Fanfic: Decisão | Tema: Spy x Family
Como se fosse o manto de um Rei, coloco minha capa de Aluno Imperial.
Como se fosse um General do Exército, prendo não somente uma, mas oito stellas na frente do meu uniforme.
Como se fosse o homem mais poderoso do mundo, encaro a mim mesmo no único espelho do meu quarto, com uma expressão ousada.
“Eu consegui,” penso. Meu queixo treme.
Pego o pequeno cetro que os Alunos Imperiais usam e bato com ele no meu peito.
- Eu consegui - agora digo em voz alta, ouvindo o tom de soberba que saiu da minha garganta.
Mas… Por que sinto meu coração tão abatido?
Mais uma vez, bato com o cetro em meu peito. Quero arrancar essa sensação, nem que seja a força.
Começo a me bater com mais força.
E mais força…
Sinto a madeira de ébano daquele cetro contra meus ossos. Está doendo.
Ah, como está doendo…
A dor que me dilacera agora não vem da minha carne, vem do meu coração.
Por que estás tão abatido?
Quero olhar para o lado, para o retrato que repousa em minha mesa de cabeceira, porque sei que a resposta para minha pergunta está lá.
Sinto um calafrio pelo corpo e viro a cabeça para encarar minha desgraça.
Lá está ela.
Aquela que faz questão de jogar na minha cara o quanto estou sozinho: a fotografia do primeiro dia de aula, tirada há treze anos atrás.
Como todas as outras crianças, estou lá.
Como todas as outras crianças, estou vestido de uniforme.
Como todas as outras crianças, estou olhando para a câmera.
Porém, diferente delas, estou só; Parado em um canto, sem esboçar expressão alguma.
Relutante, acabo pegando o retrato em minhas mãos para encarar o meu eu criança.
Nunca vi olhos tão sem vida quanto aqueles.
Devagar, encaro meu eu crescido no espelho mais uma vez, somente para ver que nada mudou.
Iniciei meus estudos no Colégio Éden sem a presença do meu pai.
Agora eu os finalizo, e ele ainda não está aqui comigo.
E nunca estará.
Assim como no primeiro dia de aula eu estive sozinho, também estarei no último.
Ao concluir este pensamento, olho para a fotografia novamente. Um sentimento de autopiedade se apodera do meu coração. Antes que eu pudesse contê-la, uma lágrima queima meu rosto como fogo.
Como já aconteceu por dezenas de vezes, num ímpeto de fúria, jogo o retrato na parede do meu quarto, sem me preocupar se irei acordar meus colegas do dormitório com o barulho do vidro que se estilhaça em pedacinhos.
Quero gritar. Berrar a plenos pulmões.
“EU TE ODEIO!!!” era o que eu tinha em mente.
Entretanto, ao abrir minha boca, percebo que o que sai dela é um lamento:
- Ah, pai… Por que me abandonou?
Sento em minha cama com o rosto entre as mãos. Quase não percebo que estou agarrando meus cabelos ao me lembrar do pior dia da minha vida. Faz dois anos que a voz daquele segurança carrancudo com seus óculos escuros nunca mais saiu da minha mente:
- Sr. Damian, lamento informar. Seu pai faleceu.
Não sei por quanto tempo fiquei o encarando. Eu estava no jardim do Colégio Éden, segurando em minha mão a sétima stella. Eu tinha dezessete anos.
Faltava apenas uma para eu me tornar um Aluno Imperial.
Apenas uma, para que eu finalmente pudesse - talvez - ter a aprovação e atenção do meu pai. Para que - talvez - ele viesse até mim, colocasse a mão em meu ombro e dissesse:
- Bom trabalho, meu filho. Você deu orgulho à nossa família.
Mas agora, jamais ouviria estas palavras.
Eu nunca soube do que ele morreu, exatamente. Sua vida toda era um mistério. Nem mesmo o meu irmão mais velho tocou no assunto no dia do enterro. Assim como meu pai, meu irmão também era um completo estranho para mim.
Foi um dia muito esquisito. O céu nublado parecia traduzir tudo o que eu sentia dentro do meu peito ao ver o caixão lacrado do meu pai no gramado do cemitério em que iria ser enterrado.
Ao menos, tive o conforto dos meus melhores amigos, Emile e Ewen. Nunca conseguirei pagar tamanha lealdade que esses dois sempre demonstraram comigo.
Eles foram os únicos do Colégio que foram ao enterro. Dava para se contar nos dedos as pessoas que foram prestar suas condolências ao “grande” Donovan Desmond.
Entretanto, me lembro de que meus amigos não foram os únicos a comparecer, não.
Enquanto eu observava o caixão de meu pai ser colocado debaixo da terra, olhei para frente por apenas um segundo e senti meu coração falhar quando a vi.
Anya Forger.
Ela me encarava ao longe, como se tentasse se esconder detrás de uma árvore.
Seus cabelos rosados atingiam a cintura em belos cachos nas pontas e seus olhos verdes transmitiam uma certa… Compaixão.
Porém, eles pareciam dizer algo mais. Eu não conseguia identificar o que era. Não sei dizer ao certo, mas tive a impressão de que seu olhar refletia a mesma dor que os meus esboçavam.
Me peguei olhando fixamente para ela e, pela primeira vez desde que recebi a notícia da morte do meu pai, senti um acalento em meu coração ao vê-la. Ao notar meu olhar sobre si, Anya murmurou alguma coisa que não consegui entender, deu as costas e foi embora.
De volta ao meu quarto, percebo que baguncei meus cabelos ao segurá-los com força ao lembrar daquele dia e rapidamente coloco as mechas no lugar. Olho para o retrato estilhaçado no chão e solto uma grande bufada de ar ao saber que precisarei limpar tudo. Quando termino de recolher os cacos de vidro, pego a fotografia novamente. Porém, desta vez não olho para o meu eu criança.
Olho para Anya.
Sempre me perguntei o porquê ela estava com uma cara de choro naquela foto. Seus pais também tinham uma expressão estranha, como se estivessem envergonhados de algo.
“Ah, sim…” penso, não conseguindo evitar um pequeno sorriso. “Agora me lembro…”
Naquele dia, ela havia ganhado um tonitrus por ter dado seu primeiro soco em mim. Digo primeiro, porque obviamente que muitos outros foram dados durante esses anos estudando juntos. E confesso que, na maioria deles, eu mereci cada um. Hoje, Anya não faz mais essas coisas.
Sem querer, passo a mão na minha bochecha que ela sempre costumava me socar. Roço meus dedos em minha pele, na esperança de que eu pudesse sentir o calor de sua mão. Balanço a cabeça ao perceber o que acabei de pensar.
Termino de limpar minha bagunça e saio pelos corredores dos dormitórios para o refeitório especial dos Alunos Imperiais. Enquanto meus passos ecoam pelo piso de madeira, a imagem de Anya vagueia pela minha mente.
Só de pensar nela, toda a raiva que senti há pouco já se dissipou.
Ao chegar no refeitório, dou de cara com um Emile e Ewen bem eufóricos.
- Cara! - exclama Ewen, com seu topete loiro praticamente dançando - Você não vai acreditar na nossa sorte!
Olho de um para o outro, com uma expressão curiosa. Sinalizo para que continuem.
- As gêmeas da classe oito aceitaram ir com a gente no baile de formatura! - diz Emile, flexionando os braços fortes para demonstrar vitória.
- Coitadas - digo, me encaminhando para o balcão da cafeteria - As pobrezinhas devem ter batido a cabeça…
Os dois começam a tirar sarro de mim, alegando que eu estava com inveja, porque eu era praticamente o único rapaz que ainda não tinha um par para o baile de formatura.
Veja bem, não é que me faltou oportunidade de convidar uma garota. Pra falar a verdade, me assusta o fato de algumas dela se autoconvidarem para irem comigo.
A questão é que, eu simplesmente não estou com vontade de ir ao baile.
Não é uma simples festinha. É uma celebração de tudo o que passamos durante estes anos de estudo. É uma festa de gala, com muita pompa e honrarias.
É um evento histórico, uma noite em que os filhos são celebrados pelos seus intermináveis esfoços no Colégio Éden e que agora, aos dezenove anos, já são considerados adultos para saírem pelo mundo e deixarem sua marca como verdadeiros cidadãos.
Do que adianta eu ir, se ninguém estará lá para me celebrar?
Agora sou oficialmente um órfão de pai e mãe. E duvido que meu irmão mais velho se dê ao trabalho de vir.
Me pergunto se tudo o que eu fiz não foi em vão…
Quase não percebo meus amigos tentando me trazer de volta do meu transe enquanto estou a caminho da cafeteria. Mas, é outra pessoa que me faz desligar dos meus devaneios.
- Bom dia, Segundinho! - Anya simplesmente surge ao meu lado, acompanhada de Becky que, como sempre, revira os olhos, pois acredito que até o dia de hoje não vai muito com a nossa cara.
“Segundinho”. Anya me chama assim desde que me lembro, e quando a pergunto o porquê deste nome, ela diz que também não sabe ou que se esqueceu. Sei…
Por um momento, quase estrago meu disfarce de carranca mal-humorada, porque assim que ela começa a andar ao meu lado e me encara com aqueles imensos olhos verdes, acabo dando um sorrisinho bobo pra ela.
Mas, para não perdemos o costume, dou logo um jeito de, assim como Becky, também revirar os olhos e murmurar um “bom dia”.
Ela ri desse meu jeito. É uma coisa nossa. Anya me provoca e eu reclamo. É assim há treze anos. Por algum milagre, ela também se tornou uma Aluna Imperial, fazendo com que passemos um pouco mais de tempo na companhia do outro. Mas, confesso que estou exagerando quando digo que foi um “milagre”.
Anya ainda continua sendo essa garota espontânea e divertida que todos conhecem, porém, conforme crescia, foi se tornando uma moça muito inteligente e ouso dizer, até que bem madura e sensata (apesar de ter vezes que ela ainda me surpreende com alguma maluquice).
Estamos quase chegando no balcão e tento manter minha atenção focada no cardápio gourmet que servem aos Alunos Imperiais que fica pendurado acima do balcão, mas me sinto observado e quando olho de relance, Anya ainda me encara com uma expressão enigmática, quase que… Ansiosa por alguma coisa.
“Droga, o que ela quer dessa vez?” me pergunto, sentindo meu coração começar a acelerar. Engulo em seco.
- É-É melhor você se apressar, senão vai acabar seu tão querido omelete - falo a primeira coisa que me veio à mente, apenas para quebrar aquele clima estranho.
Anya apenas solta ar pelo nariz e me dá um pequeno sorriso. É impressão minha, ou ela parece um pouco desapontada? Ela se apoia no braço de Beck, que dá graças a Deus por Anya começar a puxá-la mais rápido em direção ao balcão.
Quando olho para o outro lado, vejo Emile e Ewen me encarando com as sobrancelhas levantadas e um sorrisinho significativo. Finjo que os ignoro, mas sei exatamente o que estão pensando.
Tivemos um dia de aula relativamente normal e entediante. Como sempre, eu, Emile e Ewen temos o costume de nos sentarmos na última fileira de carteiras, bem no topo, onde podemos olhar tudo e a todos, parecendo sentinelas de uma fortaleza.
E como sempre, lá do alto, meus olhos sempre pousam em uma única pessoa.
Anya sempre se sentou na primeira fileira com Becky e acho impressionante em como ela parece sempre saber quando estou a olhando. Tem horas que essa garota parece ler minha mente…
Quase no final da tarde, durante nossa aula de história, me pego olhando novamente para ela, para seus cabelos rosados. Estão muito bonitos hoje, com um brilho natural. Às vezes tenho vontade de sentir a textura, mas nunca tive coragem para pedir.
“Como ela é linda…” acabo pensando sem querer.
Quase que no mesmo instante, vejo Anya dar uma viradinha com a cabeça em minha direção, parecendo um pouco encabulada. Devagar, seus olhos encontram os meus e ela exibe a mesma expressão ansiosa que fez de manhã.
Nem percebo que ficamos nos olhando por alguns segundos, até o professor chamar a atenção dela, dizendo que o mapa do nosso país está na lousa, e não no fundo da sala. Sinto minhas bochechas queimarem ao perceber que ficamos nos encarando por tanto tempo e meu coração começa a acelerar novamente.
Sinto alguém me cutucar e é Ewen. Ele ajeita um pouco o topete e me diz, baixinho:
- É melhor você se apressar…
Franzo o cenho, simbolizando que não entendi direito o que ele quis dizer. Ao lado dele, Emile torce o nariz e completa:
- Ela não vai te esperar para sempre, Damian…
Arregalo um pouco os olhos. À essa altura do campeonato, ambos Ewen e Emile já sabem que eu tenho uma… Digamos… Que eu tenho… Algo pela Anya…
Ewen continua:
- Fiquei sabendo que ela dispensou uns cinco caras que a chamaram para o baile - ele me dá um empurrãozinho com o cotovelo, como se estivesse me dando uma bronca - Será que você não percebe?!
Sinto que agora meu rosto inteiro está vermelho. Pressiono os lábios e olho de relance para Anya novamente. Volto a encarar meus amigos. Uma ansiedade nervosa começa a crescer dentro de mim.
- Tá bom! - exclamo, entredentes - Deixa que eu cuid–
- Ora, ora… - ouço nosso professor falar lá da frente da sala - Parece que os três companheiros estão muito interessados em discutir a Revolução Operária, não é mesmo? Que tal virem aqui embaixo e nos dar uma amostra da sua intelectualidade?
Não sei porque o professor ainda está tão interessado em ensinar essas coisas. É praticamente a última semana de aula, as provas já passaram e está tudo num clima de despedida. Mas, ele alega que um aluno elegante estuda com afinco até a última hora.
Todos se viram para nós após a bronca, porém, o olhar que mais pesa sobre mim não é o do professor ou dos meus outros colegas de classe.
É o de Anya.
Preciso tomar uma decisão o mais rápido possível.
Autor(a): NathaliaCroft
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Naquela noite, deito em minha cama bastante inquieto. Preciso decidir se convido Anya para o baile de formatura, ou não. Pode parecer algo muito fácil, mas não é. Não é apenas um simples convite para uma festa. É uma constatação. Se eu convidá-la para o baile, significa que finalmente admiti minh ...
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