Fanfic: SORTE | Tema: romance
Acordei no dia 01 de janeiro sem me lembrar o que tinha acontecido na virada do ano, havia bebido gin demais. Já era quase 2 da tarde quando eu senti um cheiro gostoso de feijoada entrando em meu quarto. Olhei meu celular e todos os grupos que eu participava estavam em polvorosa porque alguém da nossa cidade deu a sorte de ter ganho os 300 milhões de reais da loteria. Dei um pulo da cama. "Fomos nós", pensei.
Abri a porta do meu quarto e dei de cara com Cecília virando uma garrafa de espumante e se lambuzando toda. Olhei para o lado, minha mãe estava filmando com um sorriso de orelha a orelha. Então não foi uma alucinação alcóolica, nós realmente estamos milionários. Ainda atordoada de ressaca e sono, observo nossa gata Sansa olhar com reprovação para minha irmã e sua comemoração melecada. Sansa me olha pedindo que eu pare com essa palhaçada pois alguém precisa alimentá-la. Sorrio, pois, ela não faz ideia que além da sorte que ela teve de achar o nosso lar pra fazer morada, agora ela comerá apenas das melhores rações e dos melhores sachês que existem nessa vida. Ao finalizar a gravação, minha irmã dá um gritinho triunfante.
- Boa tarde Helena milionária! - falou abrindo seus braços em minha direção.
- Boa tarde, Cecília. Sansa está te julgando fortemente. - Aponto pra nossa queria irmã mais nova - Ela claramente quer comer!
- Ela pode esperar... Estamos milionários! - minha mãe sussurra tão baixo que nós quase não ouvimos - Me digam, qual a primeira coisa que vocês querem comprar?
- Honestamente? Eu só quero um celular novo, o meu não dá mais pra aguentar... Tive muita sorte que ele durou foi muito! - olho para o celular que foi meu companheiro e confidente por quase 4 anos. Sim, eu consigo fazer um celular durar quatro anos.
- Eu quero um guarda-roupa recheado de roupas novas. A maior variedade que eu puder ter! - Cecília olha para nossa mãe esperando que seu pedido seja atendido.
- O que vocês quiserem! - Mamãe dá uma piscadinha de olho.
Olho para o fogão e sinto mais uma vez a sorte tomar conta da minha vida: o cheiro delicioso de feijoada vindo da enorme panela. Lembro que hoje é o dia tradicional da minha família ficar de ressaca aqui em casa. Um milagre que ninguém tenha chegado ainda. Me lembro vagamente de minha prima me mandando um vídeo abraçando o vaso sanitário as 5 da manhã e acabo rindo com a lembrança. "Temos sorte que eles vão demorar a chegar aqui", pensei.
De volta ao meu quarto começo a pensar em todas as coisas que quero viver agora que teremos uma boa quantia para gastar. Prudentemente penso que a primeira coisa que quero ter a oportunidade de fazer é viajar. Nem que seja sozinha, para uma praia desconhecida, só para pensar na vida e agradecer a grande sorte que tivemos. Pego meu bullet journal e abro na página do dia 01 de janeiro e escrevo os números lindos que mudaram minha vida: 04-10-16-29-37-42. Olho para aqueles números ainda sem acreditar na nossa sorte e na virada que nossa vida irá dar. Alguém bate na porta e me traz de volta a realidade. Meu pai entra com um sorriso que eu não via a muito tempo.
- Boa tarde minha filha. - Meu pai me abraça - Pronta para começar o primeiro dia da melhor fase da nossa vida?
- Ainda não, mas eu tenho certeza de que quando eu vir o dinheiro na conta eu começo a acreditar e a ficar pronta. Eu ainda acho que foi pegadinha e que eles erraram os números. Nós ganhamos sozinhos, é muita sorte! Você tem noção? -articulo com minhas mãos em busca de um sentido para essa situação que estamos vivendo.
- Mas é real. Nossos números foram sorteados e nós ganhamos sozinhos. Seus sonhos estão mais reais do que nunca. Quando estiver sonhando, agradeça ao anjo que sussurrou os números da sorte em seu ouvido. A esse ser a gente tá devendo 300 milhões! - meu pai falou dando uma piscadela.
Uma semana antes do sorteio acordei gritando em casa os números. Havia acabado de sonhar com eles em um pedaço de papel em minhas mãos. Exatamente na ordem que foi sorteado. Minha irmã que sempre acreditou com muita fé em todos os recados que recebi por sonho, saiu correndo para anotar os números para que nosso amado pai fizesse o jogo que poderia mudar nossa vida. Na hora do almoço ligamos para que ele anotasse os números e fizesse o jogo. E bastou um único jogo. A nossa sorte foi a mesma de ver uma estrela cadente, que vemos uma vez na vida. Ao anjo que sussurrou em meu ouvido: valeu, cara! Tô te devendo essa.
Resolvi tomar um banho antes que minha família chegasse para tirar as impurezas do ano que passou e pensar um pouco em toda a sorte que tive até hoje em minha vida. Tive a sorte de conhecer pessoas incríveis, e de desconhecer pessoas que não me acrescentavam em nada. Tive a sorte de poder crescer e amadurecer em um ano tão difícil e puxado. Enquanto a água desce por meu corpo meu celular começa a tocar na pia. Tento olhar pelo vidro e não identifico a chamada. Provavelmente sentindo a incrível mudança que minha vida estava para ter, chego perto e vejo um nome que a muito tempo não via na tela do meu celular: Luan. Penso um pouco se devo ou não atender a ligação, até que decido deixar para lá e volto ao meu banho. Talvez fosse minha sorte apitando mais uma vez, pois quando sai do banho vejo sua mensagem no meu celular: "Pensei que depois de todo esse tempo você toparia me atender..." Dei uma risada e respondi rapidamente: "Tava no banho, foi mal!". Ele sabe que voltar a me procurar não vai mudar o que aconteceu. Mesmo assim ele vem atrás, talvez sentindo o cheiro do dinheiro, não sei. Mas nesse ano que passou, talvez a maior sorte que eu tive foi me livrar dele!
Comecei a limpar meu rosto quando ouvi o barulho da minha família chegando calmamente em casa, como eles sempre fazem. Só que não. Não demorou muito para que minha prima abrisse a porta do meu banheiro para fofocar.
- Hello querida - Raquel entra abruptamente no meu banheiro - eu estou morta de ressaca e quero mais é dormir, mas a fofoca vem em primeiro lugar, óbvio! Luisa terminou o namoro e já tava com outro na festa ontem.
- Ela terminou com o Betinho? - olhei surpresa pelo espelho para a cara de derrota de Raquel - Achei que eles iam se casar!
- Pois é minha filha, mas parece que esse outro cara aí tem ó: grana! Sinceramente, todo mundo pode alegar que nasceu com a bunda virada pra a Lua, mas igual a Luisa? Jamais minha filha, jamais! A bicha parece que nasceu foi lá na Lua de tão agraciada de coisas boas na vida.
- Ah Raquel, mas dinheiro não garante nada né? Quem garante que o cara vai fazer feliz? Dinheiro não compra felicidade e você sabe disso! - nossa família tem um longo histórico de ganhar e perder dinheiro na mesma facilidade.
- Não sei, sei que ela estava feliz da vida de mãos dadas com esse cara e não pareceu se importar com as pessoas comentando sobre ela não. - falou se apoiando na parede do banheiro.
- Ela tá errada? Não, né? Quem tem que se preocupar com a vida dela é ela mesma. - falei saindo do banheiro - Agora deixa eu trocar de roupa, porque eu tô varada de fome e de ressaca. Bebi tanto ontem que nem sei como cheguei no meu quarto pra dormir. Tava num nível que eu devia ter dormido na cadeira lá fora, do jeito que eu tava.
- Pelo menos você tava em casa né? Pior foi eu que tava na festa da casa de Tio Felipe. Ai menina foi péssima, só música ruim e gente bêbada enchendo o saco. Certos foram vocês em passar a virada do ano sozinhos em casa.
- Sorte, né? - falei rindo enquanto fechava a porta do quarto para me trocar.
Tia Amália parece muito feliz falando sobre sua vizinha ter comprado um carro novo como se ela fosse se aproveitar dessa compra. Olho para Raquel que precisou se sentar do outro lado da mesa pois nossa família já havia se espalhado por todas as cadeiras disponíveis, nos obrigando a sentar separadas. Minha irmã está ainda mais longe: na cabeceira da mesa. Raquel é aquela prima que faz as reuniões de família ficarem menos chatas. Apenas uns meses mais velha do que eu, é a irmã mais velha que eu não tive. Crescemos longe, pois os pais dela saíram de nossa cidade para tentar uma vida melhor na capital. Durante a adolescência eles voltaram, o que acabou nos aproximando e nos fazendo viver experiências incríveis juntas. Somos grandes confidentes, mas ainda não sei em que momento eu direi a ela que estamos milionários. Julgando a nossa amizade, diria que ela não contaria a nenhuma alma nesse mundo. Mas ao mesmo tempo temo por nossa segurança, principalmente a dela, que agora mora sozinha.
- Inveja é uma coisa que adoece o ser humano... - meu pai sussurra ao meu lado
- Você sabe que ela está passando por um momento delicado, papai. - Devolvi em voz baixa
- Yago, me passe as azeitonas por favor. - Tia Amália nos traz de volta ao convívio familiar.
Minha tia perdeu o filho, Nando a quase quatro meses. Meu primo era a pessoa mais carismática que eu já conheci na vida. Todo mundo que o conheceu despejava elogios sobre a pessoa que ele era. Ninguém nessa vida jamais conseguiu odiar o Nando. Até quem tinha motivos para odiar, não conseguia. Era 3 da manhã quando meu celular tocou naquele dia. Meu primo havia saído para um barzinho com os amigos, achou prudente voltar pilotando sua moto depois de alguns drinks. Minha tia me ligou desesperada do hospital, meu primo já estava sem vida. Minha família ficou por dois meses sem fazer festas, mesmo sendo nossa tradição. Todo final de semana alguém da família ia até a casa de Tia Amália lhe prestar solidariedade. As vezes durante nossas festas procuro as piadas e risadas contagiantes de Nando.
- Tá, mas falem a verdade, quem de vocês ganhou a loteria e vai bancar uma viagem pra a família? - Tio Felipe fala chamando a atenção de todos
- Eu tenho certeza de que foi o senhor que ganhou e tá escondendo da gente, pai. - Yago rebate de imediato - Se nós estamos milionários pisque duas vezes, se continuamos sobrevivendo de 4 salários-mínimos pisque uma vez. Não minta por favor. - Continuou arrancando risos de todos na mesa.
Cecília me olha dando risada. Eu sabia o que ela estava pensando. Nós nunca precisávamos expressar verbalmente qualquer sentimento ou pensamento que tínhamos. Éramos gêmeas de idades diferentes. Não sei como desenvolvemos essa ligação, mas mesmo completamente diferentes e com personalidades opostas, eu e minha irmã somos conectadas pela mente. Sempre tínhamos as mesmas ideias, os mesmos comentários, as mesmas indagações. Nossos olhares nos diziam mais do que palavras podiam jamais dizer. Pisquei duas vezes e em resposta recebi uma gargalhada dela. Ela esperava por isso, eu sabia que sim.
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O título do próximo capítulo está escondido nesse capítulo! Boa caçada ;)
Me digam se gostaram e se querem que eu continue
Autor(a): Anna Sousa
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