Fanfics Brasil - Capítulo 7 - "8" Chaves Revolution

Fanfic: Chaves Revolution | Tema: Chaves


Capítulo: Capítulo 7 - "8"

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Chaves estava no pátio da vila jogando futebol com a grande bola de Quico. Após um chute aleatório a bola entrou pelo corredor, sendo seguida pelo garoto.




— Ele vem com a bola...




Chaves surgiu pelo corredor da vila, ao lado da casa de Seu Madruga, e entrou no pátio carregando a bola de futebol em seus pés.




— Dibra um... Dibra dois, passa o terceiro e...




Com um pontapé a bola vai em direção ao portal de entrada da vila. Assim que Chaves viu que tinha acertado o centro daquele arco, comemorou.




— GOOOOOL!




Correu eufórico para buscar a bola e quando a agarrou percebeu que estava pesada demais. Ao olhar para baixo viu que não agarrava uma bola, mas sim a grande barriga do Senhor Barriga. O homem estava deitado de costas no chão, desmaiado com sangue escorrendo de sua cabeça. Chaves foi tomado de um medo repentino e saiu correndo pelo corredor de onde havia surgido.




No pátio em que surgiu encontrou Seu Madruga martelando algumas peças de madeira.




— Seu Madruga! Seu Madruga! Acho que o Senhor Barriga está passando mal!




O homem continuou o seu trabalho, martelando alguma coisa sem nem levantar os olhos para Chaves.




— Está passando mal, ou você o fez passar mal?




Chaves ficou assustado. Não queria confessar que ele tinha acertado Seu Barriga e o machucado. Talvez até causado sua morte. Enquanto remexia os pés e mãos nervosamente pensando em uma desculpa, desviou o olhar para os lados percebeu que aquele pátio estava diferente. O chão não era de cimento ou calçamento, mas de terra batida. As casas no entorno pareciam abandonadas e muitas já não estavam mais ali. A fonte de água agora era um poço artesiano. O céu era marrom e poeirento. Quando tornou a olhar para onde Seu Madruga estava, encontrou o rosto do homem quase colado ao seu.




— Nós devemos assumir as consequências por nossos atos, Chaves! — Disse Seu Madruga.




Mas não era Seu Madruga. Ou era. Mas diferente. Era mais velho. Usava um capacete na cabeça, ao invés do chapéu jeans. Tapando seus olhos usava uns óculos de aviador e um colete de couro que não combinava com ele, se sobrepondo a camiseta que Chaves também não reconhecia.




Ou reconhecia?




O pensamento o fez rodopiar. Aquela imagem não era novidade para ele. Conhecia o homem, conhecia o lugar que estava. Aquilo não era um sonho. Era uma lembrança.




Seu Madruga mais velho não tinha parado seu sermão.




— O que acontece é que toda ação que tomamos influencia outra pessoa. É a causa e efeito. Não existe escapatória. Mas você pode pedir perdão pelas ações que prejudicaram outra pessoa.




Chaves não tinha certeza se estava entendendo o que Seu Madruga dizia. Pensava que se aquilo fosse um sonho, ele poderia controlá-lo. E decidiu que iria controlá-lo. Saiu correndo de perto de Seu Madruga, avançando alucinadamente pelo corredor entre duas construções destruídas enquanto pensava em uma praia gostosa em Acapulco. Passou por uma porta giratória e assim que conseguiu adentrar o recinto viu seu barril, bem próximo à escada do pátio da vila. Chiquinha se levantou de trás dele e fez uma careta para Chaves.




— Não me pega, nanananana na.




Assim que Chiquinha saiu correndo em direção ao portão de entrada da vila, Chaves não se demorou a segui-la. Porém trombou com Seu Madruga entrando por aquela porta. Agora era o Seu Madruga que ele lembrava de viver na vila, com camiseta preta, chapéu jeans, bigode e costeletas bagunçados. Lembrou-se do encontro com o Seu Madruga mais velho lhe dizendo sobre a reparação das ações que atingiam a outros e então entendeu o que ele quis dizer: precisaria pedir desculpas pela bolada que acertou o Senhor Barriga. Abaixou seu olhar para o chão, onde tinha abandonado o homem gordo, mas não viu mais nada. Nem homem nem sangue. Então dois pés surgem em seu campo de visão acompanhados de um pneu. Chaves levantou o olhar e encontrou Jaiminho.




— Boa tarde, Chaves — falou contente o carteiro. — Boa tarde Seu Madruga! Tenho uma carta para o senhor.




— Uma carta? Para mim? — Seu Madruga irradiava felicidade em seu sorriso.




Jaiminho entregou a carta ao homem que a abriu avidamente. Enquanto observava as primeiras palavras, todos os habitantes da vila pararam atrás dele para tentar ler o que estava escrito. Chaves não conseguia ler nada, pois na sua frente estavam Dona Florinda, Quico, Seu Barriga, Popis, Chiquinha e outros transeuntes curiosos tentando ver do que a correspondência tratava. Não parecia ser algo bom, pois o rosto de Seu Madruga começou a se tornar assustado.




— O que diz aí, Seu Madruga? — Perguntou Chaves enquanto todos os outros observavam a carta com olhos vidrados.




— Aqui diz que não pode fazer negociações com um devedor de mais de quatorze meses de aluguel.




Seu Madruga olhava para o papel incrédulo.




— Quem não pode negociar? — Perguntou de novo Chaves.




Seu Madruga olhou para Chaves e logo em seguida para Seu Barriga. Quando Chaves cruzou o olhar com o do gordo percebeu que ele o encarava com o rosto deformado em uma careta assustadora de pura ira.




Chaves acordou aspirando ar profundamente. Estava tremendo e suando. Não sabia se alguma vez na vida algo já o tinha assustado tanto quanto o olhar do Senhor Barriga pouco antes dele acordar. Lembrou-se da parte em que viu Seu Madruga mais velho no meio da vila abandonada de chão batido. Não sabia se aquilo era uma lembrança ou se era parte do sonho. Aos poucos as memórias do sonho iam sumindo de sua mente. Ele precisava as contar para alguém antes que esquecesse de tudo.




— Chiquinha! — Ele chacoalhou os ombros da mulher que estava deitada ao seu lado, virada de costas para ele.




— Hm? — Ela resmungou ainda sem despertar completamente.




— Eu tive um sonho. Preciso contar. Acho que era importante.




A mulher se virou tentando manter os olhos abertos encarando Chaves. Voltou o olhar para o outro lado, tateando no escuro atrás de seus óculos. O colocou no rosto assim que encontrou. Acendeu um daqueles mini maçaricos ZAP em formato de ovo e colocou fogo em uma vela ao lado da sua cama. Tornou a se virar para Chaves.




— Conte!




Ele contou.




Contou rapidamente com a maior parte dos detalhes que ainda lembrava. Chiquinha terminou de acordar ouvindo Chaves empolgado narrando toda aquela história. A cena com seu pai parecia realmente uma lembrança, pois eram frases que Seu Madruga costumava usar. Mas aquela parte da carta tinha mais forma de premonição.




— Eu não li a carta — Chaves terminava a narração do sonho. — Mas sinto que esse sonho quer nos dizer que o Senhor Barriga não vai mandar ninguém para negociar com a gente. Muito menos que ele mesmo virá.




Chiquinha concordou balançando a cabeça.




— É. Eu e meu pai já não tínhamos tanta certeza de que ele aceitaria negociar um acordo. A ganância e egoísmo desse homem é pior que a do Quico. Pelo jeito o sonho só confirmou essa suspeita bem fundada — ela olhou para os lados se livrando de todo o sono que queria carregá-la novamente para o travesseiro. — Que horas são?




— Acho que está amanhecendo. Ouvi um galo cantando assim que acordei.




Chiquinha se levantou rapidamente deixando a vela sobre o móvel ao lado da cama.




— Então vamos levantar! Precisamos aproveitar enquanto o tempo está do nosso lado e as informações privilegiadas chegam por você.




Quando Seu Madruga chegou ao pátio do galpão, encontrou Chaves e Chiquinha com o plano pronto e já repassando aos seus soldados.




— Vocês não acham esse ataque precipitado? — Ele perguntou. — Ele ainda não mandou ninguém dizendo que não vai negociar.




Chiquinha o encarou.




— Se ele não vai negociar, não vai nem se importar em mandar alguém para dizer isso. Você o conhece. E Chaves já viu no sonho que ele não quer saber de nenhuma proposta.




Seu Madruga pensou em argumentar que suposições baseadas em sonhos não eram confiáveis, mas até aquele momento todos os sonhos de Chaves pareciam ter se concretizado. Inclusive ele mesmo já tinha feito outros acreditarem nos sonhos do amigo. Não poderia desmentir a si próprio agora.




— De qualquer forma é perigoso ir até a área do Senhor Barriga. Vocês sabem...




Chiquinha o interrompeu e avançou sobre o próprio pai a fim de enfatizar a sua decisão.




— Esse é o melhor momento que temos. Ele está com o exército enfraquecido. Nós derrotamos boa parte das suas forças ontem e ele ainda está despreparado. É o melhor momento para conseguir uma boa negociação.




— E se ele estiver preparado para nos receber, assim como nós estávamos ontem.




Chiquinha pensou por um tempo, mas foi Chaves quem falou:




— Mesmo que ele esteja preparado, nunca mais o encontraremos tão porcamente preparado quanto está hoje.




Realmente aquela era uma chance única de adentrar o território do Barriga. Seu Madruga só pôde dar de ombros e aceitar:




— Tudo bem. Eu gostaria de ir também. Sei lidar com ele.




Chaves e Chiquinha se olharam e deram de ombros. Nunca era demais ter Seu Madruga por perto.




Durante a manhã eles prepararam os três reféns que levariam para passar em segurança pelo território inimigo. Pegaram os principais comandantes e subordinados que tinham conseguido capturar com vida, e os que não estavam tão machucados a ponto de andar os quilômetros que percorreriam até o escritório do Senhor Barriga. Separaram as armas que levariam e com ajuda dos reféns descobriram a melhor forma de consultar a carga da bateria dos fuzis valvulados. Pelo menos dois estavam com carga completa.




— Essas coisas aqui são umas belezinhas — disse Seu Madruga olhando e acariciando uma daquelas armas. — Uma pena que demanda uma energia tão grande que fica quase inviável utilizá-las.




A eletricidade era uma energia abundante, mas que se tornou escassa com o passar dos anos e com o declínio daquela sociedade. Na área dos revolucionários ela não chegava do exterior de forma alguma, pois os poderosos que queriam suas terras tinham bloqueado a passagem dos cabos que ainda podiam ser utilizados. A pouca energia que tinham era a que conseguiam criar com alguns geradores, pequenas turbinas eólicas e micro usinas voltaicas. E era gerada uma quantidade tão ínfima de energia que só era utilizada em coisas de extrema necessidade. Todo o resto era obtido através do carvão ou do vapor. O que impossibilitava o uso de armas como aquela em grande escala.




Por fim Seu Madruga levou uma daquelas e Chiquinha outra. Chaves disse que se sentia seguro apenas com seu barril. Após deixarem Paty responsável pela segurança dos revolucionários, eles seguiram em direção a ponte de madeira improvisada que os soldados com o "8" no peito tinham montado e atravessado no dia anterior.




A debandada foi tão rápida e tão acovardada que os soldados do Senhor Barriga não chegaram nem a desfazer aquela ponte por inteiro. Aparentemente algumas pessoas tinham tentado, mas o desespero as fez desistir. Isso facilitou muito a travessia até a vila dos elefantes. Se não fosse esse atalho eles deveriam atravessar pela ponte principal e passar antes pelo território de Quico até chegar ali, aumentando a jornada em pelo menos dez quilômetros e uma possível encrenca com o filho de marinheiro.




Atravessaram o rio e encontraram os sinais de onde passou o exército no dia anterior. De início seguiram a trilha deixada, mas quando Chaves achou que a seguiriam até o final, seu Madruga e Chiquinha desviaram.




— Eles provavelmente foram para um QG de guerra — disse Chiquinha quando percebeu o olhar indagador de Chaves. — Nós vamos para o escritório do Senhor Barriga. É a sua área administrativa.




Chaves concordou sem entender por que as coisas eram divididas daquela forma. O galpão onde moravam era ao mesmo tempo a base militar e a base de administração. Mas logo esqueceu desses pensamentos, se perdendo em meio as ruas que ia atravessando. Via prédios de quase dez andares que outrora deviam ser magníficos, mas agora se perdiam vazios e isolados no meio de outros imóveis abandonados. Quanto mais avançavam, mais podia-se ver que a concentração de pessoas aumentava. Algumas os observavam pelas janelas. Outros corriam fechar as cortinas. Mas não viam ninguém pela rua, bem diferente do que na época em que Chaves lembrava da sua infância, onde crianças podiam brincar na rua tranquilamente. Aquilo seria uma lembrança de verdade ou uma falsa memória derivada de um sonho? Ele iria perguntar para Chiquinha quando aquela missão estivesse terminada.




No fim de uma das ruas que seguiram, Chaves pôde ver um grande número 8 esculpido em uma pedra preta. Era bonito de longe e ainda mais bonito quanto mais se aproximavam. Chaves se perguntou o porquê daquele símbolo, mas no mesmo momento pôde imaginar o rosto de seu Barriga na esfera superior daquele número. E sua grande barriga na esfera inferior.




Quatro guardas com fuzis valvulados ficavam no entorno daquele totem, cercando-o completamente. O que estava mais perto dos revolucionários que se aproximavam deu dois passos à frente e falou com o grupo.




— O que desejam? — Sua voz era firme e confiante.




Os três que lideravam o grupo de vinte pessoas se olharam e então Seu Madruga foi à frente.




— Viemos falar com o Senhor Barriga. Queremos negociar a situação dos prisioneiros que estão em nosso poder.




— Não há negociação! — Disse o guarda.




Seu Madruga engoliu em seco e sem deixar de encarar o guarda pediu aos revolucionários que o seguiam:




— Tragam aqui os reféns.




Três soldados trouxeram um refém cada. Estavam com as mãos amarradas atrás do corpo e todos sujos. Fizeram com que se ajoelhassem um ao lado do outro em frente ao guarda. Chiquinha se aproximou de um deles e colocou sua faca curva sobre seu pescoço.




— E agora, não vai ter negociação? — Disse ela sarcástica e irritada.




O guarda ficou em silêncio, mantendo a expressão séria e fria. Chaves pôde observar que algumas caixas pretas que despontavam do grande oito provavelmente fossem câmeras. Com certeza Chiquinha sabia disso e agora estava mostrando para o Senhor Barriga que eles não estavam de brincadeira. Isso se confirmou quando ouviu Chiquinha começar a falar mais alto para que alguém mais do que os guardas ouvisse.




— Eu vou contar até três! Um... Dois...




O guarda nem ao menos se moveu. Não houve nenhuma outra tentativa de impedi-la.




— TRÊS!




Com um rápido puxão, Chiquinha passou a faca sobre o pescoço do prisioneiro. Ele não chegou a gritar, pois o sangue que escorria por ali já o afogava e todos só podiam ouvir grunhidos e gorgolejos. O homem caiu ao chão segurando o próprio pescoço, tentando evitar que todo o sangue se esvaísse mesmo sabendo que em poucos segundos nada daquele esforço teria resultado em alguma coisa. Chiquinha olhou para o grande oito e gritou para ele.




— É BOM QUE TENHA VISTO ISSO! SE VOCÊ NÃO APARECER EU VOU ACABAR COM OS OUTROS DOIS. E DEPOIS COM ESSES QUATRO AQUI! E DEPOIS COM TODOS AQUELES QUE ESTÃO CONOSCO. E DEPOIS COM TODOS AQUELES QUE NÃO MATAMOS EM CAMPO!




— Chiquinha! — Seu Madruga chamou a filha rispidamente desejando que se acalmasse.




A vontade que ela tinha era de não parar de gritar. E enquanto gritasse queria também atirar em todos aqueles vendidos para aquele homem que só tinha um exército pois os corrompia com dinheiro. Todos lutando sem ideais. Todos falsos humanos.




Chaves ainda estava chocado com a atitude da parceira. O que ele tinha acabado de ver? O homem estava indefeso e não tinha culpa se o guarda não quis chamar o chefe. Ou se o desgraçado do chefe não deu ouvidos a ameaça dela. O pior é que ninguém parecia ter se importado com aquela morte. Que mundo era esse em que tinha acordado?




Uma microfonia surgiu da região do grande número oito. Uma imagem se formou no círculo superior do monumento como um holograma. Podiam ver uma mesa com estantes de ferro ao fundo recheada de pastas e caixas de metal. Assim que o som se estabilizou, todos puderam ouvir uma voz grave e desolada.




— Matem todos!




Os guardas levantaram as suas armas no mesmo momento e já começaram a atirar no grupo de Chaves. Chiquinha levantou do chão o corpo do homem que havia matado e o usou se proteger dos tiros enquanto sacava seu grande revólver. Um dos reféns se levantou para sair correndo do tiroteio e acabou levando um tiro no peito, que deveria ter atingido em cheio Chaves. O tiro atravessou o homem e bateu contra a placa de bronze que protegia o corpo do líder dos revolucionários, fazendo Chaves sentir a pressão do tiro sobre seu peito. Por sorte não chegou a perfurar. Mas deixaria marcado.




Seu Madruga também se protegeu atrás de um dos reféns e com seu braço mecânico lançou o corpo do homem sobre um dos guardas que ainda sobrava de pé. Todos os outros já tinham sido alvejados pelos soldados revolucionários. Seu Madruga então se aproximou daquele guarda, tirou o corpo do refém já morto de cima e com o punho de metal esmagou seu crânio.




— Peguem as armas deles! — Gritou Chiquinha com os olhos chispando. — Vamos acabar com esse filho da puta!




Seu Madruga se aproximou do grande oito e abaixou seu braço mecânico em uma larga tampa de ferro fundido sobre o chão. Assim que conseguiu agarrar uma das pontas, ele arrancou a tampa sem muito esforço e Chaves pôde ver que aquilo dava acesso a uma larga escada ao subterrâneo.




— Vamos! — Chiquinha gritou chamando todos com a mão.




Chaves apressou seu passo e a seguiu. Só agora tinha se dado conta de que ficou completamente travado durante aquele tiroteio. Na verdade, achou que não tinha nem respirado desde o momento em que Chiquinha tinha cortado a garganta do refém. Não estava acostumado com isso.




Chegaram ao final da escada. Já tinham acendido pequenas tochas que traziam em suas mochilas utilizando seus maçaricos ZAP. Chiquinha e mais um soldado usavam uma lanterna de luz azul que iluminava em quase todas as direções e era muito mais eficiente que a luz do fogo, sem contar que não fazia fumaça. Ela entregou o objeto para Chaves.




— Metade fica aqui guardando a entrada — ela ordenou. — A outra metade nos segue!




Os soldados trocaram olhares e em questão de segundos se posicionaram dividindo exatamente a metade das pessoas para ficarem guardando a porta e a outra metade seguindo os líderes.




Chaves via que Chiquinha estava obstinada. O olhar já tinha se tornado sanguinolento e ele achava que começava a entender tudo. Além daquele homem enviar seus soldados lutarem uma guerra de vida ou morte em seu nome, ainda queria retirar todo o povo revolucionário de seus lares, suas únicas casas. E tudo isso por um motivo estúpido e ganancioso. A gota d'água foi ele ter levado seus guardas ao suicídio pedindo para que atacassem um grupo quase seis vezes maior sem nem parecer se importar com suas vidas. Aquele homem era um monstro.




Seguiram por alguns corredores. Uma vez ou outra encontravam uma pessoa correndo e a abatiam. A partir de um momento perceberam que as pessoas não estavam armadas e então as deixavam fugir. Entre um corredor e outro, subindo por escadas como se já tivesse passado por aquele lugar várias vezes, Seu Madruga e Chiquinha guiaram todos eles até uma grande sala sofisticada. Tinha sofás, tapetes, móveis de madeira, TV de tubo e objetos de plástico de vários anos passados, mas que se mantinham cuidadosamente preservados. Não acumulavam nem pó. Entre duas estantes de livros, mais altas que Chaves, havia um belo portal fechado com portas duplas.




Eles pararam diante delas.




— Entraremos nós três e vamos garantir a negociação com ele, ok? — Disse Chiquinha quase cochichando. — Não saímos daqui sem um acordo na mão com todos os pontos que já discutimos.




Os dois concordaram com um menear de cabeça.




— Vocês esperam aqui fora! — Tornou ela a levantar a voz para o restante do grupo que os acompanhava. — Só considerem entrar se alguma coisa parecer dar muito errada!




E então, empurrando as maçanetas das duas portas ao mesmo tempo os três adentraram ao grande escritório do Senhor Barriga.




O escritório era quase tão grande quanto a sala anterior. A decoração era uma mistura do retrô, já visto atrás das portas, com o visual moderno que Chaves estava começando a se acostumar. Uma cabeça com uma cartola se mostrava por cima de uma grande mesa cheia de papéis espalhados. O homem estava de costas para eles e quando se vira Chaves não o reconhece. Só o faz quando ouve sua voz.




— Vocês são ótimos negociadores — o homem apaga o charuto em um cinzeiro em um dos lados da mesa. — Digam o que querem para que eu possa dizer "não".




O homem atrás daquela mesa não lembrava em nada o Senhor Barriga que Chaves tinha conhecido na infância. O bigode talvez ainda fosse do mesmo formato que ele se lembrava, mas agora estava todo branco e cercado por uma barba malfeita da mesma cor. A pele do rosto parecia um caroço de ameixa com longos veios de rugas desde a testa até a pele flácida do pescoço. A magreza do homem e seu olhar cansado demonstravam que tinha passado por muitos problemas nos últimos tempos. E se aquele "8" representava o formato do corpo do chefe, como Chaves havia imaginado, agora deveria ser substituído por um magro número "1".




Senhor Barriga tossiu fortemente e Chaves quase achou que o velho fosse vomitar. Ele segurou sua cartola para que não caísse e então olhou com raiva para os três que se mantinham calados. Chaves achou que pai e filha também não viam o homem atrás daquela mesa a tempos e estavam tão sem palavras com a situação que ele se encontrava que estavam reformulando as propostas para não acabar com o saco de ossos de uma vez.




A carranca que Senhor Barriga trazia na cara se desfez devagar enquanto os olhava, transformando-se em uma expressão de angústia e tristeza.




— Eu encontrei uma carta do Nhonho — finalmente disse-lhes. — Não sei como não a encontrei antes... Talvez por nem ter coragem de entrar no quarto dele durante anos — ele desviou o olhar para uma das paredes ao seu lado e remexeu nervosamente no charuto apagado sobre o cinzeiro. — Sabia que eu não deveria entrar lá. Eu sabia! E então justo quando eu estava superando... — Voltou o olhar diretamente para Chaves. — Sabe, achei que eu tinha superado. Entrar lá foi apenas uma forma de afirmar que eu tinha conseguido, que ele não ia mais interferir na minha vida. Mas achar aquela carta...




Ele colocou o charuto entre os lábios cinzas sem se dar conta de que estava apagado.




— Eu não deveria ter lido. Aquilo trouxe mágoas do passado pra macular a imagem dele. Sabe o que dizia, Chaves? — O velho se tornou mais enfático e se levantou ligeiramente da cadeira apoiando as duas mãos sobre a mesa. — A carta dizia que ele me amava! Me amava! E que não desejava me abandonar. Mas que não suportava mais ver os amigos sofrendo...




Pela visão periférica Chaves percebeu que Chiquinha olhou ligeiramente para ele procurando alguma reação. Viu também seu Madruga engolindo em seco.




— Amigos... A pior amizade que ele poderia ter tido. Culpa minha, claro, por deixá-lo conviver com pestes como vocês desde criança! — Voltou a sentar na cadeira e encarar a parede enquanto fumava o charuto apagado. — Ele tinha um bom coração. Bom demais para gastá-lo com quem não merecia — voltou a apagar o charuto já apagado no cinzeiro. — A data é do mesmo dia que ele morreu.




Chaves estava chocado. Já tinha concluído que Nhonho estava morto antes mesmo de Seu Barriga contar. Estava implícito na forma que seu pai começou a contar a história. Mesmo assim foi inesperado, pois até entrar no escritório do Barriga esperava encontrar seu amigo de infância nem que fosse no exército inimigo. Parecia que isso não seria possível.




— C... — Gaguejou Chaves. — C... Como foi que ele morreu?




A carranca do Senhor Barriga voltou ainda mais feia do que antes. Aquele rosto se distorceu de uma forma que Chaves nunca tinha visto em um rosto humano. Nem quando era criança tinha se assustado tanto com uma expressão de ódio e fúria.




— COMO CHAVES? COMO?? — O homem gritava indignado quase subindo em pé sobre a mesa. — Nunca esperei passar por uma situação dessas, como, como?? — Remexia os papéis sobre a mesa procurando algo. Abriu e fechou uma gaveta com a força que ainda tinha. — MAGNÓLIA! ONDE ESTÁ A MINHA PONTO QUARENTA??




Chiquinha se aproximou de Chaves e pegou em seu braço.




— Vem Chaves, acho melhor você não ficar aqui.




Chaves estava hipnotizado tentando absorver tudo que tinha visto e ouvido nos últimos momentos e fazer a ligação com a loucura que o velho Barriga mostrava agora.




— É BOM FICAR AQUI SIM! É MELHOR NÃO! EU NÃO QUERO NUNCA MAIS VER A CARA DE TRAIDOR QUE ESSE MOLEQUE TEM! EU QUERO MINHA ARMA! ONDE ESTÁ? EU NÃO NEGOCIO COM TRAIDORES!




Chiquinha carregou Chaves porta do escritório afora enquanto Seu Barriga gritava descontroladamente e Seu Madruga tentava acalmá-lo. Ao passarem pelas portas duplas os dois veem os soldados que os acompanhavam já com as armas em mãos do outro lado daquela sala, preparados para entrar no escritório a qualquer momento. Chiquinha fez sinal para eles se acalmarem, que tudo estava sob controle e eles abaixaram as armas. Ela colocou Chaves no sofá mais próximo que encontrou, sentando-se ao seu lado.




— Chaves... Sei que não lembra disso, mas... Foi você que matou o Nhonho.




Ele já nem estava ouvindo sua companheira. Desde dentro do escritório ele já reunia pequenos lapsos de memória e tentava uni-las em uma ordem cronológica.




Viu uma discussão acalorada entre ele e Nhonho. Gritos, cuspes e dedos apontados para a cara um do outro. Seria mesmo Nhonho? Estava magro, forte e mal vestido comparado com o Nhonho que ia para a escola.




Viu Nhonho virando-lhe as costas. Era o momento de decisão do amigo. "Ou a revolução ou seu pai". Ele escolheu voltar para o colinho do papai.




Viu a raiva crescendo pelo amigo. Ouviu a si mesmo gritando para ele enquanto ia embora "Você não é mais bem-vindo aqui! Se eu te ver desse lado do rio de novo, vou atirar sem pensar duas vezes".




Viu-se chorando escondido e enxugando as lágrimas quando Chiquinha o encontrava pela casa.




E viu quando o rapaz de bom coração — como Senhor Barriga havia dito a pouco — corria na direção dele e seu grupo. Trazia seus soldados correndo atrás e Chaves não entendia por que o ex-colega estava fazendo isso.




— O que fazemos? — Questionou um soldado ao seu lado.




Chaves não desviou o olhar do velho amigo vindo.




"Achou que não cumpriria minha palavra, não é?"




— Atire! — Disse Chaves.




O soldado continuou a olhar para Chaves esperando uma segunda ordem, mas essa não veio. Então levantou a espingarda, mirou bem pela luneta e atirou.




Chaves virou de costas depois de ver a cabeça do amigo explodindo. Sabia que os soldados dele não iriam atacar sem o comandante, e teriam que levar o corpo novamente para o outro lado do rio. Também sabia que jamais esqueceria aquela cena. A cena que acabava de lembrar.




— Eu não sabia que ele tinha mudado de ideia... — Disse Chaves com lágrimas escorrendo pelo rosto e pingando no sofá. — Se o desgraçado tivesse me avisado! Como eu ia saber que não era um ataque? Que ele duvidava que eu levaria minha palavra a sério?




Chiquinha tentou acalmá-lo tirando seu gorro e acariciando seus cabelos.




— Calma, Chavinho. Não há mais o que fazer. O que está feito está feito... O que importa é o que virá amanhã. Estamos decidindo isso agora. E o Nhonho estaria feliz com o resultado que vamos ter aqui.




Chaves voltou a prestar atenção nos gritos que vinham de dentro do escritório. Seu Barriga parecia ter abrandado sua fúria, mas o sarcasmo que ele usava em seus gritos doía no coração.




— Você não tem palavra, velho Madruga! Nunca teve! Sempre foi um mentiroso e um traiçoeiro... Nunca, em nenhuma vez na vida, me falou a verdade. Nunca teve um emprego de gente e quando viu que era possível uma revolução para ser vagabundo pela vida inteira, agarrou-a com unhas e dentes. Você sempre foi o câncer daquela vila. Você, sua família toda, o moleque que você pegou pra criar — Tossiu longamente até ficar sem ar. — Vocês não são pessoas, não merecem nem sequer uma cova naquele terreno que roubaram de mim — voltou a gritar desesperadamente. — Ladrões, vagabundos, salafrários, canalh...




Então o som de um tiro ecoou pelo aposento fazendo todos que estavam na sala pularem assustados.




Uma das portas se abriu e do escritório saiu Seu Madruga de rosto cerrado e com uma pistola na mão.




— O acordo está feito. Ele nos deixará em paz!




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Autor(a): domramone

Esta é a unica Fanfic escrita por este autor(a).

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Prévia do próximo capítulo

Chaves se viu atirando em Nhonho com um estilingue. O garoto rechonchudo estava no chão, com sangue em volta do corpo, mas olhava para Chaves e conversava com ele. Jaiminho estava atrás de uma janela gradeada de uma casa que Chaves não reconhecia. O carteiro tentava o advertir de algo, mas Chaves não conseguia ouvi-lo, nem ler seus lábi ...


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Comentários do Capítulo:

Comentários da Fanfic 8



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  • maryannie Postado em 01/03/2021 - 02:07:49

    Estou amando. Acompanhando ansiosa.

  • maryannie Postado em 21/02/2021 - 15:57:55

    Hoje é domingo e eu preciso de capítulo novo. Kkkk

    • maryannie Postado em 23/02/2021 - 14:23:52

      Ah, feliz que tem capítulo novo! Valeu, vou procurar nas redes sociais.

    • domramone Postado em 23/02/2021 - 14:11:34

      Hey Maryannie, não me mate, mas tive que atrasar um pouco o lançamento desse capítulo em algumas das páginas onde estou publicando. Trabalho e viagens tomam um tempo precioso e eu gosto de conferir se está tudo certinho antes das postagens. Farei o possível para não atrasar mais nenhuminha vez issu issu issu. Se quiser acompanhar a gente nas redes sociais, pode procurar no Instagram ou Facebook por Chaves Revolution. Lá são os primeiros lugares que eu acabo postando. Mas prometo que domingo tem o capítulo novo aqui ;)

  • chander Postado em 20/02/2021 - 07:30:42

    Olá, ramone. Mano! Muito, mas muito top! Esse capítulo ( APESAR DE ENORME), foi muito melhor que o primeiro e sério! Tá dando muita pena do Chavez nesse mundo pós-apocaliptico, onde a infância e a realidade atual se chocam com ferocidade. Acho que o mais maneiro é encaixar uma fala típica do seriado aqui e acolá, demonstrando que os personagens mudaram, sim, mas ainda podemos reconhecê-los facilmente. E mano, no segundo capítulo já esfregar uma beijão gay. NOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOSSSAAAA! A popis nunca me enganou, mas a Paty foi uma surpresa. Só, por favor, eu sei que a proposta é uma coisa mais adulta, mas não sei se tenho psicológico para uma cena de sexo entre chaves e chiquinha. Juro pra você que vou falar disso na terapia por um mês O.O' No mais, já, já, estou de volta. Eu demoro, mas não falho.

    • domramone Postado em 23/02/2021 - 14:14:29

      Ahhh, que bom que gostou. Depois de um primeiro capítulo meio parado as coisas tem que desenvolver né? Os capítulos realmente estão grandes e talvez fosse melhor que eu os tivesse dividido em mais partes. Bom, foi a primeira experiência lançando algo por aqui e agora já sei o que devo fazer nos próximos ;) Obrigado pelo acompanhamento e pelas dicas. Prometo que não irá sair tão traumatizado dessa história. A não ser que você já esteja pensando nessas cenas. Como diria o Jay do Big Mouth "Você imaginou e nós descrevemos" =P

  • maryannie Postado em 02/02/2021 - 00:39:00

    Estou amando! Posta mais!

    • domramone Postado em 02/02/2021 - 09:24:14

      Logo logo... Vou postar capítulo novo todo domingo =D


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