Fanfic: Felicidade - Vondy | Tema: Dulce, Christopher, Romance, novela

Por volta das dez horas, Dulce desligou a televisão e fez o que parecia mais certo: foi dormir. Depois de acertar o despertador, deitou com o diário nas mãos, tentando ordenar um pouco os pensamentos. "Hoje me mudei para o Solar Serena...", ela escreveu, "...e dei ao mordomo o nome de o Inescrutável Finn! Não sei se ele me aprova ou não, mas isso não importa pois estou aqui para trabalhar..."

Parou de escrever pensando naquilo. Sim, estava ali só para trabalhar. Portanto, por que sentia-se tão perturbada? Seria a presença de Finn, aquele homem que escondia seus pensamentos? Seria a suspeita de que trabalhar para o conde acabaria se revelando difícil e complicado demais? Não, não era nada disso, pois aquele vago sentimento de desconforto possuía algo... algo como excitação.

Depois de escrever, Dulce fechou o diário. Estava sendo tola, seu sentimento era nebuloso demais para colocá-lo em palavras. Além do mais, nem Finn nem muito menos o conde haviam dito algo que a fizesse se sentir mal. Esse pensamento a animou um pouco e Dulce resolveu abrir o diário e anotar um último comentário. Num esforço para capturar o que estava sentindo, escreveu: "Pinte-me de branco".

Mas o choque que levou ao ver o conde na manhã seguinte, ressuscitou aquele sentimento que ela havia superado. Ele estava sentado em sua cadeira de couro, atrás da grande mesa, meio virado para a janela, de modo que a primeira coisa que Dulce observou foi seu perfil duro e austero. Seus olhos pareciam cinzas e os fios brancos em suas têmporas contrastavam com o negro do resto dos cabelos. Mais uma vez ele vestia preto à exceção da camisa, imaculadamente limpa e branca.

Dulce experimentou novamente aquele sentimento estranho, um desconforto aliado a alguma coisa que a excitava... Sim, não podia negar isso, ao mesmo tempo que não gostava de admitir a maneira como a beleza do conde a tocava. Quando fechou a porta atrás de si, viu o conde passando os dedos suavemente sobre o relógio.

— Você é pontual, srta. Maria, como eu esperava. Está satisfeita com seus aposentos?

— Mais que satisfeita. Muito obrigada. — Dulce estava parada no meio da biblioteca e notou que a cadeira que havia ocupado na entrevista fora mudada de lugar e agora ficava defronte à mesa do conde. Com um gesto, ele a convidou a sentar.

— Já vamos começar a trabalhar. Faremos uma pausa para o café às nove horas.

Dulce sentou-se um pouco nervosa, surpresa com a maneira como ele a fitava nos olhos quando estavam perto, e sem se acostumar com a ideia de que não conseguia enxergá-la.

— Você é capaz de ler taquigrafia feita por outra pessoa? — ele perguntou. — A última secretária teve de partir de repente, por causa de um problema familiar, e as últimas páginas do manuscrito ainda não foram datilografadas. Tenho o hábito de ler as duas ou três últimas páginas antes de recomeçar a ditar.

— Preciso dar uma olhada para saber, depende das abreviações que ela costumava fazer. Cada pessoa que taquigrafa tem seus próprios métodos.

— Você quer dizer que se afastam das regras.

— Sim, é o que quero dizer — Dulce replicou com um sorriso.

— Por que acha engraçado? — o conde perguntou enquanto retirava um grosso caderno da gaveta. Dulce se surpreendeu por ele conseguir perceber seu sorriso.

— Eu... bem, não é que tenha achado engraçado... quero dizer, é interessante ver como simplifica as coisas que digo de maneira mais complicada!

— Bem, não tenho tempo para ficar "enrolando", como se costuma dizer.

Sabendo que não esqueceria aquele comentário, Dulce se levantou para pegar o caderno, retraindo-se quando seus dedos acidentalmente tocaram os do conde. Era como se tivesse recebido um choque elétrico e ela corou, enquanto localizava as últimas páginas escritas. Começou a ler em voz alta e logo percebeu que o estilo do conde escrever era tão econômico quanto a maneira como falava. Não havia palavras supérfluas, tanto na narrativa quanto nos diálogos, o que tornava a leitura fluida e rápida. O interesse e a atenção de Dulce foram imediatamente capturados.

O personagem central era um sujeito chamado Sharkey, um homem rude, capaz de fazer qualquer coisa por dinheiro. Naquele ponto da história, ele estava em Londres recebendo uma missão para cumprir num país da África. Não era o tipo de história que Dulce costumava ler, mas ela soube que ia gostar. Que ótima maneira de ganhar a vida, pensou, observando e seguindo aquela intrigante trama na medida que ia se desenrolando.

— Já está pronta, srta. Maria?

— Sim, pode começar — ela pegou o lápis.

O conde se recostou na cadeira e começou a ditar.

"...Sharkey não quis ficar por perto para ouvir o resto da história. Levantou-se de repente e caminhou até a porta."

"- Esqueça isso — disse para Longman. — A missão é impossível."

"Longman o observou com frieza. Queria Sharkey naquele trabalho, Sharkey e mais ninguém."

"- Que diria se eu dobrasse o seu pagamento?"

"Ao ouvir isso, Sharkey virou-se, um sorriso nos lábios."

"- Diria que é possível..."

Para Dulce, aquela foi uma manhã especial, quando descobriu uma nova maneira de trabalhar. O ditado do conde vinha em espasmos e, durante os momentos de silêncio em que ele ordenava as ideias, ela não ousava mexer um músculo com receio de distraí-lo. Às nove horas, já estava mais que pronta para o café!

O conde se levantou da cadeira e caminhou um pouco para esticar as pernas, com aquele jeito que lembrava o de um felino.

— Já avisei Finn pelo interfone. Ele trará o café em poucos minutos. E então, como está indo?

— Com relação ao ditado? Tudo bem! — Dulce estava surpresa por ele ter chamado Finn sem que ela notasse. Devia haver um botão escondido em algum lugar da mesa. Que homem eficiente ele era, tão organizado! Ela consultou o relógio.

— Sr. conde, gostaria de ligar para a agência, se me permitir. A essa hora o escritório já abriu e é melhor informar onde estou. — Aquilo era verdade. Além do mais, não esquecera que precisava dizer umas coisas a Phillis.

— Fique à vontade. — O conde voltou até a mesa e tomou a caixinha de prata com cigarros. — Há um telefone em seu próprio escritório. — Ele apontou uma porta de comunicação num dos cantos da sala, que Dulce não notara antes. — Pode lhes dizer umas verdades de minha parte, também.

— Como?! — Ela ficou surpresa, mas o conde pareceu levemente irritado, como se não considerasse necessário explicar.

— Você veio aqui no sábado sem saber que tipo de trabalho era este. Para começar, nem lhe avisaram que teria de morar aqui. Senti isso em sua voz, srta. Maria. Percebi que ficou magoada com a agência e que sua lealdade a impediu de revelar que não a haviam instruído corretamente. Assim, é justo que reclame com eles!

Dulce deixou a sala sem dizer mais nada. Sentou em seu escritório, em frente ao telefone, mas não pegou o aparelho imediatamente. Maldição! Como devia ter sido transparente naquela entrevista! Sabia que os sentidos das pessoas que perdem a visão se intensificam, tornam-se muito mais eficientes como forma de compensação. E o conde era capaz de perceber qualquer coisa através das inflexões das palavras, de cada suspiro, de cada sorriso.