Fanfic: Chaves Revolution | Tema: Chaves
Quando Paty e o restante do exército chegou na área da batalha já não eram mais necessários os combatentes, mas sim uma quantidade absurda de ajuda para recolher os corpos.
Dois pontos foram fundamentais para a vitória dos revolucionários naquela batalha. Os homens de Calvillo, apesar de muito melhor equipados, nunca tinham lutado naquele terreno. Foram surpreendidos pela nuvem de poeira quando a astuta Elizabeth decidiu lançar as bombas e bloquear a visão daqueles soldados. Ela provavelmente tinha reparado que muitos usavam os óculos de aviador, que devem ter sido emprestados do exército de Quico, mas não esperavam o quão desesperador era se lançar em meio a tiro cruzado mesmo sem aquele soco de poeira vir diretamente em seus olhos. Mas tinham vários que não o usavam, talvez por não acreditarem que uma pequena poeira iria irritar tanto seus globos oculares, ou também por Quico não ter óculos suficientes para ceder a todos. A atitude de Elizabeth tinha sido fundamental para segurar os primeiros momentos daquela batalha que era completamente desproporcional.
— Muito inteligente, Elizabeth — Chaves cochichou vendo o corpo da colega estirado no chão com um braço e um dos lados do corpo atingidos por uma grande quantidade de tiros. Devem ter sido disparados em uma única rajada de uma metralhadora de soldado desesperado.
Agora, que já haviam tirado o capacete e o óculos de seu rosto, ele conseguiu reconhecer a mulher. Era uma antiga colega de classe, quando estudava com Girafales. Era a mais inteligente da turma e ele a admirava, e até mesmo invejava a capacidade que ela tinha, chegando uma vez a comprar uma estrelinha de boa aluna que o professor havia lhe dado.
O outro ponto fundamental para aquele resultado menos catastrófico do que Chaves poderia ter previsto foi a chegada de Chiquinha em meio a nuvem de poeira com mais uma leva de soldados. A grande maioria já entrou na batalha com armas de curto alcance, buscando acabar com os inimigos corpo a corpo e evitando matar vários dos seus aliados com balas perdidas, ao contrário do que o inimigo estava fazendo.
Mesmo com esse reforço e a vitória na batalha, a quantidade de perdas foi grande para eles. Eram milhares de pessoas estiradas pelo chão, mergulhadas em seu próprio sangue e eventualmente com sangue de outras pessoas sobre elas. A maioria mortos. Os que não estavam, eram avaliados se ainda poderiam ter condições de viver caso fossem levados ao hospital que estaria operando acima da capacidade. Se não fossem percebidas possibilidades de recuperação, eles eram enviados ao outro mundo com um tiro ou um golpe certeiro, que aliviaria seu sofrimento para sempre. Os inimigos que ainda resmungavam presos a um fiapo de vida, mas não conseguiram fugir, eram todos mortos.
As covas começaram a ser cavadas ali mesmo. Até o fim do dia desejavam deixar todos enterrados com uma cruz sobre a cova. Aquela imagem vista pelo outro lado do rio iria levantar calafrios sempre que os inimigos a observassem, e eles lembrariam do que tinham feito.
Chaves e Chiquinha foram embora. Principalmente ele não estava acostumado a ver aquela matança e toda aquela gente destruída. Caminhava derrubando lágrimas no chão poeirento.
— O que você acha de conversar com alguém sobre isso? — Perguntou Chiquinha. — O professor Girafales sempre conseguiu lhe acalmar quando algo te tirava do sério.
Chaves nem se preocupou em enxugar as lágrimas que manchavam seu rosto misturadas a poeira.
— Era o que eu estava pensando…
— Estava? — Ela se mostrou surpresa.
— Eu sonhei com a bruxa essa noite. Não acredito que tenha controlado nada, e talvez seja só meu inconsciente lançando as coisas que conversamos ontem com o professor, mas…
Ele ficou quieto. Chiquinha estava ansiosa para entender o que havia acontecido.
— Mas eu tenho certeza que aquela bruxa tem alguma ligação com tudo isso. Jaiminho não tem mais aparecido, nem para me avisar sobre os ataques do inimigo. E vi que ela o mantinha preso, assim como eu fiquei. É como se ela tivesse prendido minha alma.
Chiquinha estremeceu. Dificilmente se assustava desde que se tornara adulta, mas aquilo não a deixaria dormir à noite se Chaves lhe contasse antes que fossem para a cama. Era melhor nem lembrar disso à noite.
— Eu preciso controlar o sonho. Eu preciso entender o que está acontecendo. Eu acho que posso conseguir.
Uma hora depois eles já estavam na biblioteca com o professor. Já tinham tirado o mais grosso de sujeira e sangue de seus corpos enquanto contavam os últimos acontecimentos ao seu mestre. Depois Chaves foi colocado deitado sobre um sofá e Girafales sentou-se em uma cadeira ao seu lado.
Ao lado da cadeira tinha uma mesa e, em cima desta, um velho gramofone. Girafales o investigou e, não encontrando o que procurava, se virou para Chiquinha.
— Por um acaso você não tem um tubo de ar comprimido aí?
Ela balançou a cabeça negando. O professor voltou a se virar para o gramofone.
— Ah, muito bem então… Posso girar a manivela até a hora que meu braço não aguentar mais…
— Isso foi uma indireta? — Chiquinha perguntou em tom de deboche. — Porque se for, eu posso girar isso aí sim.
— Não se preocupe. É até melhor que eu mesmo gire. Assim posso controlar a velocidade da música se achar necessário modificá-la para ajudar na indução.
— Você acha que isso vai dar certo mesmo? — Perguntou Chaves sem expressão alguma.
— Você está com sono?
Chaves negou.
— Então é a única forma que eu achei de tentar te ajudar a entrar em sono REM. A não ser que queira arriscar um novo soco do Seu Madruga.
— Se for necessário, pode chamar ele aqui — Chaves respondeu ainda com o mesmo tom de voz perdido, mas decidido.
Girafales pensou por um breve momento.
— Chamaremos ele caso isso não dê certo. Agora vamos tentar nos concentrar nisso — ele encaixou a agulha do toca-discos no vinil que já estava sobre o prato giratório. — Você se lembra das instruções para controlar os sonhos?
Chaves apenas fez sinal de sim com a cabeça. O professor lembrou de quando o rapaz era apenas um garoto e trocava o sinal de “sim” com “não” quando se expressava com balanços de cabeça. Esperava que ele não tivesse voltado a se confundir.
— Muito bem. Tente não esquecer das instruções enquanto estiver mergulhando no sono senão depois que estiver lá, vai ser mais difícil de lembrá-las.
Ele começou a girar a manivela e uma música maia começou a sair da corneta do aparelho. Era calma e relaxante. Assim que o professor conseguiu manter um ritmo constante, começou a fazer algumas perguntas simples para Chaves com um tom de voz muito baixo. Perguntou seu nome, uma cor, se estava gostando da música e Chaves respondia a todas prontamente.
Deitado ali, ele achava tudo engraçado. Parecia uma sessão de hipnose e tinha vontade de rir pensando no papel de bobos que todos estavam fazendo. Mas então, logo em seguida, ele não pensou mais em nada.
Chaves reconheceu o lugar. Era aquele subterrâneo da casa 71. A sua frente via barras de ferro e por trás delas conseguiu focar sua visão na bruxa. Na frente dela estava Quico, esfregando as mãos ansiosamente enquanto mostrava um sorriso de orelha a orelha para a velha.
— Aqui está Quiquinho — disse a bruxa entregando alguma coisa nas mãos do garoto. — Vá lá e compre o pirulito que você quiser. Fez um ótimo trabalho!
Chaves não conseguia acreditar que seu amigo o havia traído daquela forma tão descarada. Ele tentou gritar com Quico, mas sua voz não saiu. Quando tentou agarrar aquela grade e colocar sua cabeça entre as barras de ferro percebeu que também não conseguia se mexer.
“Ora bolas, sou um boneco. Um boneco voodoo”
Mas toda a energia que tinha gasto tentando se mover, nem que fosse um mísero centímetro, pareceu ter despertado a atenção de Quico em sua direção. Agora o amigo o encarava.
“Me tire daqui seu desgraçado, ou eu vou arrebentar essas suas bochechas de buldogue velho!”
Quico olhou para as moedas que tinha em sua mão, olhou para Chaves e, em seguida, para a bruxa que já tinha voltado a mexer o que quer que estivesse dentro do seu caldeirão com sua grande colher de pau. Chaves parecia entender o que se passava na cabeça do amigo e pensou que aquilo talvez fosse um sonho. Talvez ele pudesse contr…
Mas antes que Chaves pudesse concluir seu raciocínio, Quico deu uma última olhada para as moedas em sua mão e as lançou na cara da bruxa. Algumas caíram no chão, outras dentro do caldeirão e outras sumiram. Ela gritou como se tivessem jogado óleo quente em seus olhos e os protegeu da mesma forma. Quico aproveitou o momento de distração que havia criado e correu na direção de Chaves. Puxou o trinco daquela pequena gaiola e a abriu.
Chaves deixou de ser um boneco e se rematerializou como o garoto sujo que era, bem na frente da gaiola. Olhou para partes do seu corpo para ter certeza de que realmente tinha voltado ao normal e tornou a olhar para Quico.
— Obrigado!
Quico não demonstrou emoção. Apenas encarou seu amigo por mais um segundo e então se pôs a correr escada acima.
A bruxa gritava um misto de agonia e ódio.
— Seu traidor! Eu nunca mais vou deixar vocês entrarem aqui! Estão ouvindo?
Chaves a ignorou quando viu o boneco de Jaiminho preso em outra gaiola. Correu até lá a fim de libertá-lo, como Quico tinha feito com ele.
— VOCÊS VÃO SE ARREPENDEEEEEER!!!
O grito da bruxa era apavorante e a ameaça que ela fazia parecia já fazer efeito. A realidade começava a se desfazer e Chaves voltou a lembrar que aquilo poderia ser um sonho.
“Não acabe agora. Eu estou quase chegando! Só mais um pouquinho…”
Mas parecia que quanto mais ele corria, mais a jaula do boneco de Jaiminho se afastava. Já estava tão longe que o garoto não sabia dizer se via o boneco dele lá dentro ou se era o próprio carteiro em carne e osso.
— SAIA DAQUIIIIII!!!
— Ah droga, eu não consigo mais — Disse Girafales fazendo o maior esforço para dar os últimos giros na manivela do gramofone enquanto a música parava.
Chaves levantou assustado e ofegante no sofá. Olhava para todos os lados tentando se localizar.
— Você chegou a dormir, Chavinho? — Perguntou Chiquinha estranhando o pulo que ele deu.
Ele confirmou com a cabeça.
— Eu estava sonhando com a casa da bruxa do 71. Tava quase salvando Jaiminho quando acordei.
— Nossa — Girafales exclamou com urgência enquanto voltava a movimentar a manivela. — Foi tão rápido que achei que nem tivesse cochilado ainda. Vamos voltar a induzir seu sono para continuar isso.
— Não vai adiantar! — Chaves respondeu desanimado. — Ela me expulsou. E sinto que não vai deixar eu entrar de novo.
— E o que você acha que deve fazer então? Sonhar com outra coisa? — Chiquinha perguntou.
— Não. Vocês disseram que ainda tem escombros da vila, não é? Eu sinto que essa construção no subsolo realmente existe e ainda possa estar lá.
— Você acha mesmo?
— Sim! — Ele se levantou no mesmo instante. — Eu vou até lá!
No caminho que fizeram até a antiga vila, Chiquinha perguntou a Chaves quem era o tal Jaiminho e por que ele deveria ser salvo.
— Eu não sei. Tenho a impressão de que ele sempre esteve presente na vila. Era o carteiro, não lembra? Trazia cartas, de bicicleta… Nunca ninguém viu ele andando nela…
Chiquinha negou.
— Bom, ele é quem traz as informações mais importantes dos sonhos. Se eu não consigo controlá-los, eu preciso, pelo menos, conseguir receber as cartas que ele traz. Mas agora ele está preso. Por isso não recebo mais as notícias privilegiadas nos últimos dias. A bruxa o prendeu!
Ela ri, mas com respeito. Era uma história absurda, mas também era absurdo que Chaves pudesse prever ataques inimigos a partir de sonhos, por exemplo. E aquilo tinha se provado verdade por várias vezes nos últimos dias.
O vento estava agressivo naquele dia e a areia atingia a pele dos dois com tanta força que chegava a doer. Isso também não facilitava a visão da região que estavam.
— Se não me engano, por aqui devia ficar a rua que passava em frente a vila — disse Chiquinha analisando por onde andavam. — Se não fosse essa nuvem marrom na frente já seria possível confirmar, pois poderíamos ver a estrutura da antiga caixa d’agua que abastecia as casas.
Eles continuaram avançando até Chiquinha parar e olhar até onde era possível enxergar a sua volta.
— Acho que é por aqui. Talvez um pouco mais pro lado… Ou talvez pro outro… Veja, aquela viga ali era a estrutura da escada que levava para o 23. Ali ainda tem um pedaço do muro do pátio… Deve ser aqui.
Chaves olhou e concordou. Empunhou firmemente a pá que trazia nas mãos e começou a cavar a terra onde Chiquinha tinha indicado. Ela fez o mesmo.
Algumas horas se passaram. Não estava difícil escavar ali pois a terra estava bem seca, mas não compactada graças ao vento constante do local. Mesmo assim, a área a se explorar era extensa, uma vez que não tinham certeza de onde ficava a antiga casa 71. Na verdade não tinham certeza nem se havia uma construção subterrânea ali.
Mas ao dar alguns passos à frente, remexendo aquela terra em uma nova área, Chaves sentiu sua pá bater em algo. Poderia ser algum resto de estrutura de alguma das casas, como ele e Chiquinha já tinham encontrado duas vezes, mas desta vez a batida veio acompanhada de um som oco de madeira. Chiquinha levantou a cabeça na mesma hora.
— O que foi que você achou aí?
Com rapidez, Chaves foi tirando a terra de cima daquilo, revelando uma estrutura ali no chão. Havia uma corda amarrada em uma das extremidades daquele quadrado de madeira de mais ou menos um metro e meio de largura. Chiquinha se aproximou.
— Puxe! — Ela pediu.
Assim que ele puxou, viram que se tratava de um alçapão que os enviava para uma escuridão abaixo da terra. Chiquinha rapidamente tirou sua mochila das costas e retirou dela duas tochas de mão, entregando-as para Chaves. Em seguida, buscou uma lata de algum produto inflamável dentro da própria mochila e embebeu as pontas das tochas com ele. E finalmente, usando seu pequeno maçarico, ela as acendeu. Colocou novamente a mochila nas costas e pegou uma das tochas das mãos de Chaves.
— Vamos! — Ela disse empolgada.
Chaves se virou e desceu as escadas à sua frente com cuidado, prestando atenção a qualquer armadilha que pudesse ver.
Chegando à base da escada, os dois levaram um grande susto quando um gato preto passou correndo por eles indo alçapão afora. Chaves se aproximou do ouvido de Chiquinha, que estava congelada com o susto, e cochichou:
— É o Satanás!
Ela estremeceu, mas aquilo ajudou a mover seu corpo novamente quando sentiu o arrepio correr-lhe desde o calcanhar até o cocuruto. Voltou a seguir Chaves que acabara de saltar do último degrau daquela escada.
O espaço era exatamente como Chaves se lembrava do seu sonho. Amplo, largo e fracamente iluminado por tochas. A única exceção é que não existia o caldeirão onde a bruxa mexia a gigantesca colher de pau sem parar. Agora, em seu lugar, havia uma mesa de madeira onde a bruxa estava apoiada com os dois cotovelos, sentada em uma cadeira ao seu lado. Ela os cumprimentou com uma voz sem empolgação.
— Parece que fui descoberta, não é?
Os dois a olhavam assustados, sem saber o que responder.
— Mas não importa — continuou a bruxa se encostando sobre a cadeira. — Eu vou me vingar de vocês de qualquer jeito. De vocês e, principalmente, daquele traidor do Quico!
— Se vingar? — Chaves disse aquilo tentando passar firmeza, mas por dentro se derretia em medo. — Como você vai se vingar, sua velha acabada? Estamos em dois aqui e você não tem como escapar.
A bruxa deu uma risada alta que ecoou por aquele cômodo e congelou os ossos de quem a ouviu. Foi longa e estonteante. Assim que terminou ela rapidamente continuou a conversa:
— Vocês estão muito confiantes, minhas crianças. Eu já estou nesse mundo há muito tempo, e não vai ser agora que vou embora dele. Eu poderia acabar com os dois em um estalar de dedos, mas isso não me alimentaria. Morte não mata minha fome. O que eu preciso é de caos, sofrimento, confusão, desordem… Nem que para isso eu precise manter a ordem por algum tempo.
Os dois continuavam na base da escada, assustados e sem saber como respondê-la.
— Eu vou explicar melhor para vocês…
O corpo da velha bruxa se transforma rapidamente em um corpo que usava jeans, camiseta preta e um chapéu por cima da cara de bravo complementada por bigodes e costeletas.
— Papai! — Chiquinha exclamou.
— Vamos ver se assim vocês entendem melhor — disse o homem com aparência do seu Madruga mais novo que se levantou da cadeira e caminhou na direção dos dois. — Vocês já estão condenados. Eu venho trabalhando nisso há anos e tudo está bem amarrado. Todas as ações, todos os momentos que precisei manter o equilíbrio nessa vila para que depois de muito tempo ela eclodisse em pura ira.
Ela se transmutou novamente. Dessa vez se transformando em Quico
— Sinceramente acreditei que tudo aconteceria antes, pois não esperava a revolução que você começou — encostou o dedo gelado no peito de Chaves e este tremeu. — Ver então que cada habitante dessa vila foi para um lado, assim como o próprio dono dela, me fez adiar o plano que estava em andamento, pois o caos que vocês criaram lutando uns contra os outros era suficiente para eu me esbaldar todos os dias. Se eu sentisse fome, era só cutucar um de vocês para que se voltassem contra o inimigo e colocassem várias vidas a se digladiarem para me dar um banquete.
A bruxa se transformou mais uma vez, assumindo a identidade do Senhor Barriga velho, como tinham visto em seus últimos momentos de vida.
— Mas com a quebra de certos vícios, eu senti que minhas refeições ficariam escassas em pouco tempo. Sinto que uma energia diferenciada toma conta do lugar agora e que eu não posso detê-la. Então achei que já era hora de colocar o antigo plano em ação e finalmente completá-lo para enfim partir para o meu próximo objetivo nesse mundo. Já me alimentei bem de vocês.
Seu Barriga velho voltou-se para a mesa e se encaminhou até ela.
— Mas agora não preciso mais manipular vocês. Me manter aqui só poderia fazer com que eu perdesse tudo — ele sentou-se na cadeira e voltou a ser a velha bruxa. — Vocês demoraram para me descobrir. Agora todas as peças já estão no tabuleiro e a cartada final vem em seguida. Calvillo vai resolver isso para mim.
Novamente aquela risada maligna da velha ecoou no ambiente e dentro da cabeça dos dois. Chaves fechou os olhos por um tempo tentando aguentar aquela tortura e quando voltou a abrir ainda podia ver um rastro verde com o formato da bruxa se desfazendo logo acima da cadeira. Era como um ectoplasma ou alguma magia mais avançada que jamais tinha visto. O ambiente estava completamente modificado, completamente escuro, sendo iluminado apenas pelas duas tochas que ele e Chiquinha traziam na mão. Sobre a cadeira, onde no minuto anterior estava sentada a bruxa, agora tinha apenas um velho esqueleto. Chaves se aproximou dele e Chiquinha o seguiu.
— Você acha que esse esqueleto seja dela? — Ela perguntou.
— Não sei — ele olhava profundamente para aqueles ossos. — Eu realmente não tenho ideia.
Os dois se assustaram quando uma das escápulas daquele esqueleto se soltou e caiu sobre o chão. O eco da batida do piso de cimento com o osso fez Chaves ouvir novamente a risada da bruxa. Ignorou o arrepio que lhe correu e então desviou o olhar para o lado.
O ambiente todo estava mais velho, como se há muitos anos ninguém entrasse ali. Provavelmente o esqueleto teria sido a última pessoa que ali tinha entrado. Mas como isso explicava a bruxa poder estar por ali? E o gato preto? Será que também era um fantasma ou alucinação?
Ele iluminou pequenas gaiolas em um dos cantos daquela sala. No interior de algumas eles podiam ver ossos de pequenos animais, que também devem ter se decomposto há muitos anos. Hamsters, ratos, talvez gatos… Algumas estavam completamente vazias e Chaves se lembrou que pareciam ligeiramente com as que havia sonhado.
— Me ajude a abrir todas elas — ele pediu para Chiquinha.
Os dois abriram todas as gaiolas libertando as almas dos animais aprisionados ali dentro. Chaves esperava que assim teria conseguido libertar também a alma de Jaiminho e ele pudesse voltar a visitá-lo nos sonhos.
Não sabia por que, mas gostava daquele homem preguiçoso.
— Acho que preciso voltar a um sono induzido — ele disse para Chiquinha. — Vamos ver o que conseguimos mudar com essa visita.
Os dois saíram sem nem pensar em jogar terra por cima daquele alçapão de novo.
Já era noite quando eles chegaram novamente à biblioteca. Seu Madruga estava lá esperando os dois. Se mostrava preocupado com o que Girafales tinha contado sobre a forma destemida e determinada que os dois tinham saído dali pela tarde em direção à antiga vila. Agora se aliviava vendo que estavam bem e íntegros.
— Parece loucura — disse Chaves quando soltou sua mochila e seu barril de lado. — Mas ela estava lá.
— Quem? — Perguntou Madruga.
— A bruxa… do 71.
Tanto Seu Madruga quanto professor Girafales não pareceram duvidar, mas se mostraram profundamente assustados com a possibilidade de que aquela coisa realmente existisse. Chaves começou a contar o que aconteceu durante aquele dia dentro daquela sala maldita. Girafales anotava os pontos que achava principais em um papel sobre sua mesa usando uma grande caneta que fazia sons estranhos ao escrever. Quando Chaves terminou todo o relato, o professor olhava para o papel e então começou a fazer as perguntas.
— Eu não sei se vocês lembram, mas na época que aquele senhor, o Seu Calvillo, foi até a vila com a intenção de comprá-la, ele pareceu ter se apaixonado pela Dona Clotilde…
— Caramba, sim! — Exclamou seu Madruga em um surto que o colocou de pé no mesmo momento. — Como eu não lembrava disso? Disse que não tinha memórias daquela velha por muito tempo, mas agora eu consigo até ver a imagem dela na minha casa, conversando com aquele homem. Conversava como se o conhecesse, ou como se já tivesse alguma intimidade. E ele se mostrava muito mais íntimo dela também. Tentou beijá-la em um momento, lembram? Ela saiu da minha casa fazendo um escândalo — ele batia com o punho normal em sua testa. — Como eu não lembrava disso?
Chaves e Chiquinha ainda pareciam não lembrar desse fato. Girafales apontava para seu Madruga.
— Eu lembro do escândalo dela. Você acha que eles se conheceram nesse dia, ou que já se viam há tempos?
— Eu não sei dizer, mestre… Na época eu não prestava atenção em detalhes mínimos. Mas avaliando o que eu lembro, eles pareciam esconder alguma coisa de todos nós.
— Bom, isso não importa mais. O que importa é que eles estão trabalhando juntos hoje. Talvez desde aquela época. Mas parece que agora eles têm certeza que vão nos expulsar daqui. E então Calvillo estará livre para dominar tanto todo o território revolucionário, quanto os territórios de Quico e Florinda. E depois toda a extensão que era dominada pelo Senhor Barriga, isso se já não o fez.
Os quatro ficaram pensativos. Chaves os despertou daquele silêncio.
— Eu preciso voltar ao sonho! Acho que posso descobrir alguma coisa agora, se conseguir dominá-lo. E quero ver se encontro Jaiminho.
Após alguns minutos de preparação, como naquela manhã, eles já estavam a postos para a nova tentativa à indução de sono para Chaves. Dessa vez Seu Madruga usaria seu braço mecânico para girar a manivela e começar a tocar aquela mesma música.
— Posso fazer isso a noite inteira. Essa coisa não cansa.
E então Chaves entrou em sono profundo.
Estava sozinho no meio do deserto de pó e areia. Deveria ser onde vivia quando criança, mas agora tudo estava destruído. O céu mantinha uma cor estranhamente amarela e o pó que o vento carregava não machucava seus olhos.
— Isso é um sonho! — Disse o garoto sozinho.
Ele riu. “Isso é um sonho! Isso é um sonho!” foi repetindo por algumas vezes para que ele não se esquecesse. Lembrou de uma das técnicas para garantir que o sonho era lúcido: tentar voar. Ele se abaixou, dobrando levemente seus joelhos e então com um impulso se lançou ao céu azul. Agora voava entre nuvens brancas e conseguia ver toda a extensão do continente. Lágrimas corriam pelo seu rosto achando aquilo incrivelmente lindo.
“E se isso não for um sonho?”
Chaves começou a temer a possibilidade de cair daquela altura e morrer para sempre. Talvez aquilo não fosse um sonho, e se esse fosse o caso, ele estaria correndo um grande perigo.
— Ei Chaves!
Ele olhou em direção a voz e encontrou Jaiminho, que pela primeira vez era visto pedalando naquela bicicleta. Devia ser muito mais fácil fazer as rodas girarem no ar, sem o atrito com a terra.
— Obrigado por ter me libertado — disse o carteiro alegremente. — Tenho uma coisa para você!
Chaves estava sorrindo.
— Uma carta?
— Não — a alegria escorreu do rosto de Jaiminho deixando a feição do velho carteiro séria. — Não é preciso de uma carta para te mostrar isso. Olhe lá embaixo.
Chaves olhou para o ponto que Jaiminho disse. Era engraçado como ele sabia exatamente onde olhar, pois Jaiminho não apontou a lugar algum. Agora ele via com uma aproximação telescópica toda a região da ponte e então milhares de pessoas se reunindo para atravessá-la. Uma atrás da outra em longas filas paralelas que sumiam quando alcançavam o horizonte.
“Ainda bem que isso é só um sonho” ele pensou.
— Isso não é um sonho!
Chaves se assustou ao ouvir isso. Não lembrava mais de Jaiminho ao seu lado e nem teve tempo de admirá-lo antes que seu corpo despencasse em direção ao chão terroso do deserto.
Autor(a): domramone
Esta é a unica Fanfic escrita por este autor(a).
Prévia do próximo capítulo
Já era quase meia-noite e Chaves guardava em sua mochila munições, garrafas com água, roupas e outras coisas que sabia que precisaria no caso de um ataque. Estava com a mochila sobre a grande mesa de reuniões onde traçavam as estratégias de batalha em um dos cantos do galpão. Em torno dela estavam posicionados os prin ...
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Comentários do Capítulo:
Comentários da Fanfic 8
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maryannie Postado em 01/03/2021 - 02:07:49
Estou amando. Acompanhando ansiosa.
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maryannie Postado em 21/02/2021 - 15:57:55
Hoje é domingo e eu preciso de capítulo novo. Kkkk
maryannie Postado em 23/02/2021 - 14:23:52
Ah, feliz que tem capítulo novo! Valeu, vou procurar nas redes sociais.
domramone Postado em 23/02/2021 - 14:11:34
Hey Maryannie, não me mate, mas tive que atrasar um pouco o lançamento desse capítulo em algumas das páginas onde estou publicando. Trabalho e viagens tomam um tempo precioso e eu gosto de conferir se está tudo certinho antes das postagens. Farei o possível para não atrasar mais nenhuminha vez issu issu issu. Se quiser acompanhar a gente nas redes sociais, pode procurar no Instagram ou Facebook por Chaves Revolution. Lá são os primeiros lugares que eu acabo postando. Mas prometo que domingo tem o capítulo novo aqui ;)
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chander Postado em 20/02/2021 - 07:30:42
Olá, ramone. Mano! Muito, mas muito top! Esse capítulo ( APESAR DE ENORME), foi muito melhor que o primeiro e sério! Tá dando muita pena do Chavez nesse mundo pós-apocaliptico, onde a infância e a realidade atual se chocam com ferocidade. Acho que o mais maneiro é encaixar uma fala típica do seriado aqui e acolá, demonstrando que os personagens mudaram, sim, mas ainda podemos reconhecê-los facilmente. E mano, no segundo capítulo já esfregar uma beijão gay. NOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOSSSAAAA! A popis nunca me enganou, mas a Paty foi uma surpresa. Só, por favor, eu sei que a proposta é uma coisa mais adulta, mas não sei se tenho psicológico para uma cena de sexo entre chaves e chiquinha. Juro pra você que vou falar disso na terapia por um mês O.O' No mais, já, já, estou de volta. Eu demoro, mas não falho.
domramone Postado em 23/02/2021 - 14:14:29
Ahhh, que bom que gostou. Depois de um primeiro capítulo meio parado as coisas tem que desenvolver né? Os capítulos realmente estão grandes e talvez fosse melhor que eu os tivesse dividido em mais partes. Bom, foi a primeira experiência lançando algo por aqui e agora já sei o que devo fazer nos próximos ;) Obrigado pelo acompanhamento e pelas dicas. Prometo que não irá sair tão traumatizado dessa história. A não ser que você já esteja pensando nessas cenas. Como diria o Jay do Big Mouth "Você imaginou e nós descrevemos" =P
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maryannie Postado em 02/02/2021 - 00:39:00
Estou amando! Posta mais!
domramone Postado em 02/02/2021 - 09:24:14
Logo logo... Vou postar capítulo novo todo domingo =D