Fanfics Brasil - Capítulo: 12 O Guardião

Fanfic: O Guardião | Tema: ( AyA )


Capítulo: Capítulo: 12

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      Anahi deixou a porta se fechar atrás dela, ainda saboreando sua conversa com Alfonso. Mabel a olhou da escrivaninha.


 


Mabel: Você ia se encontrar com Christopher esta noite? 


Anahi: Não. Por quê?


Mabel: Ele veio aqui e perguntou por você. Não o viu?


Anahi: Eu estava na oficina com Alfonso.


Mabel: Não o viu ao voltar para cá?


Anahi: Não.


Mabel: Isso é estranho. Devia tê-lo visto na rua. Quero dizer, ele saiu há poucos minutos e achei que tinha ido atrás de você.


Anahi: Acho que não (olhou de relance para a porta)  Ele disse o que queria?


Mabel: Na verdade, não. Só perguntou por você. Talvez ainda consiga alcançá-lo, se você se apressar.


 


        Mabel ligou a secretária eletrônica e acabou de arrumar a escrivaninha, enquanto observava Anahi tentando decidir se deveria ou não fazer isso. Quando o momento havia passado e a decisão tinha sido tomada , Mabel continuou como se não tivesse sugerido aquilo.


 


Mabel: Não sei quanto a você, mas eu estou exausta. Hoje todos os meus clientes reclamaram. Se não dos cabelos, dos filhos ou maridos, do novo pastor, de cães latindo ou de como os motoristas de outras cidades são loucos. Às vezes você só quer lhes falar para crescerem. Entende o que quero dizer? (Anahi ainda estava pensando em Christopher).


Anahi: Deve ser a lua cheia  (murmurou) Todo mundo estava um pouco estranho hoje.


Mabel: Até Alfonso?


Anahi: Não, ele não (Anahi fez um gesto com a mão, aliviada) Alfonso é sempre o mesmo (Mabel abriu a gaveta da escrivaninha e pegou um cantil).


Mabel: Bem, é hora de deixar os problemas de lado (anunciou)  Você me acompanha?


 


        Mabel gostava de afastar os problemas regularmente, por isso tinha menos questões a resolver do que todas as pessoas que Anahi conhecia.


 


Anahi: Sim. Vou trancar a porta.


 


       Mabel tirou dois copos de plástico da gaveta e se instalou confortavelmente no sofá. Quando Anahi se juntou a ela, Mabel já havia tirado os sapatos, posto os pés sobre a mesa e tomado alguns goles. Com os olhos fechados e a cabeça inclinada para trás, parecia achar que estava sentada em uma espreguiçadeira numa praia paradisíaca, deliciando-se ao sol dos trópicos.


 


Mabel: Então, o que Alfonso tem feito? ( perguntou ela, de olhos ainda fechados) Ele não tem vindo muito aqui.


Anahi: Nada de interessante. Trabalhado, brigado com o irmão, o de sempre (Ela fez uma pausa e seu rosto se iluminou) Ah, você soube que ele vai tocar no Clipper daqui a algumas semanas?


Mabel: Ah... viva! (A falta de entusiasmo de Mabel era evidente. Anahi riu).


Anahi: Não seja má. Dessa vez a banda é bastante boa.


Mabel: Isso não vai ajudar.


Anahi: Ele não é tão ruim assim (Mabel sorriu antes de se aprumar no sofá).


Mabel: Ah, querida, sei que ele é seu amigo, mas, para mim, é como se fosse da família. Eu o vi de fraldas. Pode acreditar quando lhe digo que ele é muito ruim. Sei que isso também o deixa louco, porque é tudo o que ele sempre quis fazer. Mas, como diz o livro sagrado: “Não atures os péssimos músicos, porque eles arruinarão teus ouvidos.”


Anahi: O livro sagrado não diz isso.


Mabel: Pois deveria. E provavelmente diria, se Alfonso tivesse vivido naquele tempo.


Anahi: Ah, puxa, ele adora tocar. Se isso o deixa feliz, fico contente por ele (Mabel sorriu).


Mabel: Você é realmente uma garota gentil e especial, Anahi. Não me importo com o que os outros dizem a seu respeito. Gosto de você (Ela ergueu seu copo em um brinde).


Anahi: Também gosto de você (disse encostando seu copo no dela).


Mabel: Então, como estão as coisas entre você e Christopher? Depois que ele veio hoje, você mal falou nele.


Anahi: Acho que estão bem (Mabel ergueu o queixo).


Mabel: Acha? Como em “Acho que não estou vendo o iceberg, capitão”?


Anahi: Estão bem (repetiu ela, com mais firmeza. Mabel examinou o rosto de Anahi por um momento).


Mabel: Por que não foi atrás dele há alguns minutos?


Anahi: Por nada. É só que já o vi hoje.


Mabel:  Ah (murmurou Mabel) Acho que isso faz sentido.


 


          Anahi tomou um gole da bebida, sentindo-a arder no fundo da garganta. Embora não pudesse conversar com Alfonso sobre Christopher, com Mabel era diferente. Talvez ela pudesse ajudá-la a entender o que sentia por ele.


 


 


Anahi: Você se lembra do medalhão que ele me deu? 


Mabel: Como eu poderia esquecer, o com as iniciais A.P.?


Anahi: Bem, o problema foi que não o usei hoje.


Mabel: E daí?


Anahi: Exatamente. Foi o que pensei. Mas acho que Christopher ficou ofendido.


Mabel: Se ele não gostou disso, lembre-me de nunca lhe oferecer meu bolo de carne (Quando Anahi não respondeu, ela ergueu seu copo e continuou) Então ele ficou ofendido. E daí? Os homens têm suas peculiaridades e talvez essa seja uma das dele. Acredite, há coisas piores. Mas acho que você tem de pôr na balança o que aconteceu hoje e tudo o mais. Quantos encontros vocês tiveram até agora? Três?


Anahi:Na verdade, quatro. Se você contar como dois o encontro do último fim de semana.


Mabel: E você disse que ele tem sido gentil, não é?


Anahi: Sim. Até agora.


Mabel: Talvez ele só estivesse tendo um dia ruim. Você me disse que Christopher não tem um horário de trabalho fixo, não é? Quem sabe não precisou trabalhar até tarde no domingo?
(Anahi tamborilou em seu copo).


Anahi: Pode ser (Mabel girou o uísque que estava bebendo).


Mabel: Não se preocupe muito com isso (disse tranquilamente) Desde que ele não tenha ido longe demais, não é um grande problema.


Anahi: Devo apenas deixar para lá?


Mabel: Não exatamente. Você também não deveria ignorar isso por completo (Anahi olhou Mabel com atenção) Aceite o conselho de uma mulher que já teve muitos namorados e conheceu vários homens na vida... Todos, e isso inclui você, se comportam melhor no início de um relacionamento. Às vezes pequenas peculiaridades acabam se tornando importantes e a única vantagem das mulheres é sua intuição.


Anahi: Mas achei que você tinha dito para eu não me preocupar.


Mabel: Sim. Mas também nunca ignore sua intuição.


Anahi: Então você realmente acha que isso é um problema?


Mabel: Querida, assim como você, não sei o que pensar. Não há nenhum livro de respostas mágicas sobre isso. Só estou dizendo que, se isso a incomodou tanto, você não deve ignorar, mas também não deve estragar uma coisa boa por causa disso. Sabe, é para isso que servem os encontros, para que as pessoas se conheçam. Para descobrir se combinam. Estou apenas pondo um pouco do velho bom senso na mistura (Anahi ficou quieta por um momento).


Anahi: Acho que você tem razão (O telefone começou a tocar e Mabel se virou na direção do som. Um instante depois, a secretária eletrônica atendeu. Após ouvir quem era, Mabel voltou a olhar para Anahi).


Mabel: Então, foram quatro encontros, não é? (Anahi fez que sim com a cabeça) Haverá um quinto?


 


Anahi: Ele ainda não me convidou para sair de novo, mas deve convidar.


 


Mabel: Essa é uma resposta estranha.


 


Anahi: O que quer dizer?


 


Mabel: Você não me disse qual seria sua resposta (Anahi desviou seu olhar).


 


Anahi: Não. Acho que não.


 


        Quando Anahi chegou em casa, Christopher estava à sua espera. Ele estava encostado no carro em frente da casa, com os braços cruzados, observando Anahi virar na entrada da garagem. Depois de parar, Anahi olhou para Singer e soltou seu cinto de segurança.


 


 


Anahi: Fique no jipe até eu mandar você sair, o.k.? (O cão ergueu as orelhas) E se comporte (acrescentou, ao saltar do carro. A essa altura, Christopher já estava em pé na garagem).


 


Christopher: Oi, Anahi.


 


Anahi: Oi, Christopher. O que você está fazendo aqui? (Ele transferiu o peso do corpo de um pé para o outro).


 


Christopher: Eu tinha alguns minutos livres e resolvi dar uma passada. Tentei encontrá-la no salão, mas você tinha saído.


 


Anahi: Fui buscar Singer. Ele estava na oficina (Ele fez um sinal afirmativo com a cabeça).


 


Christopher: Foi o que Mabel me disse. Mas não pude esperar. Precisava entregar algumas plantas antes de o escritório fechar. Na verdade tenho que voltar para lá assim que sair daqui. Mas só queria dizer que sinto muito por esta manhã. Fiquei pensando no modo como agi e acho que fui um pouco longe demais (Ele sorriu, parecendo arrependido, como um garoto surpreendido roubando biscoitos).


 


Anahi: Bem, já que você tocou no assunto...( Ele ergueu as mãos para evitar que ela prosseguisse).


 


Christopher: Eu sei, eu sei. Nada justifica isso. Só queria dizer que sinto muito (Anahi afastou uma mecha de cabelos do rosto).


 


Anahi: Você realmente ficou muito chateado por eu não ter usado o medalhão?


 


Christopher: Não. Acredite. Não foi nada disso.


 


Anahi:  Então o que foi? ( Ele desviou o olhar. Sua voz saiu tão baixa que ela mal pôde ouvi-la).


 


Christopher: Eu me diverti muito no fim de semana e, quando a vi sem o medalhão, achei que você não havia sentido o mesmo. Achei que eu a tivesse decepcionado de alguma forma. Quero dizer... você não sabe quanto estou gostando do tempo que passamos juntos. Entende o que estou tentando dizer?  (Anahi pensou por um momento antes de assentir).


 


Anahi: Sim.


 


Christopher: Sabia que você entenderia ( Ele olhou ao redor, como se de repente se sentisse nervoso na presença dela) Bem, como falei, tenho que voltar ao trabalho.


 


Anahi:  Está bem (disse simplesmente, obrigando-se a dar um sorriso... Um instante depois, dessa vez sem tentar beijá-la, ele foi embora).


 


 


 


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          No escuro, sob uma nesga de lua, Christopher se aproximou da porta da frente da casa vitoriana que alugara por temporada. Situada nos arredores da cidade, era cercada por terra cultivada e ficava a uns 100 metros da estrada principal. Pálida à luz fraca do luar, a casa tinha metade da altura dos pinheiros que a cercavam. Embora um tanto degradada, ainda mantinha certo encanto, com acabamentos e revestimentos de madeira que lembravam um convite enfeitado para uma festa na casa do governador. A propriedade precisava de manutenção; o antes bem cuidado jardim estava repleto de ervas daninhas, mas Christopher não se importava com isso.


          Achava que havia beleza na aleatoriedade da natureza, nas linhas curvas e irregulares das sombras à noite e nas cores e formas variadas dos galhos e das folhas à luz do dia. Contudo, a aleatoriedade acabava à porta. Do lado de dentro preferia ordem. Acendeu as luzes ao entrar. Os móveis alugados, não muitos, mas o suficiente para deixar a casa apresentável, não eram do seu gosto, mas numa cidade pequena como Swansboro as escolhas eram limitadas. Num mundo de produtos baratos e vendedores usando jaquetas de poliéster, ele havia escolhido os itens menos feios que havia encontrado: sofás de veludo bege, mesas laterais revestidas de carvalho e luminárias de plástico imitando metal.
         Esta noite, porém, não notou a decoração. Só pensava em Anahi. E no medalhão. E no modo como ela o olhara alguns minutos antes. Mais uma vez ele havia sido muito insistente e Anahi se ressentira disso. Ela estava se tornando um desafio, mas ele apreciava e respeitava isso, pois o que mais desprezava era a fraqueza. Por que Anahi vivia numa cidade pequena como aquela?
        Christopher achava que o lugar dela era a cidade grande, com calçadas cheias de gente e sinais luminosos, insultos rápidos e respostas incisivas. Anahi era muito inteligente e elegante para um lugar como aquele. Não havia energia ali para movê-la, nada para mantê-la a longo prazo. Quando não é usada, a força se dissipa e, se Anahi permanecesse ali, acabaria se tornando fraca, como a mãe dele. E, com o passar do tempo, não haveria nada para respeitar. Como a mãe dele. A vítima. Sempre a vítima.
        Christopher fechou os olhos, voltando ao passado. Tudo havia acontecido em 1974 e a imagem era sempre a mesma. Com o olho esquerdo fechado de tão inchado e um hematoma, a mãe carregava uma mala para a caminhonete, tentando andar depressa. A mala continha roupas para os dois. Ela levava na bolsa 37 dólares em moedas.
        Demorara quase um ano para juntá-las. Vernon controlava as finanças e só lhe dava o suficiente para a comida. Ela não podia tocar no talão de cheques e não sabia em que banco o salário dele era depositado. O pouco dinheiro que tinha fora recolhido das almofadas do sofá, moedas caídas dos bolsos de Vernon quando ele cochilava diante da televisão. Sua mãe as escondera numa caixa de sabão em pó na prateleira de cima da despensa e sempre que Vernon ia nessa direção seu coração disparava.
        Ela disse a si mesma que dessa vez estava indo embora para sempre; que ele não a convenceria a voltar. Disse a si mesma que não acreditaria nele, não importava quanto fosse gentil e quão sinceras parecessem suas promessas. Disse a si mesma que, se voltasse, ele a mataria. Talvez não naquele mês ou no seguinte, mas a mataria. E depois mataria o filho deles. Disse e repetiu tudo isso como um mantra, como se as palavras pudessem lhe dar forças para
prosseguir.
       Christopher pensou em sua mãe naquele dia. Em como o mantivera em casa, sem ir à escola e lhe dissera que corresse lá dentro para pegar o pão e a manteiga de amendoim porque eles iam fazer um piquenique. Em como lhe dissera que também deveria pegar uma jaqueta, caso esfriasse. Ele tinha 6 anos e fez o que a mãe mandou, embora soubesse que ela estava mentindo. Na noite anterior, deitado na cama, ele a ouvira gritar e chorar. Ouvira o som forte da mão do pai atingindo o rosto dela, a mãe batendo na parede fina que separava o quarto de Christopher do deles, gemendo e implorando que ele parasse, dizendo que sentia muito, que planejara lavar a roupa, mas precisara levar o filho ao médico. Ele escutara Vernon xingar sua mãe e fazer as acusações que sempre fazia quando estava bêbado. “Ele não se parece comigo! Não é meu filho!”
        Deitado na cama ouvindo os gritos, ele rezara para que aquilo fosse verdade. Não queria que aquele monstro fosse seu pai. Odiava-o. Odiava o brilho oleoso de seus cabelos ao voltar para casa da fábrica de produtos químicos e seu cheiro de álcool à noite. Odiava o fato de as outras crianças do bairro terem ganhado bicicletas e patins no Natal e ele, um taco de beisebol,
sem luvas ou bola. Odiava o modo como o pai batia na mãe quando a casa não estava suficientemente limpa ou não conseguia encontrar algo que ela guardara. Odiava o modo como eles sempre mantinham as cortinas fechadas e nunca podiam receber visitas.


 


       "Depressa" disse sua mãe, acenando. " Temos que encontrar uma boa
mesa no parque". Christopher correu para dentro da casa. O pai voltaria em uma hora, para o almoço, como fazia todos os dias. Embora fosse a pé para o trabalho, levava as chaves do carro, junto com muitas outras, numa argola presa ao cinto. Naquela manhã sua mãe havia pegado uma das chaves enquanto ele fumava, lia o jornal e comia os ovos com bacon que ela havia preparado.


 


        Eles deviam ter ido embora imediatamente, logo depois de o pai desaparecer na colina a caminho da fábrica. Até Christopher, com apenas 6 anos, sabia disso, mas sua mãe havia ficado sentada à mesa durante horas, fumando um cigarro após outro, com as mãos trêmulas. Só havia falado ou se mexido minutos antes. Mas agora eles estavam ficando sem tempo. A mãe se apavorava com a ideia de que não fossem conseguir. De novo. Christopher saiu correndo pela porta, trazendo o pão, a manteiga de amendoim e a jaqueta, e foi na direção do carro. Mesmo correndo, conseguiu ver o olho esquerdo da mãe injetado de sangue. Ele bateu a porta do Pontiac e a mãe tentou enfiar a chave na ignição, mas não conseguiu. Suas mãos tremiam.
       Respirou fundo e tentou de novo. Dessa vez o motor ligou e ela tentou sorrir. Seus lábios estavam inchados e deformados. Havia algo de apavorante naquele sorriso. Ela deu ré e saiu da garagem. Na estrada, andaram em marcha lenta por um momento e então ela olhou para o painel.
       Suspirou. O mostrador indicava que o tanque estava quase vazio. Então eles ficaram. De novo. Como sempre. Naquela noite, Christopher ouviu a mãe e o pai no quarto, mas não eram sons de raiva. Em vez disso, eles riam e se beijavam. Mais tarde ouviu a mãe ofegando e dizendo o nome do pai. Na manhã seguinte, quando Christopher saiu da cama, eles estavam abraçados na cozinha. O pai piscou para ele e o viu abaixar as mãos até a saia da mãe. Viu-a corar.
      Christopher abriu os olhos. "Não", pensou. Anahi não podia ficar ali. Não se quisesse ter a vida que deveria ter, a vida que merecia. Ele a levaria para longe daquilo tudo. Tinha sido estúpido de sua parte ter lhe falado sobre o medalhão. Não faria isso de novo.
      Perdido em pensamentos, mal ouviu o telefone tocar, mas se levantou a tempo de atendê-lo antes de a secretária eletrônica ser acionada. Parando por um momento, reconheceu o código de área de Daytona no identificador de chamadas e respirou fundo antes de atender.


 


 


 


 


 


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       Na escuridão de seu quarto, com uma forte dor de cabeça provocada por alergia, Anahi atirou seu travesseiro sobressalente em Singer.


 


 


Anahi: Quer fazer o favor de calar a boca? (resmungou).


 


 


     


        Singer ignorou o ataque. Em vez disso, ficou perto da porta do quarto ofegando e ganindo, obviamente esperando que ela se levantasse e o deixasse sair para “investigar”, como só os cães sabem fazer. Na última hora ele havia ficado andando pela casa, do quarto para a sala de estar e de volta para o quarto, e mais de uma vez encostara o focinho molhado em Anahi, assustando-a.
      Ela pusera o travesseiro sobre a cabeça, mas isso não foi suficiente para bloquear o som e sua dor só aumentava.


 


 


Anahi: Não há nada lá fora (murmurou) Estamos no meio da noite e minha cabeça está doendo. Não vou sair da cama.


 


 


 


       Singer continuou a ganir. Não era um ganido sinistro, um rosnado nem o barulho que fazia quando os funcionários da companhia elétrica iam medir o consumo, ou quando o carteiro ia entregar a correspondência. Apenas um ganido irritante e alto demais para ser ignorado.
Ela atirou o último travesseiro nele. Singer se vingou atravessando o quarto silenciosamente e cutucando a orelha dela com o focinho. Anahi se sentou, limpando o ouvido com o dedo.


 


 


 


Anahi: Chega! Você venceu!


 


 


 


        Singer abanou o rabo, parecendo satisfeito. "Agora estamos nos entendendo. Venha!" Ele trotou para fora do quarto, indicando o caminho.


 


 


 


Anahi: Ótimo! Quer que eu me certifique de que não há nada lá fora, cachorro maluco?


 


 


 


       Ela esfregou as têmporas, gemeu, saiu da cama e cambaleou na direção da sala de estar. Singer já estava perto das janelas. Afastara as cortinas com o focinho e olhava de um lado para outro. Anahi também olhou, mas não viu nada.


 


 


 


Anahi: Está vendo? Não há nada. Como eu falei (Singer não se convenceu. Foi até a porta da frente e se posicionou diante dela) Se você for lá para fora, não pense que vou esperá-lo. Se sair, ficará lá. Vou voltar para a cama. Minha cabeça está doendo muito. Não que você se importe (O cão não parecia se importar)  Bom, como você quiser.


 


 


 


 


         Anahi abriu a porta. Embora esperasse ver Singer correr na direção do bosque, ele não correu. Em vez disso, foi para a varanda e latiu duas vezes antes de abaixar o focinho para farejar. Ela cruzou os braços e olhou ao redor. Nada. Nenhum sinal de que alguém estivera ali. Exceto pelos sapos e grilos, tudo estava quieto. As folhas não se moviam; a rua estava vazia.
Satisfeito, Singer se virou para voltar para dentro.


 


 


 


Anahi:  Está contente agora? Foi para isso que me tirou da cama? (Ele olhou para ela. "A barra está limpa", parecia dizer. "Não tem com que se preocupar. Agora você pode voltar a dormir".
Ela o olhou de cara feia antes de voltar para o quarto. Singer não a seguiu. Quando ela olhou por cima do ombro, a caminho da cama, viu-o sentado de novo perto da janela, com as cortinas afastadas) Não sei o que deu nele (murmurou)..


 


 


 


          No banheiro, com a cabeça ainda latejando, ela tomou um analgésico. Uma hora depois, Singer recomeçou a rosnar e latir, dessa vez seriamente, mas Anahi, que havia fechado a porta do quarto e ligado o exaustor do banheiro,não o ouviu.


         Na manhã seguinte, Anahi estava em pé de óculos escuros na entrada da garagem, sob um sol ofuscante e um céu tão azul que parecia artificial. Ainda sentia um pouco de dor de cabeça, embora nem de longe tão forte quanto na noite anterior. Singer estava ao seu lado quando ela leu o bilhete sob o limpador de para-brisa de seu jipe.


 


 


"Anahi
Houve uma emergência e tive que sair da cidade, por isso não poderei vê-la durante alguns dias. Telefonarei assim que puder. Não paro de pensar em você.
Christopher"


 


 


     Anahi olhou para Singer.


 


 


Anahi: Então este foi o motivo de todo aquele barulho? (perguntou, segurando o bilhete) Christopher?


 


 


 


       Singer pareceu convencido como só ele sabia ser. "Está vendo? Eu lhe disse que havia alguém aqui". O analgésico havia deixado Anahi grogue e letárgica, com um gosto amargo na boca e sem disposição para tolerar o ar de superioridade dele.


 


 


Anahi: Não me venha com essa. Você não me deixou dormir durante horas. E ele não é um estranho, portanto pare com isso (Singer resfolegou e pulou para dentro do jipe) Ele nem chegou perto da porta.


 


 


 


        Anahi fechou a porta de trás do carro e se acomodou no banco do motorista. Pelo retrovisor, viu Singer girar e se sentar de costas para ela.


 


 


Anahi:  Tudo bem, também estou chateada com você.


 


 


        A caminho do trabalho, quando olhou de novo pelo retrovisor, Singer ainda não havia se virado de frente nem inclinado a cabeça para o lado a fim de deixar o vento bater em sua língua e em suas orelhas, como costumava fazer. Assim que Anahi estacionou, ele saiu do carro. Embora ela o tivesse chamado, Singer seguiu seu caminho, atravessando a rua e se dirigindo à oficina.
Cães. "Às vezes, eles eram tão infantis quanto os homens",pensou Anahi.


 


 


 


 


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        Mabel estava no salão, cancelando os horários marcados pelos clientes de Maite. Ela não iria trabalhar porque havia tirado outro “dia para si mesma”. Pelo menos desta vez avisara, pensou Mabel. Sem dúvida, quando viesse, contaria uma história maluca. Em seu último “dia para si mesma”, ela disse que tinha visto Bruce Springsteen andando pelo estacionamento do Food Lion e que o seguira o dia inteiro, antes de perceber que não era ele. Em momento algum lhe ocorreu questionar por que Bruce Springsteen estaria no Food Lion de Swansboro.
        Quando ouviu o sino da porta soar atrás dela, Mabel se virou para Anahi. Ao pegar a caixa de biscoitos Milk Bone que mantinha à mão para Singer, percebeu que ela entrara sozinha.


 


 


 


Mabel: Onde está Singer? (Anahi pôs a bolsa numa prateleira ao lado de sua estação de trabalho).


 


Anahi: Acho que foi visitar Alfonso.


 


Mabel: De novo?


 


Anahi: Nós brigamos.


 


 


 


        Era exatamente a mesma coisa que ela dizia quando tinha uma discussão com Rodrigo, e Mabel sorriu. Só Anahi parecia não perceber como aquilo parecia ridículo para as outras pessoas.


 


 


Mabel: Brigaram, é?


 


Anahi: Sim, parece que Singer está de mau humor. Como se estivesse me punindo por ter tido a audácia de gritar com ele. Mas ele mereceu.


 


Mabel:  Ah. O que houve? (Anahi lhe contou o que acontecera na noite anterior) Christopher deixou um bilhete para se desculpar?


 


Anahi: Não, ele fez isso ontem pessoalmente, quando cheguei em casa. O bilhete era só para avisar que ficaria fora da cidade por alguns dias (Embora Mabel quisesse perguntar como tinha sido o pedido de desculpas, era óbvio que Anahi não estava a fim de falar sobre isso. Mabel pôs a caixa de Milk Bone de volta no armário e olhou na direção da manta de Singer no canto).


 


Mabel: Isto aqui fica vazio sem ele. Como se alguém tivesse tirado um sofá do lugar ou algo do gênero.


 


Anahi:  Ah, ele voltará daqui a pouco. Você sabe como Singer é (Contudo, para surpresa delas, oito horas depois o cão ainda não tinha voltado).


 


 


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Alfonso: Tentei levá-lo de volta algumas vezes (disse parecendo tão perplexo quanto Anahi) Mas ele não me seguia até lá fora, por mais que eu o chamasse. Cheguei a tentar atraí-lo com um pouco de carne-seca, mas ele deixou a oficina. Pensei em arrastá-lo, mas, para ser sincero, acho que ele é que me arrastaria.


 


 


 


 


        Anahi olhou para Singer, que estava sentado ao lado de Alfonso, observando-a com a cabeça inclinada de lado.


 


 


Anahi: Ainda está chateado comigo, Singer?  É por isso que está agindo assim?


 


Alfonso: Por que ele estaria chateado com você?


 


Anahi: Nós brigamos.


 


Alfonso: Ah.


 


Anahi: Você vai ficar sentado aí ou vem para cá? (O cão lambeu os beiços, mas não se moveu)  Singer, venha (Ele continuou onde estava) Junto!


 


 


   


        Embora Anahi nunca tivesse lhe dado esse comando, não sabia mais o que dizer, e quando pareceu que ela estava começando a ficar irritada, Alfonso acenou com a mão.


 


 


Alfonso: Vá, Singer. Antes que você fique ainda mais encrencado (Ao comando de Alfonso, Singer se levantou e, parecendo um pouco relutante, foi para perto de Anahi. Ela pôs as mãos nos quadris)


 


Anahi: Então agora você obedece ao Alfonso?


 


Alfonso: Não me culpe por isso  (disse ele, tentando parecer inocente) Eu não fiz nada.


 


Anahi: Não o estou culpando. Só não sei o que deu em Singer ( O cão se sentou ao lado dela e olhou para cima)  Então, o que ele fez aqui o dia inteiro?


 


Alfonso: Cochilou, roubou meu sanduíche de peru quando me levantei para pegar uma bebida e foi lá para os fundos fazer suas necessidades. Como se ele tivesse se mudado para cá por um dia.


 


Anahi: Você o achou estranho?


 


Alfonso: Nem um pouco. Fora estar aqui, pareceu bem.


 


Anahi: Não estava chateado? (Alfonso coçou a cabeça, sabendo que ela considerava aquela pergunta séria).


 


Alfonso: Bem, para ser sincero, ele não mencionou nada, pelo menos não para mim. Quer que eu pergunte ao Henry? Talvez eles tenham conversado quando saí para resolver alguma coisa.


 


Anahi: Está zombando de mim?


 


Alfonso: Não, de jeito nenhum. Você sabe que eu jamais faria isso.


 


Anahi: Ótimo, porque, depois de quase perder meu cão, não estou com humor para piadas.


 


Alfonso: Você não o perdeu. Ele estava comigo. 


 


Anahi: Sim. E agora ele gosta mais de você.


 


Alfonso: Talvez apenas sinta saudade de mim. Sou meio viciante, sabe? (Pela primeira vez desde que chegara, Anahi sorriu).


 


Anahi: Ah, é?


 


Alfonso: O que posso dizer? Isso é uma maldição (Anahi riu).


 


Anahi: Deve ser difícil estar no seu lugar (Alfonso balançou a cabeça, pensando em como Anahi estava bonita).


 


Alfonso: Você não tem ideia... 


 


 


 


           Uma hora depois, Anahi estava debruçada sobre a pia da cozinha, esforçando-se para manter no lugar os panos de prato que amarrara às pressas na torneira quebrada e fazendo o possível para conter o fluxo de água que jorrava para o teto como um gêiser doméstico. Pegou outro pano, juntou aos demais e o apertou com mais força, reduzindo um pouco o jato. Infelizmente, isso também fez a água esguichar em sua direção.


 


 


Anahi: Pode me trazer o telefone? (gritou ela, erguendo bem o queixo para a água não atingir seu rosto).


 


 


 


        Singer foi para a sala de estar e um instante depois, com sua mão livre, Anahi pegou o telefone sem fio da boca do cão. Ela apertou a tecla com o primeiro número em sua lista de discagem rápida.


       Alfonso estava no sofá comendo Doritos, com os dedos cheios de pó cor de laranja e uma lata de cerveja entre as pernas. Junto com o Big Mac que havia comprado (e comido) a caminho de casa, esse era o seu jantar. Ao seu lado no sofá estava a guitarra e, como sempre, quando terminou de tocar, ele fechou os olhos e se recostou, imaginando Katie Couric descrevendo a cena em um programa de televisão de audiência nacional.
      “Este é o show mais esperado do ano”, diz Katie com entusiasmo. “Com um único álbum, Michael Harris incendiou o mundo da música. Seu primeiro disco vendeu mais do que os Beatles e Elvis Presley venderam juntos e espera-se que a apresentação televisionada tenha a maior audiência da história. O show está sendo transmitido ao vivo para todo o mundo, e o número estimado de telespectadores é de quase dois milhões de pessoas. Isso é que é fazer história!”
       Sorrindo, Alfonso pôs outro Doritos na boca. Ah, sim, pensou. Ah, sim. “Vocês podem ouvir a multidão atrás de mim gritando seu nome. É impressionante quantas pessoas foram afetadas por ele. Procuram-me todos os dias dizendo que Michael Harris mudou a vida delas com sua música... e agora, aí vem ele!”
       A voz de Katie é abafada quando a plateia explode em aplausos ensurdecedores. Alfonso anda pelo palco, segurando a guitarra. Ele olha a multidão, que vai ao delírio; o som é de romper os tímpanos. As pessoas lhe atiram flores enquanto ele se dirige ao microfone. Mulheres e crianças se encantam com a visão dele. Os homens, lutando contra a inveja, gostariam de estar em seu lugar. Katie quase desmaia.
      Alfonso bate no microfone, indicando que está pronto para começar, e de repente o público fica em silêncio, à espera. Mas ele não começa a tocar de imediato. Passam-se segundos, um minuto, e a essa altura a multidão está em uma expectativa febril, mas ainda assim ele deixa a ansiedade aumentar.
      E faz isso até que seja quase insuportável. O público sente isso, Katie sente isso. Milhões de pessoas diante de suas televisões sentem isso. Alfonso também sentiu. No sofá, deixou-se banhar em adoração, com a mão no saco de Doritos. Ah, sim...
     Quando o telefone na mesa ao lado subitamente tocou como um alarme, Alfonso foi arrancado de sua fantasia e se sobressaltou. Sua mão se moveu para a frente, enviando uma erupção vulcânica de Doritos em todas as direções e derramando cerveja em seu colo. Agindo por instinto, tentou retirá-la, mas só conseguiu deixar marcas cor de laranja em sua calça.


 


 


 


Alfonso: Droga  (diisse ele, pondo de lado a lata e o saco vazios. Estendeu o braço para pegar o telefone enquanto, com a outra mão, tentava limpar a mancha de cerveja. Mais manchas) Vamos. Pare com isso (O telefone tocou de novo antes que ele o pegasse) Alô?


 


Anahi:  Oi, Alfonso (disse Anahi, parecendo estressada) Está ocupado?


 


 


         


 


          A cerveja continuou a ensopar o tecido e ele mudou um pouco de posição, esperando ficar mais confortável. Não foi uma boa ideia, porque a cerveja escorreu até o fundo de suas calças. Agora estava com uma sensação de frio que poderia dispensar.


 


 


Alfonso: Não muito.


 


Anahi: Você parece distraído.


 


Alfonso: Desculpe-me. Foi só um pequeno acidente envolvendo meu jantar.


 


Anahi: O quê? (Alfonso pegou o saco e começou a tirar Doritos de sua guitarra).


 


Alfonso: Não foi nada sério. Ficarei bem. Então, o que houve?


 


Anahi: Preciso de você.


 


Alfonso: Precisa? (Com o ego inflado, por um momento ele se esqueceu da bagunça sobre a
qual estava sentado).


 


Anahi: Minha torneira quebrou.


 


Alfonso: Ah (disse ele, seu ego desinflando rapidamente) Como isso aconteceu?


 


Anahi: Como vou saber?


 


Alfonso: Você a abriu com força ou fez alguma coisa?


 


Anahi: Não, só tentei usá-la.


 


Alfonso: Ela estava solta antes?


 


Anahi: Realmente não sei. Você pode vir aqui ou não?


 


Alfonso: Primeiro tenho de trocar de calça (disse, decidindo rapidamente).


 


Anahi: O quê?


 


Alfonso: Esqueça. Chegarei em alguns minutos. Tenho que passar na loja de ferragens para comprar uma torneira nova.


 


Anahi: Não vai demorar muito, vai? Estou presa, segurando um pano aqui, e preciso ir ao banheiro. Se eu cruzar mais as pernas, vou acabar torcendo os joelhos.


 


Alfonso: Estou a caminho.


 


 


 


       


          Na pressa de se arrumar e sair, e com a perspectiva de ver Anahi, conseguiu cair apenas uma vez ao pôr as calças limpas. Isso lhe pareceu razoável naquelas circunstâncias.


 


 


 


 


Alfonso: Anahi? (chamou ele ao entrar na casa. Ela esticou o pescoço, aliviando um pouco a pressão sobre os panos de prato).


 


Anahi: Estou aqui, Alfonso. Mas acho que aconteceu alguma coisa. Parece que não está mais vazando.


 


Alfonso: Eu fechei o registro de água lá fora. Agora tudo deve ficar bem.


 


 


 


 


          Alfonso enfiou a cabeça pela porta da cozinha e uma coisa logo lhe chamou a atenção: seios. Anahi estava ensopada e o contorno de seus seios era claramente visível. Parecia uma daquelas garotas cobiçadas por rapazes arruaceiros nas férias de primavera, que acham que camisetas molhadas e competições de quem bebe mais cerveja são o ponto alto de suas vidas.


 


 


 


Anahi: Você nem imagina como estou grata por ter vindo (Ela sacudiu o excesso de água das mãos e tirou os panos de prato da torneira).


 


 


 


 


          Alfonso mal conseguiu ouvi-la. Não olhe para os seios dela, disse a si mesmo, faça o que fizer, não olhe para os seios dela. Um cavalheiro não olharia. Um amigo não olharia. Abaixando-se, ele abriu a caixa de ferramentas. Singer se sentou ao seu lado e cheirou a caixa, como se procurasse petiscos.


 


 


 


Alfonso: Não precisa agradecer (murmurou ele, Anahi começou a torcer os panos de prato, um de cada vez).


 


Anahi: Estou sendo sincera. Espero não ter interrompido nada importante.


 


Alfonso: Não se preocupe com isso (Anahi afastou a camiseta de sua pele e olhou para ele).


 


Anahi: Você está bem? (Alfonso começou a procurar a chave articulada).


 


Alfonso: Estou. Por quê?


 


Anahi: Parece chateado.


 


Alfonso: Não estou.


 


Anahi: Você não está nem olhando para mim.


 


Alfonso: Não estou olhando.


 


Anahi: Foi o que acabei de dizer.


 


Alfonso: Ah.


 


Anahi: Alfonso?


 


Alfonso: Aqui está! (disse ele de repente, dando graças a Deus pela oportunidade
de mudar de assunto) Estava rezando para tê-la trazido.


 


 


 


         Anahi continuou a olhar para ele, intrigada.


 


 


Anahi: Acho que vou trocar de roupa (disse ela por fim).


 


 


Alfonso: É uma boa ideia (murmurou).


 


 


 


 


 


          O trabalho deu a Alfonso algo em que se concentrar e ele tratou de iniciá-lo na mesma hora, nem que fosse para tirar a imagem de Anahi de sua mente. Espalhou ao redor alguns panos que pegou no armário e enxugou a maior parte da água que escorrera para o chão. Depois esvaziou o gabinete debaixo da pia, pondo os frascos dos vários produtos de limpeza ao lado da porta.         


          Quando Anahi voltou, ele já estava trocando a torneira. Só dava para ver seu tronco e suas pernas esticadas. Apesar dos panos, tinha as calças molhadas em vários lugares, por ter se ajoelhado no chão inundado. Singer estava deitado ao seu lado, com a cabeça enfiada no armário escuro.


 


 


Alfonso: Quer parar de ofegar?  (queixou-se. Singer ignorou esse comentário e Alfonso bufou, tentando respirar pela boca) Estou falando sério. Você está com um bafo horrível.


 


 


 


         Singer agitou o rabo para cima e para baixo.


 


 


 


Alfonso: E me dê um pouco de espaço, está bem? Você está me atrapalhando (Anahi viu-o empurrar, ou melhor, tentar empurrar Singer, sem muito sucesso. Ela estava com frio, por isso vestira calças jeans e uma blusa de moletom leve. Ainda estava com os cabelos molhados, porém penteados para trás, afastados do rosto).


 


Anahi: Como está aí embaixo? ( Ao som de sua voz, Alfonso levantou a cabeça, batendo-a no sifão da pia. Sentia no rosto o bafo quente de Singer e o cheiro fazia seus olhos lacrimejarem).


 


Alfonso: Está quase pronto.


 


Anahi: Já?


 


Alfonso:  Não foi muito difícil. Só tive que tirar algumas porcas para a torneira sair. Não sabia que tipo de torneira você queria, por isso comprei uma parecida com a antiga. Espero que goste.
(Anahi olhou para a torneira).


 


Anahi: Está ótima.


 


Alfonso: Posso comprar uma diferente, se você quiser. Não seria problema.


 


Anahi: Não, desde que funcione, está perfeita (Ela o observou trabalhar com a chave articulada e, para sua surpresa, se pegou olhando os músculos rijos dos braços dele. Um instante depois ouviu o som de algo caindo no armário).


 


Alfonso: Consegui (Ele saiu de debaixo da pia e,ao ver que Anahi havia trocado de roupa, relaxou. Assim era mais fácil. Menos ameaçador. Havia menos seios à vista. Alfonso  se levantou, pegou a torneira velha e a entregou para Anahi) Você realmente a destruiu (observou, apontando para o grande buraco em cima) O que usou para abri-la? Um martelo?


 


Anahi: Não. Dinamite.


 


Alfonso: Deveria usar um pouco menos da próxima vez (Anahi sorriu).


 


Anahi: Pode me dizer o que causou isto?


 


Alfonso:  Acho que a idade. Provavelmente é a torneira original da casa. Era a única coisa que eu ainda não havia trocado aqui. Eu devia tê-la examinado melhor na última vez que consertei o triturador de lixo.


 


Anahi: Está me dizendo que a culpa é sua?


 


Alfonso: Se é o que você acha...  Quero dizer, se isso a faz se sentir melhor... Só mais um minuto e deixarei tudo em perfeitas condições, está bem?


 


Anahi: É claro (Ele pôs a torneira no lugar, voltou para debaixo da pia e a fixou. Depois, pedindo licença para sair da cozinha, desapareceu pela porta por um instante, com Singer trotando atrás dele. Após religar o registro, voltou e testou a torneira para se certificar de que não estava vazando).


 


Alfonso: Parece que você já pode usar.


 


Anahi: Ainda acho que você fez isso parecer muito simples. Antes de vir, eu estava me perguntando para qual bombeiro poderia ligar se você não conseguisse consertá-la (Alfonso se fez de ofendido).


 


Alfonso: Não posso acreditar que pensou uma coisa dessas, mesmo depois de todo esse tempo.


 


 


 


         Anahi riu e ele se agachou para começar a pôr os produtos de limpeza no lugar.


 


 


 


Anahi:  Ah, não! Deixe que eu faço isso (disse, ajoelhando-se perto dele) Eu posso fazer alguma coisa.


 


 


 


           Enquanto eles arrumavam o armário, Anahi sentiu mais de uma vez o braço de Alfonso roçar no seu e se perguntou por que estava reparando nisso. Um minuto depois, o armário estava fechado e os panos de prato, ainda pingando, haviam sido reunidos numa trouxa. Anahi levou-os para a lavanderia e Alfonso começou a guardar suas ferramentas. Quando ela voltou, foi direto para a geladeira.


 


 


 


Anahi: Não sei quanto a você, mas depois de toda essa agitação eu preciso de uma cerveja.


 


Alfonso: Eu adoraria (Anahi pegou duas garrafas e entregou uma a Alfonso. Após tirar a tampa, ela bateu com sua garrafa na dele).


 


Anahi: Obrigada por ter vindo. Sei que já disse isso, mas precisava dizer de novo.


 


Alfonso: Não é para isso que servem os amigos?


 


Anahi: Venha (chamou ela, acenando com a garrafa) Vamos nos sentar na varanda. O tempo está bom demais para ficarmos aqui dentro. Ela estava se dirigindo à porta quando parou de repente) Espere. Você disse que já havia jantado? Quero dizer, quando telefonei?


 


Alfonso: Por que está perguntando?


 


Anahi: Porque estou morrendo de fome. Com toda essa confusão, não tive tempo de comer. Quer uma pizza? (Alfonso sorriu).


 


Alfonso: Parece ótimo (Anahi pegou o telefone e, enquanto ligava para a pizzaria, Alfonso se perguntou se o anoitecer de algum modo acabaria partindo seu coração).


 


Anahi: Que tal uma de presunto e abacaxi? (gritou ela. Alfonso engoliu em seco).


 


Alfonso: O que você quiser está bom para mim.


 


 


 


          Eles se sentaram nas cadeiras de balanço, com o calor de suas peles escapando para a noite fria, cigarras cantando e mosquitos rondando do lado de fora da tela. O sol enfim se pusera, os últimos raios refletidos do horizonte brilhavam entre as árvores. A casa de Anahi, situada em um terreno de dois mil metros quadrados, era cercada por lotes arborizados vazios e, quando ela queria ficar sozinha, ia para a varanda. Esse também era o principal motivo de ela e Rodrigo a terem comprado.
          Ambos sempre sonharam em ter uma casa mais antiga, cercada de graciosas varandas. Apesar de a residência precisar urgentemente de reparos, eles fizeram sua oferta no mesmo dia em que a visitaram. Singer cochilava perto dos degraus, mas abria um olho de vez em quando,
como se quisesse se certificar de que não estava perdendo nada. À luz que diminuía, as feições de Anahi assumiram um brilho pálido.


 


 


 


Alfonso: Isso me faz lembrar do dia em que nos conhecemos (disse Alfonso,sorrindo) Você se lembra? De quando Mabel convidou todos nós à casa dela para conhecermos você?


 


Anahi: Como eu podia esquecer? Foi um dos momentos mais assustadores da minha vida.


 


Alfonso: Mas nós somos pessoas legais.


 


Anahi: Eu não sabia disso. Naquela época, eram todos estranhos para mim. Eu não sabia o que esperar.


 


Alfonso: Nem mesmo de Rodrigo?


 


Anahi: Especialmente de Rodrigo. Demorei muito para entender por que ele fez aquilo por mim. Quero dizer, nunca conheci ninguém como Rodrigo e tive muita dificuldade em acreditar que havia pessoas... boas. Acho que eu não falei uma só palavra para ele naquela noite.


 


Alfonso Não mesmo. No dia seguinte ele comentou isso comigo.


 


Anahi: Comentou?


 


Alfonso: Não de um modo negativo. E, de qualquer maneira, ele tinha nos avisado para não esperarmos que você falasse muito. Disse que você era um pouco tímida.


 


Anahi: Ele não disse isso!


 


Alfonso:Na verdade, ele a chamou de bicho do mato (Anahi riu).


 


Anahi: Já me chamaram de muitas coisas, mas não disso.


 


Alfonso: Bem, acho que ele disse isso para lhe darmos uma chance. Não que fosse realmente necessário. O fato de ele e Mabel gostarem de você era suficiente para nós (Anahi parou por um longo momento, parecendo quase desamparada).


 


Anahi: Às vezes ainda é difícil acreditar que estou aqui.


 


Alfonso: Por quê?


 


Anahi: Pelo modo como as coisas aconteceram. Quero dizer, eu nunca tinha nem
ouvido falar de Swansboro até Rodrigo a mencionar e, 12 anos depois, ainda estou aqui (Alfonso a olhou por cima de sua garrafa).


 


Alfonso: Você fala como se quisesse ir embora (Anahi se sentou sobre uma das pernas).


 


Anahi: Não é isso. Gosto daqui. Quero dizer, houve um tempo, depois da morte de Rodrigo, em que achei que deveria recomeçar em um lugar novo, mas nunca levei essa ideia adiante. Além disso, para onde eu iria? Eu não voltaria a morar com a minha mãe de jeito nenhum.


 


Alfonso: Tem falado com ela?


 


Anahi: Não nos falamos há alguns meses. Ela me ligou no Natal e disse que queria vir me visitar, mas desde então não deu mais notícias. Acho que queria que eu lhe mandasse dinheiro para a passagem ou algo assim, mas eu não quis fazer isso. Só abriria velhas feridas.


 


Alfonso: Imagino como deve ser difícil.


 


Anahi: Às vezes é. Era, pelo menos. Mas realmente não me permito mais pensar muito nisso. Quando comecei a sair com Rodrigo, quis entrar em contato com ela, nem que fosse para lhe dizer que tudo tinha dado certo para mim. Sabe, acho que queria sua aprovação. É estranho me incomodar com isso, mas era importante, por mais que ela tenha sido uma péssima mãe.


 


Alfonso: Não é mais importante?


 


Anahi: Não tanto. Ela não veio ao meu casamento nem ao enterro dele. Depois disso, acho que desisti. Quero dizer, não sou indelicada quando ela telefona, mas não sinto muita coisa por ela. É como se estivesse falando com uma estranha.


 


 


 


           Enquanto Anahi falava, Alfonso olhou na direção das sombras das árvores, que se tornavam mais escuras. A distância, pequenos morcegos apareciam e sumiam num piscar de olhos, como se nunca tivessem estado ali.


 


Alfonso: Henry me deixa louco durante a metade do tempo e meus pais são tão malucos quanto ele, mas é bom saber que estão por perto para me dar apoio. Não sei o que eu faria sem eles. Não sei se conseguiria me virar sozinho como você (Anahi olhou para ele).


 


Anahi: Conseguiria, sim. Além disso, não sou totalmente só. Tenho Singer e meus
amigos. Por ora, é o suficiente.


 


 


 


          Alfonso quis perguntar onde Christopher entrava naquilo, mas decidiu não fazer isso. Não queria estragar o clima. E também não queria acabar com a sensação de leveza que experimentava, agora que sua cerveja estava quase no fim.


 


 


 


Anahi: Posso lhe fazer uma pergunta? 


 


Alfonso: É claro.


 


Anahi: O que houve com Sarah? Achei que havia algo de especial entre vocês, mas de repente pararam de se ver (Alfonso mudou de posição na cadeira).


 


Alfonso: Ah, sabe como é...


 


Anahi:  Não, na verdade, não sei. Você nunca me contou por que terminaram.


 


Alfonso:Não havia muito para contar.


 


Anahi: Você sempre diz isso. Mas qual é a verdadeira história? (Alfonso ficou calado por um longo tempo e então deu de ombros).


 


Alfonso: Você não vai gostar de saber.


 


Anahi: O que ela fez? Traiu você? (Alfonso não respondeu, então Anahi soube que seu palpite estava certo) Ah, Alfonso. Sinto muito.


 


Alfonso: Eu também. Ou pelo menos senti. Foi com um colega de trabalho. Certa manhã fui à casa de Sarah e o carro dele estava lá.


 


Anahi: Como você reagiu?


 


Alfonso: Você quer saber se fiquei zangado? É claro. Mas, para ser sincero, eu não era o namorado mais atencioso do mundo. Acho que ela se sentiu negligenciada, e na verdade foi (Ele suspirou, passando a mão pelo rosto) Não sei, acho que parte de mim sabia que aquilo não duraria, ou talvez eu tivesse parado de tentar fazer com que durasse. Então é claro que algo ia acontecer... Bom, a verdade mesmo é que eu não gostava dela o suficiente para desejar verdadeiramente que desse certo (Ambos se calaram por um instante e, notando a garrafa de Alfonso quase vazia, Anahi perguntou:)


 


Anahi: Quer outra cerveja?


 


Alfonso: Provavelmente.


 


Anahi: Vou buscar.


 


 


         Anahi se levantou. Alfonso afastou um pouco a cadeira para lhe dar passagem e viu a porta se fechar atrás dela. Não pôde deixar de notar como Anahi ficava bem de jeans.
         Alfonso balançou a cabeça, tentando afastar esse pensamento. Não era o momento para isso. Se estivessem tomando vinho e comendo lagosta, talvez, mas pizza e cerveja? Não, essa era apenas uma noite normal. Como tudo costumava ser antes de ele ter feito a besteira de se apaixonar por ela.
         Ele não sabia bem quando isso acontecera, só que tinha sido um pouco depois da morte de Rodrigo. Mas não conseguia ser mais preciso a esse respeito. Não era como se uma luz tivesse se acendido subitamente. Era mais como um alvorecer, quando, de maneira quase imperceptível, o sol fica cada vez mais claro até você perceber que a manhã chegou... Anahi voltou, lhe entregou a cerveja e se sentou de novo.


 


 


Anahi: Rodrigo também costumava dizer isso, sabia?


 


Alfonso: O quê?


 


Anahi: “Provavelmente”. Quando eu oferecia outra cerveja. Ele aprendeu isso com você?


 


Alfonso: Provavelmente (Ela riu).


 


Anahi: Ainda pensa nele? (Alfonso assentiu).


 


Alfonso: O tempo todo.


 


Anahi: Eu também.


 


Alfonso: Tenho certeza disso. Rodrigo era um homem bom. Na verdade, ele era ótimo. Você não poderia ter arranjado ninguém melhor. E ele costumava me dizer que também não podia ter arranjado uma mulher melhor (Anahi se recostou na cadeira, pensando em quanto havia gostado do que ele dissera).


 


Anahi: Você também é um homem bom.


 


Alfonso: Sim. Eu e um milhão de outros. Mas não como Rodrigo.


 


Anahi: É claro que é. Vocês nasceram na mesma cidade pequena, tinham amigos em comum e gostavam de fazer as mesmas coisas. Na maioria das vezes, Rodrigo parecia mais seu irmão do que Henry. Exceto, é claro, pelo fato de que Rodrigo jamais teria conseguido consertar aquela torneira. Ele não sabia fazer nenhum tipo de reparo.


 


Alfonso: Bem, Henry também não teria consertado.


 


Anahi: Não?


 


Alfonso: Não. Ele até sabe. Mas não teria feito. Ele detesta sujar as mãos.


 


Anahi: Isso é estranho, considerando que vocês dois são donos de uma oficina.


 


Alfonso: Nem me diga. Mas eu não me importo. Para ser sincero, prefiro meu trabalho ao dele. Não gosto de lidar com papelada.


 


Anahi: Então imagino que nunca seria um analista de crédito, não é?


 


Alfonso: Como Rodrigo? Nem pensar. Mesmo que conseguisse convencer alguém a me contratar, não duraria mais de uma semana no emprego. Aprovaria o crédito de todos que aparecessem. Não sou muito bom em dizer não quando alguém precisa de alguma coisa (Anahi tocou no braço dele).


 


Anahi: Jura? (Alfonso sorriu, sem encontrar palavras e desejando de todo o coração que a
mão de Anahi ficasse em seu braço para sempre).


 


 


 


     


           Minutos depois a pizza chegou. Um adolescente cheio de espinhas e usando óculos de armação grossa preta examinou a nota durante um tempo estranhamente longo antes de gaguejar o valor a pagar. Alfonso ia pegar a carteira quando Anahi o afastou com uma cotovelada, já com a bolsa na mão.


 


 


Anahi: Nem pense nisso. Esta é por minha conta.


 


Alfonso: Mas eu sempre como mais.


 


Anahi: Pode comê-la inteira, se quiser. Vou pagar mesmo assim (Antes que ele pudesse se opor, Anahi entregou o dinheiro ao rapaz, dizendo-lhe que ficasse com o troco. Depois levou a caixa para a cozinha) Posso servir em pratos descartáveis?


 


Alfonso: Eu como em pratos descartáveis o tempo todo.


 


Anahi: Eu sei (disse ela, piscando)  E você não imagina quanto lamento isso.


 


 


 


          Durante a hora seguinte eles comeram juntos, conversando tranquilamente num tom familiar, como sempre fizeram. Falaram sobre Rodrigo e as coisas de que se lembravam e depois o assunto mudou para os acontecimentos na cidade e as pessoas que conheciam. De vez em quando Singer gania, parecendo se sentir ignorado, e Alfonso lhe atirava um pedaço de pizza, sem interromper a conversa.
         Com o passar da noite, Anahi se viu sustentando o olhar de Alfonso por mais tempo do que de costume. Isso a surpreendeu. Ele não tinha feito ou dito nada fora do comum desde que chegara. Tampouco aquele jantar a sós na varanda tinha sido planejado com antecedência.
         Não havia nenhum motivo para Anahi se sentir diferente nesta noite, mas ainda assim ela se sentia. Também percebeu que realmente não queria que essa sensação acabasse, mesmo que não fizesse sentido. De tênis e jeans, com as pernas erguidas e apoiadas no guarda-corpo da varanda e os cabelos despenteados, Alfonso tinha uma beleza simples. Mas ela sempre soubera disso,mesmo antes de começar a namorar Rodrigo.
        Ficar na companhia de Alfonso, refletiu Anahi, não era como os encontros que tivera recentemente, entre eles o do fim de semana com Christopher. Não havia nenhuma pretensão nisso, nenhum significado oculto nas frases que diziam, nenhum plano elaborado para impressionarem um ao outro. Embora sempre tivesse sido agradável ficar na companhia de Alfonso, ela de repente percebeu que, no turbilhão das últimas semanas, quase se esquecera de quanto gostava disso.
       Essa era sua parte favorita no casamento com Rodrigo. Não tinha sido seduzida apenas pela torrente de emoções que a inundava quando faziam amor. Ela apreciava ainda mais as manhãs preguiçosas que passavam lendo jornal na cama enquanto bebiam café, as manhãs frias de dezembro em que plantavam sementes no jardim ou as horas que passavam percorrendo lojas, escolhendo mobília para o quarto e discutindo os méritos da cerejeira ou do bordo. Esses
tinham sido os momentos em que se sentira mais feliz, quando finalmente se permitiu acreditar no impossível. Esses tinham sido os momentos em que tudo parecera certo no mundo.
       Lembrando-se dessas coisas, Anahi observou Alfonso comer, com os cantos dos lábios ligeiramente erguidos e lutando com fios de queijo que se esticavam de sua boca para a fatia de pizza, fazendo aquilo parecer mais difícil do que era. Depois de dar uma mordida, às vezes ele se aprumava e se atrapalhava com o pedaço, usando os dedos para impedir que o recheio caísse ou o molho de tomate pingasse. Então, rindo de si mesmo, limpava o rosto com um guardanapo, murmurando algo como “quase acabei com minha camisa”. O fato de Alfonso não se levar muito a sério e não se importar quando ela também não o levava fazia com que ela sentisse por ele uma ternura que a lembrava de como imaginava que casais de idosos se sentiam sentados de mãos dadas em bancos de parques. Ainda estava pensando nisso alguns minutos depois, quando o seguiu até a cozinha, os dois carregando os restos do jantar, e o viu encontrar o plástico-filme na gaveta ao lado do fogão sem precisar perguntar onde estava. Quando Alfonso se encarregou de embrulhar a pizza e guardá-la na geladeira e depois, automaticamente, estendeu o braço para o lixo, notando que estava cheio, houve um momento, apenas um momento, em que a cena pareceu não estar ocorrendo agora, mas em algum momento no futuro, como
se fosse apenas uma noite comum entre tantas outras que passariam juntos.


 


 


Alfonso: Acho que está tudo arrumado (disse olhando ao redor da cozinha. O som de sua voz trouxe Anahi de volta ao presente e ela sentiu suas bochechas ficarem levemente coradas).


 


Anahi: Acho que sim (concordou) Obrigada por me ajudar a recolher as coisas (Durante alguns minutos nenhum dos dois falou nada, e Anahi de repente ouviu o refrão com que convivera nos últimos dois anos, como se um gravador tivesse sido ligado. "Uma relação com Alfonso? Nem pensar. Sem chance". Alfonso juntou as mãos, interrompendo seu pensamento antes que fosse mais longe).


 


Alfonso: Acho melhor eu ir andando. Tenho que acordar cedo amanhã. (Anahi concordou com a cabeça).


 


Anahi: Eu imaginei. Talvez eu também deva ir para a cama. Na noite passada,Singer me manteve acordada durante horas.


 


Alfonso: O que ele fez?


 


Anahi: Ganiu, latiu, rosnou, andou de um lado para outro... quase tudo o que pôde para me irritar.


 


Alfonso: Singer? O que está acontecendo?


 


Anahi:  Ah, Christopher passou aqui na noite passada. Você sabe como Singer fica na presença de estranhos (Era a primeira vez que o nome dele era citado naquela noite e Alfonso sentiu um nó na garganta).


 


Alfonso: Christopher esteve aqui na noite passada? 


 


Anahi:  Não, não foi isso. Não tivemos um encontro nem nada. Ele só veio deixar um bilhete no meu carro avisando que ficaria fora da cidade.


 


Alfonso: Ah!


 


Anahi:  Não foi nada importante  (acrescentou Anahi, sentindo necessidade de esclarecer aquilo).


 


Alfonso: Que horas eram?  (Anahi se virou para o relógio na parede, como se precisasse ver a posição dos ponteiros para se lembrar).


 


Anahi: Acho que por volta das duas. Pelo menos foi a essa hora que Singer começou. Mas, como falei, ele latiu o tempo todo. Por quê? (Alfonso mordeu os lábios, pensando: "Singer latiu o tempo todo?")


 


Alfonso: Eu só estava me perguntando por que Christopher não deixou o bilhete de manhã, antes de sair (Anahi deu de ombros).


 


Anahi: Não faço ideia. Talvez estivesse sem tempo.


 


 


       Alfonso assentiu, sem saber se deveria se estender naquele assunto, e depois decidiu não fazer isso. Então pegou sua caixa de ferramentas e a torneira que substituíra, sem desejar que a noite terminasse com algo que poderia ser desagradável. Deu um pequeno passo para trás.


 


 


Alfonso: Ouça...


 


 


 


        Anahi passou a mão pelos cabelos, notando pela primeira vez uma verruga no rosto dele que parecia quase ornamental, como se tivesse sido posta lá por um  maquiador, para dar efeito. Por que só agora reparara nela?


 


 


 


 


Anahi: Eu sei. Você tem que ir (disse, interrompendo. Sem saber o que dizer, Alfonso ergueu a torneira).


 


Alfonso: Bem, obrigado por me chamar para resolver isso. Acredite ou não, fico feliz por ter ligado. Eu me diverti muito esta noite.


 


 


 


          Eles se olharam por um momento antes de Alfonso desviar os olhos. Anahi sentiu o ar saindo de seus pulmões. Não havia notado que prendera a respiração e, sem querer, viu-se observando Alfonso andando à sua frente em direção à porta. Os jeans se ajustavam perfeitamente ao corpo dele e Anahi sentiu seu rosto corar de novo, o sangue aflorando à superfície como a lama agitada no fundo de um lago.
          Ela ergueu os olhos quando Alfonso girou a maçaneta. Por um instante, sentiu como se observasse alguém que nunca vira, numa festa cheia de gente. Em outra situação e época, teria rido do absurdo disso.
          Mas, estranhamente, não conseguiu rir. Depois de se despedirem, Anahi ficou à porta, observando Alfonso se dirigir à picape. Pouco antes de fechar a porta, com a luz vinda de cima formando um halo, ele acenou.
          Anahi retribuiu o aceno e observou as luzes traseiras da picape desaparecerem. Por quase um minuto ficou na varanda, tentando entender seus sentimentos. "Alfonso, pensou novamente, Alfonso".
         Por que estava pensando nele? Aquilo não ia acontecer. Cruzando os braços, riu para si mesma. Alfonso? É claro que ele era simpático, bom de papo e um amor de pessoa. Mas... Alfonso?
        Então concluiu que tudo aquilo era ridículo, absurdo. Um monte de besteiras. Anahi se virou para entrar. Não era? 


 


 


 


 


 


 


 


 


 


 


 


 


 


                                                                                                          Continua...


 


 


 


 


 


LeandroPortinon: Será? Vamos ver...


 



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Autor(a): machadobrunaa

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      Na manhã seguinte, em seu escritório, Henry pôs o copo descartável de café sobre a escrivaninha.   Henry: Então foi só isso? (Alfonso coçou a nuca). Alfonso: Sim. Henry: Você simplesmente foi embora? Alfonso:Fui (Henry uniu as mãos e apoiou o queixo nelas. O norm ...


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Comentários do Capítulo:

Comentários da Fanfic 52



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  • leandroportinon Postado em 25/02/2023 - 01:32:43

    dá andamento nessa tbm pfvr

  • leandroportinon Postado em 25/02/2023 - 01:32:26

    pq sumiu dessa fic aqui?

  • leandroportinon Postado em 25/02/2023 - 01:32:12

    postaaaaaaaaaaa mais pfvr

  • leandroportinon Postado em 25/02/2023 - 01:31:57

    Pelo amor de deus não abandona a fic não. Estou muito ansioso

  • leandroportinon Postado em 22/01/2023 - 01:42:36

    Voltaaaaaaa pfvr

  • leandroportinon Postado em 22/01/2023 - 01:42:22

    '-' não vai mais postar? sumiu daqui

  • leandroportinon Postado em 15/01/2023 - 23:38:43

    Quero saber a continuação!

  • leandroportinon Postado em 15/01/2023 - 23:38:22

    voltaaaaaaa

  • leandroportinon Postado em 12/01/2023 - 15:02:14

    Volte logo

  • leandroportinon Postado em 12/01/2023 - 15:01:56

    Estou muito nervoso, ansioso pra saber o que vai acontecer.


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