Fanfic: TEMPO PERDIDO | Tema: Suspense, ação, família
TEMPO PERDIDO
Primeira parte:
Eduardo foi despertado novamente pelo som alto da sirene. Abriu os olhos e ouviu a mesma voz irritante de todas as manhãs, o mandando se levantar e arrumar a cama. Ele demorou a reagir, mas a voz retornou e se tornou mais agressiva repetindo a mesma ordem:
-Vamos vagabundo! Levante-se e arrume a cama. Agora!!!
Normalmente, Eduardo responderia de forma grosseira, mas não naquela manhã. Ele havia sonhado com sua pequena filha, Clarisse de 7 anos. Foi um sonho maravilhoso, e ele tentou fechar os olhos para revivê-lo, contudo, sabia que não era possível. Não com o guarda gritando do outro lado das grades. Então ele decididamente ergueu seu corpo cansado e olhou seu rosto no pequeno pedaço de espelho pregado na parede suja e mofenta. Ele alisou com as mãos a barba grisalha e pensou em tirá-la, mas novamente foi impedido pelos mesmos pensamentos de languidez de sempre. No entanto, ele estava diferente naquele dia, o sonho com sua filha tinha lhe trazido alento ao coração. Era mais um dia na prisão. Ele viu seu rosto jovem envelhecer naquele pedaço de espelho, as rugas chegaram pra ficar enquanto que o brilho dos olhos de um jovem promissor se perdeu durante os anos.
Após 20 anos em confinamento carcerário, Eduardo só tinha a lembrança dos tempos em que vivia feliz com sua família e tinha muitos sonhos a conquistar. Mas uma tragédia mudou tudo, esposa e filha mortas, e ele não conseguia se lembrar de nada. Eduardo deitou na cama dura da sua cela com a esperança de sonhar com sua família novamente. Eles precisava daquele sonho, pois seria sua última noite de sono ali. Amanhã ele iria estreiar de forma funesta, a nova cadeira elétrica da prisão. Algumas famílias de uns condenados que morreram através da aplicação de injeção letal, exigiram na justiça o retorno da famosa cadeira alegando que a injeção causava sofrimento. Eduardo não se importava de que forma ele iria morrer. Ele só queria acabar com aquele sofrimento. Ele lembrou do dia em que entrou no tribunal para ser julgado e atacou o promotor, e por isso o juiz mudou sua sentença de 25 anos para a morte por cadeira elétrica. Mas naquele mês, a antiga aparelhagem deu defeito e o diretor solicitou uma nova. E esta nova cadeira elétrica havia chegado e estava pronta pra ser usada. Eduardo seria o estreante, e o próprio inventor da nova versão da cadeira estaria ali para passar as instruções que segundo ele, seria de maior eficiência, mais rápida, quase indolor, e de um pulso elétrico que traria o usuário à morte em questão de segundos após o acionamento da chave.
Quando Eduardo foi avisado que seria o primeiro a utilizar o novo equipamento, ele só conseguiu se concentrar nas palavras "quase indolor". Isso trazia um pouco de alívio a ele. Mas o medo da morte jamais desapareceu de seu interior. O "quase" significava que ele ainda sentiria dor, e que talvez, seria o mínimo possível. Mas ele se acalentava pelo fato do resultado ser breve. Cultivou em seu coração a crença de que encontraria com sua família do outro lado da vida. Ele se agarrou a esta certeza nas últimas semanas, e queria acreditar que seria assim depois que a chave fosse acionada pelo agente. Ele olhava o retrato de sua família pregado na parede ao lado da cama, pois não queria esquecer dos rostos de sua esposa e filha pelo passar de tantos anos.
A sirene tocou alto naquela manhã, despertando o sonolento Eduardo. Ele não conseguiu sonhar com sua família, pois o sono não chegou durante a noite toda e quando ele adormeceu já era quase dia. Mas ele percebeu algo diferente naquele dia. A luz do sol não entrara pelas dependências da prisão, ele se perguntou o porquê que estava tão escuro se o relógio já marcava 7 horas da manhã. Então, um som ecoou pelos corredores, um som estrondoso, bem familiar, era um trovão. O som se repetiu algumas vezes com durações e intensidades diferentes. Está chovendo? Perguntou para o guarda:
-Chovendo? Cara, está caindo uma tempestade lá fora! O chefe tinha sugerido que sua sentença fosse adiada, mas o diretor não concordou. Seu dia chegou e parece que os céus estão te esperando com festa.
Um humor negro seria muito bom pra iniciar seu último dia, pensou o detento. Eduardo imaginou que aquilo poderia ser um sinal. Um sinal de que os céus não o queriam pelo o quê ele fez. Assassinos de família não vão pro céu, pensou.
Quando a equipe de execução da sentença chegou, Eduardo não quis olhar pra ninguém no rosto. Todos estavam me condenando, imaginou. Prefiro andar lembrando dos meus últimos momentos felizes com a minha família!
Ele andou com passos lentos sem quase sentir o chão. Acompanhou seus algozes que se mantinham em silêncio. Esse silêncio era bom, pois não atrapalhava a concentração do condenado em lembrar de cada detalhe dos últimos dias ao lado de sua esposa e filha, Mônica e Clarisse. Em breve estarei com vocês e vocês me dirão o que foi que aconteceu naquele.
Eduardo não conseguia se lembrar de nada. Era tudo um apagão em sua memória. O psicólogo dizia que ele mesmo bloqueou em sua mente o ato horrendo que fez após ter visto o resultado. Um acesso de ira tinha o levado a cometer esse crime e depois que fez, depois que atirou na filha e na mulher com um revólver calibre .38, ele colocou a mão na consciência e decidiu apagar tudo das lembranças. Por isso ele não se lembra, concluiu o psicólogo forense.
-Vocês não vão conseguir arrancar nada dele! Pois ele apagou tudo da memória por não haver motivos que justificassem seus atos. Ele preferiu não se lembrar de nada!
Realmente, Eduardo não lembrava de nada. Apenas de ser acordado pela polícia e ver sua filha e esposa mortas no chão com um tiro no peito cada uma delas. Ele gritou e chorou demasiadamente, mas a arma estava próxima dele quando a polícia chegou e entrou em sua casa. Um telefonema daquele endereço para o atendimento de emergência mostrava a voz de uma criança afirmando que seu pai e sua mãe estavam discutindo muito, e que seu pai estava armado. A polícia averiguou o registro da arma, e estava em nome do assassino. Não restava dúvidas que Eduardo matou sua família, mas o que não entrou na cabeça do investigador foi porque um homem mataria sua própria família logo após ter sido promovido no trabalho. Mas o parceiro do investigador acrescentou que uma voz masculina e adulta havia ligado para a emergência na semana passada alertando sobre a presença de um estranho nos arredores da casa.
-Ele deve ter descoberto o amante da mulher, chefe. Daí ele quis resolver tudo na bala!
-Mas porque matar a filha também?
Isso ficou sem explicação durante todo o julgamento, até que num novo acesso de raiva, o réu atacou o promotor e essa atitude mostrou que ele realmente cometeu tudo aquilo que ele negava ter feito.
A tempestade ecoava lá fora numa atividade intensa, enquanto que os ânimos dentro da cadeia era tensos e a movimentação era bem lenta. A equipe estava atenta a todas as instruções do inventor daquela máquina que não se diferenciava muito da antiga, mas que possuía uns detalhes que precisavam de concentração. Eduardo sentou na cadeira em silêncio e com os olhos bem fechados. Não interessava pra ele olhar para nada daquilo, somente pensar nos últimos dias que passou ao lado de sua esposa Mônica e de sua filha Clarisse. Um trovão bem alto assustou todos no recinto. O diretor perguntou se não era melhor adiarem a execução, mas o inventor estava empolgado demais com a estréia de sua nova máquina que não aceitava a ideia de esperar tempo algum.
O condenado ouvia as vozes da equipe sendo silenciadas pelo barulho dos trovões da tempestade lá fora, mas ele não abria os olhos de jeito nenhum. Tirando a voz do inventor, ele conhecia a voz de todos e conhecia cada detalhe daquelas paredes que serviram de morada por 20 longos anos. Sentiu as amarras apertarem seus pulsos e tornozelos. A cada passo da equipe que era narrado detalhadamente pelo inventor, Eduardo apertava os olhos e se concentrava ainda mais nas lembranças de sua família. Suas memórias pararam na última noite de amor que teve com sua esposa, como foi bom e intenso, ele pensou. Depois daqueles dias foi somente dor, tristeza e desgraça. Sua vida terminara naquele dia, concluiu ele. O que se passou durante esses anos na prisão não eram vida. Mas agora, ao esperar o último passo ser narrado pelo chefe da equipe, todo aquele sofrimento ia acabar.
Houve um estrondo de um trovão antecedendo a última ordem. Toda a equipe olhou para o agente que segurava a alavanca de acionamento da tensão elétrica. O agente ajustou os dedos na alavanca e finalmente puxou-a com força para baixo. Luzes se acenderam na máquina, Eduardo ouviu os estalos da eletricidade percorrendo o circuito, sentiu muito mais que um choque serpenteando seu corpo, seus músculos se retesaram e tudo se apagou. Tudo era uma imensa escuridão, e um silêncio assustador dominava tudo. Não se ouvia absolutamente nada, nem vozes e nem o barulho da tempestade. Tudo era um imenso vazio.
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Autor(a): Mauro Celso
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