Fanfics Brasil - Capítulo 8 - O Mestre Chaves Revolution

Fanfic: Chaves Revolution | Tema: Chaves


Capítulo: Capítulo 8 - O Mestre

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Chaves se viu atirando em Nhonho com um estilingue. O garoto rechonchudo estava no chão, com sangue em volta do corpo, mas olhava para Chaves e conversava com ele. Jaiminho estava atrás de uma janela gradeada de uma casa que Chaves não reconhecia. O carteiro tentava o advertir de algo, mas Chaves não conseguia ouvi-lo, nem ler seus lábios. O velho parecia desesperado. Nhonho também movia sua boca sem emitir nenhum som. Chaves começou a pensar que tinha ficado surdo.




Mas então ouviu a voz de Chiquinha.




— Você tá bem? Tá se sentindo melhor?




Chaves tentava responder, mas não sabia o que. Chiquinha só o ouvia balbuciando e, entre alguns resmungos, escapavam algumas palavras quase completas. "Disco voador?" ela pensou ter ouvido em uma delas e deu um leve sorriso imaginando o que deveria estar passando pela cabeça dele.




— Chaves, calma. Você está delirando. Está queimando em febre. O ferimento infeccionou e agora está se espalhando pelo seu corpo. Popis está preparando uns remédios para aliviar as dores e a febre. Mas acha que para barrar a infecção vai precisar amputar sua perna.




Aquilo pareceu ter despertado Chaves. Seu corpo se retesou e ele apoiou os braços sobre a cama.




— Amputar?




— Calma, calma... — Disse Chiquinha. — Eu não a deixei fazer isso, claro. Mas se vermos que você corre risco de morrer, nós teremos que fazer. Por sorte está se recuperando...




Ele nem lembrava direito como tinha sido atingido. Um dos guardas remanescentes e corajosos do Senhor Barriga atirou contra eles enquanto saíam do seu prédio subterrâneo. Uns soldados foram atingidos pelas costas. E a coxa de Chaves também. Foi atingido por aquele tiro assim como havia visto o tiro entrar pela pele do Nhonho. Acertou sua coxa. Acertou seus braços levantados em sinal de paz. Acertou sua barriga, seu pescoço e a boca, estilhaçando o sorriso de felicidade que o amigo trazia no rosto. Pedaços de dentes voaram em câmera lenta pelo vento e passaram por uma imagem que chamou atenção de Chaves. Era a sombra de um homem, um homem corcunda que rondava a vila. Ou seria uma mulher? Era estranho ver uma sombra em uma hora daquelas, pois no meio da noite não havia luz suficiente para fazer sombra sobre o corpo de alguém.




A sombra se esticava desde o meio da vila até o tanque ao lado da casa de Dona Florinda. Mas procurando pela origem da sombra não conseguia encontrar ninguém. Ouviu a voz de Jaiminho chamando-o de dentro de seu barril, mas não encontrou mais o barril no lugar onde costumava ficar. Um gato preto passou à sua frente em um salto rápido que mais parecia um voo do que um pulo animal. Chiquinha apareceu usando uma máscara de monstro.




— Feliz dia das bruxas — ela disse.




Mas para Chaves a voz que antes parecia de Chiquinha agora já não mais lembrava a da amiga. Era uma voz robótica, gutural. E ele se arrepiou inteiro enquanto lembrava daquela voz.




— Feliz dia das bruxas — a voz se repetia, ecoando e transformando a última palavra daquela frase em um eterno looping.




— Bruxas... — E o gato flutuava.




— Bruxas... — E uma velha aparecia na janela da casa de Dona Clotilde.




— Bruxas... — E Jaiminho substituía a velha na janela, preso em suas grades.




— Bruxas... — A velha ri mexendo em seu caldeirão e sua risada ecoa ainda mais que a velha palavra, tomando conta de todos os pensamentos do garoto.




Várias vezes Chaves acordou e voltou a dormir delirando e ardendo em febre. Aos poucos a infecção era controlada e Chaves voltava a estabilizar sua sanidade. Já conseguia diferenciar o que era realidade e o que era delírio e também já comia uma tigela de sopa no hospital improvisado de Popis. No quadro estava escrito seu nome entre mais alguns que deveriam ser os que se encontravam nas camas ao lado.




Entre uma colherada e outra Chaves parou pensativo e se virou para Chiquinha que estava próxima a janela prestando atenção no que acontecia lá fora.




— O que aconteceu com a Dona Clotilde? — Ele perguntou.




Chiquinha olhou para o companheiro e riu.




— Que pergunta estranha é essa Chavinho?




Ele não respondeu. Apenas voltou a tomar sua sopa colherada atrás de colherada.




— Bom... — Chiquinha decidiu responder. — Eu não lembro muito bem. Ela morreu quando ainda éramos muito crianças, poucos dias depois que você chegou na vila, né?




Chaves parou de beber a sopa. Não lembrava de Dona Clotilde ter morrido. Devia ter uns cinco anos de idade quando chegou à vila e parecia ter pelo menos uns três anos de memórias intactas após isso. E em todas essas lembranças tinham imagens da Dona Clotilde. Lembrava que a chamavam de bruxa e ela ficava uma fera. Lembrava que Seu Madruga os ensinava a não chamar a bruxa de bruxa. Riu quando lembrou disso.




— Nós não chamávamos ela de bruxa? — Perguntou ele.




Chiquinha buscou na memória.




— Eu lembro de algo assim... Acho que nós dizíamos que morava uma bruxa na casa dela, porque depois que ela morreu a casa ficou vazia. E sempre tinham uns barulhos lá dentro. Era estranho... Tinha até esquecido disso. Por que você lembrou?




Chaves deu de ombros. Não queria falar sobre a bagunça que tinha passado pela sua cabeça nos últimos dias. Mesmo se quisesse, ele não saberia nem por onde começar a contar.




Dois dias se passaram desde então e Chaves já estava no galpão, andando apoiado em uma muleta. Sua perna direita doía quando a apoiava no chão, mas não era uma dor que o impossibilitava de andar. Popis lhe disse que teve que mexer muito no interior de seu membro para retirar a bala que ficara alojada em sua coxa. Isso fez com que os músculos, nervos e até mesmo o fêmur — que foi a barreira final para aquela bala — fossem bastante machucados nos últimos dias. Por isso a recomendação da muleta: repouso para aquelas partes para que se recuperassem mais rápido e não voltassem a inflamar.




Paty entrou no galpão a passos largos e firmes seguida por dois de seus soldados. Procurou por Chaves e Chiquinha. Estes por sua vez perceberam que a general tinha algo importante a dizer e se aproximaram. Paty caminhou até os dois.




— Marinheiros do Quico estão fazendo ataques próximo a ponte. Ataques rápidos. Entram, procuram pessoas desprevenidas, atiram e fogem. Já encontramos seis mortos. Pedi para fecharem a ponte e vigiarem as margens do rio para evitar que entrem novamente. O último que foi visto atravessando a ponte, retornando para o lado de lá, foi embora gritando que a retaliação estava apenas começando.




O casal ficou surpreso com a nova notícia. Chaves parecia não acreditar.




— Você ouviu ele dizendo isso? — Ele perguntou.




— Não. Foram os soldados da fronteira que disseram ter ouvido. Apenas estou repassando.




— Por que ele faria isso?




Chiquinha olhou para Chaves impressionada.




— Por quê? Ora Chaves, ele não precisa de um motivo. Você já não percebeu como ele é maluco? Dá na telha e ele resolve atacar, matar, destruir... Por mim nós já teríamos nos livrado dele faz tempo.




Chaves estremeceu pensando na possibilidade de ver seu amigo de infância morto. Mesmo assim fez um grande esforço para colocar na própria cabeça que aquele Quico não era o mesmo que brincava com ele há vinte anos. Aquela criança ingênua tinha ficado para trás. Ou na verdade nunca tinha se tornado adulto.




— Bom, você sabe que temos motivos para não matá-lo — Paty disse apontando levemente a cabeça para Chaves. — E também concordo com seu pai quando ele diz que a fúria de Dona Florinda poderia varrer o que restou da nossa área. Vamos ter que esperar que ela se vá e que o burro do Quico se autodestrua aos poucos.




Mesmo com raiva, Chiquinha consentiu. Fazia sentido o que seu pai falava sobre a velha. Ela era uma mulher de muito poder e de características políticas e militares únicas. Com sua mão de ferro conseguia controlar uma verdadeira multidão para realizar seus objetivos e os treinava tão bem quanto Paty treinava os melhores revolucionários.




Chaves estava quieto e pensativo apoiado em sua muleta. Então pareceu despertar de seus pensamentos.




— E se nós retalharmos a retaliação?




As duas generais ficaram sem entender, mas logo Chaves continuou a desenvolver seus pensamentos.




— Nós estamos com a moral alta. Derrotamos o Senhor Barriga há alguns dias sem ter baixas. O povo clama por tomar a vila dos elefantes e expulsar todos de lá e depois espalhar a revolução para o outro lado também, mandando Quico embora para sempre. E se aproveitarmos o momento, esse frenesi, para surpreender o Quico e ainda mostrar que não estamos apenas assistindo ele matando alguns dos nossos de acordo com sua vontade, mas que nós podemos matar os dele também e até ele próprio se cruzar nosso caminho.




Chiquinha estava impressionada. Começou a bater palmas na frente do rosto de Chaves.




— Bravoooo, Chaves! Você não sabe o quanto eu esperei para ouvir isso da sua boca! Aquele desgraçado não merece continuar interferindo desse lado como a criança mimada que é. Como já disse, por mim já tinha acabado com ele.




Então era isso. Chaves percebeu que aquela apontada de cabeça que Paty fez em sua direção dizia que ele mesmo nunca desejou matar o velho amigo. Devia ter algo guardado mais profundamente que o impossibilitava de desejar a morte de Quico, mesmo que agora fosse seu inimigo. Mas não poderia mais aguentar ver gente inocente morrendo por bobas birras infantis. Tinha que aproveitar aquele momento.




Os três discutiram longamente planejando um ataque rápido que surpreendesse o inimigo. Seu Madruga chegou a tempo de ouvir ideias que lhe pareciam absurdas e discuti-las, argumentando sobre a re-re-retaliação que Dona Florinda poderia fazer, mas foi voto vencido. Chaves estava decidido a acabar com aquela besteira toda o mais rápido possível.




— Vamos colocar o plano em prática amanhã — disse Chaves autoritário. — Juntem as tropas aqui no galpão antes do amanhecer e nos primeiros raios de sol nós vamos botar aqueles desgraçados pra correr. Vamos dominar mais essa área!




— Eu acho isso ambicioso e arriscado demais — disse Seu Madruga. — Quem muito quer, pouco tem.




— Deixe de ser maricas — continuou Chaves no mesmo tom de voz. — Se você tem medo da velha é melhor se trancar em casa.




Chaves se virou e caminhou mancando com sua muleta em direção a escada que levava à sua casa. Seu Madruga, Paty e Chiquinha o olhavam impressionados.




— Parece que ele está voltando ao normal — disse sua companheira. — Mas querer acabar com a raça do Quico de uma vez por todas, isso é novidade.




— Tomara que ele não mude de ideia — disse Paty.




— Tomara que ele mude — terminou Madruga.




Ao contrário das últimas duas noites, naquela Chaves sonhou. Sonhou essencialmente com Quico, provavelmente por terem falado muito sobre ele naquela tarde. Voltava a pensar se eram mesmo sonhos ou se eram lembranças. Os dois na vila jogando futebol com a grande bola de Quico, andando de bicicleta na rua que passava ali na frente, dividindo um pirulito... Mas que raios de sonhos eram aqueles? Só mostravam coisas boas com o amigo de infância, sendo que era mais fácil os dois estarem brigando por algum daqueles itens que Chaves viu dividindo.




Uma coisa chamou atenção de Chaves quando, já acordado, ele estava pensando sobre esses sonhos: Jaiminho não tinha aparecido nesses últimos. E ele aparecia em todos desde o atropelamento. E quem era aquele carteiro? Quando falou dele para os amigos, ninguém dizia lembrar. Mas Chaves tinha certeza de já ter vivido aquelas imagens com aquele carteiro.




"Bom, talvez seja só aquela impressão que temos em alguns sonhos, de que algo já aconteceu..."




A imagem da bruxa surgiu repentinamente em sua mente. Sem motivo algum, mas fez com que Chaves arregalasse seus olhos e perdesse o equilíbrio. Se não estivesse sentado na cama com certeza teria caído no chão.




— O que foi? — Perguntou Chiquinha vendo a expressão dele pela luz bruxuleante da lanterna a gás que segurava em mãos. Chaves balançou a cabeça para afastar os pensamentos.




— Nada não... Temos que ir, não é?




Mesmo desconfiada ela concordou com a cabeça.




O plano era surpreender Quico fazendo um ataque repentino aos seus homens. Por isso não podiam invadir sua região com muito estardalhaço. Também tinham medo de que o jovem mimado estivesse preparado para recebê-los assim como eles tinham feito contra o exército do Senhor Barriga. Apesar de isso ser quase completamente improvável, de acordo com todos eles, não custava nada se precaver. E por esses dois motivos eles deixaram o grande exército na cabeceira da ponte esperando novos comandos. A tropa de elite composta pelos grupos de Chaves, Chiquinha e Paty iriam atravessar e avançar sobre o terreno inimigo. Quando precisassem dos reforços lançariam os sinalizadores ao céu e o exército entraria pela ponte em blocos espaçados por alguns minutos de diferença.




Mas assim que atravessaram, perceberam que algo estava fora do normal. Pensaram que talvez tivessem se enganado sobre Quico e, em um lampejo de inteligência, ele tivesse criado uma armadilha para eles: não havia nenhum dos soldados de Quico a vista pelas ruas. Todas estavam completamente desertas.




Continuaram avançando pelas quadras vazias até que ao longe puderam ver uma mancha negra anormal. Ficava próxima ao maior parque que tinham naquela vila e uma das áreas mais queridas por todos os moradores ali. Com mais alguns metros, eles puderam ver que a mancha negra se tratava de soldados reunidos, todos com o uniforme preto dos marinheiros de Quico.




— Não sei não. Acho que não é uma boa ideia continuar com esse avanço — disse Seu Madruga que acompanhava os grupos.




Eles diminuíram o passo até parar, sem ninguém ter dado a ordem para fazê-lo. Era o medo que aquela multidão causava neles.




— Será que já chamamos o resto do exército? — Perguntou Chiquinha para o seu pai, mas foi Paty quem respondeu:




— Acho que aguentamos o tranco até eles virem, caso seja necessário. De qualquer forma é melhor já andar com o sinalizador em mãos, preparado para acender no primeiro tiro que eles derem.




Chiquinha concordou e pegou o sinalizador. Olhou para ele por alguns instantes e o entregou para a amiga.




— Toma. Acho que é melhor você ficar responsável por ele.




Assim que Paty pegou o objeto, Chiquinha já soltou a grande mochila que trazia nas costas e tirou de lá sua motosserra. Ela sabia o quanto os inimigos tremiam só de ouvir o barulho daquela arma ligada, e iria usar isso para mantê-los afastados enquanto não estivessem com força completa e com a certeza que era hora de atacar.




Eles continuaram se aproximando, empunhando suas armas à medida que achavam que deveriam estar preparados. Quando chegaram tão próximos que podiam distinguir quem eram as pessoas mais próximas a borda externa daquela multidão, perceberam que todos olhavam fixamente para dentro do parque sem se mover e sem nenhum homem estar em guarda.




— Viu. Certeza de que não são homens de verdade. Devem ser bonecos. É uma cilada! — Reclamou Paty.




Mas não pararam de andar até chegarem bem próximos da multidão. E então perceberam que realmente eram os soldados de Quico, todos com seus uniformes de marinheiros. Os mais próximos perceberam a aproximação daquele grupo de quase cinquenta revolucionários e começaram a abrir um caminho entre eles. Estava claro: queriam que eles passassem.




Os quatro que lideravam a tropa paralisaram diante daquela situação surpreendente. O que Quico estaria planejando? Chaves foi o primeiro a dar o passo e, abaixando sua arma, se colocou em meio aquele corredor humano. Os outros, mesmo com medo, o seguiram.




O corredor não era largo o suficiente para que duas pessoas caminhassem lado a lado, e ia se abrindo à medida que Chaves ia avançando. Medo passava pela sua cabeça, mas também uma louca confiança. Em um momento percebeu que a multidão acabava e aquele túnel desembocava em uma larga clareira de grama verde com alguns arbustos espalhados. Bem ao centro, mais alguns homens de preto formando um círculo. No meio deles, uma mesa.




"Não é uma mesa" pensou Chaves assim que se aproximou um pouco mais e pôde vê-la melhor.




Era um caixão.




Quico estava do lado oposto aquele caixão com sua cabeça abaixada. Ao levantá-la, viu o grupo de Chaves se aproximando. Carregava raiva em sua expressão e então falou alto para que quem se aproximava escutasse:




— Estão felizes com o que fizeram?




Os homens que fechavam o círculo em volta do caixão se espalharam deixando o caminho de Chaves livre até que chegasse ao morto. Chaves não se moveu, mas não precisou fazê-lo para descobrir quem estava dentro daquele móvel de madeira sobre o pedestal: havia um grande desenho de Dona Florinda sorrindo ao lado do caixão que pôde ser visto assim que os guardas se colocaram de lado.




— Não fomos nós que fizemos isso! — Chaves respondeu com o mesmo volume de voz se defendendo. Mas então lembrou-se daquele sonho em que Quico retornou com o copo de veneno para casa. Foi depois daquilo que seu inimigo contou que sua mãe estava passando mal. Será que ele realmente não tinha causado a morte de Dona Florinda?




Quico contornou o caixão e caminhou em direção a Chaves. Levantou seu braço mecânico com a metralhadora ao mesmo tempo que o braço normal e assim que chegou perto o suficiente abraçou o antigo amigo, começando a chorar em seu ombro.




— Desculpe... Não posso me misturar com a sua gentalha. Não hoje. Amanhã eu vou conversar com você...




Chaves ficou sem reação. Por fim acabou soltando sua arma barril no chão e respondeu o abraço.




Por alguns segundos os dois ficaram abraçados. Então Quico se afastou e enxugou as lágrimas com sua mão normal, retornando depois novamente para o lado do caixão.




Chaves se virou e encontrou seu grupo incrédulo. Caminhou na direção do corredor humano que continuava aberto.




— Vamos embora!




O retorno até a ponte foi tranquilo. Como na ida, não encontraram ninguém nas ruas, nem mesmo guardas. Chaves foi todo o caminho a frente sem dizer uma palavra. Assim que podiam observar a outra margem do rio com o exército todo reunido, Seu Madruga sentiu-se seguro para fazer alguns comentários sobre o inimigo.




— Vocês repararam que não tinham só soldados com uniformes dos marinheiros do Quico, não é? — Ele perguntou para as duas mulheres que caminhavam com ele.




Chaves ouviu o que o velho disse. Foram alguns minutos de silêncio, apenas ouvindo sons de passos e de vento. Então qualquer cochicho chamaria sua atenção. Ele diminuiu seu passo e focou seus ouvidos no grupo que vinha ligeiramente atrás.




— Pois é — disse Chiquinha. — Estavam todos de preto, mas alguns não usavam o uniforme de marinheiro. Era um uniforme mais parecido com o dos homens do Senhor Barriga.




— Pois é, mas não era do Senhor Barriga. Não tinham o oito desenhado no peito. Era um outro símbolo...




— E vocês perceberam que esses homens eram os únicos que portavam armas entre todos eles? — Disse Paty interrompendo o pensamento dos outros.




Chiquinha e Seu Madruga se mostraram surpresos.




— Não — disse o último. — Eu não tinha reparado nisso.




Chiquinha também balançou a cabeça em negativa. Chaves diminuiu mais o passo a ponto de ficar ao lado do trio.




— E que símbolo é esse? — Perguntou ao Seu Madruga.




— Não sei, Chaves. Eu nunca o vi antes.




Chaves olhou para as mulheres que também balançaram a cabeça dizendo que não o conheciam.




— Não é algo bom, né? — Ele voltou a perguntar.




Novamente os três balançaram a cabeça.




— Nós poderíamos procurar na biblioteca — Seu Madruga deu a ideia com alguma empolgação em sua voz. — Se não for algo muito recente, podemos descobrir do que esse símbolo trata.




Todos pareceram ter concordado com a ideia. Inclusive Chaves que nem lembrava da existência de tal biblioteca.




— Isso não tá me cheirando bem. — Disse Paty.




Após atravessarem a ponte dispersaram todos os soldados do exército, deixando claro que poderiam ser chamados a qualquer momento. Logo após, os quatro se encaminharam diretamente à biblioteca.




A biblioteca era um grande prédio largo de apenas dois andares. Apesar da quantidade de andares ser reduzida, por fora ele aparentava ter mais andares ainda. Provavelmente era o maior prédio em área que ainda se mantinha em pé por todo lugar que Chaves já tinha passado desde que se lembrava. Talvez fosse tão grande quanto o galpão.




Chaves ficou impressionado vendo aquilo por dentro. Existiam ali estantes e mais estantes com todos os tipos de livros e enciclopédias. Cada estante tinha uma particularidade, seja em sua forma ou no material que era construída. Era a maior diversidade de móveis, livros e idiomas que ele poderia imaginar ver. Alguns déjà-vus passaram por sua cabeça enquanto observava aquela imensidão de silêncio e papel. Ou seriam memórias? Muito provavelmente já estivera ali dentro algumas vezes. Foi desperto de sua observação por uma voz trêmula.




— Quem é vivo sempre aparece!




Chaves olhou em direção a voz e encontrou um velho de quase dois metros de altura, arqueado sobre uma pequena corcunda olhando diretamente para eles. Seu Madruga se aproximou do velho.




— Mestre Linguiça! — Disse ele sorrindo.




O velho respondeu com um pequeno soco ao lado do capacete de Madruga enquanto tentava fazer cara de bravo. Mas logo depois sorriu e os dois se abraçaram.




Chaves não tinha se dado conta do paradeiro do Professor Girafales até então. Não sabia por que não tinha pensado no seu velho professor. Mesmo sem ter pensado diretamente nele, acreditava que ia encontrá-lo do outro lado do rio, ao lado de Dona Florinda, sua paixão. Apesar da surpresa de encontra-lo ali, Chaves lembrou-se do sonho que teve em que Girafales e Florinda discutiam calarosamente sobre comunismo. Era engraçado como algumas partes de sonhos só voltavam à memória depois que um gatilho os puxava para o primeiro plano.




— Que milagre os senhores e senhoritas por aqui! — Disse o velho professor. — Cansaram de lutar e decidiram estudar um pouco?




— Não, mestre. Estamos procurando o significado de um símbolo que vimos do outro lado do rio. — Seu Madruga olhou em volta para todos os livros cuidadosamente organizados em todas aquelas prateleiras. — Achamos que no meio de todo esse arsenal nós podíamos encontrá-lo.




— E que tipo de símbolo vocês procuram?




— Era uma espécie de arco com cinco traços perpendiculares em cima. Parecia a representação de um sol nascendo. Não é, meninas?




Ele olhou para elas que confirmaram com um menear de cabeça.




— Bom — disse o professor. — Eu estava me referindo a que tipo de símbolo vocês procuram. Aqui temos infinitos símbolos. Eu preciso de uma categoria para saber onde procurá-lo.




Seu Madruga coçou o queixo pensando. Chiquinha se adiantou e foi ao lado do pai.




— Pois acho que deve remeter a algum grupo ou gangue. Nós vimos nos uniformes de alguns soldados do outro lado do rio, no mesmo lugar onde o Senhor Barriga costumava deixar seu símbolo no uniforme dos seus homens.




— Hmm. Uma insígnia militar — se virou de costas a eles caminhando lentamente em direção a uma das estantes observando-a. — Tenho alguns livros que podem conter esse emblema. Vocês podem me ajudar?




O professor foi indicando onde os livros estavam. Por sorte, na maioria das vezes, eles estavam próximos. Chaves e Chiquinha subiram as escadas para alcançar as prateleiras mais altas de algumas daquelas estantes, coisa que aparentemente o professor evitava fazer com frequência em vista do seu velho corpo já não estar mais tão preparado para tal atividade.




Todos os livros já estavam sobre a mesa. Alguns eram pequenos e curtos, mas com letras minúsculas. Outros eram grandes volumes de milhares de páginas com capas de couro e costurados a mão. Talvez pelo próprio professor, que lhes lembrava a cada cinco minutos o cuidado que deveriam ter com aqueles documentos.




Procuraram por algumas horas em silêncio. Ainda existiam muitos livros e milhares de páginas a serem analisadas, quando o professor Girafales pareceu encontrar.




— Por um acaso, não é esse símbolo aqui?




Seu Madruga esticou o pescoço para ver. Chaves estava ao lado e fez o mesmo, mas então se deu conta de que não poderia confirmar pois ele mesmo não tinha visto o símbolo.




— É esse mesmo! — Disse Seu Madruga empolgado.




O livro se chamava "O império das famílias mais poderosas do trópico". Estava aberto na página com a figura que Seu Madruga tinha descrito e ao lado o nome do que ela representava.




— Família Calvillo. — Leu Seu Madruga.




O professor apontava para o símbolo enquanto olhava para o grupo.




— Esse não era o sobrenome daquele senhor que foi comprar a vila certa vez?




Os jovens ficam pensativos. Seu Madruga teve a face iluminada pela lembrança.




— Sim! Nossa, eu nem lembrava desse acontecimento. Era o Carequinha, como as crianças o chamavam...




Chaves e Chiquinha então se lembraram do homem. Paty não, pois não morava na vila à época.




— Ele quase comprou a vila do Senhor Barriga — continuou Seu Madruga se recordando. — Por sorte o gordo desistiu de vendê-la de última hora. Aquele homem queria destruir tudo e construir um prédio de luxo no lugar.




Girafales concordou enquanto lia o livro.




— Aqui diz que os Calvillos são uma antiga família que domina essa parte do continente. São conhecidos por suas grandes propriedades de terra e recentemente entraram na área de grandes empreendimentos imobiliários. Bom, pelo jeito já estão faz tempo nesse ramo, pois esse livro deve ter pelo menos uns quarenta anos. Aqui também diz que o símbolo da família representa o pôr do sol, demonstrando a imagem que viram quando chegaram a América.




— Para mim isso representa a careca dele brilhando contra o sol. — Disse Chaves expressando seu rancor guardado desde a infância por aquele homem.




Apesar de ter sido em tom de ódio, as palavras de Chaves fizeram todos rirem. Foi uma descontração para aquele momento de tensão que estavam passando desde cedo. Assim que os risos cessaram, Girafales indagou curioso:




— Me digam, o que estavam fazendo do outro lado do rio? Fiquei sabendo que acabaram com o domínio de Seu Barriga ao leste nos últimos dias. Agora estavam indo ao norte?




Todos se olharam desconcertados. Seu Madruga tomou a palavra.




— Pois é, mestre. Meu voto foi vencido na decisão, e por isso estávamos indo para cima do exército de Quico a fim de aniquilá-lo como fizemos com o velho Barriga.




— E então foram impedidos por esses soldados do Calvillo.




— Na verdade não, mestre. Eles não quiseram nos atacar. E nós também acabamos não atacando.




Girafales se mostrava confuso. Por mais que não concordasse com o uso da violência, era muito estranho um grupo sair para atacar o inimigo e nenhum deles entrar em combate.




— Fizeram as pazes? Um acordo de paz?




— Não senhor... Eles estavam fazendo um velório.




— Um velório? De quem?




Seu Madruga levantou o olhar encontrando o do professor. Sentiria muito em dizer aquilo, mas sabia que deveria lhe contar.




— Dona Florinda.




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Autor(a): domramone

Esta é a unica Fanfic escrita por este autor(a).

Prévia do próximo capítulo

Girafales já não parecia uma pessoa feliz. Depois de receber a notícia de que o amor da sua vida estava morta, o que ainda poderia representar algum sinal de felicidade em seu rosto se perdeu no meio das suas rugas e olhos cansados. — Bom... — Começou a dizer o professor. — Todos temos escolhas, né? Infelizmente n ...


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Comentários do Capítulo:

Comentários da Fanfic 8



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  • maryannie Postado em 01/03/2021 - 02:07:49

    Estou amando. Acompanhando ansiosa.

  • maryannie Postado em 21/02/2021 - 15:57:55

    Hoje é domingo e eu preciso de capítulo novo. Kkkk

    • maryannie Postado em 23/02/2021 - 14:23:52

      Ah, feliz que tem capítulo novo! Valeu, vou procurar nas redes sociais.

    • domramone Postado em 23/02/2021 - 14:11:34

      Hey Maryannie, não me mate, mas tive que atrasar um pouco o lançamento desse capítulo em algumas das páginas onde estou publicando. Trabalho e viagens tomam um tempo precioso e eu gosto de conferir se está tudo certinho antes das postagens. Farei o possível para não atrasar mais nenhuminha vez issu issu issu. Se quiser acompanhar a gente nas redes sociais, pode procurar no Instagram ou Facebook por Chaves Revolution. Lá são os primeiros lugares que eu acabo postando. Mas prometo que domingo tem o capítulo novo aqui ;)

  • chander Postado em 20/02/2021 - 07:30:42

    Olá, ramone. Mano! Muito, mas muito top! Esse capítulo ( APESAR DE ENORME), foi muito melhor que o primeiro e sério! Tá dando muita pena do Chavez nesse mundo pós-apocaliptico, onde a infância e a realidade atual se chocam com ferocidade. Acho que o mais maneiro é encaixar uma fala típica do seriado aqui e acolá, demonstrando que os personagens mudaram, sim, mas ainda podemos reconhecê-los facilmente. E mano, no segundo capítulo já esfregar uma beijão gay. NOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOSSSAAAA! A popis nunca me enganou, mas a Paty foi uma surpresa. Só, por favor, eu sei que a proposta é uma coisa mais adulta, mas não sei se tenho psicológico para uma cena de sexo entre chaves e chiquinha. Juro pra você que vou falar disso na terapia por um mês O.O' No mais, já, já, estou de volta. Eu demoro, mas não falho.

    • domramone Postado em 23/02/2021 - 14:14:29

      Ahhh, que bom que gostou. Depois de um primeiro capítulo meio parado as coisas tem que desenvolver né? Os capítulos realmente estão grandes e talvez fosse melhor que eu os tivesse dividido em mais partes. Bom, foi a primeira experiência lançando algo por aqui e agora já sei o que devo fazer nos próximos ;) Obrigado pelo acompanhamento e pelas dicas. Prometo que não irá sair tão traumatizado dessa história. A não ser que você já esteja pensando nessas cenas. Como diria o Jay do Big Mouth "Você imaginou e nós descrevemos" =P

  • maryannie Postado em 02/02/2021 - 00:39:00

    Estou amando! Posta mais!

    • domramone Postado em 02/02/2021 - 09:24:14

      Logo logo... Vou postar capítulo novo todo domingo =D


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