Fanfic: O Fantasma das Cinzas | Tema: Fantasia, Vingança, Saga, Romance, Terror, Suspense, Aventura
Os ventos bruscos da região montanhosa de Shen eram traiçoeiros, capazes de tirar a vida de qualquer viajante desavisado que fosse pego por uma de suas lufadas ensurdecedoras. Um passo em falso era o necessário para simplesmente ser levado por uma corrente, que sem sombra de dúvidas acabava fazendo com que até os mais treinados viajantes descessem as gigantescas montanhas em uma queda livre fatal.
Hoje em dia boa parte das montanhas da região de Shen possuíam estradas muito bem construídas, com diversas estalagens e casas onde viajantes exaustos podiam descansar e se abrigar do clima hostil. Mas aquela não era uma das tais estradas. Inclusive, era de questionar a sanidade de qualquer pessoa - natural das terras montanhosas, ou não - que decidisse enfrentar tal parte da região. Não havia mais nada ali; qualquer sinal de civilização havia ido embora a muito tempo junto dos habitantes que decidiram se mudar para cantos menos tempestuosos de sua terra.
Cho, com toda sua delicadeza e graciosidade felina, não caiu por pura sorte. Parecia que logo antes de uma ventania potente surgir, a Natureza lhe abençoava com alguma fresta entre rochas para abrigar seu corpo esguio, ou as vezes lhe fornecia galhos centenários de porte robusto para se agarrar. Lá de cima era de se imaginar que você teria a visão do resto do mundo, mas olhar para baixo era um atestado de suicídio, e a única coisa que se enxergava eram densas nuvens.
Sua jornada já estava na décima primeira manhã, e o clima gelado fazia com que seu pesado casaco de pele parecesse tão inútil quanto a nudez em pessoa, permitindo que o frio crepitasse por seus dentes. Um denso vapor escapava pelos lábios finos a cada baforada pesada que ela dava, e a mulher tinha mais do que certeza que seu corpo cederia nas próximas horas caso não encontrasse um local próprio para descanso.
Mas ela sabia, também, que estava perto. Perto até demais. Ela não ousaria parar. Abraçando o corpo delicado com mãos feridas, apertou o passo. Seus olhos curiosos pegaram detalhes novos na última hora de escalada; dentre árvores ela viu os resquícios de uma estrada de chão tomada por flores e arbustos, e o que aparentavam ser estacas de madeira, uma vez pintadas de vermelho, porém agora apodrecidas por sol e chuva, guiando um caminho apagado pelo insensível tempo.
O corpo gelado deu espaço para um calor interior que surpreendeu a andarilha. Sem pensar duas vezes, foi seguindo o que restava daquele caminho e entrou na parte mais densa da mata. Se houve alguma vida humana ali, qualquer sinal dela tinha sido devorado pela natureza. Mas essa era a única confirmação que precisava, pois só tinha uma coisa que poderia encontrar naquele fim de mundo.
Mais vinte minutos andando e ela finalmente achou o túmulo de sua busca. As paredes destruídas de uma antiga construção, aparentemente religiosa, sobreviveram milagrosamente ao teste imposto pelo tempo. Um portal de madeira arruinado em diversos pedaços bloqueava a rota planejada, mas foi somente passar por baixo ou cima dos escombros e lá estava ela, finalmente. Ofegante, suada, com todos os ossos estalando e uma terrível falta de ar, porém viva, e com vontade de continuar vivendo ainda mais.
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O teto parecia que iria ceder a qualquer momento, e toda nova lufada de ar que vinha do lado de fora era um minuto que mais parecia uma eternidade para Cho. Era escutar o vento chorando que seu coração apertava. Os pulmões paravam de funcionar, trancando todo o oxigênio dentro da caixa toraxica como se aquele fosse ser seu último sopro de ar. Isso atrasou sua pesquisa em um bom tempo, mas ela já estava, após a terceira noite, se acostumando com a instabilidade do antigo templo dos Santos. Se ele não caiu até hoje, por que caralhos cairia agora?
A sua sorte felina certamente dava conta do recado... Até certo ponto. Boa parte dos manuscritos e pergaminhos que ela encontrou serviram para saciar sua curiosidade sobre alguns mitos e aventuras dos Santos, lotando sua cabeça com todo o tipo de informação sobre como banir espíritos, encontrar rastros deixados por fantasmas e até mesmo diminuir uma cabeça a ponto de pôr a mesma dentro de uma garrafa! Interessante? Sim. Muito! Porém, inútil para sua busca.
Cercada pela pilha de papéis e livros que fez durante os dias, nem mesmo o encanto que sentia pelo aprendizado era capaz de sobrepor a amargura da busca infrutífera. Nenhuma daquelas escrituras milenares tinha a resposta para sua pergunta; O Túmulo dos Santos. Onde ficava?! Já se passaram quase dez anos desde que iniciou sua missão, e se sentia tão próxima de seu objetivo quanto no dia em que deu o primeiro passo de sua jornada. Seus pés cruzaram metade do mundo, mas ela não saiu do lugar.
Revoltada, tratou de segurar as lágrimas que queriam escapar pelas orbes de coloração diferenciada. Uma gota escapou pelo olho verde, mas o azul conseguiu segurar, por pouco. Encolhida, virou-se para a direita e agachou o corpo, pronta para apagar a chama rosada de sua lamparina mística. Algo captou a atenção de seus olhos no mesmo instante.
Um papel amassado, de caligrafia rabiscada e totalmente diferente do restante. Enquanto todos outros resquícios de história ali presentes eram de centenas de anos, aquele em específico era recente. Duas, talvez três decadas? Era impossível dizer, mas a caligrafia era sem sombra de dúvidas vertente da Língua Imperial Moderna. Dedos trêmulos pegaram o papel com cuidado, e ao começar a ler, o vento lá de fora pareceu cessar. Não havia mais o uivo da natuteza, nem o frio gelado montanhês. Somente o som da chama mágica de sua lanterna crepitando discretamente.
"Peço ao meu corpo que me garanta forças para carregar meu peso
Peço ao Universo a sabedoria para distinguir a bondade nos espíritos e a maldade nos homens
Que meus olhos sejam capazes de enxergar as cores da vida, o mesmo que afundadas no Vazio da morte
Que minhas mãos me permitam segurar minha lâmina com firmeza
Que meus ataques sejam verdadeiros
Que meus passos sejam firmes
E que meu julgamento seja, verdadeiramente, justo
Que a Espada seja direcionada ao mal
Que o Saber seja carregado de verdade
Que o Sonho seja real
Que a Floresta me guie
Que a Noite me oculte
Que a Beleza me encante
Que os Espíritos me ouçam
E que, se eu falhar, que os Deuses me perdoem
Pois eles sabem que isso eu não farei."
Foi necessário ler e reler aquela prece rabiscada uma dúzia de vezes para ter certeza de que não estava enganada. A caligrafia, o espaçamento entre palavras, e aquele tom que ela conhecia - e sentia muita saudades de - mais do que qualquer outra pessoa. Aquilo era uma oração feita por seu pai.
No fim das contas, a viagem não foi uma total perda de tempo. Deitando-se de lado no chão, a garota abraçou o pedaço de papel amassado contra o peito, e pela primeira vez em quase dois meses teve seu primeiro sono gentil e bem dormido.
Autor(a): swordsaint
Esta é a unica Fanfic escrita por este autor(a).
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