Fanfics Brasil - Quando te vi Perigosas Lembranças

Fanfic: Perigosas Lembranças | Tema: Amnésia


Capítulo: Quando te vi

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Letícia esticou os braços para os lados, sentindo-se descansada. Havia dormido melhor do que a noite anterior. Virou-se em direção à porta, abriu os olhos... e encontrou Ricardo a mirando com fascínio e ternura. Sobressaltou-se por um instante, mas depois se lembrou do motivo de ele estar ali... e de ter dormido mais tranquila.


- Bom dia. – ele sorria – Eu... a assustei?


- Um pouco... quer dizer... eu me esqueci que te pedi para dormir aqui – ela se ajeitou na cama e sentou-se. Desviou o rosto envergonhada – Desculpe por ontem.


- Não, Letícia, não precisa se desculpar... você estava tendo um pesadelo. Ouvi seus gritos... e vim correndo para ver o que era.


- Gritei tão alto assim? – estranhou, afinal, o quarto dele ficava no fim do corredor


- Na verdade... não. Estava pelo corredor. É que tenho um pouco de insônia... então me levanto no meio da noite e fico andando por aqui até pegar no sono.


- Mesmo assim te fiz dormir todo desconfortável nessa poltrona.


- Imagina... aqui é bastante cômodo, pode acreditar – abriu um largo sorriso – E depois... foi um prazer ver você dormir... e também acordar.


- Ai, meu Deus! – ela abaixou a cabeça e colocou as mãos em volta do rosto


- O que foi? – indagou preocupado


– Devo estar horrível toda descabelada e com a cara toda amassada!


Ricardo soltou uma gostosa gargalhada. Apesar de constrangida, Letícia gostou de escutá-la.


- Ah, Letícia... só você mesmo.... Não se preocupe, garanto que você fica linda ao acordar.


- Ah, por favor, Ricardo... nem a mulher mais bela do planeta consegue essa proeza. – reclamou a despeito de gostar do comentário


- Pois eu estou olhando para a mulher mais bela do planeta – disse sério. Letícia engoliu em seco – E para mim, ela está muito bem.


Letícia não soube o que responder. Ricardo tinha o dom de deixá-la sem fôlego... e quente com apenas um comentário. Permaneceu o mirando por um longo tempo tal como ele o fazia.


- Er... você não tem que se arrumar para ir à empresa? – em algum momento, ela se lembrou de perguntar para quebrar aquele silêncio.


- Não. – sorriu – Esqueceu que hoje é sábado?


- Ah, é mesmo.


- Se bem que às vezes tem sábados que costumo ir à multinacional quando tenho alguma reunião urgente ou algum problema de última hora. Mas hoje não é o caso.


- Então... você vai ficar na mansão comigo? – não quis transparecer a alegria, mas seu tom a denunciou


- Se você quiser, podemos – alargou o sorriso – Mas tenho outros planos.


- Quais?


- Pensei de passarmos o dia tentando verificar se você não se esqueceu de dirigir mesmo com a perda de sua memória. Podemos praticar em ruas mais tranquilas aqui perto e depois almoçarmos fora. O que acha?


- Nossa... quer dizer que vou poder dirigir um dos meus carros? – parecia uma criança entusiasmada, mas não se importou em demonstrá-lo.


- Claro que pode. Mas irei supervisioná-la – balançou o dedo em riste – Nada de gracinhas.


- Não, não, claro que não. – balançou a cabeça para os lados – Irei te obedecer em tudo


- Ótimo. E depois... à noite, gostaria que me acompanhasse numa festa.


- Festa? De quê?


- Uma comemoração de trinta anos de uma empresa... é de um empresário que possui algumas ações em um de meus empreendimentos.


- Eu... não sei. – Letícia estremeceu – Será que vou me lembrar de como me comportar? E outra... as pessoas podem perceber se eu não conseguir reconhecê-las.


- Não se preocupe com nada disso, Letícia. Você vai se sair muito bem com tudo o que aprendeu sobre etiqueta. Soube lidar perfeitamente com os talheres tanto no jantar como no café.


- É? Nossa, nem reparei.


- Porque é uma coisa automática que não se apaga da memória. E quanto as pessoas que encontrarmos na festa, não se preocupe, qualquer coisa explicamos sobre sua memória. Se bem que a essa altura, já devem saber. Lamento dizer que discrição não é uma das qualidades da Cláudia – os dois riram ao se lembrar da amiga tagarela de Letícia – Mas não pense muito sobre isso. Todos entenderão.


- Bem... se você diz – ainda parecia insegura


- Acredito que seus pais também vão estar lá


- Você tem que ir?


– Tenho, pelo que lhe disse. Faz parte de se fazer negócios – a expressão ficou séria – Mas... não se sinta obrigada em me acompanhar. Eu vou entender se você preferir ficar em casa.


- Não... eu vou – decidiu


- Tem certeza? Juro que não vou ficar chateado se você não quiser ir.


- Quero ir – afirmou com segurança. – Não posso ficar isolada para sempre... ainda mais se for para recuperar minhas lembranças. – desviou o rosto para a próxima declaração que faria – E depois... como sua esposa é meu dever ficar a seu lado... em qualquer ocasião.


Não tinha coragem de encará-lo para ver sua reação, mas esperava que entendesse o significado por trás de suas palavras: voltar a ser sua esposa de fato. Na noite anterior, suas tentativas de demonstrar não saíram tão bem quanto pretendia, mas para um homem como ele, não passaria despercebido.


- Você não sabe como me deixa feliz ao dizer isso.


Letícia o fitou. E lá estava a felicidade estampada no semblante de Ricardo. Parecia que o mínimo gesto ou palavra com que lhe demonstrasse algum carinho era capaz de fazê-lo resplandecer como se recebesse o maior prêmio do mundo.


- Então... fico feliz em deixá-lo feliz – respondeu tímida


Ele alargou o sorriso e olhou-a com mais intensidade. Letícia teve a impressão de que desejava beijá-la naquele instante. Corou e desviou o rosto.


- Vou para meu quarto – ele disse após certo tempo. Levantou-se, dobrou a coberta, colocou-a em cima do travesseiro e ajeitou a poltrona à sua forma original. Ela o observou, presa em cada um dos seus movimentos. – Esperarei você lá embaixo para tomarmos o café juntos... Mas não tenha pressa. Como é sábado, o café será servido mais tarde, lá pelas noves.


- Tá. Então... até mais tarde.


- Até.


E saiu.


Letícia suspirou. Tinha a impressão de que teria momentos inesquecíveis com seu marido naquele dia.


- 0 –


Depois do café, Ricardo e Letícia caminharam de braços dados até a garagem, ela se sentia cada vez mais à vontade com esse gesto familiar.


- Em qual dos carros você prefere ir hoje? – perguntou seu marido diante dos dois veículos.


- Hum... acho... – pensou em dizer o porsche, mas mudou de ideia – Vou querer ir na BMW – emulou um singelo sorriso – Afinal, foi seu presente de casamento para mim.


- Que bom. Você quase não o usou.


- É? – arqueou a sobrancelha


- O porsche era seu carro preferido... – olhou-a de modo enigmático – Você dizia que tinha mais a ver com você, te dava mais sensação de liberdade.


- Pois quer saber? Acho que...  a partir de hoje a BMW vai ser meu carro preferido.


E esboçou um sorriso mais confiante, a despeito da vergonha. Ricardo não disse nada, mas a expressão feliz em seu rosto expressava tudo. Ele se aproximou do veículo, abriu a porta de passageiro e fez um gesto convidativo para Letícia.


- Então vamos? Eu a levarei para uma rua tranquila onde possamos praticar.


Letícia entrou, ajudada por Ricardo que a tomou pela mão. Ele entrou em seguida.


- Antes de mais nada, coloque o cinto – disse a ela.


- Já estou com ele.


- Boa menina – respondeu com expressão professoral. Ela riu – Agora, vou dar a partida. Observe.


Colocou a chave de ignição, ligou o câmbio automático e girou a chave. Letícia ficou atenta às instruções. Ele deu a partida e saíram.


Ricardo dirigiu o auto e instruiu Letícia em apenas observá-lo. Nem precisava mandar, pois os olhos dela não perdiam nenhum movimento dele.


Ganharam a saída e logo Ricardo os conduziu para uma rua que ficava a três quarteirões da casa. Encostou.


- Vamos ver se você prestou atenção em como dar partida... Primeiro...


- Sim... a... a chave de ignição!


E foi falando os demais passos para a satisfação de Ricardo.


- Ótimo! Da teoria você se lembra. Agora temos que ver a prática. Vamos trocar de lugar.


Saíram do carro, mas Ricardo permaneceu com a porta aberta para sua esposa. Ela lhe agradeceu com um aceno e entrou. Aguardou ele dar a volta e entrar pelo banco de passageiro.


- Mostre para mim o que você aprendeu. – olhou-a de lado


- Tá bom.


Ela ligou o carro conforme as instruções do marido. Ricardo assentiu com aprovação.


- Muito bem, Letícia. Agora…


Como por instinto, e também por observá-lo, soube o que fazer. Pegou o volante e conduziu o veículo, porém, de modo vagaroso para ele notar seu controle. Percorreu alguns metros à frente pela mesma rua e encostou.


- Eu… não esperei você falar – voltou-se meio sem jeito para ele que a observava com expressão indefinida – Simplesmente conduzi. Foi quase instintivo.


- Sem problema – o sorriso que esboçou desfez a preocupação dela – Era esse o propósito… fazer você se lembrar de dirigir. Foi mais rápido do que pensei. Parabéns.


- Obrigada… mas é graças ao professor também – sorriu-lhe tímida


Ele apenas lhe devolveu o sorriso com os olhos brilhando.


- Mas não cante vitória ainda, mocinha… - disse meio zombeteiro – Aqui nessa rua é fácil. Vamos ver como você se sai numa avenida mais agitada.


E foram para a mais próxima. Letícia se saiu muito bem, embora dirigisse com precaução e sob mais instruções de Ricardo. Ele se deu por satisfeito e orientou-a para estacionar numa praça.


- Por hoje chega de aula – ele ostentava um sorriso


- Então como me saí de tudo? - encarou-o com expectativa


- Melhor do que o esperado


- Ah, que bom! - bateu palmas. Ele riu. Ela parou envergonhada – Desculpe.


- Se desculpar por quê, Letícia? Eu… adoro vê-la assim tão espontânea e feliz… do jeito que você sempre foi.


E outra vez, mirava-a com um olhar abrasador que a queimava por dentro.


-  Er...Vamos precisar de mais aulas? - indagou para quebrar o clima


- Ah, sim, pelo menos mais três.


– Hum… achei que já tivesse relembrado tudo.


- O essencial... Mas eu preciso certificar de que você estará bem.


- Poxa, não confia na minha capacidade? – colocou as mãos na cintura – Ou é só superproteção?


- Sim para as duas perguntas. Confio na sua capacidade, mas sou superprotetor com você… desde o dia que te conheci.


- Me fale sobre esse dia – pediu já que ele tocou no assunto – Me conte como foi.


Ricardo ficou sério. Achou por um momento que seu marido fosse se esquivar com alguma resposta superficial, porém, ele disse:


- Está bem. Mas vamos sair do carro e caminhar um pouco na praça – olhou para o relógio – Está cedo ainda para o almoço.


Letícia concordou e saíram. Deu-lhe o braço e caminharam em silêncio. Fazia um tempo agradável. O sol despontava, mas não estava muito quente. Aproximaram-se de um banco de pedra e sentaram-se, mas com os corpos virados um para o outro. Ricardo a fitou intensamente. Ela engoliu em seco, mas não desviou o olhar. O dele aos poucos foi se alheando como se estivesse perdido em recordações.


- Eu tinha quinze anos quando te vi pela primeira vez… Você tinha cinco anos. Me lembro como se fosse ontem…– o semblante relaxado de repente se anuviou –  Eu estava numa praça como essa… sentado num banco como esse… e chorando.


- Chorando?


- Sim. De raiva, mágoa, frustração e revolta.


- Do seu pai?


- Também. Raiva dele por ser um péssimo pai, mágoa por minha mãe ter me deixado com ele, frustração por eu não poder deixar de ser quem eu era… e revolta por me sentir incompreendido por todos. - um bolor se formou em sua garganta. Letícia desejou acariciar seu rosto para consolá-lo, mas se conteve – Eu me sentia assim sempre, mas nesse dia, eu me senti transbordando.


- Por quê?


- Eu havia sido expulso do colégio de novo – não conseguiu segurar um riso curto – Eu era terrível! Brigava com todos os meus colegas e respondia a todos os professores. Cheguei até uma vez jogar uma cadeira em um.


- Ricardo! - Letícia o olhou escandalizada, mas quase riu


- Não me orgulho disso, acredite. E como se não bastasse, gostava de danificar o patrimônio no colégio, como pichar os muros, por exemplo. - sorriu ao vê-la arregalar os olhos e balançar a cabeça, embora o fizesse com um sorriso divertido – E na manhã desse dia, comecei a quebrar o gabinete do diretor de raiva por ele ter me chamado por uma briga com três colegas no corredor das salas de aula na hora do recreio. Levei a melhor mesmo sozinho, mas não me safei de ser pego pelo inspetor. Fui eu quem provoquei o conflito, como na maioria das vezes.


- Então... você teve que ir para outro colégio?


- Que nada! Não era a primeira vez. Já tinha acontecido antes... pelo menos duas nesse mesmo colégio – esboçou um sorriso amargo – Meu pai sendo um homem poderoso e muito rico sabia como resolver “as brincadeirinhas” do filho, como ele gostava de falar para os diretores. E nenhum tinha coragem de contrariá-lo. Um que tentou me expulsar pela primeira vez foi mandado embora no dia seguinte… e eu reconduzido ao colégio como se nada tivesse acontecido. - fechou o rosto com expressão irritada


- Mas seu pai não deixava você se safar, não é? - indagou-lhe com cuidado


- Não mesmo. Ele não admitia que eu fosse punido por gente de fora, mas fazia questão de ele mesmo fazer da pior maneira.


- Ele… te batia?


- Me surrava. Algumas vezes... quando não estava ocupado demais com seus negócios ou metido com suas vagabundas – Ricardo disse entredentes – Mas isso não era o pior.  Não me importava tanto de apanhar. O problema era ele me humilhar, falar coisas que me faziam me sentir um lixo. Ele… - Ricardo tremia. Letícia colocou a mão em seu ombro como se sentisse sua dor. Foi só aí que ele se interrompeu e olhou-a constrangido – Mas… não foi para falar de meu pai que nos sentamos aqui. Foi para falar de como nos conhecemos.


- Ricardo…


- Como eu disse, eu estava mal nesse dia – ele a interrompeu como se quisesse encerrar a temática. Sorria, mas não chegava em seus olhos – Além de uma reprimenda do meu pai por ter que resolver mais uma vez meus problemas no colégio, ele cortou minha mesada e me disse que mais uma que eu aprontasse, não arrumaria as coisas para mim… Me mandaria para um colégio militar interno no exterior.


- Nossa!


- Eu saí de casa como um cego e fui andando sem rumo… até chegar numa praça, uma que tem a poucos quarteirões lá da mansão. - sua voz era tremida, embora o semblante não expressasse mais nenhuma emoção – Era de tarde e tudo o que eu queria era sumir. Me isolei numa parte, entre uns arbustos... para ficar oculto dos olhares das pessoas. Mas de onde eu estava, dava para ver todo mundo. Via pais curtindo o dia com seus filhos, casais de namorados de mãos dadas... Crianças brincando. Tanta gente feliz e eu com minha dor – esboçou um sorriso triste – A maioria dessas pessoas dava para notar que não eram gente de muitas posses… e mesmo assim... – suspirou – Como eu invejava a todos ali.


- Não precisa me falar mais nada se não quiser – ela tomou a mão dele entre as suas – Não quero que se lembre de coisas dolorosas.


- Mas eu preciso… para chegar à resposta de sua pergunta. E já está na minha parte favorita – abriu um genuíno sorriso – Bem, eu estava lá imerso na minha própria dor, agachado a um canto e chorando… e daí a pouco... chega você.


O olhar que ele lhe dirigiu foi tão intenso, tão cheio de amor e adoração que ela estremeceu.


- Você estava usando um vestido todo cor-de-rosa – continuou ele, enlevado – Entrou ali correndo que nem uma mariposa saltitante e me assustou um pouco – riu. E ela também ao imaginar a cena – E você foi logo me perguntando por que eu estava chorando.


- Deus, que sem noção! - Letícia colocou a mão no rosto


- Você era uma criança – deu de ombros – E uma bem espontânea.


- E aí?


- Fui rude com você no começo – fez uma careta – Eu disse “Cai fora, pirralha,” mas você insistiu em saber o motivo de meu choro. De novo te chamei de pirralha e mandei você cair fora só que num tom mais alto – sorriu – E aí você fez um bico enorme e disse que não era nenhuma pirralha, que era uma princesa. - Letícia pôs a mão no rosto e balançou a cabeça para os lados. Ele riu – Eu olhei para você com raiva e e te disse “Que princesa o quê! Você não passa de uma pirralha! E chata!” - balançou a cabeça – Fui cruel.


- Ah, mas com certeza eu estava sendo chata mesmo… - ela assentiu em concordância com a própria fala – E intrometida ainda por cima. Que mais?


- Daí você colocou as mãos na cintura, me olhou, fez mais bico  e me respondeu com o nariz todo empinado “Eu não sou nem pirralha, nem chata. Sou uma princesa”. – Ricardo imitou os gestos de Letícia bem como seu tom de voz. Ela riu, essa faceta meio zombeteira dele, em contraste com seu jeito sempre sério, a surpreendeu – “Minha mãe vive me chamando de princesa. Então sou uma. E eu acredito nela, não em você” – ele riu e ela mais ainda – Ri muito… igual um louco. – pôs a mão na boca para se conter – Não sei se pelo jeito engraçado como você me respondeu, se pelo absurdo da situação ou de nervoso. Mas o fato é que você conseguiu tirar tudo de ruim que eu estava sentindo.


- Então… que bom que valeu a pena meu atrevimento.


- Pode apostar que valeu. Ah, Letícia! Eu fiquei rindo de você um tempão e você só me olhando. E aí você se aproximou de mim e me apontou o dedo falando “Ah, agora você está é rindo” Eu... parei de rir, mas estava mais aliviado e comecei a conversar com você. No início, foi só para zombar, para ter oportunidade de rir mais – olhou-a com um sorriso meio culpado – Mas fiquei encantado com seu jeitinho e também com sua inteligência. Você era muito esperta para a sua idade.


- E ficamos amigos a partir daí? – fitava-o encantada por ele revelar um fato sobre ela mais do que havia dito em todos aqueles dias


- Bom, eu perguntei se você estava sozinha e você me contou que estava com seu irmão. Aí resolvi te levar até ele, pensei que talvez estivesse te procurando e logo o encontramos. Eu já o conhecia de vista… ele estudava no mesmo colégio. Inclusive até o defendi uma vez de uns caras que estavam o empurrando de um lado para o outro no corredor da escola - fez uma pausa – Você viu as fotos de seu irmão adolescente… ele não fazia o tipo atlético e popular. E sabe como são os jovens nessa fase quando pegam um para Cristo.


- Imagino.


- Seu irmão e eu conversamos, descobrimos que tínhamos vários gostos em comum e nos tornamos amigos. - fitou-a intensamente – E é claro… você se tornou minha amiguinha, minha irmãzinha… o anjo que me salvou de me tornar uma pessoa mais detestável do que eu já era… a luz que iluminou as trevas em que eu vivia mergulhado.


Letícia desviou o rosto, vermelha pelas declarações dele.


- É claro que nessa época nem sonhava na mulher linda que você se tornaria – ele continuou sem se conter e pegou no queixo dela levemente para que o encarasse. Ela o fitou surpresa e trêmula – Você era linda desde pequena… mas se tornou mais ainda quando ficou adulta – a respiração dele se ofegou um pouco – Nunca imaginei que algum dia eu me apaixonaria por você.


O coração de Letícia se acelerou. Ricardo a mirava com paixão e desejo, alternando entre os olhos e a boca. Seu rosto começou a se aproximar. Ela engoliu em seco. Não se moveu.


Eu quero. Eu quero.


Dizia a si mesma, para não desviar o rosto. Quando os lábios de Ricardo estavam prestes a encostar nos seus, o celular vibrou no bolso da calça e assustou-a. Ela quase deu um pulo, foi mais um movimento repentino, mas bastou para interromper o contato com a boca de seu marido; ele soltou seu queixo. Fitou-o meio confundida entre atender o telefonema ou reatar o clima. Ricardo também a mirava, a expressão indefinível.


- Não vai atender? – ele emulava um sorriso malicioso


- Er... vou... – respondeu sem jeito, desviou o olhar e tirou o aparelho do bolso. Torceu a boca pela chamada justo a ponto de ser beijada – É a minha mãe – olhou pelo visor o rosto de Luciana. Clicou na ligação – Mãe?


- Oi, minha princesinha. Estou te ligando... esqueci de te avisar ontem sobre uma festa que vai ter hoje. – disse num tom animado – Imagino que o Ricardo tenha comentado, não? É a comemoração da empresa de um homem que acho que faz negócios com ele...  e é um conhecido também do seu pai.


- Ah, sim, ele me falou a respeito – olhou para o marido que arqueou a sobrancelha. – Combinamos de ir juntos. Então vocês vão estar lá?


- Com certeza, meu amor. E que bom que o Ricardo já a deixou a par e que você aceitou porque estou te ligando para avisar que vou passar daqui a meia hora na sua casa. Vamos escolher um vestido especial para você, passar numa clínica de estética e massagem... ah, marquei com nosso cabelereiro oficial de ele passar no fim da tarde na sua casa para dar um trato no seu cabelo, nas suas unhas e maquiagem. Vou estar aí com você para fazer o mesmo.


- Ah, mãe, não precisa tudo isso. Posso eu mesma dar um jeito na minha aparência – fez expressão de desagrado – E depois tenho um monte de vestidos.


- Ora, até parece, minha filha que vou deixa-la usar modelos que você já usou em eventos anteriores. E quanto a sua aparência, sei que é perfeita e que você é capaz de deixa-la impecável como eu te ensinei. Mas não basta para grandes eventos... tem que estar deslumbrante! E apenas em mãos profissionais. E como você não se lembra de quem pode fazer isso, tem que ser eu a te orientar.


- Mas, mãe...


- Não tem mas, nem meio mas. Daqui a meia hora, Letícia. Até mais, princesinha da mamãe.


- Mãe... Mãe – chamou-a, mas Luciana desligou sem esperar resposta. Letícia fitou Ricardo, estava pasma. Este a olhou divertido – Minha mãe decidiu por mim que vamos passar o dia todo escolhendo roupas e nos embelezando só para ir àquela festa de que você me falou.


- Você sempre detestou fazer isso – ele achava graça


- É? – ela estranhou – Achei que eu lidava bem com esse tipo de coisa, ainda mais se tenho amizade com essa tal Cláudia.


- Você lidava, mas não gostava. Fazia mais para agradar sua mãe ou mesmo a Cláudia... e também porque como filha de pessoas da alta sociedade e por você ter uma ONG tinha que agir como uma verdadeira socialite – esboçou um sorriso charmoso – Mas você preferia frequentar ambientes menos sofisticados, fazer atividades do dia-a-dia. Você dizia que o ideal de um dia perfeito era admirar um belo pôr-do-sol no alto de uma montanha ou... andar de mãos dadas por um parque ou uma praça.


- Então... quer dizer que eu não era uma pessoa superficial? - era um alívio saber que não era uma dondoca como Cláudia, embora o fato de ter uma ONG e ser amiga de Luciana já o demonstrassem


- Eu não usaria essa palavra para descrevê-la – e lá estava de novo a adoração no olhar do marido. Letícia estremeceu – Bem... é melhor irmos já que sua mãe vai busca-la.


- E o nosso almoço? – ela não escondeu a expressão descontente


- Não se preocupe, fica para amanhã.


- Amanhã?


- Sim, tenho outra programação para nós... Mas não pergunte – adiantou-se ao vê-la abrir a boca – É uma surpresa


- Hum... – de propósito, fez um bico igual como ele o fez ao imitá-la quando contava sobre como se conheceram. Ricardo riu. – Está bem. Fazer o quê, né?


- Você vai sobreviver a essa curiosidade... e a sua mãe também – disse com um sorriso brincalhão que ela correspondeu. Ele se levantou e estendeu a mão. – Vamos?


- Vamos. – tomou a mão oferecida e caminharam de volta para o carro.


Era impressionante como pouco a pouco seu relacionamento com o marido se desenvolvia com mais espontaneidade e descontração, ainda mais com a revelação sobre como se conheceram. Agora faltava apenas a cereja do bolo para tornar tudo perfeito.


Um beijo.


Talvez esta noite, nesta festa, pensou Letícia


Esperava que sim. 



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Autor(a): jord73

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