Marcie e eu não trocamos uma palavra uma com a outra até chegar ao tal restaurante, onde Daphne nos aguardava em uma mesa reservada.
Daphne: Oi garotas, que bom que vieram cedo!
Cumprimentamos Daphne, mas ainda ignorávamos a presença uma da outra. Percebendo que algo havia acontecido – e a intuição de Daphne nunca falha -, Daph ficava alternando o olhar entre Marce e eu, esperando que qualquer uma de nós dissesse alguma coisa. Obviamente, Marcie tomou a palavra, apenas para me irritar:
Marcie: Uau, Daph, como você está linda! Está querendo chamar a atenção de alguém com esse vestido?
O comentário totalmente inadequado fez Daphne corar e me fez pisar no pé de Marcie com raiva. Ao invés de reclamar, Marcie sorriu e me abraçou, pensando que meu gesto foi uma prova de que estava tudo bem entre nós, mas eu continuei a ignorá-la.
Daphne: Oh, de jeito nenhum, Marce! O que te faz pensar que eu chamo a atenção de alguém?
O fato de que todas as cabeças se viram em sua direção quando você passa, talvez? Creio que Marcie, assim como eu, também respondeu à pergunta de Daph mentalmente, porque depois do meu chute ela não falou mais nada. Daphne, porém, desatou a falar, pois queria muito mudar de assunto para não deixar (ainda mais) evidente que ela havia se vestido para Fred Jones.
Daphne: E como vão os seus cartões, Marce? Puxa, sabia que logo depois que nós compramos aqueles cartões de papel reciclado eu vi uns cartões lindos de bioplástico de amido, eu acho que deveríamos tentar uns desse tipo, não acha?
Sim, eu sou a última a saber! Foi o que eu disse à minha noiva, gritando telepaticamente. O olhar de raiva que lancei a Marcie não foi apenas um tiro, foi uma rajada de AK-47, e felizmente ela entendeu minha educada linguagem não verbal. Daphne, com sua intuição aguçada, também percebeu que falou demais sobre um assunto que não deveria mencionar, e novamente disparou a falar sobre assuntos aleatórios que poderiam me fazer esquecer o ocorrido. Para não estragar o jantar, tentei pensar no ponto positivo da situação: pelo menos não estávamos pagando por aqueles cartões idiotas. Ou, talvez, estávamos? Afinal, a fortuna de Daphne vem das taxas e juros abusivos que seu pai banqueiro cobra de nós, seus pobres clientes. Quando a situação ficou menos constrangedora e conseguimos iniciar uma conversa normal, fomos surpreendidas pela imagem de Shaggy acenando para nós na porta. Diferente dos outros clientes elegantes e emocionalmente contidos, Shaggy apareceu com uma calça jeans surrada, uma camiseta do Alice in Chains, uma barba que estava há dias sem ser feita e um enorme sorriso no rosto. Ao chegar a nossa mesa, ele estalou os ossos de nossas colunas vertebrais em abraços apertados, e se sentou ao som de latidos altos e graves vindos do lado de fora do restaurante.
Shaggy: Desculpe, meninas, eu tive que deixar o Scoob lá fora, ele não vai deixar eu ficar aqui com vocês, ele vai ficar latindo até que eu saia, então, tipo, eu só passei para dar um oi…
Daphne: Oh, de jeito nenhum! Eu preciso que você fique, Shags! É importante que você também ouça sobre o caso. Sente-se aqui perto da janela, assim Scooby fica perto de você…
Shaggy ficou surpreso com a resposta de Daphne, provavelmente porque ele não esperava que alguma de nós fizesse tanta questão de sua presença. Com um gesto de “Sim, madame” ele assumiu seu lugar ao lado da janela. Quando finalmente viu o seu tutor, Scooby-Doo foi à loucura, latiu e começou a pular tão loucamente contra a vidraça do restaurante que os seguranças do local precisaram intervir.
Shaggy: Uau, Daph, você se arrumou para receber um Oscar?
O comentário de Shaggy fez Daphne corar novamente, pois confirmou o que Marcie disse sobre ela ter se vestido para chamar a atenção do idiota do Jones.
Shaggy: Tipo, hey, Vel! Hey, Marce! Como vão os cartões?
Definitivamente, eu sou a última a saber sobre os malditos cartões. Desta vez, Fleachy respondeu “Bem, obrigada” e sorriu desconcertadamente para Shaggy. Ela evitou olhar para mim pois sabia que, desta vez, meu olhar seria tão mortal quanto uma bomba atômica.
Shaggy: Então diga, Daph, o que tem de tão importante a nos dizer? Tipo, pode ir falando que eu estou te ouvindo, enquanto isso eu vou escolher o que vou querer comer porque eu estou morto de fome e o Scooby-Doo ainda não jantou…
Daphne: Bem, eu estou trabalhando em um caso diferente de tudo o que já trabalhei, e preciso da ajuda de vocês três… mas, bem, vamos esperar o Fred e o meu cliente chegarem, assim eu falo sobre os detalhes apenas uma vez…
Shaggy respondeu com empolgação, mas eu fiquei em dúvida se a reação dele foi devido à fala de Daphne ou devido ao cardápio que ele estava analisando. Eu comecei a elaborar mentalmente uma recusa educada, porque não estava a fim de passar minhas férias fazendo perícia apenas para que Daphne pudesse passar dias seduzindo e construindo um relacionamento com Fred Jones. Eu tenho muitas habilidades, mas nenhuma delas é ser a porra de um cupido.
Marcie: Uau, um mistério de última hora, que legal Daph! A Velma parece estar empolgada com isso…
O meu olhar não confirmou o que minha noiva disse, nem confirmou o que Daphne esperava ouvir, então um silêncio constrangedor tomou conta da mesa. Senti a irritação ferver no meu peito e tomei cuidado para ela não transbordar, pois poderia magoar pessoas. Felizmente, o silêncio nos fez bem e dissipou tanto o assunto quanto a raiva crescente em meu peito.
Marcie: Ah, mas depois vocês discutem os detalhes, bem, enquanto isso, quem quer umas Yuzu Margaritas?
O meu sarcasmo me forneceu imediatamente diversas respostas irônicas e grosseiras para a pergunta da minha noiva, mas preferi não usar nenhuma para não estragar o ambiente amistoso. Ao invés disso, pedi um Mojito para o hortelã potencializar a minha paciência e para o rum me ajudar a lidar com as merdas que eu ainda teria que lidar naquela noite – incluindo a presença do capitão Jones. Eu amo os meus amigos, mas às vezes eles só fazem sentido para mim quando estão acompanhados de uma boa dose de álcool. Daphne não pediu nenhum drink – afinal, ela fica completamente bêbada com Coors light -, e Shags pediu e consumiu tanta coisa antes do meu Mojito chegar que eu nem consegui acompanhar. O obediente Scooby, como um bom cão policial, olhava para nós atentamente do lado de fora da vidraça, ele só se desconcentrava quando o garçom se aproximava com algum pedido (que ele acreditava ser para ele). Estávamos nos divertindo, até que Scooby levantou as orelhas, olhou atentamente para o lado e saiu correndo. Shaggy se levantou depressa para seguir Scooby, porém, no momento em que deixava a nossa mesa ele viu o cão euforicamente latindo e rodeando o capitão Jones na entrada do restaurante.
Daphne: Fred chegou!
Eu entendo que Daphne tem motivos pessoais para comemorar a chegada de Fred, mas eu olhei para ela com mau humor mesmo assim. Devido ao caso solucionado horas antes (e noticiado em todas as emissoras), Fred Jones era uma celebridade. Ele mal conseguiu caminhar até a nossa mesa sem ser interrompido por pessoas que acenavam, aplaudiam e até pediam para tirar fotos com ele. Daphne, como sempre, recebeu Jones com sorrisos, de braços abertos e com um beijo no rosto; Shaggy fez cumprimentos de mão indecifráveis e Marcie repetiu a bajulação dos demais clientes, parabenizando-o pelo caso resolvido (obviamente com a intenção de me irritar). Eu apenas disse oi, virei minha dose de Mojito de uma só vez e torci para que as propriedades terapêuticas do hortelã e do rum fizessem efeito imediato sobre o meu humor.
Fred: Hey, turma, que grande dia, uh? Parece que NY inteira está comemorando o nosso caso.
Marcie: Vocês são incríveis! Reparou como são queridos pelas pessoas? Aliás, você reparou em como a Daphne está linda?
O rosto de Daphne ficou da cor do cabelo dela. Tentei chutar Marcie para fazê-la parar de falar, mas quando eu recebi um chute acidental de Daphne, eu percebi que outros já estavam tomando providências para fazer Fleachy calar a boca. Obviamente, Fred já havia notado Daphne, mas após a fala de Marcie ele analisou cada centímetro dela novamente e terminou sua análise olhando fundo nos olhos dela.
Fred: Ela não está linda… ela é linda…
Daphne desviou o olhar, suspirou e tentou mudar de assunto, para que a sua timidez fosse embora. Felizmente, Fred Jones é um babaca e não deu continuidade ao cortejo, logo mudou de assunto e começou a falar sobre os malditos detalhes do caso que ele resolveu. Ao invés de me ajudar a desinibir, a rápida adição de álcool em minha corrente sanguínea me levou para um estado mental ainda pior. Fiquei calada e distante durante as conversas animadas que os quatro mantinham. E tudo parecia me irritar. Encontrei algum conforto olhando através do vidro, a imagem de Scooby-Doo sentando na calçada, olhando com admiração para todos nós. Ele parecia sorrir enquanto arfava com sua enorme língua de fora, e eu o invejei apenas por ser tão puro a ponto de ser capaz de amar cada um de nós, mesmo com nossos defeitos. De repente, Scooby levantou as orelhas e repetiu o gesto do momento em que Fred chegou. Desta vez, porém, ele não saiu correndo, colocou-se de pé em posição de alerta, olhando para o vazio e começou a latir. Shaggy pediu silêncio mais de uma vez, mas Scooby não obedeceu. Sem hesitar, Rogers usou seu aplicativo tradutor, que mostrou que os latidos significavam “Afaste-se!” e “Assassino”. Daphne, Marcie e Shaggy se entreolharam e estremeceram com a mensagem sinistra. Jones e eu, pela primeira vez na vida, concordamos em algo: rimos do aplicativo de Norville.
Fred: Qual é, turma, isso não significa nada! Todos nós sabemos que esse aplicativo é apenas para entretenimento…
Daphne queria concordar com o amor de sua vida, mas desta vez não conseguiu, a cada mensagem de “Afaste-se!” que surgia na tela do celular ela olhava assustada para Shaggy. Quando os latidos e as mensagens pararam, ela olhou para mim e esperou que minha opinião pessoal fosse um veredicto científico do que ela deveria pensar.
Velma: Fred tem razão, isso é ridículo, não há embasamento científico nenhum nesse aplicativo e cães não tem linguagem verbal.
Minhas palavras acalmaram os três e fizeram Shaggy fechar o aplicativo. Scooby continuou a latir para o vazio, o que fez com que seguranças do restaurante se aproximassem para retirá-lo de lá. Shaggy rapidamente nos deixou para intervir e impedir a expulsão de seu melhor amigo do local, ele levou um tempo para finalmente conseguir fazer o cão calar a boca e se comportar. Não consegui prestar atenção no próximo assunto aleatório que Fred, Marcie e Daphne conversavam porque eu me distraí com a imagem de uma imitação mortal e americana de um deus grego loiro saindo de um tipo de carro que, para mim, só existia em filmes da série Velozes e Furiosos. Geralmente, eu não ligo para carros, muito menos para homens, mas desta vez os dois me chamaram a atenção. Obviamente, todos os presentes também notaram a chegada do Apolo de Manhattan e acompanharam seus passos até o interior do restaurante. Para a minha surpresa, o destino dele foi exatamente a nossa mesa, Daphne se levantou para recebê-lo (de maneira bem menos animada do que a maneira como recebeu Fred Jones).
Daphne: Pessoal, quero que conheçam meu cliente, o Sr. Alan Mayberry.
“Tarde demais, para mim, ele se chama Apolo”, foi o que eu pensei quando estendi minha mão ao Sr. Mayberry com um sorriso hétero inexplicável nos lábios. Não me senti culpada porque a minha noiva fez a mesma coisa (então aquela vadia também repara em homens bonitos?), e depois dela, Daphne também estendeu a mão, mas foi puxada para um abraço pelas mãos fortes do Apolo. O único que não se deixou abalar foi Fred Jones, que se recusou a descer do pedestal de seu ego para cumprimentar o rapaz. Com sua masculinidade ferida devido à presença de outro macho alfa, o capitão Jones apenas acenou de longe e olhou com reprovação a proximidade de Apolo e Daphne.
Alan: Cliente? Ora, por favor! Eu não sou um “cliente”. Daphne e eu somos amigos… somos vizinhos, na verdade. Eu moro na torre em frente a Blake Tower… consigo vê-la da minha janela, acreditam? E ela está sempre trabalhando. É incrivelmente talentosa. Eu não tenho pudor em dizer que é a única Blake que tem competência para ser a legítima sucessora do império de George. Aliás, devo tudo a George Blake, um grande homem que me ensinou o caminho dos investimentos e do sucesso…
Apolo ficou elogiando e exaltando Daphne por mais uns cinco minutos. E a bad trip causada pelo Mojito me fez sentir depressão por eu estar gastando meu dinheiro e meu tempo sendo telespectadora de mais um macho idiota que tenta a sorte de conseguir um relacionamento com Daphne Blake. Minha única diversão nesses cinco minutos desperdiçados foi a cara emburrada e enciumada de Fred ao assistir a cena. Fred Jones não queria nada sério com Daphne, ele sequer a amava o suficiente para dizer suas reais intenções e poupá-la do sofrimento de esperar que algum dia eles ficassem juntos. Porém, Fred Jones também não queria que nenhum outro homem tivesse algo sério com Daphne. Ele gostava da ideia de tê-la no “modo espera”, sempre aos seus pés, afinal, uma Daphne completamente apaixonada é um belo troféu.
Fred: Pois bem, Sr. Mayberry, o que te trouxe aqui?
Fred ficou sério e interrompeu os elogios de Apolo a Daphne. Percebendo os ciúmes de Fred, o Sr. Mayberry pegou a carta de vinhos e, entre os mais caros, sugeriu um a um a Daphne, para que tomassem juntos. Daphne, por sua vez, tentava se desvencilhar das gentilezas do Apolo para não estragar o seu clima com Fred, mas acabou falhando diante de muita insistência. E eu me diverti muito em ver o capitão Jones perder lentamente o seu protagonismo. Se eu acreditasse em Deus, eu diria que foi um castigo divino por ele ter se apoderado de mais um caso.
Fred: A Daphne não bebe. Álcool faz mal para ela, ela se sente mal até com Coors Light.
Daphne fez um beicinho e se emocionou com a resposta. Por ser tão ingênua, certamente não percebeu os ciúmes e o ego ferido de Fred, e acreditou que a resposta dele foi fruto de algum sentimento que ele nutria por ela.
Alan: Besteira. Já jantamos juntos muitas vezes e sempre tomamos vinho…
A resposta inesperada de Apolo feriu mais uma vez o ego do capitão Jones e estragou completamente um raro momento em que Fred demonstrou algum sentimento por Daphne. Incomodada, Daphne fechou os olhos, respirou fundo e massageou as têmporas, desejando mortalmente que aquele momento acabasse logo.
Velma: Olha só, antes de pedir qualquer coisa, por que não discutimos de uma vez o motivo por que Daph nos trouxe aqui? Não é mesmo, Daphne, contenos logo…
Daphne abriu os olhos e sorriu para mim ao ouvir minha intervenção. Ela confirmou o que disse balançando a cabeça e fez um sinal com a mão para Norville voltar para mesa. Shaggy acenou de volta, porém, não conseguia se aproximar, cada vez que ele entrava no restaurante Scooby-Doo corria atrás dele, mordia a barra de sua camiseta e o puxava para fora novamente. Daphne revirou os olhos e olhou nervosamente para mim, pedindo outra intervenção antes que Apolo e Jones se enfrentassem novamente.
Velma: Acho que Norville não irá se incomodar se você começar, Daph. Explicamos para ele depois.
Daphne: Ok! Pessoal, trouxe vocês aqui para falar sobre um caso excepcional que assumi recentemente e gostaria da ajuda de vocês para resolver. O Sr. Mayberry…
Alan: É Alan, Daph… para você, é Alan…
Daphne: Ok, o Alan, meu cliente…
Alan: Já disse que somos amigos, Daph, e também vizinhos…
Senti inveja do olhar de severa reprovação que Daphne lançou a Apolo, pedindo para ele parar de interrompê-la com investidas. Adoraria ser capaz de reproduzir essa expressão facial toda vez que Jones roubar casos meus. O Sr. Mayberry entendeu a mensagem e sorriu desconcertado, fazendo um gesto para que ela continuasse a falar.
Daphne: Retomando, o Alan, meu vizinho…
Apolo piscou maliciosamente ao ouvir a palavra “vizinho” e Daphne revirou os olhos impacientemente.
Daphne: …é o CEO de uma grande fintech de Manhattan e me procurou alegando que foi roubado for uma corretora de valores chamada Liberty, que fica na Cedar…
Fred: Então estamos perdendo a nossa noite devido à incompetência do Sr. Mayberry como investidor?
Fred foi violento com as palavras e Daphne ficou novamente desconcertada. Apolo, porém, riu debochadamente da fala do capitão, invalidando totalmente o ataque de Jones.
Alan: Claro que não, Jones, a Daphne sabe que eu tenho muita experiência…
O tom malicioso da resposta de Mayberry fez Daphne corar e gaguejar ao tomar a palavra.
Daphne: Não! O… o sr. Mayberry qu…quer dizer que… que ele trabalhou para o meu pai por muitos anos, ele foi diretor do Blake Bank, é isso que ele quer dizer sobre a experiência que eu sei que ele tem… ele é um investidor experiente, é isso! Enfim, há dois anos Alan decidiu sair de Blake Bank para fundar o próprio negócio…
Alan: Sim, e hoje esse negócio se tornou a maior fintech da América…
Daphne lançou outro olhar de reprovação ao seu cliente, para que ele freasse sua soberba e deixasse ela prosseguir.
Daphne: Como eu dizia, Alan entregou à Liberty a quantia de 2 milhões de dólares para converter em títulos, porém, o responsável pela empresa desapareceu com o dinheiro. Então, o senhor Mayberry quer processá-lo pela perda, mas ao montar o processo, eu me deparei com um mistério…
Para mim, o único mistério era por que raios uma pessoa que gasta uns 4 milhões em um carro está tão preocupada em processar alguém por míseros 2 milhões perdidos. A não ser que o processo seja uma desculpa para flertar, sair com Daphne Blake e se tornar genro de George Blake. Bem, parece que eu já solucionei esse mistério!
Fred: E o que há de misterioso nisso, Daphne? Golpes financeiros acontecem a todo momento, basta ser otário o suficiente para cair neles.
Desta vez, o olhar de reprovação de Daphne foi para Fred, exigindo que ele parasse com as provocações. Percebendo a bronca de Daphne, Mayberry riu sarcasticamente.
Alan: Então está dizendo que o pai da Daphne é um otário, Jones, porque ele é uma vítima da Liberty também…
Fred ficou desconcertado com o que acabou de dizer e olhou para Daphne aguardando confirmação do que acabou de ouvir.
Daphne: Calma, eu já explico o caso do meu pai. Deixe-me concluir, sim? Primeiramente, preciso da ajuda de vocês porque o crime ocorreu em NY, foi feito por uma empresa de NY, então, é sua jurisdição, Fred. Vou precisar de uma busca no local da empresa e também todo o trabalho de perícia.
Fred: Aparentemente, é um caso simples de estelionato. A perícia dará mais pistas para onde o dinheiro foi…
Daphne: É, mas as coisas não são tão simples assim, Fred. Descobri que o local onde a Liberty supostamente funciona é um escritório de fachada, não há nenhum registro de alvarás de funcionamento, registro de funcionários, nem nada que comprove que o escritório de uma grande empresa de investimentos realmente funciona no endereço indicado. Além disso, o gerente da Liberty que foi responsável pelo dinheiro desviado está desaparecido há meses. O nome dele é Cho Sang-woo.
Fred: Como eu disse, um clássico caso de estelionato, Daphne. Empresas falsas aparecem prometendo milhões de maneira rápida e mágica, e pessoas despreparadas acabam caindo em suas promessas. Não é novidade que o responsável sumiu, todo ladrão se esconde após um roubo.
Daphne: Mas a Liberty existe neste local há mais de vinte anos, Fred! Tem sedes no mundo todo, tem grandes clientes como meu pai e continua funcionando normalmente, não é uma empresa falsa. Por que o maior escritório na maior cidade seria falso? Não é estranho?
Fred: Querida, confie em mim, estou nesse trabalho há anos e tudo indica que o seu caso não é nenhum mistério. É só mais um golpe. A Velma pode rastrear o caminho do dinheiro… aliás, sendo um estelionato clássico, provavelmente todo dinheiro foi transformados em bitcoins… achando o caminho do dinheiro, achamos o criminoso, caso resolvido.
O “querida,confie em mim” fez a apaixonada Daphne derreter e suspirar, mas não a fez desistir de seus argumentos.
Daphne: Sabemos o caminho do dinheiro, Fred. E é aí que as coisas ficam mais estranhas. Todo dinheiro saiu de NY e foi parar em contas do Applegate Bank em Silmido, uma ilha deserta da Coréia do Sul. DE-SA-BI-TA-DA, Fred. E depois, toda grana foi retirada em caixas eletrônicos nessa mesma ilha. Qual é a explicação lógica disso?
Shaggy: Que animais silvestres estão aprendendo péssimos hábitos consumistas conosco?
Norville fez a piada infame e finalmente se sentou à mesa, achando graça no que acabou de dizer. Aparentemente, ele ouviu grande parte da conversa.
Shaggy: Desculpe, turma, o Scoob não queria me deixar vir aqui, ele estava falando que é perigoso!
Apolo não sabia sobre o aplicativo e fez uma expressão de interrogação ao ouvir que “um cachorro disse que o lugar é perigoso”. Nós apenas ignoramos o maldito aplicativo mais uma vez.
Fred: Daphne, minha linda, é um estelionato clássico, acredite. Obviamente a tal ilha é um paraíso fiscal e não deve ser realmente desabitada. O espertinho só arrumou um jeito de ficar com toda grana sem ter que se preocupar com a polícia e os impostos. Fique calma, nós pegaremos o malandro. Eu vou conseguir um mandado para você e amanhã mesmo Shaggy pode ir com os cães até o local. E a Velma fará a perícia digital, ela é ótima contra esses moleques dos bitcoins, ela adora trabalhar com isso…
Velma: Eu odeio bitcoins mais do que eu odeio você, Fred.
Fred: Tá vendo? É por isso que nossa equipe está nos noticiários. Resolvemos qualquer problema. E resolveremos este caso também… fique calma, Daph.
Fred olhou fixamente nos olhos de Daphne, pegou uma das mãos dela e começou a acariciar, tentando acalmá-la. Por um momento, Daphne cedeu, mas quando percebeu que a demonstração de carinho de Fred era apenas para assumir o controle da situação, ela retirou a mão rapidamente.
Daphne: Frederick Jones, vê se me escuta dessa vez! Não há absolutamente nada nessa ilha! O exército coreano desconhece qualquer tipo de construção ou atividade humana nesse lugar! E a Interpol e os satélites do Google confirmam. Como um lugar sem internet nem construções modernas pode ter caixas eletrônicos ou agências bancárias?
Shaggy: Tipo, você disse um nome oriental ao mencionar o nome do gerente, não foi Daph?
Daphne: Sim, Shaggy, o gerente se chama Cho Sang-woo, e ele é natural de Seoul.
Fred: Se ele é coreano, ele conhece a ilha e pode ter levado o dinheiro para lá.
Fred interrompeu Shaggy e todos nós explodimos ao mesmo tempo com sua intervenção redundantemente burra e suspiramos em alto e bom som.
Velma: Fred, será que eu preciso desenhar para você entender? A Daphne disse que não existe nada na ilha! Tipo, ilha Blasket, Ilha Bouvet, consegue entender? Agora, será que você pode calar essa boca e deixá-los falar?
A função de mandar Fred calar a boca também é minha, e eu a cumpri com maestria. Fred suspirou e fez sinal para que Shaggy continuasse a falar.
Shaggy: Tipo, eu pensei que talvez ele possa estar em algum outro lugar da Coréia do Sul retirando esse dinheiro, mas alterou o lugar propositalmente para se esconder… tipo, aqueles programas de VPN para games… eu só preciso descobrir se sistemas bancários se comportariam assim…
Como eu disse, um gênio.
Velma: Em transações bancárias on-line? Com certeza, Shaggy. Então, aparentemente estamos lidando com um estelionatário hacker, Daph. Algo não muito simples para um capitão de polícia resolver, pois exige um trabalho exaustivo de perícia, né Fred?
Daphne sorriu vitoriosa e comemorou nossas conclusões como se ela mesma fizesse parte da equipe da NYPD.
Daphne: Tem mais, gente. Como eu disse, o dinheiro saiu de NY e foi para contas do Applegate Bank nesse lugar estranho. A Applegate é grande sócia de papai em muitos negócios, está em recuperação judicial há anos, por isso o governo e os federais estão sempre de olho neles. Papai diz que irão à falência em breve, isso explica o fechamento de agências por toda parte. Não é estranho? Uma empresa vigiada pelos federais ser usada em um desvio de dinheiro?
Shaggy: Tipo, podemos ter federais e agentes do governo corruptos envolvidos, Daph.
Velma: Tem razão, Shaggy. Daph, também podemos ter os CEOs da Applegate envolvidos no desvio do dinheiro. Isto é, se a quantia roubada cobrir a quantia que a Applegate está devendo aos cofres públicos…
Daphne: Não, os Applegates são muito honestos, jamais fariam isso. E a quantia não é nem perto do suficiente, Vel. A Applegate deve alguns bilhões. A quantia desviada pela Liberty aqui fica em torno de 38 milhões, 2 milhões de Alan e 36 milhões de papai, que é a outra vítima do golpe do Sr. Cho, como Alan havia dito. Alan disse que decidiu investir na Liberty por recomendação de papai, que investiu 36 milhões, mas assim que ele investiu, o Sr. Cho sumiu com o dinheiro. Eu busquei minhas fontes e achei comprovantes de 36 milhões saindo de Blake Bank para a Liberty, vejam… E você, o que acha Fred?
Fred: Ainda acho que é um estelionato comum, e que o dinheiro foi desviado para um paraíso fiscal e foi retirado por caixas eletrônicos obsoletos da Applegate na tal ilha.
Explodimos de raiva mais uma vez diante da dificuldade de Fred entender que, desta vez, ele não era o dono da razão.
Marcie: Fred, até eu entendi que na ilha não há nada. E olha que eu sou uma simples publicitária e nunca cheguei perto de um crime nem mesmo em séries de televisão. Eu não tenho experiência no assunto, mas acho que o que Shaggy e Velma disseram sobre pessoas corruptas faz sentido, não?
Fred: Você quer dizer lavagem de dinheiro, Marce?
Marcie: Perfeito, Fred. Pode ser que a Applegate deixou de ser um banco e virou uma lavanderia financeira.
Fred: Tudo isso acontecendo bem debaixo dos olhos do governo? Impossível, Marce. Ter meia dúzia de corruptos coniventes com o crime, ok. Mas é impossível esconder de todo mundo.
Shaggy: Tipo, não seria a primeira vez, Fredster. Lembra de Stuart Weatherby, o federal que seqüestrou a própria sobrinha e usou todo o seqüestro para encobrir o roubo que fez à fortuna da família?
Velma: Ou de Deacon Carlswell, Fred, lembra? Ele também era gerente de banco, assim como o Sr. Cho.
Alan: Enfim, eu só quero o filho da puta preso e o meu dinheiro de volta. Por isso contratei a melhor advogada de Nova York…
Daphne tentou ignorar o elogio, mas suas bochechas coraram inevitavelmente.
Daphne: Para assumir esse caso, eu preciso da ajuda de vocês, pessoal. Não posso acusar a Liberty de roubo ou desvio de dinheiro usando apenas as informações que Alan me forneceu. Além disso, eu preciso que vocês descubram onde está Sang-woo. Tenho certeza que o melhor capitão de polícia que NY já teve vai conseg…
Fred: Não! Nem pensar, Daphne. Eu não posso iniciar um caso contra uma empresa enorme e aparentemente idônea sem denúncias e provas reais. Para mim, ficou muito claro que se trata de um golpe financeiro cometido por esse homem que sumiu, e o Sr. Mayberry caiu porque foi muito otár… digo, inexperiente. É só registrar a queixa e caso encerrado…
Daphne: Fred, você precisa de uma denúncia? Pois bem, então eu estou aqui para denunciar a Liberty e Sang-woo de roubo e desvio de dinheiro. Satisfeito? Vai me ajudar agora?
Fred: Não, Daphne, nós resolvemos roubos reais, o roubo da Liberty é caso para o departamento de crimes cibernéticos! E você é advogada tributarista, você nem pode assumir esse caso, não é a sua área, até nisso o Sr. Mayberry mostrou ser inexperiente, procurar uma tributarista para um crime de roubo e…
Daphne: Fred! Por favor, eu não posso perder esse caso! Alan é uma pessoa muito querida para a minha família, e a outra vítima é meu próprio pai, consegue entender quão importante para mim é solucionar esse mistério?
Quando Daphne disse que Alan é “muito querido”, Fred ficou mais sério e defensivo, tentando recuperar o protagonismo que o Sr. Mayberry lhe roubou. Ele é tão estúpido que sequer percebeu que Daphne queria assumir o caso para ter motivos para poder trabalhar com ele, não com Alan. Daphne, porém, me olhava e pedia ajuda de maneira silenciosa, parecia implorar por minha intervenção. Eu só conseguia pensar nas minhas queridas férias, sentia medo de falar qualquer coisa que fosse me privar de incríveis dias longe do NYPD.
Fred: …e também é muito perigoso para você, Daphne. Se for um esquema de lavagem de dinheiro internacional, estaremos lidando com bandidos da pior espécie, somente um imbecil iria envolvê-la em um caso perigoso com um estelionatário hacker e federais corruptos…
Daphne, então, me olhou com o olhar mais triste que eu já vi na minha vida. E diante desse olhar, nem mesmo o sonho mais bonito que construí sobre minhas férias foi capaz de me fazer sentir paz. Enfim, Fleachy tinha razão, quão egoísta é priorizar o próprio bem estar enquanto uma pessoa querida está precisando de ajuda? Sem pensar duas vezes, cumpri novamente (com maestria) a minha função de mandar Fred Jones calar a boca.
Velma: Fred, amanhã Shaggy e eu faremos a perícia na sede da Liberty para colher algumas evidências, certo Shags?
Shaggy: Tipo, claro, Vel, faremos tudo o que for necessário para ajudar você, Daph!
Velma: Ótimo. Também vou pedir ao departamento de crimes cibernéticos para verificar o resto, e se conseguirmos provas, nós vamos atrás do suposto desaparecido. Agora, Jones, consiga a porra do mandado para mim o mais rápido possível.
Apolo e Daphne comemoraram meu veredicto com alegria, enquanto Fred Jones fechou permanentemente a cara e só respondeu monossilabicamente até o fim do nosso jantar. Marcie me abraçou delicadamente e procurou meus olhos apenas para me dar um sorriso meigo e orgulhoso, parabenizando-me por ter feito a coisa certa. Não demorou muito, meu celular vibrou e fui surpreendida com uma mensagem de Fred Jones me perguntando secretamente “por que você está seguindo ordens de um idiota?”, assim que eu terminei de ler ele chutou meu pé e me olhou com uma expressão de reprovação. Eu respondi sarcasticamente “por que ele é o meu capitão” e ri da minha própria piada. A resposta só piorou o humor de Fred, que não me respondeu mais. Como o clima ficou mais leve, começamos a fazer os pedidos de comida. Do lado de fora, Scooby-Doo começou novamente a latir. Desta vez, ele latia sem parar por minutos, e parecia puxar com força a placa de trânsito a qual ele foi amarrado. Shaggy hesitou em consultar o aplicativo depois do que eu e Fred falamos, ao invés disso, ele se levantou para ir até o cão.
Fred: Hey, você está acostumando ele mal, Shaggy. Ele é um cão policial, não é um animal de estimação. Não pode fazer todas as vontades dele, ou ele vai desaprender todas as lições e os modos que recebeu no treinamento.
Shaggy: Tipo, ele está muito agitado aqui, Fredster, o Scoob não é assim… tem algo estranho acontecendo e ele está tentando me avisar…
Daphne: Fred tem razão, Shaggy, Scooby ficará bem. Estamos em NY, ele deve estar farejando alguma pessoa portando drogas ou algo do tipo…
A maneira delicada como Daphne expôs a ideia fez Shaggy se sentar novamente e aguardar pela comida. Os pedidos não demoraram muito, em poucos minutos uma porção enorme de comida começou a ser preparada bem diante de nossos olhos. Shaggy olhava para todos os ingredientes na chapa como um cão olha para um frango assado. Bem, parece que não é apenas Scooby que deveria reaprender os bons modos. Conforme a comida ficava pronta, Marcie, Fred e eu nos apressávamos em pegá-la, temendo que Shaggy fosse mais rápido. Apolo não foi tão esperto – talvez porque não sabia do hábito de Shaggy de roubar a comida alheia -, por isso acabou perdendo todos os pratos que pediu. Daphne não come glúten, lactose, carboidratos, carne, derivados animais, nem frituras. O que, na prática, significa que ela come apenas verduras frescas, frutas e pratos exóticos de restaurantes que cobram mais de U$500 por refeição. Seu péssimo hábito alimentar é o resultado de uma mãe que tinha preguiça de alimentá-la na ausência de babás (e lhe estimulava a comer coisas fáceis e rápidas, como mirtilos e uvas), de uma condição financeira que lhe acostumou a comer nos melhores restaurantes do mundo e de uma adolescência inteira carregando o fardo de ser garota mais bonita da escola. Uma vez, quando tínhamos quatro anos, a avó Jones convenceu a magrela Daphne a comer lasanha fingindo que a colher era um avião, e os Blakes descobriram que sua filha comeria qualquer coisa que o médico mandasse se fosse alimentada por alguém. Depois desse dia, obviamente, Nan Blake nunca mais falou com Betty Jones, pois foi graças à Sra. Jones que ela teve que perder seu precioso tempo de compras levando colheres à boca de Daphne. Mesmo assim, todas as vezes que íamos à casa dos Jones durante a infância, Betty repetia o feito. Com o tempo, Fred adquiriu o hábito da avó e sempre convence Daphne a comer colheradas de qualquer coisa que estiver comendo. Foi por isso, talvez, que ao invés de Daphne se apressar para pegar seus legumes, ela esperou que Fred levasse os pedaços de brócolis até a sua boca. O gesto, tão normal para nós amigos de infância, pareceu um pouco ofensivo para o Sr. Mayberry, que se esforçava para manter qualquer outro ser masculino longe de seu alvo.
Lá fora, Scooby continuava agitado, latindo muito e puxando a coleira com força, até que a placa quebrou, ele se desprendeu com alegria e correu rápido em direção ao seu tutor. Todos nós nos assustamos com o barulho da placa quebrando e caindo no asfalto, mas não houve tempo para entender o que aconteceu: o gigante Scooby Doo saltou pela janela aberta em alta velocidade e caiu bem em cima de nossa mesa, derrubando os copos e bebidas, pisando nos pratos, chutando talheres e assustando todos os clientes e sushimen do local. Se não bastasse a destruição inicial, o desajeitado Scooby continuou a estragar tudo, ele pulou em minha cabeça e me farejou até meus óculos caírem na chapa, Fred o puxou pelo rabo e ele retribuiu com uma mordida inesperada em seu antebraço. Depois, ele subiu no colo de Marcie logo após pisar no shoyu derramado no chão, o que fez com que a roupa dela ficasse repleta de marcas de molho em formato de patas gigantes. Shaggy pulou em cima dele e tentou segurá-lo, mas ele se soltou e pulou rapidamente no colo de Daphne, derrubando-a no chão e terminando de sujar seu vestido ( já sujo de vinho) com marcas de restos de comida que estavam grudados em suas patas. Scooby só se acalmou quando seu focinho encontrou o terno de Alan pendurado na cadeira. Ele farejou com calma por alguns segundos e logo em seguida começou a farejar Mayberry com o mesmo cuidado com que farejou o terno. Shaggy novamente pulou em cima do cão e Scooby escapou novamente, porém, ele não estava mais agitado como antes. Concentrado e sério, Scooby mostrou seus grandes dentes afiados e começou a latir alto e avançar contra o terno. Assustado, o Sr. Mayberry se afastou do cão, Shaggy o segurou pela coleira e ordenou que parasse, mas Scooby puxava tão forte cada vez que latia que ele conseguia se aproximar mais de seu alvo. Os demais clientes começaram a gritar e fugir da grande fera marrom, os seguranças se aproximaram, fizeram um cerco em volta do cachorro e jogaram cadeiras e objetos para fazê-lo recuar. Ao ver a cena, Shaggy começou a gritar desesperadamente para que ninguém machucasse o seu cão. Daphne, Marce e eu pegamos pedaços de comida no chão e nos aproximamos, tentando fazer Scooby se acalmar, mas ele insistia em rosnar e perseguir Alan Mayberry. Fred aproveitou que Scooby estava concentrado em seu alvo e se aproximou dele devagar, no momento em que o cão foi dar o bote, Fred o agarrou pela coleira e disse algumas palavras de comando usadas no treinamento, e Scooby finalmente obedeceu. Shaggy correu, abraçou Scooby e começou a lhe dar bronca, da mesma maneira que um pai aflito faz com um filho pequeno após passar por algum perigo. Os demais clientes entraram novamente no restaurante e o peso de seus olhares furiosos pesou contra nossos ombros. Os seguranças e responsáveis começaram a gritar conosco, Fred fez um sinal para que saíssemos, para ele resolver a situação. O Sr. Mayberry, disputando novamente o controle, pediu desculpas pela confusão e entregou um cartão de crédito preto nas mãos do dono do restaurante, para cobrir os danos e encerrar a discussão imediatamente; Daph juntou nossos pertences e saímos de cabeça baixa, Shaggy nos acompanhou, levando Scooby na coleira. No caminho até a porta, Scooby comeu todas as comidas que estavam no chão e ainda saiu abanando o rabo de felicidade. Do lado de fora, sem o peso da raiva alheia, conseguimos rir um pouco do que ocorreu.
Daphne: Scooby! O que deu em você, menino? Ficou com fome?
Marcie: Eu acho que ele farejou um cigarrinho exótico no terno do Sr. Mayberry. Ou então alguma farinha que não é usada em bolos. Afinal, ele é um cão policial.
Todos nós rimos da suspeita de Marcie e acariciamos Scooby, que parecia sorrir.
Shaggy: Tipo, eu pensei a mesma coisa, Marce. Scoob veio do DEA, e você sabe que os narizes desses yuppies de Wall Street consomem mais farinha que Pizza Hut e Domino´s juntos.
Rimos mais uma vez, e só paramos porque o sem-graça do Fred Jones chegou para estragar qualquer descontração que pudéssemos ter.
Fred: Que merda foi aquilo, Norville? Trazer um K9 do departamento para um restaurante? Quantas vezes eu preciso te dizer para deixar esse cão idiota no canil? Tem noção de toda a merda que essa confusão vai me causar?
Daphne: Freddie! Isso é jeito de falar do Scooby e Shaggy? Eles não têm culpa! Peça desculpas imediatamente!
Shaggy: É isso mesmo, Jones, se tem que falar alguma coisa, fala na minha cara e a gente resolve entre a gente, não fala mal do Scooby Doo não!
Velma: Hey, fiquem calmos vocês dois! E pega leve aí, capitão. O cachorro estava preso e no local adequado, ele invadiu o restaurante provavelmente porque farejou algo suspeito lá dentro. Acidentes acontecem.
Marcie: É, nós achamos que o Scooby farejou alguma droga no terno do Mayberry…
Velma: Ou em algum lugar do restaurante. Pode ser que alguém lá dentro esteja escondendo drogas, e o Scooby é um perito e encontrou… aposto que você nem pensou nessa possibilidade, não é capitão? Afinal, a perícia não significa nada para você…
Fred Jones ignorou a minha provocação, mas gostou do que eu disse sobre Mayberry portar drogas. Agora, ele tinha uma carta na manga para usar contra aquele que ameaçava a sua liderança. Alan Mayberry se aproximou lentamente, fazendo sinal de calma para Scooby porque o cão já ameaçava começar outro ataque contra ele. Fred começou a falar sobre a possibilidade de haver drogas nos bolsos de Alan, mas Daphne e eu simultaneamente o interrompemos com uma cotovelada nas costelas, afinal, seria muito deselegante afirmar isso (e poderia gerar até mesmo um processo de calúnia). Fred entendeu o recado e simplesmente pediu para ele não chegar muito perto, pois Scooby poderia repetir o ataque. Shaggy, temendo o que poderia acontecer, levou Scooby para dar uma volta no quarteirão para acalmar os ânimos.
Alan: Bom, já que o jantar aqui não deu certo, poderíamos ir para outro lugar… um lugar mais adequado e elegante, que tal? Há um restaurante ótimo na 76th, fica a apenas algumas quadras da minha torre, então depois do jantar nós poderíamos tomar uns drinks lá em casa…
Marcie e eu concordamos com a cabeça, mas um segundo após concordarmos, percebemos que o convite de Alan era apenas para Daphne. Fred olhou com reprovação para Mayberry e depois para Daphne, induzindo-a a negar o convite.
Daph: Alan, seria ótimo, mas hoje eu tenho uma webconferência com a promotora Reyes sobre aquele crime em Hell´s Kitchen, então eu serei obrigada a recusar…
Se Daphne soubesse que Amanda Reyes já dormiu com Fred Jones mais de uma vez, ela jamais usaria essa desculpa para recusar um encontro, mas como ela sequer desconfiava, foi a desculpa mais verossímil que ela encontrou para recusar as investidas de Mayberry. Alan, então, cedeu, combinou alguns detalhes do caso com sua advogada, se despediu e saiu em seu carro multimilionário. Fred Jones ficou com uma expressão pateticamente vitoriosa na face, então eu me encarreguei de semear alguma insegurança em seu ego frágil.
Velma: Uau, Daph, ele é maravilhoso! Você notou aqueles braços?
O rosto de Daphne novamente ficou da cor de seu cabelo, Fred me olhou com raiva, com uma expressão de “desde quando você repara em homens?” e eu fiquei feliz em perceber que consegui perturbá-lo.
Daphne: Ah… sim, Vel… mas… eu não confio muito nele… porque…
Fred: Porque ele usa drogas e certamente deve traficar também!
Daphne: O quê? Não, Fred! O Alan não é desse tipo!
Fred: Não seja ingênua, Daphne, por que o Scooby o atacaria então?
Daphne: Não sei, Fred. Scooby pode ter farejado algo no restaurante, mas não é isso que eu quero dizer quando disse que eu não confio muito no Alan…
Velma: E por que você não confiaria em um deus grego forte, educado, cavalheiro e multimilionário, que fica te admirando pela janela de seu apartamento e é doido para te levar para um encontro? Ele parece ser bem melhor que os idiotas com quem você já quis sair, não?
Ok, desta vez eu fui bem cruel e direta, visto que todos sabiam que em que em toda a sua vida Daphne só quis sair com Jared “Red” Herring e Fred Jones. Mas eu disse isso com a melhor das intenções: tanto para, terapeuticamente, diminuir o egocentrismo de Fred, quanto para fazer Daphne perceber que o mundo estava cheio de opções masculinas de altíssimo nível. O resultado foi que Fred ficou ainda mais irritado e Daphne me censurou.
Daph: Vel, não há nada de errado com a aparência nem com o jeito de Alan. Eu só não confio totalmente nele. Não sei explicar exatamente, talvez seja apenas pura intuição. Há algo nele que não me parece confiável. E também tenho provas de que há algo estranho por trás de toda essa fachada de charme e sucesso: eu fiz um levantamento dos bens dele nos últimos dois anos e percebi que houve um aumento de 2700%. Nem o investidor mais sortudo e experiente teria ganhos tão exorbitantes em tão pouco tempo, então isso me acendeu um alerta de corrupção. Nesse período, ele fundou a própria empresa, certamente teve muitos gastos, como conseguiu enriquecer tanto? Quero dizer… não é possível que Alan tenha conseguido apenas com trabalho honesto e jogando limpo, entendem? Deve haver algo a mais. Eu conheço a história de papai e outras pessoas no ramo de investimentos e sei que o sucesso financeiro demora. E é por isso que eu chamei vocês, antes de eu assumir esse caso, quero que vocês o investiguem e certifiquem de que ele está limpo. Não posso arriscar minha carreira defendendo um criminoso.
Fred: Com certeza, Daph, vou investigá-lo amanhã mesmo. Talvez a grana esteja vindo do tráfico de drogas, talvez o ataque do Scooby não seja apenas um acidente… Sabe, eu também senti isso, esse cara me pareceu suspeito desde o momento em que o vi…
“Claro, ele pareceu suspeito de acabar com a sua liderança egocêntrica”, eu disse para mim mesma. Daphne sorriu por ter conseguido mais uma vez algum motivo para trabalhar com Fred Jones e o abraçou com gratidão. Eu revirei os olhos com mais uma vitória do narcisismo do capitão. De repente, Shaggy e Scooby chegaram sorridentes, mastigando uma pizza de pepperoni que eles compraram durante o breve passeio.
Shaggy: E aí, turma! Vamos comer alguma coisa? Eu só comi vinte sushis e meu estômago está me matando.
Daphne: Claro! Vamos marcar daqui a uma hora? Eu preciso de um banho e de roupas que não tenham vinho e gordura…
Marcie: Que tal jantarmos lá em casa? Assim o Scooby também é bem-vindo!
O lado bom de conhecer seus amigos desde o tempo em que você usava fraldas é que eles te conhecem o suficiente para ler os seus pensamentos. Assim que Marcie fez o convite, todos olharam para mim, esperando meu veredicto sobre as perguntas “Podemos ir a sua casa?”, “Podemos jantar na sua casa?” e “O Scooby é bem-vindo?”. Levando em consideração meu padrão elevado de limpeza (e meu total horror a migalhas de comida e pelos de animais no chão), minha resposta automática para a segunda e para a terceira pergunta foi NEM PENSAR. E levando em consideração que eu ainda não tinha feito a minha faxina diária e Marcie tinha espalhado cartões idiotas por toda a parte, a resposta para a primeira pergunta foi NÃO. Felizmente, os meus “nãos” telepáticos foram entendidos sem que eu precisasse verbalizá-los.
Daph: Desculpe, turma, não pode ser lá em casa porque o Alan pode ver que estamos jantando juntos e ficar ofendido por eu ter mentido para ele.
Fred: Ele fica te observando pela janela? Que filho da puta maníaco!
Disse o cara que vira a cabeça para olhar qualquer mulher que passa por ele.
Shaggy: Tipo, pode ser lá em casa, então. Daqui a uma hora?
Fred: Talvez eu precise de um pouco mais de tempo, Shaggy. Preciso cuidar disso daqui.
Eu já vi Fred Jones sofrer fraturas e concussões violentíssimas no futebol e mesmo assim se levantar como se nada tivesse acontecido. Porém, quando há alguma mulher bonita por perto, ele se torna uma pobre vítima indefesa e finge estar à beira da morte por um simples arranhão superficial. Desta vez não foi diferente, ele estava sofrendo terrivelmente por um hematoma em forma de mordida. Daphne, obviamente, mordeu a isca e logo se ofereceu para ir até a casa dele ajudá-lo a cuidar do ferimento. Algo bastante ridículo, visto que Daphne deixou o manequim morrer em todas as aulas de primeiros socorros do colégio.
Velma: Creio que Fred conseguirá cuidar disso sozinho, Daph. Não é nada grave e deve sumir até amanhã. Então, nos vemos daqui uma hora? Temos uma perícia amanhã cedo e eu preciso descansar meus neurônios.
Daphne olhou confusa para mim, mas resolveu concordar. Ela confia em mim mais do que na própria família, por isso entendeu que, o que quer que eu estivesse fazendo, era a coisa certa a se fazer. Scooby novamente começou a brincadeira das chaves e Shaggy nos deixou depressa, sem se despedir. Daphne nos abraçou e deu seu tradicional beijo na bochecha de Fred, acompanhado de um tímido “eu vejo você depois”. Marcie, por ser uma boa garota, percebeu que havia uma discussão pendente entre eu e Fred pairando no ar e decidiu ir na nossa frente.