Fanfic: Portões da Retribuição - Akalyana | Tema: Fantasia, raças
Senti que estava despertando, sentindo cada extremidade do meu corpo e mexi os dedos. Evitava abrir os olhos, sabia que ele não estaria ali.
Saudades. Isso definiria tudo? Saudade de algo que não conhecia?
Abrir meus olhos lentamente, vencendo o medo. Imaginei que estaria no banheiro e que o estranho estaria por perto, afinal de contas havia desmaiado pelo que me lembrava. Mas a realidade se mostrava bem mais inquietante.
Eu não estava no banheiro com o estranho parecido com Zane do meu sonho, estava num lugar fechado. Observando melhor o ambiente, notei estar deitada numa espécie de sofá e não havia janelas ou portas naquele cômodo.
Sorri. Curvei meus lábios no sorriso mais lindo que puder. Poderia ser ele novamente, poderia vê-lo novamente. Sai da cama lentamente, minhas roupas eram diferentes. Estava com um longo vestido azul, da cor de meus olhos.
O tecido parecia tocar minha pele como se fossem dedos e isso me relaxava. Me afastei da cama e dei alguns passos procurando-o com o olhar e infelizmente nada encontrei.
— Ele não está aqui, criança. — Uma voz ecoou em minha mente. Senti frio novamente.
A voz melodiosa não poderia estar dentro da minha mente, teria um dono. Procurei ao redor, quem poderia ser esse dono e nada encontrei.
— Vire-se e olhe. Abra bem seus olhos e mais ainda sua mente. Preciso que você entenda. Preciso que me compreenda Akalyana. Minha doce Akalyana. — A voz soava melodiosa e suave.
Como se fosse um boneco, exatamente como na cachoeira, nada do que eu fizesse mudaria o curso da situação. Meus pés pareciam guiados por cordas, se movimentando para trás e virando meu corpo. A penumbra naquele canto começava a esmaecer, e como um véu descobria um lindo espelho.
Basicamente do meu tamanho, oval, e pelo que notei todo ornamentado em madeira. Em suas laterais havia os mesmos arabescos que encontrei no teto, naquele quarto com Zane.
A face do espelho brilhava levemente, meus pés sem meu comando deram mais dois passos à frente. Fiquei encantada com isso, mais parecia precisamente enfeitiçada. Toquei o vidro do espelho, querendo roubar o brilho dele para mim e um rosto um pouco enevoado tomou forma a minha frente e me chocou.
O brilho diminuíra, centralizando apenas em um lindo par de olhos azuis que me retribuía o intenso olhar. Meus olhos se moveram e os do espelho também. Longos cabelos negros, corpo esguio e vestido azul.
Meu reflexo olhava e acenava para mim naquele espelho, tocava por dentro o que eu fazia por fora e seguia delicadamente meus movimentos e então parou. Seus lábios se moveram e a voz que deveria ser minha, mas não saía de mim.
“Não tenha medo, não lhe farei mal. Isso não é um sonho e é mais real do que pode imaginar. Sei que deveríamos ter esse encontro em um momento mais oportuno Akalyana. Porém, é de vital importância o que tenho para lhe contar.”
Continuava olhando chocada para a imagem no espelho que parecia comigo, mas não era eu. Seus lábios se mexiam, enquanto os meus estavam fechados e parados. Senti-me pregada ao chão, sem conseguir me movimentar por mais que quisesse.
Quanto mais eu olhava para o intenso brilho naqueles olhos, tão parecidos com os meus, mais uma emoção que não conseguia identificar tomava forma no meu coração. Era quase fluida e nascia dentro de mim e se expandia em todo o meu corpo.
Como se fosse água, ela percorria todos os cantos do meu ser. Cada canto escondido, mesmo debaixo daquele vestido. E lentamente, aquele sentimento escorria para fora e ia tocando cada parte de minha pele, de mim.
Fui me acalmando, como se estivesse com um leve sono. Sentia-me leve e com uma sensação de algo morno dentro de mim, poderia dizer quase feliz. E pela primeira vez desde que o “meu” reflexo conversou comigo, eu simplesmente sorri. Sorri de prazer.
“A emoção sem nome que sente, é a energia. Sua. Nossa energia. Ela vem de seu coração e cura todas as suas feridas. Mesmo as que não vê. Eu a libertei para que se cure. Você sente falta daquilo que não conhece, daquilo que não se lembra. A saudade rompe sua pele e invade seu coração de tristeza. É no seu coração que toda a sua bondade mora Akalyana, que reflete seu poder. Vou te contar uma pequena história, minha querida Senhora.
Em seus caminhos, já deve ter ouvido falar do conto da Criação dos Mundos. Ele é mais real do que pensa. Preciso que abra sua mente e entenda os personagens dessa história. Não faça perguntas até o final, suas respostas ficarão claras a medida que compreender minhas palavras.
Há muito tempo, num momento em que nada havia além de nós, o Criador sentiu o peso da solidão. Por mais que atendêssemos todas as suas necessidades e acatássemos todas as suas ordens, ele sabia que nada havia dentro de nós. Nunca tivemos coração e muito menos sentimentos. Fomos criados apenas para servir, cumprir um ideal, que vivêssemos em igualdade e paz.
Contudo, não compartilhávamos de sentimentos e muito menos dos sentimentos do Criador e gradualmente nos distanciamos. Em um momento que nunca conseguimos definir bem, nosso Grandioso Pai fez de sua semelhança outra raça, seres inferiores que nunca poderiam ser comparados com nossa perfeição, mas que em seus erros e imperfeições atendiam as expectativas do Criador. Eles possuíam sentimentos. Havia algo dentro deles e que sempre nos foi um mistério.
Lentamente o Criador lhes deu esperança e os ensinou as leis. Foi nos dado a missão de protegê-los deles mesmos e de suas imperfeições e fragilidades. Nesse meio tempo Ele repousou depositando sua confiança em nós.
Ajudamos cada raça, cada ser em nossa superioridade. Passamos por inúmeros problemas e decepções e continuamos a servir o Criador. Convivemos e orientamos sem nunca nos envolver diretamente, não podemos afetar suas escolhas apenas servíamos ao propósito de que houvesse opções, caso houvesse escolhas.
E assim foi durante muito e muito tempo. Muitos de nossos irmãos se revoltaram com o Criador. Era claro a preferência, antes éramos aliados e com o convívio com este mundo adquirimos certas particularidades da raça e alguns de seus defeitos. Mesmo em nossa perfeição, descobrimos que não éramos perfeitos.
Nosso Pai Benevolente havia nos abandonado, e nunca mais retornou de seu sono de paz e recuperação. Seu calor e seu amor por nós, sua perfeição e nós seus filhos éramos cada vez mais esquecidos.
E assim começaram as primeiras guerras. Imagine um mundo onde tudo que conhece é seu desde sempre, todos se reuniam em todos os momentos e compartilhavam esses momentos. E muitos deles foram a seu mundo e de repente estavam com armas. Irmãos, uns contra os outros.
Mais e mais guerras assolavam nosso mundo perfeito. Os leais representantes do Criador seguiam suas ordens mesmo em Sua ausência, principalmente depois que certas manifestações de seu Poder foram notadas no mundo baixo.
Contam histórias que nosso Criador voltará quando todos os mundos forem unidos pela mesma bandeira, pelos mesmos sentimentos que ele tinha quando os criou. Que nesse dia utópico haverá paz tanto em nosso mundo, quanto no seu. Os sentimentos que vocês nos ensinaram a ter serão os puros. Os distorcidos pela nossa raça serão extintos com os conflitos.
Dizem os mais velhos, aqueles que consultam o manuscrito deixado por Ele, que nosso Criador se manifestaria aos fiéis através do fogo da Redenção. Pois, somente este elemento conseguiria purificar divinamente um ser, pois foi com ele que nosso Pai criou tudo que vemos hoje.
O fogo acompanhou poucos fiéis em nosso mundo e no seu. E depois se foi. Os velhos nos contavam que o fogo do Criador aparecerá uma última vez, mas não como um elemento. Ele poderá mudar o rumo das guerras e unificará os povos, mas o fará como um ser pensante, munido de sentimentos puros e claros como os do Criador.
Esse ser virá do mais baixo mundo e provará em sua existência que tudo pode ser possível. Será dominador do fogo do Senhor e purificará todas as raças, unindo-as com o amor dEle.
Quando essa criança nascer, deverá ser escondida de nossos olhos. Dos olhos daqueles que foram um dia contra Ele. Ela deverá ser ensinada e cuidada para servir às duas raças. Ela deverá ser protegida.”
A voz calou e meus olhos começaram a arder, senti as bolhas de água cheias em cada canto e as gotas grossas deslizarem pela minha face.
As grossas lágrimas atravessaram meu rosto e caíram pesadas em meus pés. Não sei por que chorei, apenas me sentia triste em cada palavra que o espelho me contava.
Perguntei-me se havia tanto amor desse Criador, porque havia seu oposto?
E por que me importava com esse amor? Meu coração apertou não me sentia mais feliz.
Sentia-me pesada a cada palavra do espelho.
“Eu sinto muito Akalyana. Não queria que fosse assim, o Senhor sabe que minhas palavras e meus sentimentos são verdadeiros.” Pude perceber o ondular no peito do reflexo, realmente havia pesar naquele semblante.
Aqueles olhos iguais aos meus fecharam e por longos segundos se mantiveram naquela posição, imerso em pensamentos. E depois se abriram para mim, olhando-me intensamente.
“A criança nasceu numa época muito antiga, antes que este mundo fosse o que é hoje. Nada do que estava escrito aconteceu, ela não foi criado entre os seus e não pode aprender pelo melhor jeito as escrituras. Inúmeros erros aconteceram e batalhas foram travadas. O punho do Criador se revoltou e reivindicou a posse da criança que havia se transformado em uma mulher. Houve mais crimes do que ouso pensar e a mulher se revoltou contra as raças e sumiu sem deixar vestígios e sem o conhecimento necessário para a paz.
Convenientemente as informações sobre ela são poucas ou quase nulas atualmente, portanto quem realmente a conhece são apenas alguns dos Velhos e o que foi ditado pelo Criador nos manuscritos, que nunca ninguém leu.
Muitos tentaram em vão localizar a mulher escolhida e nenhum obteve sucesso. Ela desapareceu no mundo inferior e nunca mais foi vista. Alguns dizem que pelo tempo, ela acabou se misturando a outra raça perdendo seu conhecimento e se deixando levar pelos costumes, hoje desconhecendo sua real natureza.
Conto-lhe essa história, porque sou um dos poucos que tem conhecimento sobre o manuscrito do fogo do Senhor. Nele havia uma passagem que decidiu meu destino pela eternidade.
Nele diz o nome da criança escolhida, a mesma que deverá ser reconhecida como A Senhora do Fogo e do Perdão do Senhor.”
O “meu reflexo” no espelho mudou de forma e tremeu. Vi nitidamente quando a imagem saiu de dentro dele, como se estivesse angariando espaço e forma novos, parando ajoelhado aos meus pés. Meu corpo tremia como nunca havia sentido.
Aquele ser tomou uma forma diferente, não era mais “eu” e sim um homem. Cabelos longos caindo em cascata à sua frente, sua cabeça se mantinha baixa, suas mãos apoiadas no chão. Usava uma roupa negra e aparentemente do mesmo tecido que meu vestido.
Lentamente sua cabeça se erguia, seus olhos ficaram ao alcance dos meus e me encaravam. Seus olhos eram iguais aos meus, de um azul intenso como o céu. Fitava-me profundamente, intensamente.
“O nome nas Escrituras Sagradas, que nosso Criador deixou para nós. A criança que deveria ser cuidada e protegida se chamava Akalyana.
Akalyana A Senhora do Fogo de Semântis, a Senhora do Fogo e do Perdão do Senhor.
A criança que se tornou a mulher da profecia é você Akalyana.
Vim até aqui para encontrá-la e lutar ao seu lado na guerra. Vim oferecer meus serviços e minha existência enquanto o quiser e precisar.
Eu me ofereço a ti, Senhora do Fogo de Semântis Akalyana.”
Autor(a): akalyana
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