Fanfics Brasil - Capítulo 11 - Nunca Pare de Sonhar Chaves Revolution

Fanfic: Chaves Revolution | Tema: Chaves


Capítulo: Capítulo 11 - Nunca Pare de Sonhar

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Já era quase meia-noite e Chaves guardava em sua mochila munições, garrafas com água, roupas e outras coisas que sabia que precisaria no caso de um ataque. Estava com a mochila sobre a grande mesa de reuniões onde traçavam as estratégias de batalha em um dos cantos do galpão. Em torno dela estavam posicionados os principais generais da revolução que conseguiram atender ao chamado de urgência. Chiquinha ao seu lado tentava convencê-lo a não sair àquela hora.


— Eu ainda acho completamente desnecessário ficar lá essa noite. Eles nunca atacaram no escuro antes.


Chaves guardava as últimas coisas em sua mochila e a fechava dando um nó na corda.


— Eles não são mais quem a gente conhecia. Agora é o exército do Calvillo que está lá, e ele não parece ser idiota como era o Quico. Tudo que sabemos sobre os inimigos pode ser diferente agora.


Paty, que estava do outro lado da mesa, apoiou as duas mãos sobre ela e se dirigiu ao líder:


— As últimas notícias dos nossos batedores é que não há movimentação anormal de soldados do outro lado. Somente alguns fazendo rondas perto da fronteira. O único detalhe diferente que avistaram foi uma movimentação maior dos habitantes, mas isso talvez se deva ao fato de sentirem-se mais seguros agora que tem um exército de verdade os protegendo…


— Vocês não têm ideia da quantidade de gente que vi se organizando do outro lado. Era uma massa tão grande que eu não conseguia distinguir onde acabava a cabeça de uma pessoa e começava a de outra.


Chiquinha apoiou sua mão sobre o braço do parceiro.


— Olha Chaves, sei que os sonhos não têm mentido, mas talvez ele só estava querendo dizer alguma outra coisa. Não é possível que o Calvillo tenha tantos soldados assim, ou que os tenha trazido todos para cá de uma vez.


Chaves a encarava sério.


— E outra — ela continuou — no seu sonho não era dia? Se está levando tão ao pé da letra o que você viu, então deveria pensar dessa forma também.


Ele bufou. Sabia que estava perdendo a discussão. Paty continuou apoiando a ideia da amiga:


— E se você passar a noite lá em alerta, amanhã estará acabado caso venha um ataque. Vamos nos revezar na guarda. Eu passo essa noite lá vendo a movimentação e qualquer coisa peço para chamar os reforços. Em troca quero dormir amanhã o dia inteiro. Ou não… É folga da Popis — terminou sua frase com uma piscadela.


Chaves sorriu. Elas tinham razão. Infelizmente o sonho não tinha lhe contado quando atacariam. E se atacariam. Talvez ele só fosse se desgatar para quando o povo mais precisasse dele.


— Está bem então — ele largou a mochila em cima da mesa. — Revezamos dessa forma, mas avise se, a qualquer momento, você ver que vai precisar do restante de nós. Acho bom você levar mais algumas tropas com você. Alguém mais gostaria de passar a noite de guarda?


Quase todos os generais levantaram o braço.


— Acho que não precisamos de muita gente — disse Paty. — Precisamos ter gente descansada para uma batalha quando ela vier. E lembre-se que estamos com o exército reduzido depois da última disputa com o Quico.


Lembrar daquela batalha fez Chaves estremecer. Muitos tinham perdido a vida naquele campo, e muitos outros no hospital sem lugar para serem atendidos, ou por estarem tão machucados que nem um atendimento com a qualidade de Popis os poderia ter salvado.


— Tudo bem. Escolha quem vai com você. Trocamos o turno assim que amanhecer, está bem?


Paty anuiu. O restante das pessoas da mesa fez o mesmo.


— Quem fica vai dormir imediatamente. Preparem-se pra reunir as tropas aqui uma hora antes do sol aparecer — disse Chaves e então se virou caminhando em direção a sua casa.


 


“Volta o cão arrependido


Com suas orelhas tão baixas


Com seu osso roído


E com o rabo entre as patas…”


 


Chaves declamava esse verso continuamente em frente ao povo da vila. Estava em cima do palco montado por Seu Madruga e queria mostrar ao amigo que o trabalho não tinha sido em vão. A cada frase, ele fazia um movimento cênico demonstrando o que acabara de ter dito. Na segunda frase ele colocava duas mãos sobre a cabeça as abaixando para frente, como se fossem orelhas de coelho, e ao fazer isso suas mãos batiam em duas antenas que tinha na cabeça.


“Droga!” Ele tinha esquecido de tirar o chapéu do outro personagem que iria interpretar em um espetáculo próximo, ainda naquela tarde com o restante dos seus amigos. Passara a manhã toda preparando o chapéu com papel alumínio em volta de um arquinho de cabelo que Chiquinha tinha emprestado. Em dois pontos do chapéu ele havia colocado hastes como antenas de formiga, e nas duas pontas colou pedaços de discos de vinil quebrados de Seu Madruga. Tinha se inspirado para criar esse personagem depois de ter assistido um filme do famoso Charles Chaplin na televisão da casa de Quico. Era um filme em que o protagonista salvava uma bela moça de um problema fácil de resolver, mas que quase a levou a morte. Foi naquele dia que percebeu que para ser um herói ele não precisava ser super forte ou ter poderes especiais, mas sim saber como ajudar quem mais precisava. Não queria ter revelado o chapéu ao público antes da hora, mas agora já era tarde demais.


Ele parou sua apresentação por algum tempo pensando nessa falha e então se deu conta de que o público continuava assistindo-o como se ainda estivesse declamando sua poesia. Concordavam com a cabeça e tudo, como pessoas analisando quadros em museus de arte, e ele nem estava dizendo mais nada. Aquilo era estranho. Nem ele iria gostar de assisti-lo daquele jeito, imagine se parasse a apresentação no meio sem justificativa.


Aquilo só poderia ser um sonho.


Ele esfregou seu rosto, moldando-o rapidamente como o rosto de Hector Bonilla. O público levantou de suas cadeiras e aplaudiu ferozmente.


— BRAVO! BRAVOOO!! — Gritavam eles extasiados.


Chaves sabia que estava em um sonho e dessa vez não iria deixar que seu subconsciente lhe pregasse uma peça outra vez. Ele manteria o controle até fazer o que fosse necessário. Por isso se esforçou para que sua mente se acostumasse a aceitar seus comandos. Trocou praticamente o visual inteiro da vila, modificando suas paredes, cores e tamanhos. Começou a discursar em frente aquele povo como um verdadeiro líder de uma nação, incentivando-os a lutar pelos seus propósitos e jogando-os contra um inimigo que se aproximava.


— Precisamos juntar as armas! Precisamos ir ao ataque! Há tantos anos nos contentamos apenas nos defendendo e nunca saímos disso! O inimigo se prepara contra nós. Devemos estar prontos para encará-lo e então passar por cima deles. De cada um deles!


A cada frase ou pequena pausa que fazia para puxar o ar, era aplaudido fortemente pelo público.


— Não importa se for velho, mulher, criança… Isso é tudo uma ilusão para que sempre os deixemos com uma nova chance para que voltem a nos atormentar. E eles voltam. E nos matam, sem querer saber se somos inocentes, mulheres, crianças… Se temos vida, uma família! Vocês não estão cansados disso?


— SIIIIIM — Gritou o público em meio aos aplausos.


Chaves pensava se o que tinha acabado de dizer não era pesado demais, apesar de fazer sentido. De qualquer forma, aquilo era um sonho e ele acreditava que a ideia que lançava ali seria transmitida aos subconscientes das pessoas como um encorajamento. E decidiu não voltar atrás.


— Nós vamos derrotá-los! E com certeza depois virão mais, pois é o mundo buscando o equilíbrio. E nós vamos derrotar todos eles. Mas o que está acontecendo agora, essa próxima batalha, se não lutarmos bravamente, seremos engolidos por eles.


Chaves percebeu que o povo ficava cada vez mais em polvorosa agitação. Alguns aparentemente só não tinham levantado suas armas pois Chaves não deixou com que entrassem armados em seu sonho. Ele pôde se ver de fora do seu corpo e não viu mais o ator Hector Bonilla, mas sim ele mesmo. Aquelas pessoas o cultuavam como seu líder. E era o próprio Chaves.


— Essa é a última resistência da revolução!


As pessoas gritavam e brandiam seus punhos no ar. Ele não teve a percepção de mais pessoas chegando, mas naquele momento a vila já era maior do que o galpão onde reunia seus exércitos, e estava apinhado de gente. Começou a acreditar que realmente tinham chance contra o inimigo que tinha visto no sonho anterior.


“Sonho… Sonho… Lembre-se que isso é um sonho.” E assim Chaves mantinha o controle sobre ele.


Viu Jaiminho no meio daquele público agitado. Pulou do palco e dirigiu-se na direção do velho, concentrando-se para que o medo não o fizesse perder o controle que estava tendo até então. Teve que gritar para ser ouvido em meio a explosão de palmas que acontecia a sua volta.


— O senhor por acaso não poderia levar uma carta aos povos mais afastados?


Jaiminho pensou por uns instantes e balançou afirmativamente sua cabeça.


— E será que também conseguiria levar aos povos que são simpatizantes a revolução? Conhece eles?


Algum tempo após Jaiminho pensar ele finalmente respondeu:


— Vai levar um tempo até que eu alcance todos… Mas se eu não evitar a fadiga, acredito que posso chegar o mais rápido possível.


Chaves não entendeu a métrica que Jaiminho tinha usado. “O mais rápido possível não quer dizer nada” pensou em dizer, ou até disse, mas de alguma forma apagou isso do sonho. Não era importante. O que importava é que era possível. Rabiscou algumas coisas rapidamente em um papel sobre a beira do palco e entregou para Jaiminho. Ao levantar os olhos encarou os do velho. Estava muito mais velho do que antes de ter sido preso na casa da bruxa do 71.


— A fadiga não vai matá-lo? — Disse ele preocupado com o carteiro.


Lágrimas começaram a se formar nos olhos de Jaiminho. Escorreram de ambos os olhos quando o velho piscou demoradamente. Quando tornou a abri-los disse para Chaves:


— Não se pode morrer em sonhos… Você só deve continuar sonhando.


Chaves anuiu e então pegou a carta que estava em cima do palco e voltou a entregá-la a Jaiminho.


— Confio essa missão ao senhor!


Jaiminho pegou o papel e enxugou as lágrimas com o punho de seu uniforme de carteiro.


— Pode deixar!


Virou-se para sair da vila, que agora estava vazia. Antes de sair pelo portão voltou sua cabeça para trás e se despediu de Chaves.


— Adeus, meu filho!


 


— CHAVES ACORDA!


Chiquinha balançava seu companheiro na cama com uma intensidade que só era justificada se ela já estivesse há tempos tentando acordá-lo sem sucesso.


— O que foi? — Disse Chaves assustado, ainda sem entender onde estava ou o que estava acontecendo.


— Finalmente acordou, filho da puta! Tô a minutos gritando com você! Vamos, estão atacando!


Talvez estava tão profundamente perdido controlando aquele sonho que havia se desligado por completo do mundo real. Achou que só conseguiu acordar quando perdeu o controle do sonho. Quando viu Jaiminho se despedindo com aquela tristeza toda no olhar.


— Levanta logo, caralho! O bicho tá pegando! — Chiquinha esbravejava.


— Calma! O que foi que aconteceu?


Ela odiava admitir aquilo.


— Você estava certo! Os filhos da puta atacaram ainda durante a noite. Acabou de chegar um batedor aqui dizendo que vários civis, ou soldados mesmo, bom… Pessoas descaracterizadas atravessaram a ponte correndo — Ela jogou a mochila que Chaves tinha arrumado antes de dormir sobre a cama da qual ele levantava. — De início parecia que era só uma fuga dos habitantes do outro lado do rio, mas então eles começaram a atacar os nossos. E depois não pararam de vir mais pessoas.


— Credo. Não era bem isso que eu estava acreditando que viria.


— Pois é. Mas é o que tá rolando. Diz que é muita gente. O batedor estava desesperado. Vamos, anda logo com isso!


Chaves nem terminou de amarrar sua calca e se colocou para fora da casa sem nem vestir seu colete com placas de metal. Os dois correram para o centro do galpão, onde uma pequena tropa já se reunia. Entre eles estava o batedor respondendo várias perguntas que lhe eram feitas afobadamente pelos outros soldados.


— … São pessoas. Cidadãos comuns — ele falava com a voz ofegante e urgente. — Alguns soldados no meio deles, mas a grande maioria eram pessoas normais que eu já tinha visto vivendo normalmente do outro lado do rio. Estão carregando o que encontraram para atacar. Facas, espadas, armas de fogo, enxadas, tochas, tudo… — Viu que Chaves e Chiquinha se aproximavam e disse a eles quase implorando. — Precisamos ir o mais rápido possível!


— Tudo bem — disse Chaves com firmeza. — Vamos lá! Nós precisamos segurar esse pessoal enquanto não nos preparamos para lançá-los de volta ao lugar de onde não deveriam ter saído. Vocês estão prontos?


Todos os soldados reunidos ali gritaram um uníssono “sim” e levantaram as armas para o alto. Não eram muitos ainda, mas acreditava que eram os melhores e isso seria o suficiente para evitar o avanço do inimigo.


— Paty não está aqui, né? — perguntou Chaves à Chiquinha. — Tem alguém para indicar que possa reunir o restante do pessoal aqui e guiá-los daqui a pouco, ou acha melhor que seja você?


— Eu vou com você! — Disse Chiquinha sem nem olhar para os lados em busca de alguém com as características que Chaves tinha pedido.


— Ótimo! Designe alguém bom o suficiente pra essa função, então. Eu vou puxando o grupo.


 


Chaves foi a frente daquele grupo correndo em um trote no qual sabia que era possível de aguentar até que chegassem à ponte sem perder o ritmo. Saiu tão apressado que esqueceu de pegar mais armas. Carregava apenas seu barril e o grande revólver que fazia par com o de Chiquinha. Além das munições nas armas, tinha mais algumas balas do revólver em sua mochila.


Não tinha ideia de que horas eram, mas a escuridão ainda mostrava que ele tinha dormido muito pouco. O horizonte tinha uma cor diferente que lembrava o nascer do sol, mas que contrastava demais com o restante do céu. De toda forma não era exatamente naquele ponto que nascia o sol.


— Tem alguma coisa errada — ele disse para Chiquinha quando esta o alcançou.


Começaram a ouvir sons de tiros e explosões ao longe. Depois sons de gritos e tudo aquilo ia se aproximando. O horizonte estava ainda mais claro e bruxuleante, como se uma grande fogueira estivesse se levantando no lugar do sol. Dessa luz eles viram se aproximando a silhueta de alguém montado em um cavalo.


— Nós temos cavalos?


— Não os vejo há muito tempo — Chiquinha respondeu. Então percebeu o rosto preocupado de Chaves e continuou. — Mas o povo do outro lado também não tem, até onde sei…


O cavalo se aproximou rapidamente e Chaves fez todo seu grupo parar para que pudessem falar com quem cavalgava contra eles. Assim que chegou perto, o cavalheiro acendeu um lampião e se dirigiu a Chaves:


— Chaves, é você? — Disse uma voz feminina.


— Sim, e você quem é?


A mulher tirou o capuz que cobria sua cabeça e começou a falar sem parar nem para tomar fôlego.


— Sou Silvia, filha do Dammy. Ele acordou todos em casa de madrugada falando que precisávamos nos defender. Nos fez ir até a ponte e quando chegamos lá os inimigos já tinham atravessado e colocado fogo em tudo. Meu pai pediu para vir avisá-los o mais rápido possível. Por sorte tínhamos ido com o Trovão aqui e consegui chegar a tempo de dar o aviso pra vocês.


Trovão era um grande cavalo mecânico, todo formado por tubos, engrenagens e cilindros de bronze, cobre e ferro. Era maior e muito mais forte do que um cavalo normal. Era conhecido naquela era por cavalo-vapor e já fazia alguns anos que não era fabricado por falta de peças.


— Onde estão conseguindo segurar os invasores? — Perguntou Chaves enquanto encarava a máquina animal.


— Não estão conseguindo. Me disseram que Paty foi ferida no começo da invasão e isso já dispersou a nossa defesa. Mas eles também não tinham condições de continuarem defendendo, pois são muitos os invasores. Muitos e se espalharam por todos os lados.


— São pessoas comuns?


Silvia confirmou.


— Sim. Tem soldados também. Parecem os do Senhor Barriga. Mas são poucos perto das outras pessoas. Estão revoltados, como se tivessem sido atacados por uma histeria coletiva, uma fome de vingança. Nunca vi pessoas agirem com tanta raiva.


Ela começou a chorar.


— Eu vi meu pai tombando na batalha. Foi o que me fez vir pra cá o quanto antes.


Aquilo foi desanimador a todos que ouviram. Como Paty tinha caído? Como eles estavam perdendo terreno tão rapidamente para um grupo de civis?


— Aquele maldito Calvillo com a puta da bruxa! — Chiquinha disse com raiva. — Aposto que fizeram uma lavagem cerebral no povo do outro lado. Sem Dona Florinda ou Quico para guiá-los, só sobrou o novo poderoso dessas terras para eles ouvirem. E agora devem estar buscando vingança ou algo assim de nós.


Chaves aquiesceu.


— Você disse que eles estão espalhados… Não tem nenhum grupo maior que se mantém unido?


— Não vi nada parecido. Eles parecem não ter ninguém os liderando. Ou se tivesse algum líder ele já passou adiante faz tempo.


O batedor se adiantou e se colocou ao lado de Chaves.


— Não tem nenhum líder. Eles atravessaram por conta própria.


Chaves abaixou a cabeça e chutou uma pedra no chão.


— Merda. Queria saber onde eles poderiam estar concentrados para então atacá-los lá.


— Com só isso de gente? — Silvia perguntou quase achando graça. — Não vão conseguir…


— Como assim? Aqui tem os melhores de toda a revol…


A mulher o interrompeu.


— Chaves, são muitos! Você não tem noção!


Ele olhou para trás vendo a quantidade de combatentes que tinha. Realmente não eram muitos, mas não era possível que não poderiam segurar os inimigos por alguns instantes, até que chegassem os reforços. Lembrou-se do sonho onde viu milhares e milhares de pessoas do lado oposto do rio e tentou dizer para si mesmo que aquilo não podia ser verdade, que era gente demais para um só exército. Quando tornou a olhar para frente, desanimado com a situação, viu quatro pessoas chegando pelo leste. Os quatro carregavam armas e ele instintivamente apontou seu barril para eles.


— Opa cara. Que merda é essa?


Ele reconheceu a voz. A voz fina e um pouco anasalada. Lembrava de alguém da infância. E ele reconheceu quando viu o formato do boné que o estranho usava.


— Godinez?


— É isso aí, mano. Abaixa essa porra! — Empurrou o barril de Chaves para baixo. — Fiquei sabendo que essa batalha é tudo ou nada. Trouxe uns amigos pra ajudar.


Olhou para as pessoas que o acompanhavam e teve pena da situação em que se encontravam. Estavam mais maltrapilhos que um mendigo. As armas que traziam nas mãos, se funcionassem, se desmanchariam por inteiro quando começassem a dar os primeiros tiros. Seu amigo de infância não estava diferente, e então lembrou-se das histórias que tinham contado sobre ele. Godinez havia se perdido nas drogas e acabou entrando na roubada da ZM1, uma droga sintética derivada da sobra da produção de um dos gases que usavam para alimentar usinas voltaicas. Era por aquele maltrapilho que tinha ido ao outro lado do rio dias antes ser atropelado?


— O que foi? — Disse Godinez nervoso. — Nunca me viu não?


Chaves o abraçou. O homem fedia, mas era o pontapé que Chaves precisava para recompor sua esperança. Godinez achou estranho o movimento, mas não disse nada.


— Eu sonhei que chamava todas as pessoas para essa batalha! — Chaves disse olhando para Chiquinha, mas a voz alta suficiente para que os outros soldados, pelo menos os mais próximos, também ouvissem. — Esse sonho, inclusive, eu consegui controlar! Sei que de alguma forma esse chamado vai trazer mais gente para ajudar na batalha. Sei que vamos derrotar esses babacas ainda essa noite!


Alguns gritaram. Outros se mostraram em dúvida, mostrando não acreditar naquele papo louco sobre sonhos. Mas seguiram seu líder confiante mesmo assim em direção ao horizonte em chamas.


Começaram a ouvir os sons de tiros, gritos e explosões cada vez mais perto. Às vezes parecia que os barulhos os cercavam. Acreditaram que podia ser eco, mas então começaram a ver que além da iluminação à frente, o horizonte aos lados também começava a se iluminar.


— Não é possível! — Chaves disse quando percebeu que estavam sendo cercados.


— Eu disse que eram muitos — disse Silvia ainda em cima de Trovão.


À frente eles também podiam ver muitas pessoas se movimentando ao longe, iluminadas pela luz do que agora podiam ser reconhecidas como fogueiras. Estavam botando fogo em tudo.


Chaves virou-se ao seu grupo.


— Vamos voltar ao galpão! Vamos precisar da maior quantidade de pessoas que tivermos!


 


Eles retornaram com o mesmo ritmo que estavam avançando para a ponte. Estavam cansados e ofegantes, mas pelo menos ainda não tinham cumprido nem metade do caminho até a fronteira, o que lhes dava um retorno não muito extenso.


Chegando novamente nas proximidades do galpão, eles começaram a ouvir os sons de uma guerra ficando cada vez mais expressivos. Chaves voltou a ficar preocupado. Não era possível que os inimigos já tivessem chegado até ali.


Mas assim que passaram por um pequeno morro, ele confirmou a hipótese. Podiam ver alguns lugares no entorno em chamas, assim como o próprio galpão. Vários de seus soldados espalhados atirando para inimigos que vinham de todos os lados. E eram muitos.


Chaves se pôs a correr loucamente com toda a velocidade que conseguia, enquanto gritava a plenos pulmões:


— REAGRUPAR! VENHAM A MIM! REAGRUPAR!


Os que já estavam com ele lhe seguiram, e outros pelo caminho, ao verem o grupo e ouvirem seu líder chamando, foram unir-se a ele. Conseguiram se colocar atrás de uma construção próxima ao galpão onde parecia que os invasores ainda não tinham chegado, pois estavam colocando fogo em outras construções mais ao norte.


— Como esses putos chegaram até aqui? — Chaves perguntou para Chiquinha sem esperar uma resposta. Mesmo assim ela ainda quis chutar alguma.


— Sei lá. Talvez vieram por um dos lados sem vilas. Assim, sem ter que pararem pra colocar fogo vieram direto pra cá.


Fazia sentido. Atrás daquela construção que se esconderam, eles conseguiram manter o inimigo em apenas uma das direções e assim controlá-los sem serem surpreendidos pelas costas. Mas viam que ao longe os invasores já avançavam e em breve eles estariam cercados novamente.


— Mas que diabos, de onde vem tanta gente? — Chaves ainda perguntava entre um tiro e outro, tentando economizar ao máximo a munição do seu barril.


Chiquinha o puxou para o lado, afastando-o dos outros soldados.


— Existe um ponto de encontro que foi criado há muito tempo e nunca foi utilizado. Você com certeza não lembra por causa dos seus problemas com a memória, mas acredito que quem estiver dispersado nessa confusão talvez lembre-se dele e corra até lá. Fica bem ao sul. Talvez tenhamos tempo de chegar até lá e nos prepararmos para reagrupar e atacar com toda a força que conseguirmos.


— Mas e o galpão? Se perdermos ele nós perdemos nosso maior símbolo.


Como em um sinal de que estava ouvindo, o teto do galpão desabou sobre si, levantando uma labareda que quase queimou os rostos de quem não estava com um lenço grosso cobrindo a face.


— Chaves… — Chiquinha começou a dizer com tristeza. — Nós já o perdemos.


Godinez chegou pelas suas costas e colocou uma mão em seu ombro.


— Perdemos a batalha. Mas não a guerra.


Chaves se reanimou. Parecia que, por mais deprimente que fosse, esse seu velho amigo conseguia lhe dar uma nova esperança sempre. Talvez era esse o motivo que levava Chaves a invadir o terreno vizinho apenas para salvá-lo.


— Tá certo. Vamos ao ponto de encontro!


Ele se estica e coloca as mãos em concha ao lado da boca, voltando a gritar com o que ainda lhe sobrava de garganta:


— TODOS AO PONTO DE ENCONTRO!



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Autor(a): domramone

Esta é a unica Fanfic escrita por este autor(a).

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Comentários do Capítulo:

Comentários da Fanfic 8



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  • maryannie Postado em 01/03/2021 - 02:07:49

    Estou amando. Acompanhando ansiosa.

  • maryannie Postado em 21/02/2021 - 15:57:55

    Hoje é domingo e eu preciso de capítulo novo. Kkkk

    • maryannie Postado em 23/02/2021 - 14:23:52

      Ah, feliz que tem capítulo novo! Valeu, vou procurar nas redes sociais.

    • domramone Postado em 23/02/2021 - 14:11:34

      Hey Maryannie, não me mate, mas tive que atrasar um pouco o lançamento desse capítulo em algumas das páginas onde estou publicando. Trabalho e viagens tomam um tempo precioso e eu gosto de conferir se está tudo certinho antes das postagens. Farei o possível para não atrasar mais nenhuminha vez issu issu issu. Se quiser acompanhar a gente nas redes sociais, pode procurar no Instagram ou Facebook por Chaves Revolution. Lá são os primeiros lugares que eu acabo postando. Mas prometo que domingo tem o capítulo novo aqui ;)

  • chander Postado em 20/02/2021 - 07:30:42

    Olá, ramone. Mano! Muito, mas muito top! Esse capítulo ( APESAR DE ENORME), foi muito melhor que o primeiro e sério! Tá dando muita pena do Chavez nesse mundo pós-apocaliptico, onde a infância e a realidade atual se chocam com ferocidade. Acho que o mais maneiro é encaixar uma fala típica do seriado aqui e acolá, demonstrando que os personagens mudaram, sim, mas ainda podemos reconhecê-los facilmente. E mano, no segundo capítulo já esfregar uma beijão gay. NOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOSSSAAAA! A popis nunca me enganou, mas a Paty foi uma surpresa. Só, por favor, eu sei que a proposta é uma coisa mais adulta, mas não sei se tenho psicológico para uma cena de sexo entre chaves e chiquinha. Juro pra você que vou falar disso na terapia por um mês O.O' No mais, já, já, estou de volta. Eu demoro, mas não falho.

    • domramone Postado em 23/02/2021 - 14:14:29

      Ahhh, que bom que gostou. Depois de um primeiro capítulo meio parado as coisas tem que desenvolver né? Os capítulos realmente estão grandes e talvez fosse melhor que eu os tivesse dividido em mais partes. Bom, foi a primeira experiência lançando algo por aqui e agora já sei o que devo fazer nos próximos ;) Obrigado pelo acompanhamento e pelas dicas. Prometo que não irá sair tão traumatizado dessa história. A não ser que você já esteja pensando nessas cenas. Como diria o Jay do Big Mouth "Você imaginou e nós descrevemos" =P

  • maryannie Postado em 02/02/2021 - 00:39:00

    Estou amando! Posta mais!

    • domramone Postado em 02/02/2021 - 09:24:14

      Logo logo... Vou postar capítulo novo todo domingo =D


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