Fanfic: Nárnia - O Rei Feiticeiro [+16] | Tema: Nárnia
Pedro e Edmundo haviam adormecido na cama; foram deixados ali por Lúcia, que retornou para seu próprio quarto.
Edmundo estava num sono pesado, preso num pesadelo onde andava sob uma nevasca, vendo apenas a silhueta fugaz de seus irmãos e amigos se desvanecendo no horizonte nevoento.
Acordou de sobressalto, sentando-se na cama com uma breve exclamação. Ao seu lado, Pedro resmungou sonolento e tocou no braço do irmão.
— Foi só um sonho, Ed, volte a dormir...
Edmundo olhou pela janela de cristal e viu uma violenta nevasca lá fora. Ainda agitado, foi até a porta dupla translúcida e abriu uma pequena fresta para espiar a tempestade. Ainda estava com as roupas do banquete, mas vestia uma túnica de lã grossa por cima. Logo, Pedro apareceu ao seu lado, coçando os olhos e bocejando.
— O que foi, Ed?
— Tive a impressão de ter visto alguma coisa esbranquiçada passando lá fora.
— Tipo um fantasma?
— O único fantasma daqui usa vestido e está dormindo no andar de cima. Estou com um pressentimento estranho... Ei, veja ali!
Edmundo apontou para uma massa volumosa voando pelo negrume do céu riscado pela neve agitada. Subitamente a mancha se aproximou se tornando o que de fato era, um temível dragão branco; ele pousou bem na frente deles. Os garotos gritaram, sendo lançados para trás por causa do impacto de uma enorme pata escamosa sobre a parede que dava para a varanda. A porta foi estilhaçada e a parte do corredor desabou, despencando metros abaixo.
Quando Pedro ia desembainhar sua espada, foi agarrado e puxado bruscamente para fora. A lâmina escapuliu de sua mão e tilintou no chão. Edmundo correu ao socorro do irmão, e no caminho agarrou a espada de Aslam.
— Pedro! — Seguiu até a parte externa e parou, diante da grandiosa criatura de presas ameaçadoras e asas agigantadas de couro escamoso. — Um Dragão de Gelo! — Apontou a espada para a criatura. — Solte meu irmão! É uma ordem!
Entretanto, o dragão apenas lançou um olhar zombeteiro, abriu a bocarra e baforou um jato de ar frio sobre Edmundo.
— Ed! — Pedro se desesperou pensando que ele tivesse sido congelado, contudo, apesar do jorro de neve brilhante, o Rei Narniano havia se protegido, desviando o gelo mágico para os lados, formando uma coroa de estalagmites à sua volta. Com a espada em riste novamente, mirou o intruso alado.
— É o melhor que consegue? — O dragão recuou, reconhecendo o poder que rivalizava o seu. Rosnando, se virou para escapar, contudo, Edmundo correu e saltou, fincando a espada na parte carnuda da pata traseira. — Eu mandei soltar!
A criatura urrou e se debateu, quebrando num coice, todo o terraço que desabou sobre o pátio lá de baixo. Nesse momento, Lúcia e Cáspian apareceram ante o corredor destruído e vislumbraram a fera desaparecer na neblina rodopiante, levando ambos os humanos consigo.
— Edmundo! Pedro! — gritou Lúcia, aflita.
— Aquilo era um Dragão Branco? — Cáspian sempre ouvira histórias sobre criaturas de eras antigas escondidas nos ermos gélidos, mas até aquele ponto, nunca acreditara que tais lendas fossem reais.
— Sim, e ele está levando meus irmãos! Temos que ir atrás deles!
— Mas, Lúcia, nessa nevasca será impossível rastreá-los! Temos que pedir ajuda!
— Para a Feiticeira?
— É um ótimo momento de descobrirmos se ela se importa mesmo com o Edmundo.
— Ela não pode lutar, Cáspian, se esqueceu? Além disso a espada de Aslam estava fincada nele, o dragão não irá muito longe, vamos!
— Tem certeza? É um dragão, afinal...
— É a espada de Aslam, afinal!
— Tudo bem, mas ainda acho que devíamos chamar um exército.
— Não dá tempo!
Desceram até os estábulos do castelo. As montarias estavam assustadas, pois alguns pedaços de gelo haviam atingido a estrebaria e ferido os animais.
— Lúcia, os cavalos não vão aguentar viajar nessa nevasca feridos desse jeito.
— Então talvez eles consigam! — E apontou para o grande lobo de Edmundo a olhá-los com o olhar reluzente e pelo ouriçado. Ao lado dele, mais dois lobos, menores e com manchas acinzentadas, aguardavam estáticos a decisão dos humanos.
— Não está falando sério! Sem o Edmundo, não sabemos se podemos confiar nesses lobos.
— Só tem um jeito de descobrir!
— Não, Lúcia, volta aqui! — Quando Cáspian a alcançou, ela já estava no meio da matilha.
— Snow! Digo, Féarigan! Você vai atrás do Edmundo, não vai? Nos leve com vocês, por favor! — O lobo rosnou, não parecendo amigável. — Se o Ed estiver ferido, posso curá-lo com o Elixir! — A fera ergueu as orelhas e espirrou. Inclinou-se para que a garota o montasse. — Só vou se o Cáspian for junto! Ele entende de dragões, já conviveu com um deles.
— Não sei se seu primo conta como experiência...
— Estamos perdendo tempo! Por favor! — O Senhor dos Lobos mirou Cáspian, e então um outro menor se aproximou, curvando-se para que o Telmarino o montasse. A garota sorriu e se agarrou na pelagem macia de Féarigan com um sorriso. — Obrigada!
Assim que montaram, a matilha disparou pelos portões e rumaram para as montanhas nebulosas. Apesar da ventania constante e cortante, parecia estarem mais aquecidos; também repararam que os animais não afundavam na neve fofa, mas corriam com velocidade e firmeza sobre o terreno movediço.
**********
Enquanto isso, o dragão ainda batia suas asas, atravessando com dificuldade os picos mais altos da cordilheira. Num dado momento, Edmundo, ainda agarrado à espada, conseguiu criar uma camada de gelo disforme que circundou o dorso da criatura. Num impulso, escalou até as costas dele e, criando uma longa e fina espada cristalina, golpeou os ligamentos da asa esquerda. Sem sustentação, o dragão rodopiou e desabou sobre a neve do cume, poucos metros abaixo.
Edmundo foi o primeiro a cair, arremessado pelo galeio do tombo. Ainda assim, rolou pela superfície macia com apenas leves arranhões. Já Pedro, preso nas garras escuras e compridas, capotou junto à criatura que ainda deslizou por muitos metros devido sua enormidade. O rapaz havia sido jogado em cambalhotas um pouco antes de parar.
A nevasca havia perdido sua força, ainda que fosse difícil enxergar além de poucos metros.
— Pedro! — Chamava Edmundo em meio à escuridão. Conseguiu discernir a silhueta do dragão ao longe por causa de um relâmpago, e correu até ele. A asa estava quebrada, assim como algumas de suas patas; e seus olhos brilhavam com ódio. — Não estaria assim se tivesse me obedecido. Agora vá embora ou então...
O dragão bufou e hesitou. Com seus olhos estelares podia perceber a aura assustadora do garoto e temeu não ser páreo para ele. Mesmo assim, seu sangue borbulhava de ódio pela humilhação de ter sido derrubado, e por isso virou o rosto em desdém. Por acaso, viu Pedro caído a poucos passos dele. Uma voz foi ouvida na mente de Edmundo.
“Meu orgulho será pago com a vida de seu precioso irmão!”
Enquanto isso, Pedro acordava sentindo dores por todo o corpo. Estava atordoado, mas tentou se erguer ao ver Edmundo encarando o dragão no alto da colina; tombou gemendo e tossindo um pouco de sangue. Havia partido alguns ossos, podia sentir.
— Ed... fuja... Não fique aí parado... — balbuciou entredentes desejando que seu irmão não enfrentasse a criatura. Foi então que percebeu o pulo desajeitado do dragão, vindo em sua direção. A presa não era Edmundo, era ele, o Grande Rei Pedro, caído e indefeso na neve. Cobriu o rosto num reflexo, esperando pelo pior.
— Não! — Edmundo se desesperou e num impulso, expulsou sua magia pelos pés, criando uma barreira mágica em volta de Pedro. O brilho azulado se tornou uma coroa de gelo pontudo, afiado e resistente o suficiente para perfurar as rígidas escamas e atravessar a cartilagem do peito e abdômen da criatura. O dragão foi trespassado pelas estacas, ficando preso na armadilha mortal. Bramiu em agonia enquanto o sangue enegrecido se esvaía dos ferimentos, e sua vida abandonava o brilho daqueles olhos perversos.
Pedro estava atônito. Edmundo havia matado um dragão num piscar de olhos, sem dar nem um passo. Uma aura luminescente permeava o corpo de seu irmão, dando-lhe um aspecto assombroso.
Edmundo pegou a espada da carcaça da fera e limpou a lâmina na manga comprida do casaco. Olhou para o alto e uma ventania abriu uma brecha na neblina, que se expandiu, afastando as nuvens do céu e deixando à mostra a lua quase cheia.
Quando ele se aproximou de Pedro, seus olhos luziam como os de um lobo, como o frio brilho prateado das estrelas. Naquele momento, teve a impressão de que seu irmão era algo inumano.
— Seus olhos... Ed...
— Pedro, se machucou? — Edmundo se ajoelhou ao lado do rapaz que tremia enregelado. — Está congelando! Calma, está tudo bem, vou te levar de volta pro castelo, mas antes... — Pousou a mão sobre ele e ordenou que o frio o abandonasse, e mesmo sem ter treinamento, conseguiu aquecer o corpo do irmão até uma temperatura confortável e constante. — Pronto, agora podemos ir. — Mas ao tentar levantá-lo, Pedro gritou e se deixou cair de volta na neve.
— Não... não consigo!
— Parece que quebrou as costelas. A perna também. E o ombro. — Tocando levemente por sobre as vestes, Edmundo conseguia sentir o osso partido e o sangramento interno. Não sabia como adquirira essa habilidade, mas tinha plena confiança em seus instintos.
— Ed... não consigo respirar direito...
— O pulmão está perfurado. Não pode se mexer, Pedro. — Olhou alarmado para o longo caminho acidentado que teriam de percorrer se quisessem voltar à cidade. Sabia que naquelas condições, seria impossível para Pedro chegar ao castelo ainda com vida. — Preciso pensar em alguma coisa... Acho que posso moldar um trenó de gelo. Posso arrastar o trenó...
— Ed... não é sua culpa...
— Pare de falar como se fosse morrer! Eu já te salvei um sem-número de vezes, não vai ser agora que vou... Pedro? Pedro!
Edmundo ficou lívido de repente. Segurando o irmão nos braços, percebeu o calor se esvaindo do corpo e a respiração se tornando lenta e fraca. Olhou para os lados e tudo era escuridão, deserta e congelada. Levantou-se deixando O rapaz deitado e foi até o topo da colina. Com sua vontade, fez erguer um obelisco de gelo de quase vinte metros, e tocando nele, o imbuiu de poder luminescente. Tinha certeza de que Lúcia e Cáspian estariam vindo para o resgate, por isso pensou em criar algo que sinalizasse sua posição. Com uma intuição aguda, juntou as mãos na boca e gritou com todo o ar de seus pulmões:
— Féarigan! — Algo diáfano se desprendeu de sua aura e foi levado pela ventania que o rodeava. O sopro do chamado por ajuda percorreu a distância nevoenta até chegar aos sentidos aguçados do lobo místico, tinha certeza. Entretanto, um momento depois, sentiu suas pernas fraquejarem e sua visão escurecer. Caiu de joelhos, ofegante. — Não, ainda não!
Virou na direção de Pedro e engatinhou até ele. Assim que tocou no braço do irmão, tombou de rosto na neve, perdendo a consciência.
**********
Quando Edmundo acordou, sentiu a maciez das peles de sua cama, e achou estar no palácio. Contudo, ao se lembrar do dragão e de Pedro mortalmente ferido, se empertigou de sobressalto.
— Pedro! — Edmundo estava sentado sobre as costas felpudas de Féarigan; Lúcia e Cáspian também cavalgavam sobre lobos ao seu lado, e sob o lusco-fusco da alvorada, atravessavam uma alameda de pinheiros. — O que?
— Bom dia, Edmundo! — Lúcia lhe sorriu. — Você está bem?
— E o Pedro? — perguntou alarmado.
— Bem aqui — falou o irmão mais velho, vivo e bem, ainda que pálido, sobre sua montaria lupina logo atrás.
— Lúcia! — Edmundo sorriu para a irmã. — O Elixir! Vocês nos encontraram...
— O seu farol ajudou bastante — comentou Cáspian. — E o seu “Sopro Mágico”!
— Que sopro mágico? — Edmundo não se lembrava de tudo com exatidão; estivera muito apavorado, preocupado que Pedro não sobrevivesse àquela noite.
— Foi um “Chamado”! — Rosnou Féarigan em um tom rouco, mas melodioso.
— Você fala?! — Edmundo se espantou.
— Só quando é preciso.
— É, Ed, ele fala! — respondeu Lúcia. — E correu atrás de você assim que o dragão levou vocês dois.
— Falando nisso... — interrompeu Cáspian. — Como vocês derrotaram o dragão?
— Eu não — falou Pedro observando Edmundo que o olhava por cima do ombro com o semblante sério. A comitiva voltou sua atenção para o irmão mais novo, mas este apenas baixou a cabeça e seguiu o resto da viagem em silêncio.
Estava bem óbvio que Edmundo havia criado as pontas de gelo que atravessaram a criatura; Cáspian apenas queria ter certeza de que Pedro havia presenciado o feito. O que todos sabiam, mas não quiseram comentar, foi que a magia dele estava se tornando mais poderosa, e mesmo isso tendo salvado a vida deles, o elo com a Feiticeira continuava a crescer.
Fim do Capítulo 12
Autor(a): callyzah
Esta é a unica Fanfic escrita por este autor(a).
Prévia do próximo capítulo
Quando Cáspian e Lúcia alcançaram o topo da montanha nevada, iluminada pelo obelisco de luz estelar, depararam-se com os corpos de Edmundo e Pedro, tombados um ao lado do outro, e a carcaça sem vida do dragão um pouco mais acima. Correram até eles e Cáspian verificou que ainda respiravam. — O Edmundo está bem, ...
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