica Fanfic escrita por este autor(a).
Prévia do próximo capítulo
Quando aquela nossa conversa chegou ao fim, recusei o convite, mas, assim como acontecia no tempo da escola, Maite insistiu demais e apelou para frases do tipo: “você vai mesmo privar a amiga entediada que não visitou durante anos de se divertir em uma festa”? Consequentemente, acabou me fazendo ceder. Ela conseguia ser muito persuasiva quando queria ...
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