Fanfics Brasil - Uma Visita - Parte I O Fantasma das Cinzas

Fanfic: O Fantasma das Cinzas | Tema: Fantasia, Vingança, Saga, Romance, Terror, Suspense, Aventura


Capítulo: Uma Visita - Parte I

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"Você se arrependeria se sua vida terminasse assim?
Como uma árvore fossilizada, da qual não se pode tirar flores."


Era difícil de ver o brilho do sol por conta da densa floresta de bordos cobrindo o céu em uma camada que misturava diversos tons de verde, laranja e vermelho, criando um tapete de chamas acima da floresta. De rotas abandonadas, boa parte das trilhas daquela região haviam sido retomadas pela natureza, tornando-se memórias de um passado esquecido desde que a região de Aki no Kuni, a Terra do Outono, fora abandonada. Eventualmente uma alma perdida vagava por lá, e geralmente tais almas perdidas eram um dos sete Santos, os guerreiros lendários que cuidavam do balanço entre os dois mundos – o terreno, dos mortais, e o espiritual, dos fantasmas, espectros e almas – e alguns poucos mercadores que optavam por cortar caminho em muitas de suas rotas.


Dessa vez, porém, quem estava lá não era nenhum dos Sete ou vendedores de bens, mas sim uma mulher de aparência jovial e enérgica, ajoelhada em uma das poucas partes da floresta que ficava com o céu relativamente aberto. Diante dela jazia uma construção antiga de tijolos vermelhos que certamente já havia tido dias melhores. Rachaduras se formaram em boa parte das paredes, musgo e plantas abraçavam a quase toda a extensão do local, e poças de água espalhadas pelo perímetro serviam de lar para um sapo gorducho e solitário, esse de rosto cansado e triste pela falta de uma parceira, mas que certamente achou na gula uma compensação pela solidão. Com seu barrigão cheio e a necessidade de não dividir alimento com mais ninguém, a criaturinha permanecia silenciosa ali, vivendo seus dias de rei sem súditos. 


— Kakaru toki sakoso inochi no oshikarame...? — A mulher tinha a voz suave. Tão suave que se juntasse com a aparência, tornava-se difícil definir se era de fato uma mulher ou apenas uma garota. De rosto fino e pele delicadamente branquinha, os olhos puxados ostentavam orbes de coloração diferentes. O direito era de um verde que lembrava uma folha na plenitude da primavera, e o esquerdo de um azul tão profundo que era impossível não imaginar um oceano salino e vasto. Ainda de joelhos, ela parecia não se importar com a sujeira da lama na região das pernas, manchando o yukata rosa com um marrom escuro e reluzente. Os cabelos castanhos, esses perfeitamente lisos e alinhados em uma delicada franjinha que ficava reta sobre a testa eram cuidadosamente ajeitados por uma mão lenta de dedos finos e longos. Coçando o narizinho pequeno e batatudo, que parecia se encaixar perfeitamente naquele rosto de boneca oriental, ela suspirou, unindo ambas palmas adiante do peito em posição de prece. Com cabeça baixa e olhos fechados, ela sussurrou outra frase, com suas palavras sendo levadas pelo vento. — Umoregi no hana saku koto mo... — Cada sílaba era proferida em um ritmo de aria que combinava com aquela voz. Não era a voz de uma cantora, mas era uma voz que agradava ouvido o mesmo assim. Uma voz gostosa de se ouvir, mas que não conseguia mascarar o peso da tristeza que aquelas palavras pareciam possuir. Em um silêncio solene, ela permaneceu assim por mais alguns minutos.


Escutava-se somente o som das folhas sacudindo ao vento, e uma vez que outra o ouvido treinado podia captar o ruído das pétalas e folhas que iam de encontro ao chão, cobrindo boa parte da grama verde em uma camada de vermelho que se espichava até onde os olhos não eram mais capazes de enxergar. Os sons da natureza deram espaço para um coaxo do sapo que estava quieto até então, emitindo aquele barulho que mais pareceu o arroto satisfeito após uma refeição silenciosa, e foi nesse mesmo momento que a garota abriu os olhos, piscando diversas vezes. Pareceu ter se perdido no tempo, pois olhava curiosa para os lados e depois para o céu. Esboçando um sorriso fraco, ela encarou o sapo que estava na poça ao seu lado.


— Você deve ser o guardião daqui, não é? — Uma brincadeira boba para quebrar o efeito que não ter ninguém para compartilhar sua vida lhe causava. Era comum ver ela puxando assunto com animais. — Eu morei aqui, sabia? Mas não lembro de muita coisa. Eu era criança quando precisei ir embora. — Uma pausa prolongada... Que foi seguida por um coaxo discreto e rouco, completamente oposto ao anterior. O sorriso da jovem aumentou, e curvando-se para frente, terminou de prestar seus respeitos. — Você tem razão. Vai chover, então é melhor entrar, né?



Erguendo-se, deu tapinhas nos joelhos que serviram para tirar as bolotas de barro que se formaram por conta do peso contra a terra molhada e deu atenção para seus pertences. Pegou a bolsa que carregava consigo, jogando-a sobre um ombro, um chapéu de palha que ela colocou sobre a cabeça, um objeto longo e estreito que se assemelhava a uma barra levemente encurvada, totalmente mumificado por faixas brancas, e uma lamparina que tratou de amarrar na cintura. Carregando tudo, ela simplesmente caminhou na direção da entrada abandonada, parando diante de onde, um dia, houvera um imenso portão que protegia aquele lugar de possíveis invasores. Sua memória lhe falhava de leve, mas bastaria uma caminhada para se lembrar de como era aquele lugar. Ao menos era isso que achava, pois não queria se perder nos vastos corredores do antigo casarão dos Ikigai.


O som da chuva forte era escandaloso, quase ensurdecedor, ecoando pelos corredores escuros junto do vento que gritava como uma mulher desafinada naquela noite trovejante. A única forma de luz eram os eventuais trovões que vez ou outra acendiam o céu e tudo abaixo do mesmo, fazendo com que os clarões brancos revelassem o estado deplorável em que se encontrava a antiga residência Ikigai.


Com paredes e telhas quebradas, muita das áreas internas haviam sido desgastadas pela chuva intensa e sol escaldante. As partes de madeira estavam, em boa parte, totalmente apodrecidas e devoradas por cupins, e o que não havia sido lavado adiante pela chuva se encontrava empoeirado e marcado pela presença de longas teias de aranha. Boa parte dos móveis havia sumido – possivelmente roubados por andantes antes do condado de Ikigai ser desfeito – ou destruído pela força da natureza. De uma forma ou de outra, a única coisa que ainda se encontrava nos corredores eram resquícios de uma antiga família que não existia mais.


E do fundo de um dos corredores que levava para o primeiro andar do casarão, uma fraca luz rósea surgiu. Vinda da escadaria de madeira, uma borboleta de asas etéreas e brilhantes fez daquele ambiente morto seu caminho, deixando que sua luz servisse de visão para a mulher do yukata rosa. Cuidadosa, ela subiu os degraus de madeira com passos delicados, mas que o mesmo assim fazia o chão antigo ranger. Com uma mão segurando seus pertences contra o corpo e a outra se apoiando na parede, ela tratou de habilidosamente pular os degraus finais, finalmente pisando em chão firme. Olhos curiosos e carregados de uma expectativa até então desconhecida para ela observaram o que restava do lugar que uma vez chamou de ‘lar’. Era pouco, mas era o que ela tinha, ao menos nesse momento. Em passos lentos, a andarilha andou pelos cômodos com uma curiosidade felina, sempre sendo acompanhada pela borboleta iluminada enquanto as mãos delicadas corriam telas fechadas que ostentavam o símbolo de sua família para abrir caminho, dando espaço para áreas tão depredadas e abandonadas quanto o restante do lugar. Parou somente quando chegou no lugar que recordava ser o salão central da casa, e ao correr a tela estampada, sentiu tropeçar em algo logo no primeiro passo.


Perfeitamente controlada, a borboleta de luz foi até o chão e ficou batendo as asinhas enquanto rodopiava ao lado do objeto. Uma pintura antiga de um rosto desconhecido para ela, mas que ao mesmo tempo era muito familiar. Um rosto de traços semelhantes aos seus – uma mulher de beleza do oriente, com olhos de um azul profundo e carregado. Agachando-se, a viajante tratou de cuidadosamente tocar o retrato que havia sobrevivido ao teste do tempo, por mais que apresentasse alguns danos aqui e ali. Era uma mulher linda, uma mãe que não conheceu.


 



 


A concentração se partiu com um novo trovejar. O ambiente inteiro foi iluminado por um segundo que pareceu uma eternidade, deixando o clarão branco revelar o restante do imenso cômodo. O que uma vez era uma grande sala carregada de honra e nobreza agora não passava de um bando de tatames surrados e sujos. Quase metade da parede e do teto diante da oriental haviam desmoronado, e no restante dos escombros era possível ver o brasão de sua família depredado pelas mãos de outro ser humano.


O símbolo da cerejeira dourada estava sobreposto com um grande traço em tinta vermelho sangue, e o kanji de Meiyo – honra – havia sido pintado sobre a flor, com uma pincelada final cobrindo a palavra. Honra, cortada no meio. Parada, a mulher levou a mão até a cabeça, segurando o chapéu de palha que pareceu querer voar por conta do poderoso vento que levava. Um segundo trovoar cortou os céus, e os olhos dela enxergaram o que havia por trás dos escombros, logo no jardim.


Indo contra o vento e a chuva, iniciou uma caminhada receosa enquanto a borboleta de luz ficava para trás, batendo suas asas de forma agitada, aparentando nervosismo. Aquele bater de asas acompanhava o ritmo do coração da aventureira, que finalmente parou na frente daquele buraco formado na parede. Um peso caiu sobre o peito enquanto lhe faltou forças para expulsar o ar dos pulmões, e pouco a pouco a borboleta que ficou para trás cessou o bater de asas, caindo sobre o retrato da mulher desconhecida. Como se feita de um líquido luminoso, suas gotas foram seguindo o fluxo do vento até que seu corpo se desfez por completo, apagando o brilho que uma vez emitiu.


De lá, Cho viu a grande cerejeira do jardim completamente destruída. O que uma vez, em dias mais brilhantes fora uma árvore quase milenar e de beleza ímpar não passava de um tronco gigantesco e seco, sem mais nenhuma folha ou fruto. O símbolo de sua casa, outrora uma das mais nobres, reduzido a nada.


— Nakarishi ni... Mi no haru hate zo. — Estática, parecia não se importar com a chuva, continuando o cantarolar que proferiu por breves momentos lá fora. Kanashikarikeru... — Uma voz cansada cantarolou os últimos versos enquanto ela enxergava o seu passado, esse tomado pelo vento e pela água. Era impossível saber se aquilo que escorria por seu rosto era apenas chuva, ou se lágrimas haviam se misturado.


"Triste a minha vida foi...
Destinada a não me dar nenhum fruto."



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Autor(a): swordsaint

Esta é a unica Fanfic escrita por este autor(a).

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