Fanfic: Nárnia - O Rei Feiticeiro [+16] | Tema: Nárnia
Após um bom banho, uma noite tranquila de sono e um apetitoso dejejum, Edmundo já se sentia bem melhor. Lúcia estava com ele no quarto, e conversavam trivialidades enquanto ele se vestia. Ela viu as cicatrizes nas costas e nos pulsos e seu sorriso esvaneceu rapidamente.
— Você está cheio de cortes e machucados — falou ela com pesar.
— Não foi nada. É o que acontece quando se mete em uma batalha.
— Mas isso é muita maldade...
— Então não deixem que peguem você. — Ele notou tardiamente como ela havia se abalado com o comentário e se arrependeu. — Não que façam isso com garotas. Seria covardia demais até mesmo para um monstro. Eu dei azar de ter lutado com o filho da minha algoz. E como ele morreu, ela quis se vingar.
— Foi o fauno que matou o filho da mulher serpente, não foi?
— Pra me salvar, mas se eu tivesse tido a chance, teria feito o mesmo. Além disso, prefiro que venham atrás de mim do que dele. Cérus me acolheu e me salvou, mesmo sem saber quem eu era. É o mínimo que posso fazer por ele. O que foi?
Lúcia estava sorridente de novo.
— Eu sabia que não estava enfeitiçado! Um coração como o seu não seria dominado por nenhum feitiço ou tortura.
— Tenta dizer isso pro Pedro!
— E aonde estamos indo?
— Não quero ficar aqui, vou pra casa do Cérus. Se eu for pro Castelo, o Pedro vai querer me seguir.
Cáspian entrou naquele momento, e como ouviu a última frase, se voluntariou para ir junto.
— Posso ir com vocês?
Pedro estava na porta a observá-los, pensativo.
— Não acho boa ideia.
Edmundo continuou calçando a bota, sem dizer nada, e Lúcia jogou um olhar alarmado para Cáspian, que entendeu a deixa e se virou para Pedro.
— Eu vou estar com eles. Você confia em mim, pelo menos, não é?
Pedro suspirou e foi saindo.
— Não se aproxime do Castelo! — bradou Edmundo ao irmão, que parou seu passo e se virou para o mais novo.
— Como é que é?
— Você me ouviu, Pedro, não se aproxime do Castelo!
— Não farei nada — falou num tom mordaz — até você dizer a verdade e eu poder avaliar a situação de forma clara, Rei Edmundo!
— E quero minhas armas de volta!
— Não vou dá-las a você, por enquanto. E acho que nem precisa já que tem magia e um lobo gigante.
— Já chega, vocês dois! — Lúcia estava abismada com a rivalidade entre eles. — Estão transformando essa situação em uma calamidade!
— Concordo — falou Cáspian sem encarar nenhum dos dois.
— Tudo bem — replicou Edmundo dando de ombros —, pode ficar. Tenho um arsenal no Castelo...
— Bom saber. — E Pedro se retirou sem dar tempo de outra resposta.
— Insuportável! É a chatice dele que é ‘magnífica’, isso sim!
Lúcia e Cáspian tiveram de rir daquilo, e até Edmundo abdicou de seu mal humor.
— Vocês podem ser reis lendários, mas quando estão juntos, parecem só dois pirralhos brigões — Cáspian não pôde deixar de comentar.
— Você devia ver em casa! — disse Lúcia enquanto saía do quarto.
— O Pedro que é infantil, com toda essa arrogância... — tentou se justificar, Edmundo.
— É claro, e você é o rebelde mimado, não? — Cáspian bateu nas costas dele amigavelmente.
— Até você, Cáspian?
— Vamos indo antes que seu irmão mude de ideia.
*****
Passadas algumas horas, chegaram finalmente ao chalé de Cérus. O fauno quase teve um ataque do coração ao ver a face do lobo de olhos azuis na janela de sua sala de estar. Foi aí que viu Edmundo montado nele, com um sorriso displicente no rosto. Abriu as janelas, totalmente surpreso.
— Com mil dragões de gelo! Edmundo!
— Viemos fazer uma visita — disse cordialmente. — Esse é Snow. O Rei Cáspian, o Décimo, acho que já conhece... E aquela é minha irmã mais nova, Rainha Lúcia, a Destemida.
Cérus quase escorregou do beiral ao ver tantas figuras ilustres paradas à sua porta. Fez uma reverência, meio trêmulo de emoção.
— Majestades! Mas... Minha casa é tão humilde... — Ele se apressou em abrir a porta e se inclinou para que entrassem. — Não é lá grande coisa, mas é de vocês!
Lúcia fez uma saudação antes de entrar.
— Não é uma casa, é um lar! É muito aconchegante, Sr. Cérus.
— Gentileza da sua parte, Minha Rainha!
Edmundo entrou seguido por Cáspian.
— E a fera? — Perguntou o fauno.
— Ele já está alimentado, não se preocupe — esclareceu Cáspian.
— Sorte das minhas cabras...
Edmundo cochichou para a irmã:
— Não sente falta de ser tratada com tanta cortesia na Inglaterra?
— O tempo todo! — Ela lhe sorriu.
Os Pevensie se sentaram na cama embutida e Cáspian na poltrona. Cérus lhes serviu chá e bolo de nozes. Lúcia estava maravilhada com o lugar.
— Parece muito com a casa do Sr. Tumnus!
— Sim, pensei o mesmo — comentou o irmão.
— Se me permitem? — começou o fauno. — O que os traz à minha humilde residência? — E olhou para Edmundo, que parecia um pouco acanhado.
— Como já percebeu, Cérus, se eu e meu irmão ficarmos sob o mesmo teto, vamos acabar lutando de verdade... Então pensei em ficar aqui com você. Além disso, a Lúcia queria muito te conhecer, e o Cáspian veio de enxerido mesmo.
— Ei! — protestou o Rei. — Alguém tem que ficar de olho em você. — Edmundo continuou.
— Eis minha situação: os Narnianos Sombrios querem a minha cabeça porque acham que vou traí-los e entregá-los aos Telmarinos; já as pessoas desse reino suspeitam que vou traí-los para ficar ao lado da Feiticeira Branca, e estão cogitando pôr minha cabeça à prêmio. Como vê, estou sem muitas opções para ficar num lugar onde ninguém queira a minha cabeça.
— Bem, Vossa Majestade... Edmundo, pode ficar o quanto quiser. E saiba que serei o último Narniano a pretender a sua cabeça.
Cáspian entrou na conversa.
— Agora que estamos seguros e amigáveis, Edmundo, pode nos contar o que realmente está acontecendo? Não vamos julgar você... Bem, só um pouquinho.
— É claro que vão me julgar. — Olharam-no espantados. Havia um tom de culpa na voz dele, e Cáspian temeu que Pedro estivesse certo desde o início. — Se eu contar o que realmente aconteceu, o Pedro vai surtar! Todos vocês vão. Nem sei como ainda não surtei.
— Ed... — Lúcia segurou o braço dele. — É tão grave assim? Está me assustando.
— É que eu... Eu não tenho nenhum controle sobre a situação. Um passo em falso e podemos ter outra guerra de cem anos. E acho que o Pedro bem que iria gostar disso, mas eu não!
Cáspian estava com o semblante sério.
— Se é dessa importância, é mais um motivo para nos contar. Além do mais, não tem que resolver tudo sozinho. Como me disse uma vez, você não é meu súdito, é meu irmão e Rei de Nárnia! Então, como iguais, eu te peço que me veja como seu aliado e amigo.
— Belas palavras, Cáspian! — Lúcia se alegrou percebendo como ele se importava com Edmundo.
— Só disse o que estava em meu coração.
— Então — falou o garoto, mais apaziguado — vou lhes contar o que está dentro do meu. A Feiticeira Branca deseja governar os Reinos do Norte, e com a minha presença aqui ela não precisa guerrear, já que eu assumiria a guarda desse território. Só que se eu recusar, ela vai simplesmente convocar mercenários e monstros, sei lá de onde, e conquistar todas essas terras à força. Ela tem recursos, e magia pra poder levar isso adiante indefinidamente. E a guerra não ficará apenas dentro das fronteiras do Norte, logo alcançariam Nárnia, Telmar, e talvez além, porque é da natureza dela ser assim.
— Só um momento, Edmundo! Sei que Aslam deu a vocês o direito de governar, mas hoje temos uma hierarquia de fidalgos. Nem mesmo eu, posso fazer o que quiser sem uma assembleia... — Cáspian puxou os cabelos longos para trás para amarrá-los; parecia um pouco tenso. — Não podemos conceder um território sem mais nem menos.
— Você acha que eu não sei disso? Eu moro numa monarquia! O problema é que ela não liga! Ela acha que posso fazer qualquer coisa apenas emitindo um decreto! Por isso eu estava indo para o seu castelo... Digo, antes do Pedro me derrubar.
— O Pedro te derrubou? — Lúcia se espantou ao ouvir isso; haviam afinal omitido algumas partes dos eventos. Olhou indignada para Cáspian.
— O Edmundo me derrubou primeiro, então, acho que foi justo.
— Foi sem querer! — Edmundo ainda estava relutante em falar sobre aspectos mais delicados de seus feitos, e começou a esfregar nervosamente as mãos. — Sei que há uma burocracia enorme... Mas você e os fidalgos têm que entender que a Jadis não é uma feiticeira comum. Ela nem é humana! Foi preciso o próprio Aslam pra derrotá-la... Todos nós lutamos com um exército enorme, e mesmo assim...
— Está tudo bem? — Cáspian se espantou ao reparar como o garoto estava trêmulo e pálido ao relatar aquelas velhas lembranças. Lúcia pensou se tratar do antigo trauma que ele carregava secretamente.
— É que a Jadis... — Lúcia falou um pouco relutante, observando a reação do irmão. — Ela quase matou o Edmundo no campo de batalha. Éramos só crianças naquela época...
— Eu tinha onze, não era tão criança assim. Você que era muito pequena.
— Você tinha dez! Eu tinha oito, a Susana, doze, e o Pedro, treze!
— Espera um pouco! — Cáspian se intrometeu na discussão, muito confuso. — Quando nos conhecemos, você tinha quantos anos, Edmundo?
Lúcia se adiantou e respondeu no lugar dele.
— Tinha Doze. E na viagem do Peregrino, tinha quatorze.
— Não tinha não! — impacientou-se, Edmundo. — Está falando da idade física...
— Só um momento! — Cáspian estava se segurando para não rir, e se virou para o amigo. — Quer dizer que quando você ficou bravo porque te chamei de ‘menino’, na verdade você só tinha quatorze anos?
Novamente, Lúcia respondeu primeiro.
— Isso mesmo!
— Então por que ficou tão bravo se era mesmo só um moleque? — Cáspian ria, vendo Edmundo enrubescer, desesperado em esclarecer o mal-entendido. — Quantos anos tem agora? Quinze? Quinze e meio!
— Vocês vão continuar com o deboche ou vão me deixar falar? — disse Edmundo perdendo a oportunidade de se explicar, pois Lúcia já ia contando da vez que ele quisera parecer três anos mais velho pondo as roupas do tio, e acabou ficando menor do que já era.
— Parecia que ele estava dentro de um saco de batatas! — A garota abraçou o irmão que a mirava com uma veia ressaltada na fronte. — Não pode ficar bravo com isso, Ed, afinal já é um adulto!
— Já não sei mais o que eu sou... — Cáspian não se aguentava de tanto rir, perguntando se ele não ficava com os pés balançando no trono de pedra, e se divertindo com as caretas ranzinzas de indignação do amigo. — E eu tenho vinte e nove! — desabafou Edmundo. — Se não mais, porque medir o tempo aqui é muito confuso... E eu sempre aparentei ser mais velho...
— O Pedro parece ser mais velho! — redarguiu Cáspian, entretendo-se com aquela conversa como há muito não o fazia. — Você é esguio, talvez um pouco mais alto pra sua idade, mas não pode dizer que tem quase trinta anos com essa armadura de cavalariço!
— É claro que é um traje de cavalariço! O Pedro escondeu a minha armadura! Ou jogou fora...
— Acho que ele incinerou sua armadura e jogou sua espada numa forja, só pra garantir. — Cáspian enxugou os olhos; estavam úmidos de tanto rir. — Mas enfim, é só brincadeira, Edmundo. Sei das lendas, sei que ficaram em Nárnia por alguns anos. E sei que só voltaram ao mundo de vocês por acidente.
— Nem me lembre disso...
— Tive a oportunidade de ter longas conversas com o Pedro na jornada para cá. Não tinha me dado conta, mas senti muita falta de conviver com vocês.
Cérus, sentado num banquinho de madeira, perto da lareira, ouvia àquelas estranhas revelações com admiração e espanto.
— Vocês vêm do País de Aslam? — perguntou o fauno timidamente.
— Não — respondeu Lúcia com um suspiro. — Ainda não estamos prontos para ir... Mas algum dia!
— Certo. — Cáspian novamente retomava o real assunto daquela reunião. — Foi uma pausa bem-vinda para aliviar a tensão, mas agora temos que voltar a falar sobre a feiticeira... E sobre como o Edmundo consegue usar a magia dela.
— De uma certa forma, isso tem relação com a nossa conversa... — comentou Edmundo, novamente baixando os olhos com a expressão taciturna. — De qualquer jeito, acho que devíamos ceder essa parte do território, já que eu devo ficar e governar junto a ela.
— Ed... — Lúcia olhou bem para o irmão. — Ainda não consigo entender essa parte. Ela nunca quis dividir nada! Por que ela quer que você fique?
— Como refém? — argumentou Cáspian. — Se bem que isso não faz tanto sentido, já que ela te deu liberdade para ir e vir. A Lúcia tem razão. E acho que é o que o Pedro está cismado para descobrir. Por que ela está te protegendo, e por que você quer ficar? Não é só pela manipulação. Se ela é tão astuta, seria óbvio pensar que você poderia se juntar a mim numa investida surpresa contra ela. Disse que ela poderia convocar mercenários e criaturas... Mas ela não os tem agora, correto? Contudo, você possui a magia dela e controla os lobos... Edmundo, o que não está contando pra gente?
— É... É uma vingança. — Ele pareceu esquivo ao falar.
— Como assim?
— É difícil de explicar.
Cérus se levantou, percebendo que havia assuntos que preferiria manter distantes de seus ouvidos.
— Perdoem-me, mas preciso ver como estão minhas cabras. Sintam-se à vontade. — E o fauno se retirou com uma vênia e um sorriso atencioso.
Cáspian pegou o banquinho de madeira e se sentou mais próximo deles.
— Confie em nós, Edmundo!
— Tá bem... Como eu já expliquei, foi a Styr que me usou para reviver a Jadis. Depois que acordei no castelo, eu e a Feiticeira conversamos por um longo tempo, e em dado momento, ela me mostrou a sala do tesouro. Não havia apenas ouro, mas joias e amuletos mágicos. Então ela me ofereceu um anel mágico e... Eu acabei colocando-o no dedo...
— Edmundo! — ralhou Lúcia, inconformada. — É a armadilha mais óbvia de todas!
— Eu sei... Mas eu queria evitar uma guerra a todo custo, e ela queria uma prova da minha lealdade. Por isso, aceitei.
— O anel está com você? — perguntou Cáspian.
— Sim, está bem aqui. — Edmundo tirou a luva de couro sem dedos e mostrou o brilhante anel de prata.
— Onde? — Cáspian o mirou com estranheza. — Não tem nenhum anel no seu dedo, Edmundo!
— Como não? Está bem aqui! — E apontou.
— Juro que não vejo nada.
— Nem eu! — Lúcia imaginou ser um feitiço de invisibilidade. — Deve ser invisível para os outros! Uma bela maneira de não ser roubado. Talvez se você o tirar, ele apareça.
Edmundo puxou o anel do dedo, com força e depois com mais força ainda, mas a joia não se moveu. Impacientou-se diante de sua ingenuidade.
— Ah, ótimo! O anel não sai! O Pedro tem razão, devo ser mesmo um palerma enfeitiçado. — Olhou para a joia e bufou. — Como sou idiota!
— Mas qual a magia dele? — perguntou Cáspian. — Além de ser invisível e não sair do seu dedo!
— Não tenho certeza... Ela disse algo sobre poder e imortalidade.
— Você não estava prestando atenção? — inquiriu, Lúcia.
— Acho que eu estava um pouco bêbado... — confessou, sentindo-se péssimo.
— Bêbado? — Foi a vez de Cáspian mirá-lo com incredulidade. — Ela te forçou a beber?
— Não.
— Está dizendo que beberam enquanto conversavam? Amigavelmente? Como assim?
— Amigavelmente?! — bradou Edmundo, levantando-se de súbito, já meio alterado. — Eu a odeio! Ela me enganou, me torturou, me fez trair meus irmãos! O Aslam quase morreu por minha causa! — Lembrar daquilo era muito doloroso, o que sempre o deixava abalado e quase aos prantos. — Eu carrego essa culpa desde o dia em que soube... Só não desisti de tudo em respeito ao sacrifício dele. Vocês nunca vão entender... O que ele me disse... Eu não...
— Ed, calma! — Lúcia se levantou e segurou o braço dele gentilmente. — Você era só uma criança, não foi culpa sua. Já conversamos sobre isso...
— Foi minha culpa, sim! Ah, Lúcia, você sempre ficou do meu lado, mesmo quando eu não merecia... Só que... Eu tento fazer tudo certo, mas não sei se fiz a escolha correta, não sei se posso continuar confiando no meu julgamento.
— Não diga isso! — Ela olhou nos olhos dele. — Se o próprio Aslam confiou a você o título de “Justo”, não acha que pelo menos ele sabia o que estava fazendo? — Ela riu, percebendo que a frase era um tanto quanto contraditória, mas suficiente para acalmar o espírito do irmão, e até fazer surgir um leve sorriso.
— O que você disse, foi meio ambíguo...
— Foi mesmo. — Cáspian também se levantou e tocou no ombro do amigo. — Eu não quis ofender, Edmundo. Sinto muito. — O garoto se recompôs e voltou a se sentar, com a respiração entrecortada. Lúcia saiu para a cozinha, dizendo que precisavam de mais chá. Os reis se sentaram, depois de acalmados os ânimos. — Nem consigo imaginar como deve ter sido difícil passar por tudo aquilo.
— Ela me perseguiu no Peregrino da Alvorada, sabia? Não era uma alucinação, o espírito dela é imortal. É por isso que ela consegue reviver através da magia sombria. E usaram o meu sangue... Ela está ligada a mim mais do que imagina, Cáspian.
— Nesse caso, o que devemos fazer primeiro é livrar você da influência dela. Siga com a diplomacia, vamos tentar resolver uma coisa de cada vez, se bem que duvido que ela irá manter esse acordo de paz por muito tempo...
— Ela tá grávida. — Edmundo deixou escapar a frase, já que estava exausto de manter aquilo só para si. Cáspian o encarou, com a expressão perturbada, o que deixou Edmundo muito constrangido.
— Mas não é...
Edmundo engoliu em seco e sua voz estremeceu ao elucidar o que havia dito.
— Não sou mais um ‘menino’. Entendeu?
Lúcia estava de pé na entrada da sala, segurando o bule, com ar de surpresa e um enigmático sorriso.
— Eu vou ser tia?! — Cáspian olhava de Edmundo para a garota, e vice-versa. Lúcia veio e colocou o chá na mesinha, se sentando ao lado deles. — Edmundo! Você vai ser pai!
— Por que está tão feliz? — Ele estava perplexo. — É da Feiticeira Branca que estamos falando!
Subitamente o sorriso dela se transformou em surpresa, e ela cobriu a boca com as mãos; os olhos arregalados.
— Você e a... Jadis?
— É, eu e ela...
— O Pedro vai te matar quando souber!
— Eu sei! Por que acha que estou em pânico?
Cáspian saiu do choque da revelação e voltou a ponderar sobre aquilo.
— Mas você tem certeza disso? Quero dizer... Se ela nem é humana, não é? E disse que se odiavam! Como você...
— Não me lembro! — falou Edmundo enrubescendo. — Só sei que não queria, mas aí senti uma energia muito forte... Foi depois de colocar o anel. Depois tudo ficou confuso, parecia um sonho, não sei explicar... Só sei que não me importei com nada daquilo até ela me dizer que estava grávida.
— Talvez a magia do anel te influencie a fazer o que ela deseja.
— De qualquer jeito, agora não tem como voltar atrás. — Ele suspirou meneando a cabeça. Finalmente havia se dado conta de que poderia mesmo estar enfeitiçado e sem consciência total de suas ações. Se isso fosse verdade, até onde ela poderia controlá-lo? — Fiz o que achei ser o certo, mas já não tenho certeza se a decisão foi minha ou dela. Como sempre, o Pedro deve estar certo sobre mim, e todo o resto...
— O Pedro nem sempre está certo. — Lúcia tocou na mão dele e entrelaçaram os dedos. Edmundo estava encurvado, com um olhar vazio e o rosto marcado por um desalento tão grande que até mesmo ela teve vontade de chorar. Quando ia dizer algo, ele se levantou, limpou o rosto avermelhado e foi saindo para a porta da frente.
— Estou me sentindo sufocado, preciso dar uma volta e respirar o ar lá de fora. — E saiu do chalé, entrando no bosque nevado bem à frente da casa. Com a lufada de ar frio, conseguiu recuperar um pouco do autocontrole, ainda que as lágrimas escorressem livremente. Ouvia apenas a neve afundando sob seus pés e o assoviar do vento nas folhagens das árvores. Não havia visto o grande lobo branco, e pensou que ele poderia ter ido caçar, ou tivesse simplesmente ido embora. Depois de um tempo, ajoelhou-se na neve, fatigado pelo arroubo emocional. — Por que sempre tem que ser eu? Não consigo fazer nada direito...
Segurou a cabeça baixa com as mãos trêmulas e deixou sua mágoa sair num lamento baixo e pesaroso. O vento parou de soprar, e além dos pássaros que chilreavam ao longe, discerniu o som de passos vindo na sua direção. Pensou ser o lobo, mas então sentiu o abraço firme de seu irmão.
— Pedro, me deixe em paz...
— Como se eu pudesse fazer isso. — Mas Edmundo se desvencilhou, ficando de pé.
— Não quero sua ajuda! Só quero ficar um pouco sozinho.
— É por isso que nunca tirei os olhos de você, Ed. Se te deixo sozinho, corro o risco de te perder. Quer tanto se redimir que às vezes nem percebe que põe sua vida em perigo. Você sempre foi assombrado pela Jadis. Sabe o que me assombra nos meus pesadelos? Você deitado no gramado, quase sem vida nos meus braços. Já parou pra imaginar se eu voltasse pra casa sem você? O que eu diria pra mamãe? Que eu te perdi pelo caminho? Eu nunca me perdoaria...
— Mas não é culpa sua. Você não entende... Não pode me controlar!
— Eu sei! Sei, e mesmo assim às vezes sou muito duro com você, e isso é um defeito meu. Mas você é meu irmão caçula! Como não vou pegar no seu pé?
Pedro estava sendo sincero, entretanto, Edmundo imaginou como ele reagiria quando soubesse o que fizera? Provavelmente ficaria possesso de raiva e Edmundo teria que ouvir, calado e cabisbaixo, as coisas terríveis que Pedro lhe diria, afinal ele estava certo. Ele estava sempre certo.
— Diz isso, mas nem imagina o que fiz.
— Então me diga! Vamos resolver juntos!
Edmundo enxugou as lágrimas, mirando seu irmão de uma forma indecifrável, e Pedro teve um pressentimento estranho.
— Preciso voltar ao Castelo, mas quero que veja uma coisa lá.
— Tudo bem, eu vou, mas dependendo do que acontecer, não garanto que minha espada permaneça na bainha.
Como um desafio secreto à convicção de Pedro, Edmundo concordou.
— Então vamos.
*****
Caminharam em silêncio pelo bosque, contornando o cerco de Telmarinos, e chegando ao Castelo de Gelo pelo flanco direito. Dois Minotauros guardavam a entrada, e ambos se inclinaram em respeito quando Edmundo passou por eles, nem se importando com a presença do Grande Rei.
Atravessaram o pátio e subiram a escadaria que dava ao grande corredor de entrada. No amplo Salão do Trono, em um piso superior, havia dois tronos de gelo forrado de peles. Em um deles estava Jadis, sentada como uma estátua, elegante, mas ameaçadora. Ela esboçou um leve sorriso ao ver Pedro acompanhando Edmundo. Levantou-se e desceu as escadas para saudar a chegada dos Reis.
— Grande Rei Pedro! A que devo a honra dessa visita?
— Vim pedir que liberte meu irmão da sua magia torpe. E caso se recuse, saiba que a minha espada continua tão afiada quanto as presas de Aslam.
Ela se aproximou sem medo, mas suavemente.
— Palavras fortes, Grande Rei, mas a magia torpe a que se refere foi um presente. E como tal, não pode ser devolvido, a não ser que me mate com sua espada tão afiada.
— Se for preciso! Mas gostaria de resolver as coisas pacificamente dessa vez. Ouvi que pretende governar essas terras, mas carece de um embaixador. Permita-me oferecer um que seja nativo dessas terras.
— Ah, entendo! Deseja voltar para o seu mundo e anseia levar seu irmão com você. O mais velho é sempre o guardião da família. Contudo, não impedi Edmundo de partir, foi escolha dele permanecer aqui. Além do mais, preciso de um Rei governando ao meu lado, não de um diplomata.
— O que está tramando? Por que usar esses estratagemas? Nunca quis se sujeitar a nada. Por que agora?
— As pessoas mudam. — Apesar do que dizia, não havia nenhuma emoção em suas palavras. Voltou-se para Edmundo. — Rei Edmundo, deseja partir com seu irmão?
Pedro o encarou, esperando pela resposta.
— Não — disse desviando o olhar.
— Por que não? — Pedro segurou nos ombros dele. — Olhe pra mim e me diga, sinceramente, por que não quer voltar comigo pro nosso mundo?
Edmundo ia responder, porém a voz lhe faltou; pensou que poderia revelar o que havia acontecido tão facilmente quanto fizera com Cáspian, mas a verdade era que Pedro o intimidava. Engoliu em seco.
— Não quero, e é tudo o que tenho a dizer.
Pedro o largou e se virou para a Feiticeira.
— Está forçando meu irmão a ficar do seu lado...
— Exatamente! — Ela o interrompeu com o olhar faiscante. Ela ousou se aproximar um pouco mais de Pedro, acariciando o próprio ventre, e forçou um sorriso. — Ele não quer abandonar a criança.
— Criança? Que criança... — Subitamente, olhando para o ventre já levemente arredondado, Pedro teve uma inusitada sensação de medo. Virou-se para Edmundo, que ainda o encarava, apesar da postura caída. — Sua criança?
Edmundo apenas fez um leve movimento com a cabeça. O espanto de Pedro só não foi maior que sua ira. Ele já havia desembainhado a espada, quando Edmundo se posicionou à frente dela, com os braços abertos, impedindo o avanço dele.
— Não faça isso!
Pedro ficou paralisado ao ver a reação do irmão. Aquilo não seria mais uma cilada? Realmente ela esperava uma criança de Edmundo? Parecia impossível.
— O que ela fez com você?
— Não o obriguei a coisa alguma — disse Jadis, satisfeita com o desfecho da situação; com a visível decepção estampada no rosto de Pedro. — Ele se deitou comigo por vontade própria.
— Mentira! — E olhou para o irmão tão lívido quanto um defunto. — Ed, por favor, vem comigo!
A expressão de Edmundo, porém, era fria e resoluta. Baixou os braços e num sutil movimento de cabeça, mostrou ao irmão que havia vários guardas na entrada do salão, com armas em riste, prontos para atacar.
— Não vou com você, Pedro. Vá embora. Por favor.
Pedro suspirou, engolindo sua mágoa e raiva; mirou Jadis enquanto se virava para sair do Castelo. Caminhou empertigado até os portões, e sua aura afastou os Minotauros e guardas que temeram se aproximar demais do Grande Rei. Sem olhar para trás, caminhou sobre o gelo e retomou o caminho que fizera pela floresta. Enquanto andava, enxugava o rosto avermelhado com a manopla, acabando por fazer pequenos cortes perto dos olhos inchados.
*****
No Castelo, Jadis sorriu para Edmundo enquanto segurava o rosto dele com força.
— Sábia decisão, meu Rei. — Ela o soltou e se retirou do salão. Edmundo ficou ali parado, sentindo seu coração se despedaçar enquanto assistia o irmão ir embora.
Depois, entrou em seus aposentos, se deitou na cama, deprimido e apático, e ali permaneceu, no silêncio bruxuleante daquele frio crepúsculo.
Fim do Capítulo 7
Autor(a): callyzah
Esta é a unica Fanfic escrita por este autor(a).
Prévia do próximo capítulo
Quando Pedro chegou na entrada da casa de Cérus, Cáspian e Lúcia já estavam ali, angustiados ao ver seu semblante de sofrimento. Lúcia correu até ele e o abraçou, sabendo, em seu íntimo, que algo terrível havia acontecido. Pedro pranteou sua dor um pouco mais, embalado pelo terno abraço. — O que hou ...
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