Fanfic: Sopas | Tema: She-Ra e As Princesas do Poder
Notas do Autor
Prefiro chamar os personagens por seus nomes originais, porque assim também ajuda a diferenciar do desenho antigo (e porque alguns nomes da dublagem são bem meh. Além do mais, até os fãs brasileiros dizem catradora e não felinadora), mas os nomes dos territórios ficam melhores em português.
Capítulo Único
Segurando com dificuldade uma bandeja com potes fumegantes entre as pinças enormes, Scorpia sorriu.
_Senti sua falta no almoço. E no café da manhã, também.
_Prefiro trabalhar enquanto como, e ninguém gosta que eu faça isso na mesa. _Entrapta comentou, sem tirar os olhos do tablet. Estava sentada na beira de um barranco, um pouco afastada do acampamento, com Emily ao seu lado. Não muito longe, porque prometera para os outros não se afastar demais, mas com distância suficiente para poder trabalhar em paz.
_Mas não se preocupe! _ela deu um sorriso exagerado _ Achei frutinhas e cogumelos na floresta. Segundo os dados que tenho sobre alimentos silvestres, há 97% de chance de nenhum deles ser venenoso! _ mostrou uma cestinha com a “comida silvestre” e deu uma risadinha.
Scorpia forçou um sorriso:
_Ah. Que... ótimo. Hã... acho que eles cairiam bem com a sopa que teve hoje. Lembrei que você sempre dizia que sopa te fazia te sentir melhor. E achei um potinhos... _ nem terminou, porque tentáculos de cabelo roxo agarraram os potes, com o devido cuidado para não derramar o líquido ainda quente.
Entrapta chegou a lamber as tigelinhas, para alegria da princesa-escorpião.
_Quer mais?
_Não, obrigada. Mas estava uma delícia! _ com animação mais sincera, Entrapta recolocou cuidadosamente os potes na bandeja, antes de voltar ao tablet.
Scorpia colocou sua carga agora mais leve no chão e sentou-se ao lado da amiga.
_Sabe, antes de começar a trabalhar com a Catra, eu evitava comer no refeitório da Horda sempre que podia. Ninguém falava comigo porque achavam que eu só tinha sido promovida a Capitã da Força por ser uma princesa. Então eu sei mais ou menos o que você está passando. Precisa ter paciência. Com o tempo, o pessoal vai perceber que tem sorte de ter você de volta. Eles me aceitaram rapidinho e olha que eu estive na Horda a vida toda! E eles se importam com você, mesmo que não pareça! Eu tava lá quando o Bow e a Glimmer tentaram te trocar pela Catra. Eles só faltaram chorar quando você disse que ia ficar com a gente, não lembra? Se eu não estivesse tão brava por terem sequestrado a Catra, teria ficado com pena.
Entrapta parou, tentando reorganizar os pensamentos. Trocar pela Catra... ah sim, fora quando um dos irmãos de Emily quase destruíra um depósito da Horda por causa de um mau contato! Felizmente, ninguém havia se machucado, mas, desde aquele dia, Kyle saía correndo cada vez que a via, ela nunca entendera o porquê. Sim, lembrava-se vagamente de quando os dois falaram com ela pelo tablet, mas não havia prestado atenção em suas reações. Então haviam ficado tristes com a rejeição dela?
Abraçou o tablet.
_Agora me lembro. Naquela vez, não entendi por que queriam me salvar, já que eu pensava que haviam me deixado lá e nem sequer estava em perigo. Mas eu também não sabia que Catra havia mentido pra mim _ olhou com tristeza para Scorpia, que abanou a cabeça e baixou os olhos. Ambas haviam sido manipuladas e maltratadas por uma pessoa a quem só tinham dado amizade.
Prosseguiu amargamente:
_Mesmo antes do resgate na Zona do Medo, nem sempre os membros da Rebelião eram gentis comigo. Bow me disse que amizade não é fácil porque você precisa dar tudo de si. Estou tentando, mas nada do que faço parece suficiente. Acho que ser uma boa amiga está além da minha capacidade.
_Isso não é verdade! Você é uma amiga incrível! Sempre me tratou melhor do que qualquer outra pessoa lá na Zona do Medo! _o rosto de Scorpia ficou sombrio, e ela suspirou _Você era a minha melhor amiga, antes de eu desertar. Mas só me dei conta disso muito depois que a Catra te mandou pra Ilha da Fera... Em vez de tentar te ajudar, passei quase um ano esperando que ela percebesse que estava errada. Eu é que sou uma péssima amiga.
_Nós já conversamos sobre isso _Entrapta retrucou, com um pouco de impaciência _Catra me fez um favor! A Ilha da Fera é um paraíso de tecnologia dos Primeiros. E, de qualquer jeito, Hordak não precisava mais de mim, depois que o portal foi ativado. _ puxou a máscara sobre o rosto e começou a digitar furiosamente _Quando a guerra acabar, voltarei pra lá, não importa o que me digam.
Um brilho de compreensão surgiu nos olhos de Scorpia. Olhou para a bandeja ao seu lado: não, não devia falar. Bow havia pedido – exigido, na verdade - que não mencionassem Hordak na frente de Entrapta. Ele parecia zangado, coisa rara no Bow. Olhou por cima de Entrapta, curvada sobre o tablet, para a robô, do outro lado. Fora Emily quem a motivara a largar tudo o que conhecia, para fazer a coisa certa. Por Entrapta. Bow tivera boa intenção, mas era óbvio que esconder a verdade da amiga deles não estava fazendo nenhum bem a esta:
_Hordak não sabia que você estava na Ilha da Fera.
Entrapta parou de digitar. Não se levantou, mas afastou-se um pouco, obrigando Emily a dar uns passos para o lado.
_É verdade! _ Scorpia insistiu _Não te falei antes porque o Bow... não fica brava com ele, mas ele pediu pra gente não falar no Hordak na sua frente, porque isso te deixava perturbada. Acho que ele pensa que o Hordak te machucou.
_Isso é absurdo! _ Entrapta levantou-se bruscamente, ao mesmo tempo em que erguia a máscara _Por que acham que Hordak me faria mal? Nós éramos parceiros de laboratório!
Scorpia chegou a se encolher com aquela reação. Mas antes brava do que amarga. Mostrou as pinças, em sinal de perplexidade:
_Pois é. Ele sempre gritava muito e mandava limpar latrinas ou bania gente pra lugares perigosos, mas nunca ouvi dizer que tivesse batido em alguém. Catra mentiu pra ele. Depois que ela te eletrocutou, ficou com medo que Hordak descobrisse. Por isso, disse que você tinha deixado as princesas entrarem pra salvar Adora. E o Hordak... bom, eu quase não o vi mais depois da confusão com o portal, mas qualquer um podia ver que o seu sumiço mexeu com a cabeça dele. Proibiu a gente de dizer o seu nome e mandou tirar as suas coisas do laboratório. Foi logo depois disso que Catra começou a mandar em todo o mundo e a Zona do Medo virou de cabeça pra baixo.
Enquanto ela falava, Entrapta virou-lhe as costas. Seus punhos pareciam duas pás de batedeiras de tão rápido que giravam, seu corpo tremia. A mulher mais alta levantou-se também, mas cautelosamente se manteve atrás, apenas dando apoio, porque sabia que Entrapta não gostava de ser tocada quando estava assim. Emily se aproximou, com barulhinhos de preocupação, e a inventora apoiou-se nela, tocando o metal liso em busca de conforto.
_C-Como Hordak deixou a Catra tomar seu lugar? Ele não confiava nela! _ conseguiu dizer, assim que se acalmou um pouco.
_Também não sei. Catra vivia rindo e dizendo que tinha achado o ponto fraco do Hordak e que agora ele é que tinha que fazer o que ela queria, se não quisesse ser humilhado na frente de toda a Zona do Medo. Sempre pensei que o fraco dele fosse você, mas como você não estava mais lá, só podia ser outra coisa.
Entrapta apertou o bolso do macacão, sentindo as bordas lisas e duras de um objeto que não deveria estar lá. Seu coração galopava no peito, como no momento em que o encontrara, na forja da Zona do Medo. Quando Bow fora procurar Glimmer, deixara Swift Wind tomando conta dela, porém o unicórnio se distraía com facilidade, e Entrapta aproveitara para correr até as ruínas. Ficou lá o tempo suficiente para encontrar não só o cristal mas algumas pecinhas que poderia aproveitar. Fora censurada, é claro, mas ninguém lhe perguntara se não houvera outro motivo além de tecnologia para ela se arriscar daquele jeito. Nem mesmo Adora, que fora criada na Zona do Medo, havia pensado que Entrapta pudesse estar procurando por pessoas queridas por lá, só para saber se estavam bem. Imp, o pequeno espião de Hordak, ela nunca soube que fim levou. Quanto ao próprio Hordak, Bow contou, furioso, que ele tentara matar Glimmer antes dos dois terem desaparecido no ar (teleporte, é claro!).
Aquilo só aumentara o vácuo que habitava seu coração desde que acordara no transporte para a Ilha da Fera.
_Você tá bem? Oh, meu Deus, eu sabia que não devia ter te contado... _ a voz de Scorpia lembrou-a de que não estava sozinha.
_Não!! _ Entrapta virou-se rápido e agarrou-a pelos ombros com mechas de cabelo, puxando o rosto dela para perto do seu _Quero dizer, você fez muito bem! Tudo se encaixa, agora! _ soltou Scorpia e começou a caminhar, fazendo gestos com o cabelo e as mãos _Durante os primeiros meses que passei na Ilha da Fera, esperei que Hordak mandasse alguém me resgatar. Mas o tempo foi passando e eu pensei que ele não precisava mais de mim, já que o portal foi usado _ parou e virou-se, com uma aflição que surpreenderia qualquer um que a conhecesse _Por que nunca me ocorreu que a Catra tivesse mentido? Por que ele acreditou nela?
Scorpia coçou a cabeça:
_Acho que nenhum de vocês quis acreditar que Catra desceria tão baixo. Ela parece ter esse poder sobre as pessoas.
As duas sorriram uma para a outra, se entendendo.
_Olha, eu lamento por você e o Hordak.. _Scorpia prosseguiu _Mas ele é nosso inimigo agora, por isso é melhor não falar nele na frente dos outros. O Micah acha que Horde Prime pode tá sabendo tanta coisa sobre o pessoal daqui de Etéria porque Hordak forneceu informações pra ele.
_Ou foi a Catra. Ela também desapareceu.
_É, talvez. De qualquer jeito, é melhor não falar no Hordak na frente dos outros, tá? Pelo que a gente sabe, ele pode ser agora um daqueles sujeitos branquinhos que só sabem dizer “Glóória a Horde Prime!” _ fez uma voz grossa, depois sorriu amarelo _ Pelo menos vocês dois passaram bons momentos juntos – melhores que os meus com a Catra – e que você fez uma diferença na vida dele.
_Scorpiaaaa!_chamou uma voz de menina.
As duas mulheres se voltaram e viram Frosta correndo na sua direção. Ao ver com quem Scorpia estava, a princesinha parou a alguns metros e fechou a cara.
_Oi, Frosta! _Entrapta acenou com o cabelo.
_Scorpia, a Netossa está fazendo uma rede de vôlei! Vem jogar com a gente! _Frosta gritou, como se não houvesse uma terceira pessoa por perto.
_Vôlei? Oba! Nunca me convidaram pra jogar bola antes! _ Scorpia entusiasmou-se por um instante, antes de lembrar, constrangida, que Entrapta ainda estava ali e não tinha sido convidada _Mas será que é uma boa ideia? Eu posso furar a bola! E não consigo deixar de picar quem chega muito perto de mim, é um reflexo.
_Frosta pode cobrir seus espinhos, as pinças e a cauda com gelo_Entrapta sugeriu, baixando a máscara_ Seu exoesqueleto não sofrerá queimaduras de frio.
Os olhos de Scorpia se acenderam:
_Boa ideia! Você ouviu o que ela disse, Frosta? Eu vou poder jogar! E você, Entrapta? Com seu cabelão, voc... _ olhou de novo para o lado da cientista, mas esta havia sumido, assim como Emily.
Scorpia suspirou e foi correndo junto com Frosta até o local onde armavam a rede de vôlei.
“Volto depois pra pegar a bandeja,” pensou.
Transformada numa imensa bola de cabelo, Entrapta rolou pelo barranco, seguida de perto por Emily. Logo que sentiu ter chegado na campina ali embaixo (não podia enxergar porque estava enrolada), ela esticou algumas mechas, usando-as como freios para reduzir a velocidade. Empurrou a máscara pra cima e estendeu-se no chão, ofegando, com o laptop no colo. Emily foi um pouquinho mais longe do que ela, deu meia-volta e parou bem ao lado de sua dona.
_Ainda bem que Frosta veio buscar a Scorpia, Emily. _Entrapta disse, depois que o mundo parou de girar _Ela foi muito legal comigo, mas preciso pensar agora. E sempre penso melhor quando estou sozinha.
Emily se virou para ir embora, mas Entrapta a segurou com os cabelos:
_Você não! Eu não quis dizer sozinha - sozinha. Você sabe ficar quieta enquanto penso em voz alta. A Scorpia não consegue, por mais que ela tente. Essa é a vantagem de ter robôs como amigos: vocês não se sentem ignorados se eu converso e faço coisas ao mesmo tempo.
Não conseguiu deixar de pensar que Hordak também preferia fazer coisas enquanto conversava.
Tirou o gravador do bolso:
_Gravando 103... acho que 4... quarto dia do acampamento. Tudo faz sentido agora. Sabia que Hordak não tinha jogado fora o cristal. Ele gostava dele. Deve ter brigado com a Catra e ela o arrancou da armadura... a culpa é minha. Eu deveria ter colocado o cristal dentro da armadura ou reforçado pra que não fosse tão fácil de tirar. Mas tinha ficado tão bonito nele! _ sentiu lágrimas subindo aos olhos _Deu tudo errado. Hordak e Glimmer desapareceram. Pensei que meus amigos rebeldes haviam me abandonado, mas eles me queriam de volta e eu os descartei. Por isso as princesas não falam mais comigo. E os que falam – Bow, Adora e Micah -me tratam como criança. Eu posso não entender as pessoas, mas não precisam esconder coisas de mim! _incapaz de continuar gravando, abraçou os joelhos e começou a chorar.
Scorpia estava errada, ela era uma amiga ruim. Por causa de suas distrações, havia perdido para sempre a única pessoa que a compreendia, que a tratava como igual... Talvez ele já estivesse morto. Os soldados de Bright Moon haviam matado muitos clones antes do castelo ser evacuado.
_Não me importo que ele seja nosso inimigo... _ murmurou entre soluços _Só quero vê-lo de novo...
Sentiu um objeto duro cutucar sua perna. De má vontade, Entrapta ergueu o rosto inchado. Emily estava olhando para ela com seu olhão rosa, depois olhou para o lado, onde havia um grupo de pequenas árvores. Tornou a olhar para ela e depois para as árvores. Como conhecia bem a “linguagem” da robô, Entrapta entendeu que esta queria ser seguida. Agarrou o notebook e obedeceu, grata por uma distração. Quando chegaram à sombra das árvores, Emily ligou um holograma, projetando-o contra os troncos para obter maior visibilidade. Uma sensação reconfortante invadiu a princesa cientista, ao ver o laboratório onde fora tão feliz.
“ Gravando um zero um, dia seguinte à explosão do portal”, disse ela mesma, na gravação “Estamos examinando o que sobrou das máquinas destruídas. Teremos que montar tudo de novo...”
Sentou-se na grama, para assistir. Hordak aparecia de pé, ao fundo do santuário. Entrapta chegou a sentir o coração doendo... ele tinha ficado tão atraente com a armadura nova e o cabelo daquele jeito, empurrado para o lado! Mas o que ele estava fazendo? Parecia olhar o próprio reflexo, no vidro de uma das vitrines das suas tentativas de clonagem. Estranho, porque Hordak odiava sua própria imagem. Sempre que via o próprio reflexo em alguma coisa, desviava os olhos. Mas agora... apesar de sua dificuldade em ler expressões, Entrapta podia ver que ele estava apreciando o novo visual. E apalpava o cristal, sorrindo.
“...Pelo lado bom, a armadura que fiz para Hordak está funcionando bem, exceto por alguns problemas na fiação” disse a Holo Entrapta (como a verdadeira decidiu chamar sua cópia).
A menção ao nome dele fez Hordak tirar a mão da pedra e se virar, com um ar tão culpado que Imp e a Entrapta real riram. Antes que sua versão holográfica se virasse para ver o que era tão engraçado, a porta do santuário se abriu: era um robô, trazendo numa bandeja a barra de ração que constituía no almoço de Lorde Hordak e de Imp.
E também...
“Você mandou fazer sopa?” surpreendeu-se Holo Entrapta “Achei que não gostasse.”
“É para você” ele quebrou um pedaço da barra de ração e passou-a para Imp. Tentava parecer indiferente, porém suas orelhas abaixaram um pouco, indicando embaraço “A Capitã da Força Scorpia me informou que você prefere comer em seu laboratório. Achei que seria mais prático comermos junt... (pigarreou)...err, sem interrupções.“
Ela provou o conteúdo de um dos potinhos.
“Isto não é feito de ração! É sopa de ervilha! Humm! Não como isto desde que saí de Dryl!”
Entrapta lembrava desse momento. Quando provara a sopa, não pudera ver a reação de Hordak porque estava de costas. Agora podia ver que ele sorrira enquanto a via se deliciar com a comida que mandara fazer para ela.
Lágrimas surgiram novamente em seus olhos.
“Alguns oficiais contrabandeiam produtos no mercado negro. Eu finjo não perceber, porque sei que vocês eterianos precisam às vezes de comida que agrade o paladar, mesmo que não seja tão nutritiva quanto as barras de ração.” Hordak falava com a boca cheia (ela já sabia que isso não era socialmente aceitável), mas comia delicadamente, mordendo pequenas porções do alimento de cada vez e fazendo caretas. Podia ser nutritivo, mas nem mesmo ele achava aquilo saboroso.
“Ah, então foi assim que a Scorpia conseguiu o chocolate quente. Bem pensado! “Holo Entrapta riu. Olhou, pensativa, para os potinhos já vazios.
“Você também deveria agradar ao seu paladar!” falou de repente.
Hordak se assustou, a ponto dela pensar que ele havia se engasgado. Chegou a criar uma mão gigantesca de cabelos para bater em suas costas, quando ele se virou. Arregalou os olhos vendo aquela mãozona roxa, abriu a boca como se fosse dizer alguma coisa, porém mudou de ideia e fez menção de voltar à mesa de trabalho:
“Se já terminou de comer, vamos continuar.”
Holo Entrapta não o deixou avançar mais que dois passos; tomou impulso com os cabelos e saltou na frente dele:
“Você me ouviu! Por que não pode se permitir as coisas que permite aos seus soldados? Todo mundo aqui diz que você é rígido; mas, pelo que vi até agora, você é muito mais rígido consigo mesmo!”
Na época em que Emily filmara o holo - vídeo, Entrapta não havia entendido o estranho olhar que ele lhe deu. Mas nos últimos meses, depois de ter ajudado tantas vezes a evacuar aldeias e tratar de feridos, ela estava familiarizada com aquela expressão.
Sofrimento.
“Você não entenderia.” Ele respondeu num tom cansado.
“Experimente. Você já admitiu que eu sou mais inteligente do que qualquer outra pessoa que conheceu aqui em Etéria.”
Hordak desviou os olhos, depois tornou a olhar para ela, com resignação.
“Não tenho direito aos privilégios destinados ao meu criador. Nós clones somos todos feitos à sua semelhança, porém inferiores a ele. Indignos de usufruir dos mesmos prazeres que Horde Prime e aqueles a quem ele favorece.”
“Mas você não se importa que seus subordinados ‘usufruam’ desses prazeres.”
“Sua cultura é muito diferente da nossa. A população deste planeta tem modos de pensar que fogem à minha compreensão. Não posso ser indulgente para não perder o respeito dos meus soldados, mas também não devo proibir demais para não causar uma revolta em meu próprio exército.”
Holo Entrapta deu um gritinho:
“Você entende de dinâmicas sociais! Venho tentando decifrar padrões de comportamento há anos e não cheguei nem perto disso!” seus olhos brilhavam de admiração.
Hordak teve que sorrir.
“Mesmo não sendo um nativo, estou neste mundo muito antes de você nascer.”
“Na verdade, você apareceu aqui quando eu era pequena. Tenho 30 anos.”
Ele ficou surpreso, pois claramente a achava mais jovem. Novamente, fez aquele olhar dolorido:
“Trinta anos. Parece muito mais tempo.” murmurou “Para cumprir o meu plano, fui obrigado a me adaptar. Adotei um nome em homenagem a Horde Prime. Modifiquei minha aparência para instilar medo nos soldados e nos meus inimigos.” viu o próprio reflexo na superfície polida de uma máquina e desviou o olhar “Espero que Horde Prime compreenda que isso foi um sacrifício necessário.”
“Ele não te deixava nem mesmo ter um nome.” Holo Entrapta estava chocada “E ter amigos, você pode?”
Em resposta, ele se apoiou na mesa, com os ombros tensos e os dedos curvos como se quisesse afundar as garras no metal. Suas orelhas estavam caídas; segundo as anotações dela, aquilo significava tristeza, dor ou vergonha. Naquele caso, só podia ser tristeza.
A holo-inventora tocou no seu ombro com a ponta do cabelo.
“Está tudo bem, não precisa me responder. Desculpa ter te pressionado. Obrigada pela sopa.” encaminhou-se para o aparelho que estivera consertando antes do almoço.
Hordak espiou por cima do ombro. Não era do feitio de sua parceira desistir quando tinha a curiosidade despertada e, no entanto ela acabara de fazer isso... por sua causa? Seus olhos ficaram redondos e a boca entreaberta, indicando surpresa. Entrapta se perguntou se aquela seria a primeira vez que alguém se preocupara com o que ele pudesse estar sentindo. Se ficaria magoado com palavras ou outro tipo de ações contra ele.
Provavelmente era.
“Não. Espere, eu...” o vilão ergueu-se e foi atrás dela “Está... tudo bem. Eu... acho que compreendo a sua curiosidade sobre meu passado.”
“Mesmo?” Holo Entrapta brincou com uma mecha de cabelo, sem olhar para ele “Eu sei que exagero, mas não consigo evitar.”
Hordak estendeu a mão para tocá-la, porém se conteve.
“Em resposta à sua pergunta, jamais compreendi o significado dessa amizade de que seu povo acha tão importante... até recentemente.”
Holo Entrapta arquejou e virou-se, já procurando pelos olhos dele. Quanto à verdadeira, mal podia respirar, antecipando o que estava por vir.
“...Mas ela é uma das raras coisas que me permito ter, enquanto eu estiver neste mundo.” Hordak terminou, com um sorriso tímido.
As duas Entraptas sorriram para ele, com olhos idênticos e brilhantes.
_É o bastante, Emily _ a cientista fungou _Obrigada.
Aquela troca de olhares durara só alguns segundos, antes que voltassem às suas respectivas atividades. Queria guardá-la em sua cabeça, assim como estava, antes que o momento se quebrasse. Fora uma pena que nenhum dos dois houve percebido que, naquela simples troca de palavras, haviam realizado algo mais importante do que a abertura de um portal.
Ambos haviam colocado os sentimentos um do outro acima de seus interesses e problemas pessoais.
Abraçou a robô apertado, assim que esta desligou a gravação. Se Emily pudesse, teria sorrido.
_Vamos voltar antes que alguém venha atrás de nós. _ Entrapta ergueu-se com decisão sobre os cabelos, formando quatro pernas compridas.
Se pensassem que havia quebrado sua promessa, não a deixariam mais sair sozinha do acampamento. Não que pudessem realmente impedi-la, mas Entrapta percebeu que queria recuperar a confiança deles. Talvez Scorpia tivesse razão e pudessem voltar a ser amigos. De verdade, desta vez.
Sacou novamente o gravador:
_Log 104, retificando. Assisti à holo-gravação que Emily fez no dia seguinte a explosão do portal. Graças aos dados que juntei nos dois últimos meses, percebi várias nuances no comportamento de Hordak que não havia notado quando estávamos juntos. Ele realmente gostava... gosta de mim, mais do que eu pensava. Não é o monstro de que todos falam, mas uma pessoa atormentada. Horde Prime parece exercer sobre ele um domínio semelhante ao que Catra tinha sobre Scorpia. Na verdade, mais como o domínio que o vírus dos Primeiros tinha sobre os meus robôs. Isso confirma minha teoria de que clones possam ser como robôs e tenham sido programados por Horde Prime para conquistar planetas. O que significa que Hordak não é totalmente culpado das coisas que todos dizem que ele fez...
Nesse ponto teve de parar, porque, mesmo com quatro pernas, subir o barranco lhe tirava o fôlego. Quando ela e Emily chegaram lá em cima, ouviram vozes gritando. Provavelmente do jogo de vôlei. Não deu bola:
_Agora que estou mais calma, não acredito que Hordak esteja entre os clones invasores._continuou, logo que chegou lá em cima _Se Micah estiver certo, Horde Prime deve estar obtendo informações sobre Etéria através de Hordak. Isso significa que meu parceiro está no espaço, com Glimmer. E... Catra. _ franziu a testa e deu de ombros. Pensar na gata era perturbador, pois ela parecia viver somente para magoar as pessoas ao seu redor. Não valia a pena.
_Como Glimmer tentou me salvar da Horda, será justo que eu ajude Adora a resgatá-la. _ concluiu, carregando alguns esquemas no tablet. Apareceu na tela a imagem de um estranho objeto de duas pontas, semelhante a um garfo.
_Em algum momento, Horde Prime terá de instalar uma base de comunicações para entrar em contato com seus clones e com a população de Etéria. Provavelmente uma antena. Se eu conseguir chegar perto dela, poderei captar o sinal da nave e, portanto, suas coordenadas.
Abriu um sorriso de orelha a orelha:
_E irei para o espaço!
FIM
Notas Finais
Autor(a): silver_lady
Esta é a unica Fanfic escrita por este autor(a).
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