Fanfic: O destino dos céus | Tema: Dulce Maria
⎼ E as contas desse mês já foram fechadas ⎼ comentou Samanta, a gerente do hotel Heaven Royals do Rio de Janeiro. ⎼ Nós estamos com bastante movimento, agora que é alta temporada e as praias estão cheias. Este mês, ao que tudo indica pela lotação, ficaremos no lucro.
⎼ É uma notícia muito boa, Samanta! ⎼ Dulce Maria parabenizou-a e anotou em seu caderno este último ponto que faltava ser discutido. ⎼ É exatamente isso que precisamos para expandir mais o nosso nome, que as pessoas se interessem pela estadia e indiquem às outras. E alguma questão em sua unidade?
Samanta se calou, colocando uma expressão preocupada no semblante. Dulce aguardou que ela explicasse qual era o problema, pacientemente. Ela era a acionista majoritária da rede hoteleira e fazia questão de estar em contato com cada uma de suas gerentes semanalmente a fim de compreender a necessidade de cada um dos hotéis, já que eles tinham suas peculiaridades. Mesmo sendo uma chefe compreensiva e ativa na hora de resolver problemas e orientar as gerentes, nenhuma delas gostava de dar más notícias a Dulce, deixando normalmente esse papel com Anahí, sua assistente e amiga.
⎼ Ahm, ocorreu sim um problema ⎼ ela começou. ⎼ Tem a ver com o sistema que implantamos para unificar as reservas e os pagamentos.
Dulce arqueou as sobrancelhas e rebateu:
⎼ Pelo que entendi, nos últimos dois anos esse sistema tem funcionado perfeitamente bem e facilitado a vida de todos nós na hora de fechar o registro.
⎼ Isso, com certeza, não podemos negar ⎼ Anahí concordou. ⎼ O problema é que esse sistema é on-line.
⎼ Any, você está rodeando o assunto… Ser on-line é exatamente a solução.
⎼ Tá certo. O que aconteceu foi que alguém acessou nossos registros financeiros e retirou quantias de cada uma das unidades.
⎼ Como isso foi possível? ⎼ Dulce se espantou com o ocorrido ⎼ Os criadores do sistema garantiram que era eficaz e seguro, não foi? Tenho certeza que isso foi contemplado no contrato.
⎼ Eles garantiram há dois anos ⎼ a assistente relembrou. ⎼ Quando as meninas me avisaram, eu liguei para a empresa que fez nosso software e disseram que ele pode estar vulnerável porque novos vírus e novos invasores vão sendo criados, mas o programa segue sendo o mesmo.
Dulce não respondeu imediatamente, apenas avaliou mentalmente os prejuízos. Como a parte dela era lidar com o dinheiro e os investimentos feitos nos hotéis, era uma perspectiva pouco animadora a de que o software tivesse que ser reavaliado de tempos em tempos e que estivesse exposto a hackers. Ela esfregou os olhos com a palma da mão, sentindo uma pontada de dor na cabeça.
⎼ Então ⎼ ela disse ⎼ nós temos alguns problemas a resolver. O primeiro deles, sem dúvidas, é pedir uma reavaliação do sistema de segurança do software, para que isso não ocorra novamente. Uma atualização.
As seis gerentes assentiram junto a Anahí, enquanto observavam a chefe anotar os pontos ditos com rapidez.
⎼ Segundo: devemos saber como recuperar esse dinheiro que foi perdido para não termos nenhum problema com a falta dele.
⎼ Para isso precisaríamos saber talvez de onde veio a invasão ⎼ sugeriu Ágata, a gerente de São Paulo. ⎼ Teríamos que abater, por enquanto, essa perda com os lucros. Tem como fazer isso?
⎼ Espero que sim, que possamos encontrar o responsável e não deixar faltar enquanto isso ⎼ Dulce respondeu. ⎼ Vou registrar um boletim de ocorrência e já marcar com o pessoal do sistema, eles devem saber algo sobre isso. Enquanto isso, fiquem de olho nas entradas e saídas do financeiro. E qualquer alteração sem explicação, vocês me avisam para que eu possa registrar. Combinado?
⎼ Combinado.
⎼ Muito bem. Então voltamos a conversar na próxima semana, caso não haja mais nenhuma questão. ⎼ Dulce se apressou em terminar a reunião para resolver os pontos mais urgentes. ⎼ Mesma hora de sempre.
Uma a uma, as gerentes se despediram e desconectaram da chamada on-line, sobrando apenas Anahí para uma conversa final.
⎼ Dulce, pela sua cara, essa invasão é preocupante, não é?
⎼ É… Bem, primeiro preciso saber de que quantia estamos falando exatamente...
⎼ Pelo menos, vinte e cinco mil de cada unidade ⎼ respondeu Anahí de imediato ⎼ pelo que calculei com as meninas.
⎼ Meu Deus… Essa é a primeira vez que acontece?
⎼ Acredito que seja a primeira vez que notamos uma saída sem explicação, porque foi muita coisa de uma vez.
⎼ Então, respondendo sua pergunta, é bastante preocupante, sim. ⎼ Dulce respirou fundo. ⎼ Teremos que rever os lucros deste mês, rearranjar para cada unidade e, dependendo de como estiver a situação, a abertura da unidade de Salvador terá que ser adiada.
⎼ Não podemos adiar ⎼ disse Anahí, rapidamente, pronta para explicar seu ponto.
⎼ Se for necessário, podemos e devemos, para que nenhuma das outras unidades tenha problemas.
⎼ Isso vai atrapalhar tudo... Dul, e quanto ao boletim de ocorrência?
⎼ Vou registrar agora mesmo, terminando de falar com você. Preciso que me passe as quantias exatas que vocês calcularam e quando essas diferenças foram notadas em cada um dos hotéis. Preciso de todos os dados, Any. Quanto mais completo, mais fácil para a polícia agir.
Anahí encaminhou todos os documentos necessários para que Dulce pudesse fazer a denúncia. No entanto, seguiu parecendo preocupada com a ideia do registro.
⎼ Nunca tinha acontecido isso antes, de precisarmos registrar na polícia, não é?
⎼ Nas situações que tivemos problemas com os hotéis, boa parte dos problemas nós mesmas causamos, por pura ingenuidade e por sermos novas nesse ramo. Você lembra de quando registramos o CNPJ errado e veio um monte de cobrança no nosso nome? ⎼ Anahí fez uma careta e concordou. ⎼ Ou quando abrimos a unidade do Rio antes de encontrar um gerente decente e ficamos sem gerente por um tempão? Isso tudo foi erro nosso. E sendo erro nosso, foi mais fácil consertar.
⎼ Certo, nesse caso, não temos culpa e vai ser mais difícil, então?
⎼ Acredito que não totalmente ⎼ Dulce considerou. ⎼ Não me recordo de o pessoal da empresa ter dito sobre reavaliação periódica do sistema para atualizar a segurança ou de termos perguntado sobre isso.
⎼ É, acho que não ⎼ a assistente respondeu. ⎼ Mas e quanto à Fundação?
Além da rede hoteleira, Dulce mantinha uma fundação dedicada à educação de um número de crianças correspondente a toda uma cidade de pequeno porte. Sua intenção sempre foi devolver parte de sua sorte a outras pessoas que precisavam dela. No entanto, essa ameaça aos lucros poderia abalar significativamente em como a Fundação funcionava.
⎼ Não pretendo mexer nos ganhos das crianças ⎼ ela respondeu, firme.
⎼ Mas…
⎼ Any, se for necessário adiamos a unidade de Salvador. Se for preciso, fecharemos a unidade de menor lucro. A Fundação segue sem prejuízos.
Irredutível, Dulce encerrou o assunto, deixando com Anahí a tarefa de acompanhar de perto as gerentes e garantir que nenhuma informação deixasse de chegar a ela. Anahí prometeu voltar a entrar em contato assim que voltasse de seu outro trabalho.
Dulce apreciava tudo que pudesse ser feito com a intenção de ajudar: para ela, o ramo hoteleiro, mais que um negócio, era uma forma de estender a mão. Em cada um de seus hotéis havia uma cota de quartos confortáveis e acessíveis para que famílias de menor renda pudessem ter seu divertimento como as famílias ricas que costumavam frequentar seus estabelecimentos. Esses ganhos compensariam os outros, e tudo podia seguir sem problemas. Além disso, os hotéis eram a fonte de investimento em muitas crianças que teriam muito poucas oportunidades de estudo, uma vez que parte dos lucros eram investidos na Fundação.
E, precisamente, a prestatividade era uma das qualidades de Anahí e o motivo pelo qual eram amigas há tantos anos. Além de ser sua única confidente humana, considerando que seu cachorro também ouvia muitos dos problemas pessoais de Dulce, Anahí mantinha um trabalho voluntário em uma instituição de educação voltada a pessoas que precisavam de um ofício. De sua parte, ela ensinava jovens e adultos a cuidar das finanças pessoais e laborais assim como Dulce a ensinou anos antes, quando a convidou para trabalhar com ela.
Dulce terminou de anotar e revisar rapidamente todos os dados passados pela amiga e acessou o site da Polícia. Tentou o mais breve possível relatar os ocorridos, anexar os documentos que provavam interferência externa e também conseguiu pedir auxílio para encontrar algum responsável pela movimentação do dinheiro. A dor de cabeça seguia latejando atrás de seus olhos, como se essas preocupações martelassem, não deixando que esquecesse que algo estava mal e ainda não tinha sido resolvido.
O celular acendeu, mostrando uma mensagem que havia chegado: era de Anahí com os seguintes dizeres: “Vai comer e descansar um pouco. Amanhã resolvemos isso”.
Ela pensou mais uma vez ter sorte de ter alguém para cuidá-la.
Dulce não achava necessariamente fácil ser ela mesma. Tinha dificuldade com as pessoas. Não que lhe faltasse tato, pelo contrário: sabia manejar muito bem as situações, sabia conquistar pessoas, sabia tudo o que tinha que fazer e o fazia muito bem. Apenas não se sentia à vontade em relação a estar com outras pessoas, não podia ser íntima de ninguém. A única pessoa que a conhecia melhor era Anahí. A amiga estava com ela desde os tempos de colégio, frequentaram a mesma sala de aula, frequentaram as casas uma da outra e estiveram uma pela outra em momentos difíceis.
Sendo assim, desde que abriu a segunda das seis filiais do Heaven Royals, ela decidiu que apenas lidaria com aquilo que precisasse: as gerentes eram poucas, Anahí sempre intermediava os contatos, e o dinheiro e as decisões objetivas não se expressavam mais do que precisavam. Podia estar a par de tudo e em contato com o mínimo.
Resistindo em levantar-se da frente da tela do computador, Dulce colocou em ordem seus pensamentos. A esta hora, não haveria o que fazer em relação ao problema do sistema. Deveria de fato tomar um banho, comer algo e descansar, ou amanhã não conseguiria pensar bem para resolver as coisas. Acatou, por fim, a sugestão de Anahí, porém não conseguiu desligar-se totalmente: ficou pensando se nada mais havia passado que não tinham percebido. Decidiu que depois de cuidar de si, iria repassar os arquivos e buscar novas informações.
***
⎼ Outro registro sobre retirada de quantias em dinheiro de uma empresa apareceu hoje.
O chefe do departamento de polícia de São Paulo convocou seus investigadores para repassar o recado. Comunicou que já era, nesse mês, o quarto boletim de ocorrência que falava sobre a mesma ação. Mas dessa vez uma empresa grande registrava e as quantias eram igualmente imensas.
⎼ Precisaremos de todos atentos a essas questões. Mendes, a partir de amanhã você se encarrega da empresa número um ⎼ disse o oficial estendendo um envelope ao policial ⎼ vai conversar com os encarregados. Precisamos de qualquer pista que nos leve a quem está por trás desse roubo. Koeller, número dois. Landgraf, número três. Lopes, quatro. Tentem cobrir o máximo de informações que puderem. Quero os relatórios o mais rápido possível.
Dadas as instruções, os investigadores se retiraram da sala. Alexandre Koeller abriu seu envelope e foi agraciado com a maior das empresas. Ele sabia que o chefe tinha escolhido a dedo quem ficaria com cada uma. Nos últimos meses, as maiores investigações tinham incluído um dos quatro policiais, e ele era o mais presente. Era o policial com maior sucesso daquela delegacia, segundo a lousa que levava o placar da competição anual da unidade. Pretendia manter seu reinado, obviamente.
O boletim registrado falava da rede hoteleira Heaven Royals, com seis sucursais no país. Trazia o nome da principal acionista como responsável pelo registro, Dulce Maria Fernandez, e seus dados para contato. Teria que conversar com ela, certamente. Trazia o nome de Anahí Pontes como representante comercial e relatava também dados das seis gerentes. Koeller pensou em todas as viagens que faria e teve certeza de que ao menos sua estadia estava garantida.
Não pode evitar um sorriso torto. Iniciaria no dia seguinte a investigação e seria ele o responsável por resolver. Dedicou um olhar divertido aos outros três “competidores”, que igualmente liam os registros e se olhavam, desafiando-se. Indicou a eles o porquê de estar ali:
⎼ Que comece o jogo!
Autor(a): catarinapereira
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