Fanfic: A solução | Tema: .
A SOLUÇÃO
Ela chamava-se Isabel e estava fora dos padrões de beleza. Era ansiosa, e muito indecisa. Ora gostava de sair, dar risadas, conversar, e em determinadas situações, fechava-se em seu mundo paralelo. Era nestes momentos que usava sua amiga como “muleta” para fugir de seus problemas. Zulema era a sua melhor amiga. Pobre Zulema! Pelo menos era o que dizia a todos com aflição, querendo compensar com a própria veemência a falta de amizade que a outra lhe dedicava. O sentimento de amizade não era recíproco. Oh, que coisa estranha!
Zulema era pensativa e sorria sem ouvi-la, continuando a escrever. Na verdade, não sei como mantinham essa amizade, cada uma com seus interesses e pensamentos diferentes. À medida que a amizade de Zulema não existia, a amizade de Isabel mais crescia. Zulema era de rosto oval e aveludado. O nariz de Isabel brilhava sempre. Havia no rosto de Isabel uma avidez que nunca lhe ocorrera disfarçar: a mesma que tinha por comida, seu contato mais direto com o mundo.
Por que Zulema tolerava Isabel, ninguém entendia. Ambas eram datilógrafas e colegas, o que não explicava. Ambas lanchavam juntas, o que não explicava. Saíam do escritório à mesma hora e esperavam condução na mesma fila. Isabel sempre pajeando Zulema. Esta, distante e sonhadora, deixando-se adorar.
Zulema era pequena e delicada. Isabel tinha o rosto muito largo, amarelado e brilhante: com ela o batom não durava nos lábios, ela era das que comem o batom sem querer. Acredito que comer era a sua fuga do que lhe incomodava. Gostei tanto do programa da Rádio Ministério da Educação, dizia Isabel procurando de algum modo agradar. Mas Zulema recebia tudo como se lhe fosse devido, inclusive a ópera do Ministério da Educação. Só a natureza de Isabel era delicada.
Com aquele corpo enorme, podia perder uma noite de sono por ter dito uma palavra menos bem dita. E um pedaço de chocolate podia de repente ficar-lhe amargo na boca ao pensamento de que fora injusta. O que nunca lhe faltava era chocolate na bolsa, e sustos pelo que pudesse ter feito. Não por bondade. Eram talvez nervos frouxos num corpo frouxo. Na manhã do dia em que aconteceu, Isabel saiu para o trabalho correndo, ainda mastigando um pedaço de pão.
Quando chegou ao escritório, olhou para a mesa de Zulema e não a viu. Uma hora depois esta aparecia de olhos vermelhos. Não quis explicar nem respondeu às perguntas nervosas de Isabel. Isabel quase chorava sobre a máquina. Afinal, na hora do almoço, implorou a Zulema que aceitasse almoçarem juntas, ela pagaria. Foi exatamente durante o almoço que se deu o fato. Isabel continuava a querer saber por que Zulema viera atrasada e de olhos vermelhos. Abatida, Zulema mal respondia. Alice comia com avidez e insistia com os olhos cheios de lágrimas. – Sua gorda! disse Zulema de repente, branca de raiva.
Você não pode me deixar em paz?! Isabel engasgou-se com a comida, quis falar, começou a gaguejar. Dos lábios macios de Zulema haviam saído palavras que não conseguiam descer com a comida pela garganta de Isabel G. de Almeida. – Você é uma chata e uma intrometida, rebentou de novo Zulema. Quer saber o que houve, não é? Pois vou lhe contar, sua chata: é que Paulinho foi embora para Lisboa e não vai mais voltar! agora está contente, sua gorda? Na verdade Isabel parecia ter engordado mais nos últimos momentos, e com comida ainda parada na boca. Foi então que Isabel começou a despertar. E, como se fosse uma magra, pegou o garfo e enfiou-o no pescoço de Alice. O restaurante, ao que se disse no jornal, levantou-se como uma só pessoa.
Mas a gorda, mesmo depois de feito o gesto, continuou sentada olhando para o chão, sem ao menos olhar o sangue da outra. Zulema foi ao Pronto-Socorro, de onde saiu com curativos e os olhos ainda arregalados de espanto. Isabel foi presa em flagrante. Algumas pessoas observadoras disseram que naquela amizade bem que havia dente de coelho. Outras, amigas da família, contaram que a avó de Isabel, dona Rosita, fora mulher muito esquisita.
Tempos depois, constataram que Isabel sofria de um distúrbio mental e encaminharam-na para um instituto psiquiátrico para que ela realisasse seu tratamento.
Autor(a): derekgrilho
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