Fanfic: O Fantasma das Cinzas | Tema: Fantasia, Vingança, Saga, Romance, Terror, Suspense, Aventura
“Crimes hediondos sempre fizeram parte da natureza humana, e não era incomum o relato de alguma história macabra ser levado de boca em boca pelos vilarejos e subúrbios da região. Carregadas de brutalidades inimagináveis, muitas dessas histórias acabavam se tornando em lendas urbanas, contos místicos ou até mesmo histórias de terror para fazer com que as crianças se tornassem mais obedientes em seus anos rebeldes. O problema é que nem sempre tais brutalidades eram mitos, e nem sempre todas eram feitas por humanos.
Cabia a pessoas como eu, um dos Sete Santos Santos, filtrar o que era verdade do que era mentira. E após definir o que era o real do fictício, entender se era algo mundano ou algo espiritual.
Foi após descobrir sobre a sétima morte na semana de Lua Cheia do mês atual que as peças começaram a se encaixar, e sem perder tempo, desviei a rota de minha viagem para aquele vilarejo tão distante dos Jardins Imperiais,
logo na fronteira com a região dos pântanos de Paya Lebat.”
Enxergar era uma tarefa complicada após passar pela fronteira da antiga nação de Paya Lebat. A única forma de entrada era por meio aquático, e somente com a ajuda de habitantes da região fronteiriça era que alguém conseguia uma passagem relativamente segura de uma ponta até a outra. Pagando uma simples moeda para um dos muitos barqueiros, qualquer um podia embarcar nas canoas de madeira apodrecida.
De braços cruzados, o homem de cabelos prateados mantinha o corpo curvado para a frente, encolhendo os ombros. Com um chapéu de palha rasgado, o único detalhe que podia pegar de seu rosto eram os olhos dourados de proporções estreitas e serpentinas, que pareciam ser capazes de enxergar até mesmo pela densa neblina Payanesa. Nenhum detalhe passava despercebido pelo estrangeiro, que apesar de silencioso, era capaz de demonstrar diversas gamas de sensações e sentimentos por aqueles orbes douradas e repletas de curiosidade inquisitiva.
— Você pra Perbatasan, vai? — A pergunta veio da segunda pessoa ali presente, o barqueiro. Um jovem garoto que não devia ter mais do que quinze anos. De pele morena e cabelos lisos, seu penteado lembrava uma panela negra que foi perfeitamente desenhada ao redor de sua cabeça. Ele usava apenas uma bermuda, deixando a parte superior do corpo desnuda. Era um jovem forte, com a pele marcada pelo sol e os bíceps avantajados por conta do constante trabalho braçal de remar contra as águas pastosas da região. Houve um silêncio constrangedor após a pergunta, e ao perceber que estava se intrometendo demais, o garoto se aquietou. Apesar disso, dava para notar a curiosidade dele; os olhos castanhos fitavam seu passageiro com frequência, principalmente a imensa espada nagamaki que ele carregava deitada no colo.
Foi após uns cinco minutos de análise do viajante que o barqueiro curioso ganhou uma resposta.
— Você fala Imperial, então. — O homem de cabelos prateados finalmente deixou a coluna ereta, e em um piscar de olhos pareceu dobrar de tamanho. Seu rosto misturava traços nobres e joviais, mas com um olhar repleto de experiência que também mascarava cansaço. — Eu vou para Perbatasan, sim. Por que a curiosidade, garoto?
Houve outro minuto de silêncio verbal. A curiosidade do garoto lhe traiu, pois dava para notar um certo receio no olhar do mais novo ali presente. De cenho franzido, precisou disfarçar que as gotas de suor eram por cansaço físico, e não nervosismo causado por conta do assunto que se aproximava.
— Perbatasan proibido. Chegaremos no sol se pôr. Eu deixar você, você vai. — O ritmo das remadas se intensificou. Era mais do que óbvio que a curiosidade do garoto era guiada por admiração e também medo supersticioso. O continente inteiro era supersticioso. O povo de Paya Lebat era mais ainda. — Não quero ficar lá a noite. Proibido ficar na rua para garotos. Você não deveria ir. Perigoso. Perigoso, muito...!
— Oh, é mesmo? E pode me contar o motivo de Perbatasan ser tão perigoso para rapazes jovens? — O aventureiro demonstrava cuidado no tom de voz. Era como se ele fosse capaz de instigar a curiosidade alheia para que a mesma superasse o medo instaurado pelo misticismo regional. Era a voz de alguém que sabia do que estava falando, e que com toda certeza do mundo tinha o controle da situação nas palmas das mãos. Aproximando-se mais do jovem barqueiro, o misterioso aventureiro deixou que aquele seu ar de misticismo permeasse a canoa, aguardando a resposta enquanto ostentava um sorriso discreto no rosto.
— Mortes, muitas... — A resposta veio carregada de receio, mas pareceu desinflar o peito do pobre garoto assim que as palavras escaparam dos lábios. Era um peso que tirava ali; toda a superstição assustadora de sua terra. — Sete dias, sete mortes, sete rapazes. Corpos em cortes. — A menção de corpos cortados – mutilados, em verdade – foi o suficiente para fazer o estômago do garoto embrulhar. Com uma face carregada de desgosto, ele voltou a encarar as águas pantanosas enquanto remava sem pausa.
— E essas mortes, como elas são? O que acontece com os rapazes? — A pergunta do viajante não teve resposta.
Mais longos minutos se passaram, e o viajante, relaxando o corpo, escorou as costas no apoio de madeira atrás de si. Deixou o cabo da imensa nagamaki deitado contra o peito e usou a mão livre de travesseiro, logo atrás da nuca, espichando-se como um gato preguiçoso pela canoa. Olhava para o céu coberto por plantas de coloração verde musgo, e foi aí que reparou na mudança abrupta de ambiente. Antes a neblina era algo tolerável, mas de um momento para o outro era como se eles tivessem se enfiado em uma sauna.
Precisou sentar para ter certeza de que ainda estava na canoa, e a única coisa que tinha certeza no momento era que o ritmo das remadas havia diminuído. A neblina era densa e de um cinza forte, deixando uma sensação desagradavelmente grudenta permeando pelo corpo. Era tão intensa que quase se tornava palpável, como medo que não sabia se tomava forma líquida ou gasosa.
— Perbatasan. Estamos chegando... — A voz do barqueiro ecoou de forma sutil. Apesar de compartilharem o mesmo transporte, a única coisa que um poderia distinguir do outro eram suas respectivas silhuetas, que mais pareciam fantasmas perdidos no meio da densa fumaça. — Falar sobre mal atrai o mal...! Perlidungan dari kejahatan! Perlindungan dari kehajatan...! — A canoa desacelerou mais ainda, e agora ao invés de remar, o garoto pressionava uma palma da mão contra a outra, curvando a cabeça em sinal de medo e respeito. Repetia aquelas palavras de forma incessante em um dos muitos dialetos de Paya Lebat. Era mais do que óbvio que ele estava apavorado, pois quanto mais a canoa avançava, mais densa a neblina ficava. E quando ele se desprendeu totalmente do mundo ao seu redor, foi que sentiu a pesada sensação de uma mão repousando em seu ombro. De imediato ele cortou seu canto pragmático, virando-se para trás, e observou o rosto do passageiro surgir dentre a densa névoa.
— Orang suci datang untuk melindungi anda. — O payanês do estrangeiro estava enferrujado, e a forte pronúncia nas vogais demonstrava que aquela não era sua língua predileta..., mas ele sabia bem o que estava falando, visto que completou aquela prece. — O Santo veio para proteger você. Qual seu nome, garoto?
Foi escutar aquelas palavras que um sorriso fraco brotou nos lábios ressecados do jovem barqueiro. Agora ele entendeu tudo. Ele sabia bem quem era aquele homem que estava transportando de uma região para a outra, e o mero conceito do que estava fazendo foi o suficiente para preencher seu corpo com uma força que ele jamais sentiu antes. — Raja. Meu nome é Raja. — Agarrando ambos os remos, voltou a mover os braços como uma máquina nova e carregada de combustível, desbravando a neblina dos pântanos escuros com o desejo de chegar o quanto antes em Perbatasan. Ele seria conhecido por todos de seu vilarejo como o garoto que no dia mais tenebroso e na noite mais aterrorizante, trouxe a salvação de todos em sua pequena canoinha.
Autor(a): swordsaint
Esta é a unica Fanfic escrita por este autor(a).
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"Pensei em um mundo sem memória e sem tempo; considerei a possibilidade de uma linguagem que ignorava os substantivos, uma linguagem de verbos impessoais e epítetos indeclináveis. Assim foram morrendo os dias, e com os dias foram morrendo os anos, mas algo parecido com a felicidade ocorreu em uma manhã. Choveu. Choveu com poderosa lentidão ...
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