Fanfic: Felicidade - Vondy | Tema: Dulce, Christopher, Romance, novela

Na noite de estreia da sua exposição, o conde jazia num leito de um hospital londrino, inconsciente. Até então, ninguém sabia que havia perdido a visão. A notícia saiu nos jornais perto do ano-novo, num grande artigo na edição de domingo. Citaram o nome completo do conde, mas no mundo da arte ele era conhecido somente como Uckermann. Não era difícil compreender por que não o tinha reconhecido de imediato. Cinco anos era um bom tempo e como o conde havia sido apresentado a ela como escritor não pudera ligar as coisas.  Os quadros de Uckermann valiam fortunas, nunca se ouvia dizer que tinham sido vendidos, seu nome nunca era mencionado. Suas pinturas deviam estar espalhadas pelo mundo em coleções particulares, valorizando com a passagem do tempo, pois seu número jamais aumentaria. Com respeito ao mundo da pintura, Uckermann estava morto. Mas o conde Christopher Uckermann de Nimes estava vivo. Assim como Jason Jordan.

Dulce suspirou, tentando voltar para o presente. As lembranças da tragédia do conde a entristeciam muito. De qualquer maneira, era incrível como havia se adaptado à sua situação. Poderia ter trabalhado com ele vários dias antes de adivinhar que era totalmente cego. E haviam tanto sinais... a maneira como tudo estava arrumado no lugar exato, a maneira como ele não a fitava nos olhos a não ser quando estivesse bem perto, a maneira como Finn tinha guardado sua bolsa sob a mesa, para que o conde soubesse onde estava cada coisa.

Dulce meneou a cabeça e suspirou de novo. Christopher Uckermann de Nimes era um homem inteligente e superior. Trabalhar para ele não seria apenas um serviço qualquer, mas uma experiência única e valiosa. Sentia-se feliz por isso. Saindo dos seus devaneios, ligou para Alan, que atendeu na primeira chamada.

— Dulce? Graças a Deus! Eu estava ficando preocupado. Onde está?

— Em casa.

— Bem, eu não a culpo por isso, o tempo está muito ruim para se dirigir. Como foi na entrevista? Ele gostou de você?

— Eu... sim, evidente que gostou.

— Você não parece muito segura disso.

— De qualquer maneira, consegui o cargo. — Dulce continuou explicando que se mudaria para o Solar Serena no dia seguinte, e as razões para isso. Contudo, não revelou detalhes a respeito da identidade de seu novo empregador.

— Sim — ela respondia, quando Alan insistia em saber mais -, ele é um escritor conhecido, mas parece disposto a resguardar sua identidade e privacidade. Portanto, não vou lhe dizer seu nome pelo telefone. — Pensando bem, afora o pessoal da agência, não poderia contar para ninguém mais, a não ser que o conde lhe desse permissão para isso.

Garantindo para Alan que o veria no fim de semana seguinte e dando instruções para preparar um rosbife, Dulce terminou o telefonema, não esquecendo de lembrá-lo de sua promessa de anunciar no jornal que estava procurando alguém para tomar conta da casa. Às onze horas já havia tomado um longo e refrescante banho, o apartamento estava limpo e arrumado, a entrega do leite cancelada. Fizera também uma lista mental das roupas que levaria para o Solar Serena.

A última tarefa do dia era algo um pouco especial. Dulce já se esquecera desde quando havia começado com aquele hábito de escrever um diário. Na adolescência dava importância ao que escrevia, mas agora sabia que sua leitura seria entediante. Mesmo assim, nunca deixava de anotar e comentar alguma coisa sobre seu dia, em geral uma ou duas linhas. Essa noite era diferente. Mesmo usando taquigrafia, como sempre, precisaria de uma folha extra de papel. Afinal, como poderia descrever, em poucas linhas, aquele homem que não saíra de sua cabeça o dia inteiro? Por onde começar? A primeira sentença foi a mais difícil, mas depois o manuscrito fluiu com facilidade. Já passava da meia-noite quando ela afinal foi deitar.

— Se precisar de alguma coisa, senhorita, é só pegar o interfone e apertar o botão. — Finn havia acabado de recebê-la no Solar Serena e usava o mesmo tom neutro do dia anterior para explicar como funcionava a casa.

Seu "quarto" era composto, na verdade, de três aposentos diferentes: uma saleta para se vestir, uma sala de estar e um grande quarto de dormir, com banheiro. Era lindo. As paredes eram pintadas em cores claras, contrastando com o escuro dos tapetes. Não podia imaginar um lugar como aquele. Apesar da promessa do conde de que teria liberdade para usar a casa inteira, será que aquilo não significava que esperavam que ficasse em seus próprios aposentos durante o tempo livre? Afinal, ali havia tudo que precisava. Esse pensamento foi confirmado quando Finn avisou que lhe traria o jantar no quarto, às oito horas.

— O sr. conde começa a trabalhar às sete horas — ele explicou, com sua voz sempre neutra. — A que horas deseja que lhe traga o café da manhã? E o que deseja comer?

— Eu... bem, só chá e torradas, por favor. — Dulce estava sentada na cama e observava aquele rosto sem expressão. — Será que... não seria mais conveniente se eu tomasse o café na cozinha?

Finn nem mesmo deu de ombros quando explicou que para ele tanto fazia.

— Está bem. Pode trazer o café às seis horas, então. Obrigada, Finn.

— Talvez a senhorita não se incomodasse de vir até a cozinha depois que tiver arrumado suas coisas. Gostaria de lhe mostrar onde ficam todas as coisas.

Dulce sorriu e concordou, sem compreender exatamente o sentido daquele convite.

— Sabe, srta. Maria, é muito importante que tudo fique guardado no lugar certo. O sr. conde conhece cada detalhe da casa. Certamente compreende que lhe traria problemas e seria até mesmo perigoso se as coisas não fossem recolocadas nos lugares corretos. Provavelmente algum dia a senhorita se servirá sozinha na cozinha e se houver facas espalhadas, ou mesmo um copo esquecido...

— Sim, eu compreendo, Finn — Dulce garantiu. — Pode ficar descansado que não me esquecerei disto.

— Obrigado, srta. Maria. Gostaria de lhe pedir também que sempre feche as portas por onde passar. — Apesar da maneira educada como falava, Dulce tinha a sensação de que Finn teria uma reação bastante desagradável caso ela não cumprisse as instruções. Com um balançar de cabeça quase imperceptível, ele foi até a porta.

— Finn... você já está com o conde há bastante tempo?

— Pelo sim, pelo não, eu o conheço desde que nasceu.

"Pelo sim, pelo não"... o que significava isso? Retirar uma informação daquele homem era como tirar sangue de pedras.

— Você sabe que eu conheço a identidade do conde? — Não sabia direito por que perguntava aquilo. Na verdade, havia muito mais que gostaria de perguntar a Finn, se sua atitude não fosse tão distante. Ele a fitou por um momento, parecendo considerar bem as palavras antes de dizer.

— Ele me disse, srta. Maria, que a senhorita sabia quem ele era.

Dulce ficou olhando a porta quando Finn saiu e a fechou. Pensava nas palavras do empregado: ela sabia quem ele "era"... Quem teria mudado o tempo do verbo para o passado, o conde ou o próprio Finn? Na verdade, não importava, servia apenas para confirmar seus pensamentos: o conde desejava que o passado permanecesse esquecido e apagado!