Fanfic: Bruto e Indecente | Tema: vondy
A minha visão estava completamente embaçada e tudo parecia girar, deixando-me ainda mais desorientada. E por mais que a minha cabeça estivesse explodindo — certamente, uma consequência de toda aquela bebida que ingeri na festa —, esse não era o meu principal problema.
Não me lembrava de muita coisa da noite anterior. Com exceção do que havia acontecido nas primeiras horas, tudo o que eu sabia era que havia exagerado no álcool e que tinha feito coisas que a Dulce Savinnon sóbria nunca cogitaria em fazer.
Meu pavor aumentou no instante em que observei os detalhes do lugar em que estava.
A decoração era escura e simples demais, extremamente masculina — e de um péssimo gosto, diga-se de passagem. Definitivamente, não se tratava de um dos quartos da casa dos meus pais, nem o mau gosto pavoroso da minha mãe conseguiria dar vida a um lugar horripilante daqueles. E por mais que o gosto da minha amiga também fosse bem duvidoso, alguma coisa me dizia que não era um dos que Maite e William tinham na deles.
Estava deitada em uma cama dura e coberta com uma colcha verde desgastada, que parecia ser o cobertor de algum animal de estimação e não algo adequado para o uso de um ser humano, entretanto, a parte mais assustadora era que eu estava vestindo apenas roupas intimas.
Isso fez com que eu, no mesmo segundo, olhasse para o chão, a procura do restante das minhas coisas.
Não encontrei nada; nem roupas, nem bolsa e nem sapato.
Naquela fração de segundos, tudo o que a minha mente focava era em colocar alguma vestimenta no meu corpo e sair o mais rápido possível daquele lugar desconhecido, dando um fim no que parecia ser um filme de terror.
— Então a bela adormecida finalmente acordou? — disse uma voz grossa, com um sotaque típico do interior, arrastando o “R” de “adormecida” e quase comendo o “U” de “acordou”. — Já tava na hora.
Instantaneamente, voltei o meu olhar na direção daquela voz grossa e desconhecida, e avistei um homem alto, com uma expressão felina estampada no rosto. Ele encarava-me como se eu fosse uma de suas presas tolas, uma que acabara de se enroscar na arapuca do predador e que estava com os segundos contados.
Outra coisa que me intimidava — além de seu olhar analítico — era o fato de ele ser muito atraente, daquele lote de homem que consegue ser o tipo de toda mulher. Seus cabelos eram de um tom castanho escuro, que facilmente podiam ser confundidos com o preto. Já os seus olhos, eram de um verde vivo, totalmente hipnotizante, trazendo um contraste perfeito.
Só não me senti ainda mais atraída porque ele não parecia possuir mais de vinte e poucos anos e eu já era madura demais para ficar brincando com crianças.
Devido a situação em que eu me encontrava, sem memória e praticamente pelada na cama de um completo estranho, tê-lo a minha frente foi mais do que o suficiente para que eu entrasse em total desespero.
Muito provavelmente, estava encarando a pessoa que dormiu ao meu lado naquela cama, a mesma que me ajudou a tirar cada uma das peças de
roupa do meu corpo. E — a parte mais aterrorizadora — alguém que eu não sabia nem mesmo o nome.
Não tinha como não ficar apavorada com algo assim, independente da aparência do sujeito.
Sem nem pensar, apanhei o cobertor velho e me enrolei nele, antes de me levantar da cama, ficando de frente com o desconhecido.
Demorei um pouco para perceber que ele estava segurando uma bandeja de plástico com algumas torradas e um suco que identifiquei como sendo de laranja.
— Onde… onde eu estou? — questionei com um pouco de dificuldade, enquanto continuava tentando manter a calma. — E quem me trouxe pra cá?
O moreno não respondeu a nenhuma das minhas perguntas, se limitando a continuar parado a minha frente, com um sorriso debochado, acompanhado de um olhar enigmático.
O seu silêncio foi o estopim para a minha explosão.
— Você é surdo ou só idiota mesmo? — disse a ele, dessa vez sem gaguejar.
Ao que tudo indicava, toda a minha paciência e autocontrole haviam evaporado, junto com a memória da noite anterior.
A minha frase deu conta de arrancar o sorrisinho irritante dos lábios
dele.
Depois disso, sua resposta não demorou a vir: — A madame tá num quarto, enrolada no meu cobertor e se abaixar um pouquinho a bola, prestes a provar do meu delicioso café da manhã.
Seria impossível ouvir uma resposta mais vaga do que aquela.
O cretino realmente estava empenhado em me irritar.
Cansada de esperar uma resposta decente daquele caipira, eu dei três passos e passei por ele, decidida a pegar as minhas coisas e ir embora.
Minha determinação só durou até o momento em que cheguei à porta. Mesmo não querendo voltar a olhar para ele, eu ainda não tinha ideia de onde estava a minha bolsa e, o mais importante, o restante das minhas roupas. E como não poderia partir vestindo calcinha e sutiã, fui obrigada a recorrer ao infeliz que continuava bloqueando o meu campo de visão.
— Onde você colocou as minhas coisas? — perguntei de forma mais agressiva, torcendo para que dessa vez ele me desse logo a resposta.
Inicialmente, pela maneira com que a expressão de seu rosto se transformou, eu pensei que ele finalmente fosse pronunciar alguma coisa relevante, mas, como sempre acontecia comigo quando se tratava de homens, eu estava enganada.
— Seu nome é Dulce , né? — A sua voz soou de forma mais pacífica. — Acalma um pouquinho...
Ele colocou a bandeja em cima de uma mesa velha e sorriu, realmente tentando passar por cima de toda a minha agressividade. O caubói sentou-se na cama e deu um tapinha no espaço vago ao seu lado.
— Senta aqui comigo, come um pouco do café que preparei e eu te explico tudo que aconteceu com mais calma.
Como eu não me movimentei, ele se levantou e se aproximou de mim, mas antes que o homem pudesse chegar até onde eu estava parada, eu me afastei, dando dois passos para trás.
— Eu não quero a droga do seu café da manhã… Quero as minhas coisas e só! — gritei, cansada de ter que ficar repetindo sempre a mesma coisa, parecia que eu estava conversando com uma parede.
Antes que ele pudesse abrir a boca e despejar mais daquela conversa fiada, eu completei: — E você não tem vergonha na cara, não? Trazer uma mulher completamente bêbada pra sua casa e se aproveitar dela?
O desconhecido ficou extremamente sério e, logo em seguida, começou a rir, como se eu estivesse lhe contando uma piada engraçada ou falando algo estúpido e sem sentido.
— Cê tá dizendo que eu te abusei... É isso mesmo? — questionou-me ele, finalmente compreendendo todo o problema daquela situação. Como fiquei em silêncio, confirmando a sua pergunta, ele prosseguiu: — Eu nunca… — Ele riu e balançou a cabeça, como se gritasse o quanto estava descrente com a minha acusação. — Nunca precisei disso pra pegar mulher nenhuma. — Os olhos verdes dele analisaram o meu corpo de uma forma que me deixou bem desconfortável. — E, com certeza, eu que não começaria com… com uma perua fresca dessas.
Se há alguns segundos eu estava me sentindo incomodada com a possibilidade de ter transado com ele bêbada, agora estava ofendida por ele sugerir que não faria isso comigo, como se eu não estivesse a sua altura.
Foi impossível não me sentir agredida por aquele “perua fresca”.
O caipira fez com que eu me sentisse velha.
— E, ainda assim, me arrastou para a sua casa e pra sua cama, não é mesmo seu cachorro? — rebati, pegando nojo daquela expressão sarcástica que ele mantinha estampada no rosto.
Naquela fração de segundos, eu me detestei por, em algum momento, já tê-lo achado bonito.
Outra vez, eu não lhe dei chances de soltar mais um comentário ridículo: — O único motivo por eu ter deixado aquela festa com um caipira nojento, que se presta a vestir uma camisa xadrez ridícula como essa, foi porque estava bêbada demais pra me dar conta disso — ataquei, constatando que ele devia mesmo se tratar de um peão qualquer. — Agora, novamente, onde estão as minhas coisas ou será que eu vou ter que chamar a polícia?
— Tá tudo ali no banheiro, madame — disse ele, finalmente dando-me uma resposta decente, ainda que finalizasse com o irritante “madame”.
Por mais que o quarto fosse bem simples — típico de um peão da classe dele —, se tratava de uma suíte, então não demorei muito para localizar o banheiro. Sem perder mais nenhum minuto, caminhei em direção à porta do outro lado do cômodo e, por sorte, encontrei a minha bolsa e uma sacola amarela ao lado dela, onde o idiota havia guardado as minhas roupas.
Resolvi checar se a minha carteira e todos os outros pertences ainda estavam dentro da bolsa, pois não confiava nem um pouco naquele cara. Quando constatei que ele não havia furtado nada, eu abri a sacola para finalmente colocar um pouco de roupa no meu corpo e dar um fim a todo aquele pesadelo.
Assim que eu desfiz o nó, o meu estomago se revirou com o cheiro nojento que o conteúdo exalava.
O meu vestidinho rodado estava lavado de vômito. Se eu não tivesse fechado aquilo alguns instantes depois de abrir, teria vomitado mais. Cheguei a sentir o gosto amargo tomando conta da minha boca.
— Cê praticamente me obrigou a te trazer pra cá, ficou miando alguma
coisa sobre querer esquecer um tal de Diego — A voz do caubói surgiu novamente, pegando-me de surpresa. — Disse que eu era gostoso e implorou pra eu te comer.
A última palavra deixou o meu rosto vermelho.
Foi impossível não me irritar. Não porque achava que ele estava mentindo. Na verdade, o que me irritava era justamente o oposto, o fato de eu saber que ele estava certo. A ideia de que eu o obriguei a me arrastar para aquele barraco, que dei em cima dele — pedindo para ser “comida” — e vomitei nas minhas próprias roupas não parecia nada louca ou improvável. A minha dor de cabeça e ele ter errado o nome do meu ex-noivo por um “o”, apenas corroborava com isso.
— Como sua amiga já tinha dado no pé, eu achei melhor trazer cê pra cá e evitar que dirigisse bêbada igual uma gambá por essas bandas.
Eu me virei, encarando aquele sorrisinho nojento e vitorioso que coloria os seus lábios rosados e terminei de ouvir o que mais ele tinha para me dizer.
— E quando nós dois chegamos aqui, cê tentou me agarrar… — Ele riu, mostrando-me que o pior ainda estava por vir. — Eu só não precisei fugir porque cê vomitou em nós dois e apagou. Foi nojento pra cacete.
O olhar dele fez com que eu engolisse todas as palavras que tinha pronunciado mais cedo, junto com a razão que eu pensei possuir.
Tudo isso se transformou em vergonha.
Uma vergonha humilhante.
Mas como eu já devia esperar — e como eu realmente merecia —, ele não aliviou as coisas para o meu lado.
— A única coisa que eu fiz, foi impedir que a madame aí dormisse embalada no próprio vômito. Então, não tem de quê!
Em uma vingança boba, ele nem me deu chance de falar, deixando o banheiro no instante em que eu abri a minha boca para lhe fazer um pedido, praticamente implorando por ajuda.
Sem nenhuma alternativa, eu me obriguei a correr na sua direção, pois precisava conseguir alguma coisa para vestir. Porém, quando você acusa e maltrata uma pessoa sem motivos, pedir por um favor pode não ser a coisa mais fácil do mundo. E por mais que o meu rosto estivesse tão vermelho quanto uma pimenta, eu não tinha outra saída.
— Você… você… — comecei a dizer, com ainda mais dificuldade do que antes. As palavras simplesmente desapareciam no momento em que eu mais precisava delas. — Você tem uma camisa pra me emprestar?
Ficou evidente o quanto ele estava adorando me ter naquela posição, quase implorando por uma coisa sua. E ainda que eu merecesse em parte, isso não tornava a situação menos humilhante.
— Então agora a bonita quer a ajuda do caipira aqui? — provocou-me ele, tornando a sorrir daquela maneira que me tirava do sério.
Eu precisei engolir uns dez tipos de palavrões para não me complicar ainda mais. Quando finalmente me dei por vencida, balancei a minha cabeça, respondendo a sua pergunta com um tímido gesto.
Sim.
Eu precisava da ajuda do peão.
Segundos depois dessa minha confirmação, o caubói começou a desabotoar a sua camisa xadrez — aquela que eu havia chamado de ridícula
— e, nesse instante, os meus olhos me traíram, colando em sua pele bronzeada, queimada pelo sol. Eu não consegui deixar de estudar cada pedacinho daquele seu abdome musculoso, que, muito provavelmente, era fruto do trabalho braçal no campo.
— Se quiser, vai usar a camisa xadrez ridícula que tanto desprezou — disse ele, trazendo-me de volta a realidade, ao entregar-me a peça de roupa suada. Como eu demorei pra pegá-la de sua mão, o peão continuou com a sua sessão de tortura: — Ou cê pode voltar pra casa vestida de vômito, a madame que decide.
Sem dizer mais nenhuma palavra, o marrento jogou a camisa em cima da cama e se virou, pronto para deixar o quarto. No entanto, antes de me abandonar ali, o infeliz pegou a bandeja com o café, que agora estava com uma cara maravilhosa.
— Mulheres mal educadas não merecem café da manhã — finalizou o cretino, levando a comida junto com ele.
Por mais que eu fosse uma mulher de convívio complicado, não tinha muitas desavenças e eu não odiava quase ninguém. Mas aquele cara, com toda a certeza, já estava ocupando uma ótima posição na minha listinha do ódio, o seu nome permaneceria por muito tempo sublinhado na cor vermelha.
Mesmo detestando a ideia de vestir a roupa brega e suada que aquele inútil havia acabado de tirar do corpo, fui obrigada a fazer isso.
Eu já conseguia até imaginar o olhar da minha mãe me vendo chegar com aquela camisa. Ela ganharia o dia me assistindo de forma tão deplorável. E pior do que o seu olhar, seria ter que ouvir algum de seus típicos comentários irônicos.
Mas se existia alguém que eu estava odiando mais do que o caipira mal
educado, era Maite — a pessoa que deveria ter agido como a minha amiga. De acordo com aquele babaca, ela foi embora e me deixou lá sozinha e bêbada, completamente exposta a todo tipo de perigo.
Eu podia me considerar uma pessoa sortuda por ter ido parar na cama de um cara só insuportável. Sabia que a situação podia ter sido muito pior, ele poderia ser insuportável e assassino.
Ao deixar o quarto do caipira, que provavelmente trabalhava de caseiro na fazenda, avistei a caminhonete do meu pai estacionada ao lado de uma árvore.
Vê-la ali, em segurança e ao meu alcance, me aliviou por completo, sendo exatamente o que eu precisava para dar um fim a todo aquele pesadelo.
No fim das contas, pelo menos, o caubói idiota serviu para alguma coisa. Ele havia buscado o carro no local da festa, guardou em segurança no quintal, escolheu até um lugar que não pegasse muito sol e devolveu a chave para dentro da minha bolsa. Por mais que eu nunca, em hipótese alguma, fosse assumir algo do tipo, realmente estava grata pelo gesto.
Observei por uma última vez a propriedade e dei partida, torcendo para nunca mais ter que cruzar com aquele imbecil.
Autor(a): babyuckermann
Esta é a unica Fanfic escrita por este autor(a).
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Exatamente como eu havia imaginado — enquanto dirigia para o “Paraíso” —, minha mãe foi a primeira pessoa que me viu chegando, vestindo apenas a camisa daquele projeto de caubói idiota. Ela estava sentada na cadeira de balanço marrom, que ficava no quintal da casa. E da maneira como olhava para frente, parecia que estava al ...
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