Fanfic: Chaves Revolution | Tema: Chaves
O grupo corria em um ritmo criado pelo coletivo. Começaram colocando todas as suas energias em uma investida rápida em direção ao ponto de encontro. Em pouco tempo perceberam que algumas pessoas não conseguiam manter aquela velocidade e começavam a ficar para trás, então sem nenhuma palavra o grupo começou a diminuir sua marcha. Precisavam se manter todos unidos. Mas o senso de urgência que os sons de explosões faziam atrás deles, somados aos gritos de incentivo dos líderes daqueles grupos, colocaram o corpo de cada um daqueles soldados a trabalhar com o objetivo de superar qualquer limite que tivessem. Eles precisavam acelerar ao máximo e alcançar a melhor velocidade para chegar o quanto antes até o ponto de encontro, e assim conseguirem se organizar para um contra-ataque com possibilidade de ser efetivo. Após esse estímulo ter se tornado parte de todo o grupo, uma espécie de Jo-ha-kyū tornou a dominar o instinto de todo aquele bando, fazendo-os acelerar o ritmo a cada passo dado, sem se importar se o corpo aguentaria ou não. A única certeza que tinham é que se ficassem para trás provavelmente seriam trucidados pelos invasores.
Durante todo aquele caminho, Chiquinha se perguntava se as pessoas ainda se lembravam da existência do ponto de encontro. Chaves e alguns outros líderes de grupos da região tinham escolhido aquele local estratégico e construído uma espécie de fortaleza para abrigar as tropas que precisassem de um tempo para se restabelecer. Mas isso havia sido há muitos anos, quando os ataques dos inimigos do outro lado do rio eram mais frequentes e mais violentos. Pelo menos nos cinco últimos anos aqueles ataques tinham se tornado tão fracos quanto o peido de um senhor de noventa e sete anos, se ainda existisse uma pessoa que conseguisse chegar a tal idade naquele mundo perdido. Todo esse tempo sem nem citar a estrutura era o que preocupava a mulher, pois quem em um momento de desespero, tentando defender sua propriedade, lembraria de recuar a fim de se reunir a um grupo e contra-atacar. Achava isso bem impossível. Mas pelo menos daria tempo de pensarem em alguma estratégia enquanto os inimigos perdiam seu tempo parando para incendiar e saquear os poucos pertences que eles tinham.
A preocupação dela só aumentou quando se deu conta de que não via outras pessoas que se ajuntavam a eles recuando ao ponto de encontro.
Mas isso começou a mudar quando encontraram um grupo de seis pessoas vindo em direção a eles. Era uma família inteira portando armas que iam desde espingardas velhas até rastelos de agricultor. Disseram ter acordado durante a madrugada com a impressão de que algo estava errado e que eles precisavam ajudar o povo a sobreviver. Não conseguiam explicar direito essa impressão, mas com esse objetivo tinham saído de casa e estavam seguindo em direção ao galpão. Ficaram completamente desolados quando Chiquinha lhes contou que aquele porto seguro havia ruído em chamas.
— Mas não se preocupem — disse Chaves para aquele grupo. — Nós vamos retomar aquela área e reconstruir a nossa base. Vai ser melhor ainda, maior, e tudo isso em homenagem a todos que lutaram aqui essa noite!
Chaves disse isso com tanta convicção que fez a família e quem se mais se encontrava perto urrar em expectativa e adrenalina, mas ele não tinha certeza sobre aquilo que havia acabado de sair da sua boca.
— Mas primeiro precisamos nos reorganizar, por isso sigam-nos! — Chiquinha complementou o que Chaves já deveria ter feito.
Talvez existissem outras pessoas vindo de outros vilarejos e regiões do entorno em direção ao galpão, mas talvez eles não estivessem encontrando diretamente com o grupo. Chaves virou-se para Silvia que ainda estava montada em Trovão.
— Silvia, você pode ir em outras direções procurar revolucionários que talvez estejam indo até o galpão e lhes avisarem que estamos nos reencontrando no ponto de encontro ao sul.
Ela concordou com firmeza de cima do seu cavalo. Chiquinha chegou ao seu lado.
— Existem mais vilas ao oeste. Acho que é possível encontrar mais pessoas por lá do que se for pelo outro lado. Tome cuidado.
— Se ver que o perigo a alcançou, retorne até o ponto de encontro imediatamente — Chaves complementou. — Por sua vida e também pra nos avisar.
Mais uma vez ela concordou e então, rapidamente, como se fizesse aquilo todos os dias, virou seu cavalo e o esporeou em direção ao horizonte completamente escuro ao oeste.
— Vai dar tudo certo! — Disse Chiquinha para Chaves que ainda observava a nova amiga sumindo ao longe.
Chaves se virou ao grupo cansado que estava atrás dele.
— Estamos quase chegando! É o último impulso que precisamos! Logo chegaremos lá e protegeremos nosso último resquício de liberdade nesse mundo! VAMOS!
Ele não sabia se era verdade que já estavam chegando, mas torcia para que fosse. O grupo já não aguentava mais uma corrida muito longa e nem mesmo ele sabia quanto mais aguentaria correr.
A partir de então começaram a encontrar mais pessoas que vinham de vilas mais distantes a fim de ajudá-los e sem parar de correr eram agrupados a multidão que parecia fugir do inimigo. Chaves só conseguia pensar que aquilo não era uma fuga e torcia para que todos acreditassem nisso.
Quando chegaram perto do ponto de encontro, Chiquinha confirmou a falta de uso daquele lugar. Os altos muros que deveriam ser de uma fortaleza estavam incompletos e agora grande parte deles já havia desmoronado. O telhado nunca chegou a ser construído, pois na falta de ataques inimigos as obras de conclusão foram abandonadas. Agora o que restava era um monte de ruínas no meio de um deserto.
Mas por sorte havia muita gente em torno daquela semiconstrução.
— Chaves! Eu nem acredito nisso! — Disse seu Madruga correndo a frente do grupo reunido no ponto de encontro e abraçando Chiquinha a seguir. — Você tá bem, filha?
— Sim, papai! O que você está fazendo aqui?
— Cheguei faz pouco tempo! Fui acordado por uma correria e fiquei sabendo que o galpão estava sob ataque. Algumas pessoas estavam vindo para cá e achei que fosse a melhor opção do momento. Imaginei que os encontraria aqui, mas não tinha ninguém da equipe principal. Fiquei preocupado, mas comecei a agrupar em tropas as pessoas que aqui chegavam.
Chaves percebeu que atrás das muralhas semidestruídas já existiam alguns líderes à frente de grupos organizados.
— Achei que teria que lutar sozinho no fim das contas — Seu Madruga terminou com a expressão triste pela lembrança, mas feliz por tê-la dispensado.
— Muito bem — disse Chaves já se encaminhando em direção a velha muralha. — Toda essa gente recuou do ataque.
Seu Madruga seguiu-o até tomar a frente de todo o grupo cansado que tinha vindo com Chaves.
— Não, Chaves. Poucos vieram do norte. A maior parte veio do sul ou das regiões no entorno desse ponto. Quase ninguém se lembra dessa construção. A maioria nos encontrou por acaso quando estavam seguindo em direção ao galpão. Nem eles sabem por que estavam indo até lá, mas sabiam que era necessário.
“Então deu certo!” Pensou Chaves sobre o pedido que havia feito a Jaiminho no sonho que tinha controlado. Pelo menos que achava que tinha controlado.
Ficou impressionado com a quantidade de pessoas que estavam reunidas ali. Era um grupo ainda maior do que aquele que tinha o acompanhado até este ponto. E então viu que não paravam de chegar mais pessoas do sul, leste e oeste, sozinhas ou em grandes grupos que percebiam movimentação ali nas antigas ruínas e seguiam em sua direção.
— Devemos acender uma fogueira que chame atenção de quem está passando por perto. Eles podem atravessar essa região sem nem chegar a nos encontrar.
Seu Madruga falou rapidamente com outros soldados e eles foram cumprir as ordens que Chaves tinha lançado.
— Faz tempo que as pessoas têm chegado aqui? — Chaves perguntou ao Seu Madruga.
— Estão chegando aos montes desde que eu também cheguei. E cada vez vem mais. Olha só isso!
Era uma multidão surpreendente. Maior do que Chaves imaginava reunir naquela noite para se defender do inimigo que, no momento, ainda não tinha feito sua movimentação de grandiosidade inesperada.
— Nós não podemos deixar que eles cheguem até aqui! — Disse Chaves apontando a cabeça em direção de onde tinham acabado de chegar. — Precisamos mandar uma carga pra segurá-los e talvez obrigá-los a se reunir. Depois que o grupo aqui aumentar, nós podemos mandar uma segunda carga a fim de expulsá-los de vez das nossas terras.
Seu Madruga concordou coçando o queixo. Era uma atitude arriscada em vista da quantidade de atacantes que os recém-chegados haviam contado, mas realmente eles não podiam deixar que os invasores chegassem até ali. Era quase o fim dos territórios dos revolucionários. Mais ao sul existiam apenas comunidades que simpatizavam com a causa da revolução, uma vasta área que só existia e se mantinha graças ao movimento criado por Chaves e Seu Madruga tantos anos antes.
— Nós podemos levar todos que já estão separados em tropas aqui e mais os que você trouxe — disse Seu Madruga. — Seria a primeira carga. Deixamos alguém reunindo um novo grupo formado por quem ainda está chegando e eu venho buscá-los depois. É bom irmos até minha casa pegar todas as armas que estão lá e disponibilizar pro nosso exército. Olha só a situação que eles estão chegando.
A quantidade de pessoas que vinha em direção a eles pelo sul era inacreditável. Estava começando a ser difícil de organizar a bagunça e novos líderes acabavam se criando ali no meio, porém entre todos esses novatos eram poucos que vinham armados com mais do que pedaços de madeira ou alguma ferramenta inutilizada. Era tudo que possuíam.
— Tudo bem, acho que vai ser possível! Chiquinha, você fica com o comando desse grupo dos que já estavam aqui? Eu levo o grupo que trouxemos…
Ela concordou sem dizer uma palavra, já sabendo o valor do tempo que estavam perdendo ali. Correu em direção as fileiras que estavam montadas e começou a instigá-los a se organizarem para marchar. Chaves se colocou em meio a turba que tinham trazido e subiu em uma das paredes semidestruídas para que todos pudessem vê-lo. A parede velha e corroída pelo tempo quase caiu com o novo peso, fazendo com que Chaves se abalasse quando ficou de pé em cima dela. Ficou nervoso com a situação, pois aquele desequilíbrio não passava aos seus soldados a confiança necessária para o momento. Mesmo assim, sem ter como voltar atrás, ele gritou a todos.
— Sei que vocês estão cansados. Mas agora é a hora! É a hora de acabar com eles! É hora de retomar o que sempre foi nosso, o que defendemos por tanto tempo e agora eles nos usurparam, ou estão usurpando nesse momento. Se não batermos de frente também continuarão usurpando no futuro. E aí esse cansaço que você sente agora valeu de alguma coisa? Não, não é? Vamos fazer esse cansaço valer a pena!
Um urro de gritos confiantes mostrou que a esperança havia voltado àquele grupo. Provavelmente a visão de mais parceiros chegando a cada momento era um dos motivos, mas o principal era ver novamente a atitude do líder que sempre indicou o caminho para todos eles.
— VAMOS! — Chaves gritou e o bando começou a caminhar se organizando em fileiras sem que precisassem de grandes ordens. A maioria daqueles soldados já tinham lutado em várias batalhas e instintivamente se organizavam para uma. Chiquinha guiou o grupo que vinha atrás com um pouco mais de dificuldade no começo, pois a maioria daqueles novos soldados não passavam de camponeses ou trabalhadores braçais que nunca tinham lutado antes. Mas com o tempo, e assim que todos entraram no ritmo de marcha, ficou até mais fácil deixar com que apenas caminhassem com seu passo apressado sob responsabilidade de um de seus generais e assim pudesse voltar até a fila onde estavam Chaves e seu pai.
Eram milhares de pessoas caminhando em sincronia, ofegantes e com os corações se unindo a um único objetivo. Chaves ainda não acreditava que aquilo tinha dado certo e agradecia várias vezes a Jaiminho em pensamento.
— Nunca antes tivemos um exército desse tamanho reunido no mesmo lugar ao mesmo tempo — Disse Seu Madruga após olhar para trás. — As armas que eu tenho em casa não vão ser suficientes pra armar nem uma parte de todas essas pessoas, mas sei que vão fazer a diferença.
Fizeram um pequeno desvio da linha reta que os levaria diretamente até a ponte para chegar à casa do Seu Madruga, sua oficina de armas, e abastecer aquele povo com o que conseguissem de equipamentos, armas e munições.
Eles chegaram a uma pequena vila. Chaves reconheceu, já havia passado por ali naqueles dias.
— A biblioteca do Professor Linguiça não fica por aqui?
Chiquinha riu. Com exceção do seu pai, fazia muitos anos que ninguém se referia ao professor com aquele apelido.
— Fica sim. Mais à frente. Vamos vê-la ainda antes de chegar na casa do meu pai.
Mas não esperavam que iam vê-la daquela forma. Assim que passaram por algumas casas de teto alto que tapavam a visão do horizonte, viram a biblioteca no final daquela rua, imponente como sempre, mas em chamas.
— NÃO! — Chiquinha gritou e já se desesperou. — Nós não podemos perder aquilo!
— Eu não acredito que eles já chegaram aqui — disse Seu Madruga.
O barulho que o exército atrás deles fazia ao marchar, unido as vozes que gritavam e ao vento sul que assobiava em seus ouvidos, fez com que todo o som dos inimigos chegando fosse camuflado. Ninguém estava esperando que eles estivessem avançando tão rápido e nem se preocuparam em tomar cuidado ainda naquela região. Agora percebiam o erro que era subestimar um inimigo que avançava desordenadamente sem controle algum.
Chiquinha queria ir até a biblioteca de todas as formas. Sabia que todo o conhecimento que tinham conseguido salvar do mundo que ia se desfazendo, além dos registros dos últimos anos, estavam todos lá. Era uma biblioteca de Alexandria dos tempos atuais e não poderia cair, ou mais da metade do conhecimento humano poderia ruir junto.
— E tem o professor Girafales também — ela gritava com Chaves e seu pai. — Sem os conselhos dele nós nunca teríamos chegado até aqui.
Chaves não se lembrava desses momentos, mas Seu Madruga e a própria Chiquinha já tinham lhe contado que Girafales era seu guru conselheiro. O oráculo que consultavam sempre que não sabiam o que fazer, e apesar de muitas vezes não entenderem o motivo de estarem seguindo o que o velho havia dito, sempre no final acabava se mostrando uma atitude certeira.
— Mas nós não podemos abandonar a guerra para salvar a biblioteca e o professor. De que adianta salvá-la e depois morrer nas mãos do inimigo? Ou perder todo o resto?
Chiquinha quase lhe disse que perder aquela biblioteca era perder mais do que o resto, mas se conteve. No lugar ela apenas disse:
— Eu vou lá!
— O quê? — Chaves e seu Madruga perguntaram ao mesmo tempo.
— Eu vou lá. Vou fazer o possível pra salvar aquilo tudo. E o professor também!
Ela saiu correndo em direção a biblioteca.
— Chiquinhaa! — Seu Madruga gritou.
Chaves sabia que ela não voltaria atrás. Conhecia ela desde criança e, pelo que tinha visto nos últimos dias e o que as suas memórias ainda guardavam, ela era completamente resoluta. A única atitude que parecia plausível para que a ajudasse na missão era mandar mais alguns soldados para auxiliá-la, uma vez que a biblioteca era gigantesca e ela não conseguiria apagar aquele fogo sozinha. Chaves separou alguns dos principais da equipe que o seguiam e os designou para ir atrás dela.
Então se virou ao grupo que agora estava parado tentando entender o que acontecia e gritou da forma mais autoritária que jamais imaginara.
— Preparem suas armas! O inimigo já chegou até nós! Destruam quem vocês verem destruindo nossas casas ou nossos campos. A partir daqui a guerra começou!
Ele ouviu a mensagem sendo repassada pelos outros líderes que vinham atrás e aos poucos viu as armas empunhadas em todas as mãos que conseguia enxergar. Não tiveram gritos dessa vez, apenas a apreensão de todos.
— Vamos Chaves, por aqui — disse Seu Madruga puxando-o pelo cotovelo.
Eles foram para o lado contrário da biblioteca e o grupo os seguiu. Andavam a passos rápidos, mas cautelosos olhando para todos os lados. Perceberam ao longe que mais alguns imóveis estavam pegando fogo e podiam ouvir gritos que achavam ser dos atacantes. Ao dobrar uma esquina com outra rua larga, encontraram uma grande fogueira no meio daquela avenida. Em torno dela algumas pessoas assistiam o fogo consumindo o que estivesse naquele monte.
Eles pararam e Chaves fez sinal de silêncio com o dedo sobre os lábios. De forma cômica, mas eficiente, o sinal foi passando de pessoa para pessoa até o fim daquela longa cauda de soldados. A fogueira zunia e crepitava ferozmente ajudando a camuflar o som de quem estava se aproximando.
— Você acha que são nossos? — Perguntou Chaves para Seu Madruga.
Seu Madruga espremeu os olhos buscando um melhor foco daquelas pessoas, mas não conseguia distinguir os vultos que circundavam a fogueira.
— Eu não sei. Estamos muito longe pra ter qualquer certeza.
E então, neste momento, duas pessoas surgiram carregando um corpo e o lançando na fogueira. Foi quando Chaves percebeu que o que já queimava ali no monte era um punhado de corpos. Quando tal corpo se juntou aos vários outros, a fogueira levemente desmoronou e os que a cercavam comemoraram.
Chaves engatilhou seu barril.
— Certeza que não são!
Fez sinal para que os outros lhe seguissem e partiu para cima dos vultos. Chegando mais próximo ele gritou um “hey” que fez com que os que estavam de costas para eles se virassem para ver quem eram. E então Chaves disparou.
Em seguida, os primeiros soldados da fileira atrás de Chaves também dispararam juntamente com Seu Madruga. Muitas balas foram desperdiçadas, se levar em consideração a quantidade de tiros que foi dada e a quantidade de inimigos que ali tinha. Mas em menos de um segundo não tinha mais ninguém em pé em volta da fogueira.
— Vamos, Chaves. Quanto mais demorarmos, mais eles vão foder com todo mundo.
Chaves concordou e correu seguindo Seu Madruga.
Nas próximas quadras encontraram alguns inimigos perdidos. Eram civis que só sabiam botar fogo nas casas e sair correndo espalhando a destruição e o caos. Não tinham nem tempo de pensar antes de serem atingidos por algum projétil vindo do grupo de Chaves.
— Chegamos!
Seu Madruga correu com muito mais urgência assim que avisou da chegada. Entrou correndo na casa e então Chaves entendeu porque: um de seus cantos estava pegando fogo. Provavelmente haviam acabado de tentar incendiá-la. Talvez foi aquela louca com a tocha na mão, gritando o nome de Jesus, que mataram na quadra de baixo. Chaves ficou observando a casa. Algumas memórias borbulhavam na sua cabeça, querendo entrar em ebulição e chegar ao ponto onde elas nunca deveriam ter saído, mas não chegavam a ferver. Chaves chacoalhou a cabeça, pensando que deveria correr lá ajudar Seu Madruga com as armas, mas quando deu os primeiros passos em direção a casa quase teve seu rosto queimado.
A casa explodiu lançando o telhado todo pelos ares. Uma das janelas laterais da casa estilhaçou os poucos pedaços de vidro que ainda possuía, fazendo pequenos cortes na pele de Chaves. Muitas coisas foram expulsas pela janela. Uma delas era o braço mecânico de Seu Madruga, ainda com pedaços de pele sobre a curvatura do ombro empapado de sangue.
Chaves ficou paralisado. Olhou para dentro daquela janela e viu um poster do Ramones na parede. A memória finalmente ferveu e ele se viu com Chiquinha colando-o lá quando se mudaram para aquela casa. Foi o show onde deram seu primeiro beijo e prometeram que aquele poster nunca os deixaria esquecer disso.
Pela janela Chaves também viu muitas outras coisas que despertavam memórias de quando ele e Chiquinha moravam com Seu Madruga, antes da construção do galpão. Aparentemente o sogro tinha deixado o quarto do mesmo jeito que estava quando eles tinham saído da casa. Agora tudo aquilo começava a ser consumido pelas chamas que aquela explosão espalhara.
Mais itens e objetos que foram expulsos da casa pela explosão despertavam lembranças em Chaves. Ele não saberia dizer quanto tempo passou parado ali lembrando de tudo aquilo, mas cada coisa que via lhe trazia uma nova lembrança, como se fosse um soco no cérebro. Pousou seu olhar sobre o chapéu de papel alumínio com as antenas encimadas pelos restos do velho disco de vinil. Se agachou a sua frente e o pegou.
Tirou seu chapéu fofinho e quentinho de couro e colocou o que tinha feito quando criança em seu lugar. O mesmo que tinha sonhado algumas horas antes. Era um presságio, mas Chaves não sabia que seria um dos piores. A raiva agora crescia dentro dele subindo pelo peito e ele tentava segurá-la ali. Não queria perder o controle. Não queria deixar o plano ir por água abaixo só porque ele, como líder, perdeu a cabeça.
Godinez chegou ao lado de Chaves.
— Não… Seu Madruga… — Disse o junkie olhando para o braço mecânico na terra.
— Godinez… — Chaves falava de cabeça abaixada. — Você e seus amigos… Voltem ao ponto de encontro. Reúnam todos que já estiverem lá e vão para a ponte o mais rápido possível. Cheguem com força total. Não perdoem ninguém.
Godinez ainda ficou um tempo ali parado. Não acreditava que estava recebendo uma missão tão importante quanto aquela, mas quando percebeu que Chaves não estava brincando, se retirou chamando seus amigos. Chaves não pôde ver se Godinez concordou com a cabeça, mas provavelmente sim. Ele não tinha mais ninguém que conhecia para que retornasse até o ponto de encontro resgatar o restante do exército.
Por sorte, ou pura força de vontade, tinha segurado sua raiva até ali. Do contrário não teria lembrado nem de mandar alguém voltar para buscar a segunda carga de ataque ao sul. Levantou a cabeça em direção aos soldados que o observavam, e observavam a casa em chamas sem saberem o que fazer, e gritou. Gritou com toda sua força. Gritou para que todos daquele lado do rio pudessem ouvi-lo, e os filhos da puta que ainda estivessem do outro lado também. E então saiu correndo para o norte.
Os revolucionários o seguiram.
O grupo agora estava mais disperso. Chaves saiu em disparada na direção da ponte e não eram todos que conseguiam acompanhá-lo. Por terem sido pegos de surpresa com aquela repentina debandada, os líderes também estavam com dificuldade para manter unidades, deixando apenas que todos corressem para acompanhar o líder. Além disso, muitos haviam se demorado mais na frente da casa do Seu Madruga pegando armas e munições que ainda poderiam funcionar e que foram lançadas ao ar com aquela explosão.
Quanto mais se aproximavam da ponte, mais inimigos encontravam. Todos espalhados, como era contado desde o princípio daquele ataque. E se isso era um problema no início da madrugada, agora parecia ser uma solução. Chaves correndo sozinho a frente matava todos. E quando encontrava um inimigo morto e com uma arma que funcionasse, ele a roubava e usava-a para matar outros deles. Foi avançando, atirando e gritando enquanto o fazia. Seus soldados não sabiam como agir, tinham medo daquela situação e daquela atitude do homem que seguiam, mas ao mesmo tempo se sentiam orgulhosos e confiantes de que, de alguma forma, no final tudo iria dar certo.
A partir de um momento não era mais possível que só Chaves atirasse. Vieram muitos inimigos de uma só vez e estavam por todos os lados. Provavelmente tinha chegado à borda de um grande grupo de filhos da puta. Os revolucionários começaram a atirar e a derrubar, não vendo quem eram, que idade tinham ou se estavam pedindo misericórdia. Aquilo assustou o bando inimigo e fez com que recuassem. Se reagruparam atrás de construções que ainda não tinham botado fogo, e os revolucionários conseguiram segurar Chaves para que não avançasse até lá, pois seria suicídio correr na direção de centenas ou milhares de homens armados atrás de uma barreira de proteção.
O grupo de Chaves também conseguiu se espalhar por trás de construções, que ainda ficavam na área de alcance de tiros. Algumas dessas estruturas pegavam fogo, mas isso era bom, visto que tirava a visibilidade que o inimigo poderia ter do que, ou quem, estava próximo a ela.
Eles dividiram as munições que ainda tinham. Muitas não serviam para nenhuma das armas que carregavam, e as que eram feitas para armas exclusivas, como era o barril de Chaves, estavam quase no fim.
Os invasores perceberam que os revolucionários deviam estar com algum problema, pois haviam recuado e ficaram quietos, escondidos daquele jeito. E então assim que o sol começou a despontar no horizonte e melhorar a visualização do campo, eles mesmos, em um ataque de loucura, se atiraram em direção do grupo de Chaves. Estavam praticamente todos bem armados e com munição de sobra, se levar em consideração a forma que já se lançaram ao campo aberto atirando indiscriminadamente. Os revolucionários revidaram, conseguindo derrubar alguns dos inimigos. Mas em pouco tempo os tiros do lado de Chaves foram ficando cada vez mais raros, até que quase não eram disparados.
Chaves explodiu mais um inimigo em cerca de trezentos pedaços e quando iria para o próximo, seu barril fez um barulho surdo. Sem munição.
Ninguém mais tinha balas para atirar. Estavam em maioria e tinham armas para luta corpo a corpo, mas sair em direção ao inimigo com o poder de fogo que demonstravam era assinar a sentença de morte por fuzilamento. Apesar disso, não havia outra escolha. Só faltava coragem para se lançarem ao suicídio.
Chaves se encostou sobre a parede que usava como escudo e escorregou até o chão largando seu barril ao lado. Olhou nos olhos dos que estavam próximos. Começavam a clarear com aquele nascer de dia nublado, esperando uma ideia que os salvasse, mas só conseguiu dizer:
— É isso. Acabou…
Todos já sabiam. Todos já sentiam. Mas todos expeliram o ar que a tensão os fazia segurar em seus pulmões. Visivelmente todos abaixaram seus ombros com um sinal de profunda tristeza e derrota.
Mas então Chaves viu uma mancha surgindo por entre umas construções ao sul. A mancha se movimentava. Ele começou a rir.
— Não é possível!
Se fosse um grupo de revolucionários armados, Chaves e os seus poderiam se unir a eles e assim se aproximarem dos inimigos para poder usar suas armas de curta distância. Era o que precisava naquele momento.
Chaves olhou para o avanço do inimigo. Estavam se aproximando rapidamente e chegariam até eles bem antes do que a mancha que vinha do sul. Ele se levantou e instigou todos a baterem em retirada.
— REAGRUPAR!
Naquela corrida maluca recuando em meio a tiros, muitos perderam a vida. Mas a grande maioria conseguiu alcançar a mancha que avançava até eles.
Godinez vinha na frente liderando mais milhares de soldados. Na verdade, a maioria era formada por pessoas simples, mas pelo menos cada família possuía uma arma de disparo a distância. Era o que precisavam.
— Que chapéu ridículo é esse? — Disse Godinez quando viu Chaves.
— Cale a boca! — Chaves retrucou e arrancou de sua mão o velho fuzil que parecia não aguentar um disparo.
Voltou a correr gritando ferozmente na frente de todo o grupo. Foi atirando e derrubando novamente. Dessa vez também foi baleado, mas não queria pensar nisso. Poderia sentir dor depois. Agora só precisava passar por cima de todos aqueles.
As duas forças se encontraram na corrida bem no meio daquele espaço aberto, e o choque das pessoas levantou poeira suficiente para não conseguir enxergar um palmo a frente do rosto. Chaves caiu depois de vários cliques secos que aquele fuzil tinha dado sem munição. Se arrastou para o lado e encontrou um velho martelo de guerra, utilizado para derrubar pessoas e esmagá-las sobre o seu enorme peso. Se colocou de pé rapidamente e no mesmo embalo lançou o martelo para os lados, derrubando quem passava ao seu redor. Agora ele gritava, mas não apenas gritava. Eram palavras de ordem, palavras de incentivo.
Os inimigos foram sendo destruídos aos montes. Quando perceberam que a batalha estava perdida começaram a correr para o outro lado da ponte.
— Vamos! Vamos!
Chaves chamava a todos, e eles atenderam. Seguiram os invasores até o outro lado do rio, onde eles tinham tentado se reagrupar para resistir a um contra-ataque, mas logo foram rechaçados. Chaves derrubava tudo e todos que encontrava pela frente com aquele grande martelo e já não parecia mais ser um humano. Os urros que dava e os movimentos tortos pela falta de experiência com aquela arma, pelo cansaço e pelos tiros que havia tomado, o faziam parecer um primata em seu mais puro ódio instintivo e primordial. Subiu em um carro a vapor e olhou em volta. Seu povo tinha vencido e agora se espalhava pela área do inimigo dominando-o completamente. Ele gritava e algumas pessoas observavam aquele homem segurando uma grande marreta, usando um chapéu brilhante e ridículo com duas antenas nas pontas e o admiravam.
“A vingança nunca é plena, mata a alma e a envenena.”
Sua alma já estava morta, envenenada por vários anos de ganância e egoísmo daqueles contra ele lutava agora.
Sentia a pulsação, a catarse. Sentia a ira se esvaindo a cada cabeça que ele arrancava com o martelo, e retornando cada vez que sugava aquele ar de morte.
Sentia a emoção de ter ao lado um grupo de pessoas corajosas que nunca deixaram de lado seus ideais.
Sentia o alívio por varrer os desgraçados mesquinhos daquele planeta que já pedia ajuda há muito tempo.
Ele sentia.
Sentia nas veias, sentia na pele, sentia no ar.
Ele nunca mais ia parar.
Autor(a): domramone
Esta é a unica Fanfic escrita por este autor(a).
Prévia do próximo capítulo
Essa é a primeira fanfic que escrevo e foi muito satisfatório redesenhar o universo da turma do Chaves usando uma temática que gosto tanto, como a pós apocalíptica.Mas também foi muito satisfatório sentir a presença de todos vocês lendo, deixando seus comentários e esperando os novos capítulos. &Ea ...
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Comentários do Capítulo:
Comentários da Fanfic 8
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maryannie Postado em 01/03/2021 - 02:07:49
Estou amando. Acompanhando ansiosa.
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maryannie Postado em 21/02/2021 - 15:57:55
Hoje é domingo e eu preciso de capítulo novo. Kkkk
maryannie Postado em 23/02/2021 - 14:23:52
Ah, feliz que tem capítulo novo! Valeu, vou procurar nas redes sociais.
domramone Postado em 23/02/2021 - 14:11:34
Hey Maryannie, não me mate, mas tive que atrasar um pouco o lançamento desse capítulo em algumas das páginas onde estou publicando. Trabalho e viagens tomam um tempo precioso e eu gosto de conferir se está tudo certinho antes das postagens. Farei o possível para não atrasar mais nenhuminha vez issu issu issu. Se quiser acompanhar a gente nas redes sociais, pode procurar no Instagram ou Facebook por Chaves Revolution. Lá são os primeiros lugares que eu acabo postando. Mas prometo que domingo tem o capítulo novo aqui ;)
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chander Postado em 20/02/2021 - 07:30:42
Olá, ramone. Mano! Muito, mas muito top! Esse capítulo ( APESAR DE ENORME), foi muito melhor que o primeiro e sério! Tá dando muita pena do Chavez nesse mundo pós-apocaliptico, onde a infância e a realidade atual se chocam com ferocidade. Acho que o mais maneiro é encaixar uma fala típica do seriado aqui e acolá, demonstrando que os personagens mudaram, sim, mas ainda podemos reconhecê-los facilmente. E mano, no segundo capítulo já esfregar uma beijão gay. NOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOSSSAAAA! A popis nunca me enganou, mas a Paty foi uma surpresa. Só, por favor, eu sei que a proposta é uma coisa mais adulta, mas não sei se tenho psicológico para uma cena de sexo entre chaves e chiquinha. Juro pra você que vou falar disso na terapia por um mês O.O' No mais, já, já, estou de volta. Eu demoro, mas não falho.
domramone Postado em 23/02/2021 - 14:14:29
Ahhh, que bom que gostou. Depois de um primeiro capítulo meio parado as coisas tem que desenvolver né? Os capítulos realmente estão grandes e talvez fosse melhor que eu os tivesse dividido em mais partes. Bom, foi a primeira experiência lançando algo por aqui e agora já sei o que devo fazer nos próximos ;) Obrigado pelo acompanhamento e pelas dicas. Prometo que não irá sair tão traumatizado dessa história. A não ser que você já esteja pensando nessas cenas. Como diria o Jay do Big Mouth "Você imaginou e nós descrevemos" =P
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maryannie Postado em 02/02/2021 - 00:39:00
Estou amando! Posta mais!
domramone Postado em 02/02/2021 - 09:24:14
Logo logo... Vou postar capítulo novo todo domingo =D