Fanfics Brasil - Capítulo 21 Scooby-Doo: Wicked Game

Fanfic: Scooby-Doo: Wicked Game | Tema: Scooby-Doo, Round 6


Capítulo: Capítulo 21

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O trajeto até o segundo local onde Gi-Hun esteve foi marcado por dezenas de ligações de Alan sendo recusadas e Shaggy dando sermões intermináveis no pobre cachorro – e fazendo isso com o seu aplicativo de linguagem canina em mãos para poder entender o que o choro de Scooby-Doo significava. Quando o celular de Daphne tocou pela vigésima vez, ela atendeu.


Daphne: Jenkins, que surpresa! Aconteceu alguma coisa?


Jenkins: Infelizmente sim, Srta. Blake. Tenho ordens de seu pai para levá-la imediatamente para Mônaco… ele está lhe esperando…


Daphne: O quê? Não! Eu não posso, Jenkins, estou indo para Seul com os meus amigos hoje à noite, nós vamos… vamos…


Daphne nos olhou desesperada, procurando uma mentira aceitável para justificar a nossa viagem.


Fred: Vamos passar nossas férias conhecendo a Ásia…


Daphne: Sim! Eu marquei uma viagem com a turma para conhecer a Ásia, eu não posso desmarcar… será que papai poderia adiar?


Jenkins: Infelizmente não, Srta. Blake, ele foi bem claro sobre a urgência de tirá-la do país…


Daphne: O quê? Por que, Jenkins, o que está havendo?


Jenkins: O FBI quer interrogá-la sobre caso Blake-Applegate… então, eu receio que você terá que deixar o país imediatamente, seja com destino a Mônaco, seja com destino a Seul…


Todos nós olhamos para Daphne com empatia. Scooby-Doo descansou sua cabeça tristonha nos ombros dela – para confortá-la e também para pedir um pouco de carinho, visto que Shaggy estava brigando com ele desde o episódio com os bonecos. Ela nos devolveu um olhar triste e perguntou o que deveria fazer.


Fred: Creio que em duas ou três horas estaremos prontos para partir…


Shaggy: Você quer dizer daqui a umas quatro ou cinco horas, né? Esqueceu da hora do almoço, criatura? Eu não vou entrar em um avião sem almoçar!


Fred: Ok, daqui a umas cinco horas nós estaremos prontos… peça para os pilotos adiantarem o nosso vôo…


Jenkins concordou e eu estremeci de saber que eu estaria em Seul antes do que eu esperava. Quando percebi, Fred estacionou a alguns metros da tal “Associação Cristã” à qual Flim Flam se referiu. Na frente do local havia algumas pessoas distribuindo panfletos, e ao fundo, a poucos metros dali, era possível ver o grande prédio da Liberty.


Fred: Desçam todos, eu vou procurar um lugar mais afastado e discreto para estacionar. Está muito perto da Liberty, pode ser que os federais nos vejam aqui.


Todos nós concordamos e descemos. Scooby-Doo parecia ressentido com seu tutor, visto que ele ficou perto de nós duas durante o curto trajeto e até ofereceu a coleira para que Daphne o conduzisse. Ao perceber o pequeno desprezo canino de Scooby, Shaggy fez carinho nele e o chamou, mas o cão o ignorou completamente.


Daphne: Ok, turma, o que falaremos dessa vez? Alguém aí é um cristão devoto? Ou sabe qualquer coisa sobre a bíblia? Meus pais são católicos, mas eu nunca aprendi muita coisa… afinal, a religião oficial da família Blake é o dinheiro…


Shaggy: Tipo, eu só sei que Jesus foi um cara gente boa pra caralho…


Daphne: Shaggy! Estamos perto de uma igreja! Você não pode falar essas palavras aqui!


Velma: Não é exatamente uma igreja, Daphne, é só uma associação cristã…


Shaggy: Mas, tipo, tem uma cruz lá na frente…


Velma: Porque é uma associação CRISTÃ, dã!  Pelo que diz no Google e nas redes sociais do local, é uma espécie organização filantrópica que faz caridade… e a propósito, Deus não existe… a Bíblia é só uma antologia que reúne vários autores de ficção descrevendo suas percepções sobre o mundo… e existem provas empíricas de que Jesus foi um personagem criado a partir de mitos pagãos…


Daphne: Velma! Não fale que Deus não existe na frente do filho dele!


Shaggy: É, Velma, tipo, o cara é gente boa pra caralho! Não vai arrumar treta com ele só porque você é ateia!


Daphne: Shaggy! Não fale esse tipo de palavra aqui!


Eu revirei os olhos e suspirei ao perceber que aquela discussão seria tão produtiva quanto os efeitos do fanatismo religioso ao longo da história humana.


Velma: Ok, dane-se, eu tenho um plano… Gi-Hun fez uma grande doação a este lugar, então eu acho que devemos fazer o mesmo para conseguir descobrir o que quer que ele tenha feito nesse local…


Shaggy: Tipo, boa ideia! Eu tenho aqui, tipo… um… dois… três… três e cinquenta… três e setenta e cinco… quatro dólares e dez centavos…


Velma: Uau, uma doação que termina com “dez centavos”! Se eu fosse Deus, eu castigaria você…


Daphne riu enquanto Shaggy fez uma careta para mim. Sem que ele percebesse, Scooby-Doo se aproximou, abocanhou um dos bonecos que estavam nos bolsos da calça do seu tutor, jogou o boneco em nossa direção e nos olhou com alegria.


Shaggy: O quê? Agora você quer doar os meus bonecos, Scooby-Doo? Eu deveria ter deixado você no canil, seu miserável!


Scooby começou a latir para ele e a discussão entre os dois recomeçou no momento em que o aplicativo de Norville revelou exatamente o que aqueles latidos significavam. Antes que eu e Daphne pudéssemos fazer ou falar qualquer coisa, Fred apareceu.


Fred: Pessoal, estamos com sorte! Acabei de passar pela Associação Cristã e em alguns minutos eles realizarão uma reunião do grupo de apoio a dependentes químicos… vejam o panfleto…


Shaggy: Tipo, e qual é a porra da sorte nisso, Jones?


Daphne: Shaggy! Pare de falar palavras feias na frente da igreja!


Fred: A sorte é que teremos um infiltrado nessa reunião…


O sorriso desconcertado que nós três formulamos ao olhar para Shaggy da cabeça aos pés foi o suficiente para ele entender que, mais uma vez, ele seria a nossa isca.


Shaggy: O quê? Não! Nem pensar! Tipo, por que eu tenho que ser a isca? Isso é preconceito, porra! Qualquer pessoa pode usar drogas, a aparência pessoal não tem nada a ver…


Daphne: Shaggy tem razão, turma, estamos sendo preconceituosos…


Velma: Ah, qual é, gente! O que vamos dizer a eles, que a Daphne cheira Channel Nº5, o Fred fuma whey protein e eu produzo metanfetamina junto com Walter White? Entre nós quatro, é óbvio que o Norville é o que mais se parece com um usuário de drogas…


Fred: Ou então podemos usar você de isca, Dinkley… seus livros esquerdistas de política são uma grande droga… alucinógena, eu diria…


Velma: “Uma droga” é continuar sendo republicano depois de 2016, Fred… isso sim é alucinar, seu babaca conservador…


Shaggy: Tá bom, tipo, eu vou naquela merda, qualquer droga é melhor que essa discussão chata de vocês dois…


Antes que Daphne pudesse lhe oferecer um biscoito, Shaggy arrancou o pacote das mãos dela e caminhou em direção ao local. Scooby-Doo o acompanhou com a esperança de ganhar um biscoito, mas Shaggy o ignorou durante todo o trajeto. Nós três o observamos de longe, e como havíamos suspeitado, a aparência dele criou um vínculo afetivo imediato entre as pessoas que estavam ali, inclusive as senhoras cristãs que distribuíam panfletos. Daphne encaminhou os vídeos do nosso encontro com Eun-Ji e Ga-yeong para Flim Flam enquanto ignorava mais ligações desesperadas de Alan Mayberry. O silêncio entre Fred e Daphne ainda era tenso, até que Fred ousou quebrá-lo.


Fred: E aí, você… você… dormiu bem essa noite?


Daphne não olhou para ele e apenas balançou a cabeça positivamente. A mágoa parecia impedir que as palavras saíssem.


Fred: E você… você… gostou… da… da cama?


Foi uma pergunta estúpida ao melhor estilo Fred Jones, é claro, mas eu admirei o fato de Fred ao menos estar tentando. Daphne não demonstrou nenhuma admiração. Pelo contrário.


Daphne: Foi a pior cama que eu já dormi na minha vida…


Fred riu de maneira nervosa e tentou contornar a ofensa… ao péssimo estilo Fred Jones, é claro.


Fred: Ah, não, você está dizendo isso porque… porque… você deitou do lado errado, o lado que a Velma dormiu é melhor e… talvez… se você… deitar… outras vezes… quem sabe… você vai mudar… sabe?… de ideia…


Eu me afastei um pouco dos dois devido à vergonha alheia que senti por Fred tentar expressar seus sentimentos falando… sobre camas. Daphne me acompanhou, tentando se esquivar da pergunta, mas acabou retornando quando conseguiu formular uma boa resposta em sua cabeça


Daphne: Não vou não… eu já percebi que é péssima… a única coisa boa nela é que ela tem o seu cheiro…


Aparentemente, a resposta fazia mais sentido dentro da mente dela, mas assim que as palavras saíram – e desfavoreceram Daphne completamente naquela discussão -, os dois coraram e ela virou o rosto com certa irritação. Antes que Fred pudesse reagir ao que ouviu, ela olhou para ele com raiva e continuou.


Daphne: Ah, que droga de pergunta, Fred! Por que você não coloca a sua cama no Google Maps e deixa as centenas de mulheres que já deitaram nela avaliarem com estrelinhas?


 Ao terminar, Daphne estava mais vermelha que o seu cabelo, e apesar de sua voz demonstrar irritação, seu rosto demonstrava a vergonha típica que ela sentia todas as vezes que falava sobre Fred. Ela não esperou uma resposta de sua provocação, apenas se afastou de vez em direção à associação e Fred a acompanhou com o olhar e com um sorriso bobo nos lábios.


Velma: Você sempre fala sobre camas para convencer mulheres a saírem com você? Ou foi apenas uma ocasião especial?


Fred: Você sempre desmaia quando ouve falar de pessoas mascaradas ou foi só uma ocasião especial?


Eu fiz uma careta para Fred e o sorriso bobo dele aumentou.


Fred: É sério… você está bem?


Velma: Quem é você e o que fez com o idiota do Fred Jones que eu conheço?  Primeiro, você começa um assunto estranho sobre camas, agora se preocupa se eu estou bem?


Fred: Por favor, responda antes que eu me arrependa de ter perguntado…


Nós dois rimos, mas fomos interrompidos por latidos ininterruptos de Scooby-Doo. Shaggy tentava acalmá-lo, mas Scooby começou a perseguir um dos rapazes que estavam na frente da associação cristã.


Thomas: Hey, esse homem com o cão é do DEA! Eu me lembro dele quando um dos agentes da narcóticos me prendeu há cinco anos! Ele está tentando se infiltrar no nosso grupo!


A acusação do rapaz contra Shaggy fez todos os olhares se concentrarem nele e em Scooby-Doo – e os latidos de Scooby contra aquelas pessoas confirmavam que, de fato, ele era mesmo um cão policial capaz de farejar drogas. Shaggy sorriu desconcertadamente e tentou se explicar, mas imediatamente as senhoras cristãs pediram para ele se retirar. Contrariado, Shaggy obedeceu e se aproximou de nós arrastando Scooby pela coleira e murmurando maldições.


Velma: O que houve, Shags?


Fred: Conseguiu descobrir algo?


Shaggy: Tipo, não muita coisa. Eu perguntei para aquelas senhoras se elas conheciam o meu bom amigo Gi-Hun e mostrei a foto dele. Uma delas reconheceu a foto e disse que ele apareceu ontem com uma mochila no horário do grupo de pessoas em processo de luto… daí, ele pediu para usar o banheiro e ficou lá durante toda a reunião. Quando ele finalmente saiu, disse que estava se sentindo melhor e fez uma doação de mil dólares…


Velma: E foi só isso? Ele não deixou nada, não disse nada?


Shaggy: Acho que não… tipo, eu não tive nem tempo de descobrir…


Fred: Então, a resposta deve estar no tal banheiro da associação… temos que encontrar alguma forma de voltar…


Shaggy: Tipo, como eu vou fazer isso agora? Aquele filho da puta me reconheceu do tempo que trabalhei no DEA e me dedurou…


No momento em que Shaggy xingou, Daphne se aproximou e lhe deu um pequeno chute na canela, sinalizando para que ele parasse de falar tais palavras na presença da figura religiosa.


Daphne: E se um de nós três fôssemos dessa vez?


Velma: Eu já disse que não aparentamos ter problemas com drogas, ficaria muito óbvio que somos infiltrados e eles nos expulsariam como fizeram com Shaggy e Scooby…


Fred: Bem, não aparentamos problemas com drogas, mas creio que podemos estar em tratamento contra o câncer… ou talvez possamos ter um filho com deficiência…


Fred nos mostrou o panfleto que recebeu das senhoras cristãs e nele havia diversos horários de outros grupos de apoio. Ele nos encarou e esperou a nossa opinião a respeito daquela ideia extremamente cretina.


Daphne: Freddie! Não podemos mentir para pessoas que já estão sofrendo com realidades tão cruéis!


Shaggy: É mesmo, tipo, não parece certo fingir uma coisa dessas… tudo bem mentir sobre fumar um baseado, mas fingir um câncer?


Fred, então, olhou para mim – a única do grupo que tinha uma moral tão prática, controversa e flexível quanto a dele.


Velma: Puta merda, Jones, você reprovou em biologia o Ensino Médio inteiro, acha mesmo que tem conhecimento o suficiente para inventar uma doença?


Fred: É por isso que vou levar comigo a pessoa que me ajudou a passar de ano e fez todos os meus trabalhos de biologia…


Velma: Fred… porra… não tem nada menos horrível nesse panfleto?  Algo em que a gente se encaixe? Sei lá, um grupo de apoio para pessoas com compulsão sexual, você poderia ir sem precisar mentir…


Fred: Tem um grupo de apoio a pessoas LGBTQIA+, mas é às quintas…


Daphne: Turma, vocês vão mesmo mentir dentro de uma associação cristã?


Fred: Olha só, acho que esse grupo aqui é perfeito… grupo de apoio a grávidas e pais de primeira viagem… acho que nós dois teremos muito o que aprender sobre o nosso pequeno Jones, Dinkley…


Fred entregou o panfleto para mim e sorriu.


Velma: O quê? Eu? Não, nem pensar! A Daphne também é uma garota, sabia?


Daphne: Sim, mas eu nunca aceitaria!


Fred: A Daphne não aparenta estar grávida…


Velma: É só fingir que ela acabou de saber, seu gordofóbico idiota… por ser uma pessoa que vive correndo o risco de ser tornar pai, você deveria saber o mínimo sobre como uma gravidez acontece…


O desconforto de Daphne e a urgência de Fred em evitar que Daphne aceitasse eram evidentes.


Fred: A Daphne é uma Blake, as pessoas certamente a reconheceriam e achariam muito estranho ela estar grávida e ninguém da mídia estar sabendo…


            Percebi, porém, que Daphne ficou um pouco magoada por não ter sido escolhida desta vez.


Velma: E eu sou uma Dinkley! A minha família são os Kardashians da ciência, eles também me reconheceriam e achariam muito estranho a mídia não saber que mais um gênio Dinkley está a caminho…


Fred: Velma, ninguém se importa com a ciência…


Shaggy: Tipo, Fred… mas pelo menos a Daphne parece… tipo, hétero…


O comentário foi tão inesperado que todos nós olhamos para Shaggy surpresos.


Shaggy: Que foi? Tipo, não é homofobia dizer que você visivelmente é uma mulher homossexual…


Velma: Não foi homofóbico, mas foi ofensivo dizer que eu seria irracional o suficiente para gerar um descendente de Fred Jones… afinal, Darwin diz que os mais idiotas estão fadados a extinção…


Daphne: Awww imaginem uma mini Velma de olhos azuis, que fofa!


Velma: Awww imaginem um mini Fred com cérebro! Ah, desencana, impossível imaginar…


Fred: Muito bem, então voltaremos em uma hora para descobrir o que Gi-Hun nos deixou nesse lugar…


Velma: Não! A resposta é absolutamente não!


Fred: Velma, nós precisamos fazer isso antes de partir! A nossa visita à residência de Eun-Ji nos forneceu uma grande descoberta, pode ser que a peça final que está faltando para resolver esse mistério esteja nesse lugar…


Daphne: É, Velma, por favor! Lembre-se: a garotinha nos disse que Gi-Hun está nos chamando para ajudá-lo…


Shaggy estava checando suas mensagens de celular e nem percebeu quando eu o olhei esperando uma opinião razoável que me livrasse de ter que fazer esse papel ridículo.


Shaggy: Tipo, galera… Flim Flam me mandou uma mensagem antes de pegar o vôo a Seul… ele disse que descobriu mais algumas coisas com as informações vocês passaram ontem… tipo, as digitais parciais achadas naqueles cartões que Fred pegou na Liberty ajudaram a Interpol a reconhecer mais algumas pessoas que estavam desaparecidas… e depois de assistir ao depoimento de Ga-yeong, a polícia de Seul está monitorando todos os metrôs da cidade para tentar achar quem está recrutando as pessoas para os jogos…


Fred: Tá vendo, Velma, estamos no caminho certo, nosso trabalho está ajudando essas pessoas! Não podemos desistir… por favor…


Eu respirei fundo e não consegui negar. Coloquei alguns itens da minha maleta de perícia na minha bolsa e caminhei até a porta. Antes de eu partir, Scooby me entregou um dos bonecos de Norville (mordido e babado) como forma de demonstrar a sua gratidão.


***


            Quando pisamos no apartamento de Fred, Shaggy correu para a cozinha e rasgou os pacotes de comida que compramos no caminho com a mesma urgência com que uma criança desembrulha presentes na noite de Natal.  Daphne, por sua vez, começou a juntar nossos pertences com o desespero de uma pessoa que entra no Walmart em dia de Black Friday, e em seguida, ela acomodou tudo dentro de malas e organizou a bagagem. Eu assisti aos dois espetáculos aflitos com o mesmo horror. O primeiro me causou raiva por mostrar algo bom (meu delicioso almoço) sendo destruído, e o segundo me causou angústia por mostrar algo péssimo (os preparativos para aquela maldita viagem) sendo construído… mas nenhum sentimento chegava aos pés daquele sentimento horrível que estava me atormentando há dias. Quando Fred me chamou para voltar à associação, eu paralisei. Não foi apenas por medo ou pela avalanche de emoções sinistras que estavam me assombrando, eu hesitei simplesmente por temer o que eu iria descobrir em seguida. Eu queria muito resolver aquele caso logo e acabar com todos aqueles horrores, mas, ao mesmo tempo, eu não queria saber mais do que eu já sabia, nem queria me envolver mais do que já tinha me envolvido, talvez porque, no fundo, eu sabia… que aquele mau agouro em meu peito estava certo. Inexplicavelmente, irracionalmente certo. De todas as provas irrefutáveis que tínhamos, ele parecia ser a mais verdadeira. E, infelizmente, a única prova que eu não estava levando a sério.


            Fred: Vamos, Sra. Jones, nossa aula de bebês começa em vinte minutos…


            O tom de deboche de Fred fez Daphne e Shaggy rirem, mas eu ainda pude ver algum ressentimento nos olhos de Daphne. Mais uma vez, eu não tive forças de enfrentar o mau agouro que me consumia, nem coragem de levá-lo a sério o suficiente para falar sobre ele com os meus amigos. Mas, ao menos, eu tive energia para mostrar meu dedo do meio para Fred Jones enquanto eu deixava o apartamento. “O segredo do sucesso é enfrentar um desafio de cada vez”, é o que dizem. E foi o que eu fiz. Meu único erro foi ter priorizado o desafio errado.


***


            Fred: E aí, Sra. Jones, você está grávida do Junior de quanto tempo?


Fred me arrancou de meus pensamentos sombrios com uma provocação infantil. Quando eu olhei para ele, ele estava sorrindo da mesma maneira estúpida que ele sempre sorri quando faz algo para me irritar.


Velma: Junior? É sério que você chamaria a porra do seu filho de Fred, sendo que você se chama Fred e o seu pai também se chama Fred?


Fred: Meu avô também se chamava Fred… então o bebê seria o Fred IV


Velma: Meu Deus, uma dinastia de idiotas…


Meu comentário foi praticamente um insulto, mas foi tão sarcástico e criativo que nós dois rimos por algum tempo.


Fred: Uau, que entusiasmo, hein, Dinkley… se chegarmos à associação sem combinar o nosso plano e com essa motivação toda, eles descobrirão na hora que estamos mentindo…


Velma: É, eu realmente não estou muito focada hoje… já você… para alguém que vive negando compromissos, você parece empolgado demais com essa ideia de ter um bebê…


Fred corou de maneira intensa e então todo o deboche desapareceu de seu rosto. Ele ficou algum tempo balbuciando desculpas esfarrapadas, mas quando percebeu que não conseguiria me convencer, ele se calou.


Velma: Fred, você consegue inventar umas mentiras para enganar senhoras cristãs caridosas, mas você não consegue mentir para mim… fale a verdade, por que você não escolheu a Daphne dessa vez?


Fred: A Daphne não é da NYPD… e eu precisava de uma perita…


Velma: É uma explicação compreensível. Mas nos últimos dez anos a Daphne também não era do NYPD, nem era perita, e você sempre a escolhia…


Fred: Como eu disse, não parece que a Daphne está grávida… as pessoas da associação suspeitariam na hora…


Velma: Então você não escolheu a Daphne porque não parece que ela está grávida? Ou será que foi porque ela gostaria de estar grávida?


Fred desviou o olhar da direção do carro e me olhou de maneira séria. Eu também o encarei de maneira séria, insistindo na pergunta. Ele, então, suspirou impacientemente e voltou a olhar para o trânsito.


Fred: Olha, Velma, aquilo que ela fez hoje de manhã foi ridículo… e aquela birra de menininha mimada é só uma pequena demonstração do quanto nós somos diferentes… ela é filha de um banqueiro bilionário e está acostumada a bater portas para fazer as pessoas fazerem tudo o que ela quer…


Velma: Puxa, que engraçado ouvir isso, pois há alguns dias eu vi o filho de um prefeito fazer uma birra homérica e entregar um caso para o FBI só porque a garota que ele diz que não está nem um pouco afim beijou outro cara na frente dele… e ele sempre faz esse tipo de coisa imatura para convencer aquela garota a fazer o que ele quer…


Fred desviou novamente o olhar do trânsito e se calou. Eu pude ver que ele mesmo nunca tinha percebido que se comportava dessa forma. Mesmo assim, ele se mostrou irredutível.


Velma: Fred, pare de procurar desculpas… vocês são iguais e os sentimentos que vocês têm um pelo outro também… vocês só vivem circunstâncias diferentes… não acha que está na hora de falar sobre seus sentimentos reais? E não adianta me dizer que você não sente nada, aquilo que você fez quando viu a Daphne e o Alan não é uma reação de quem não sente nada…


Fred: Você não entende que esses sentimentos vão estragar a nossa amizade?


Velma: Mais do que já estão estragando, Fred? Você está há mais de dez anos com medo de falar sobre seus sentimentos porque acha que um relacionamento pode acabar com a amizade de vocês… mas não percebe que o fato de você não falar nada destrói ainda mais?


Fred: Não está destruindo, a Daphne só está nervosa com esse caso e com todo o escândalo envolvendo o pai dela…


Velma: O quê? Olhe para vocês dois, vocês estão se evitando… se continuar assim, pode ser que vocês nunca mais se falem…


Fred: Não estamos nos evitando, a nossa amizade está normal, é que esse mistério saiu um pouco do nosso controle…


Velma: Fred, esse caso só começou porque a Daphne o inventou para ficar mais perto de você! A gente ia sair de férias, lembra? Mas ela fez questão que você a ajudasse com o cliente dela… ninguém estava esperando descobrir tantos absurdos durante as investigações, nem mesmo ela… então não dá para acreditar que a frustração da Daphne seja somente devido ao escândalo… ela está frustrada porque o caso que deveria aproximar vocês dois, na verdade, está fazendo vocês dois se afastarem…


Fred: Ah, então eu devo fazer coisas apenas para não deixá-la frustrada?


Velma: A Daphne faz isso o tempo todo por você! Ela terminou um namoro com Jared Hering, ela rejeita caras perfeitos como Alan Mayberry… então, é o mínimo que você deveria fazer por ela… aliás, você já faz e nem percebe… cede a sua cama, fica preocupado quando ela não atende o telefone, enfrenta o jeito tóxico dos pais dela…


Fred: São coisas que um bom amigo faria… eu conheço a Daphne desde sempre…


Eu pensei que minhas palavras fariam Fred refletir e falar mais sobre seus sentimentos, mas ao invés disso ele se calou e entrou no mesmo estado de negação de sempre.


Velma: Olha, eu sei como é difícil para pessoas como nós admitir sentimentos…


Fred: …porque sentimentos não são racionais, muito menos lógicos…


Velma: Exatamente! Mas apesar de serem confusos, eu concluí que eles são necessários, Fred… eles são tão essenciais quanto a ciência… porque, às vezes, eles nos dizem coisas que o nosso raciocínio lógico não consegue compreender…


Fred aproveitou o sinal vermelho para olhar fixamente para mim, e desta vez ele parecia mais flexível.


Fred: Você primeiro…


Velma: Eu já disse que você não sabe ser cavalheiro!


Fred: Não me faça desistir de ter perguntado…


Eu desviei o olhar, suspirei, ajeitei meus óculos e pela primeira vez na vida me preparei para dar voz a coisas que eu não conseguia explicar.


Velma: Bem… quando Ga-yeong disse sobre homens maus mascarados… eu… eu… eu senti algo muito ruim… eu senti muito medo e…


Fred: Velma, nós pegamos vilões mascarados o tempo todo… são apenas idiotas que usam um disfarce para parecerem perigosos…


Velma: Não! Não senti medo da máscara… eu senti… medo… dos meus sentimentos… na verdade, eu senti novamente aquela intuição ruim de que algo está saindo do nosso controle, e eu estou sentindo isso o tempo todo na medida em que avançamos nesse caso…


Fred: E isso tudo é culpa. Já falamos sobre isso. Algo simples de definir, mas difícil de lidar, e por mais que eu saiba o que devo falar eu…


Velma: Não, não é nada em relação à Marcie, Fred… esse mau agouro tem a ver… talvez… conosco…


Desta vez, o sinal estava verde, mas Fred freou mesmo assim e me olhou por algum tempo. Pude notar alguma tensão sem sua face.


Fred: É, talvez este seja mesmo o caso mais bizarro e sombrio que já pegamos… mas não vejo motivos para ter medo… temos dezenas de provas e a Interpol está do nosso lado, em questão de horas todos os VIPS estarão nos jornais a caminho da prisão…


Velma: E se não for assim? E se… e se… nós entrarmos nesses jogos macabros, Fred?


Fred: Não há nada que possa nos levar a isso, somos policiais experientes… as pistas provam que Gi-Hun tem um plano… e os VIPs nem desconfiam do que sabemos, Velma, se eles desconfiassem, eles já teriam nos impedido…


O rosto de Fred parecia preocupado, mas ele expressava bastante segurança em suas palavras. Eu respirei fundo e me preparei para contar sobre o meu sonho – e esperar que uma pessoa tão cética quanto eu acreditasse em mim. Senti vergonha de parecer insana, mas senti necessidade de fazer Fred entender os riscos que estávamos correndo.


Velma: Sabe quando entrevistamos pais cujos filhos desapareceram… e eles dizem que, no dia em que o filho desapareceu, eles sentiram um aperto muito grande no peito, como se algo estivesse tentando alertá-los de que alguma coisa está acontecendo…


Fred: Sim, outro exemplo de um efeito fisiológico causado pela culpa… geralmente, são pais negligentes que sentem esse tipo de coisa…


Velma: E será que nós estivermos sendo como os pais negligentes, Fred? E se estivermos deixando algo passar? Você não acha que as coisas estão estranhas demais? Olha, eu sei que é estranho dizer isso, mas eu me senti mal quando Ga-yeong disse sobre os homens maus mascarados porque… porque… na noite anterior, eu tive um sonho perturbador  em que eu via homens com as mesmas características descritas por ela… e nesse sonho… vocês…vocês… estavam… mortos.


A minha voz falhou quando eu disse “mortos”, e senti um nó na garganta trazer lágrimas aos meus olhos. Fred ficou sério e pensativo por alguns instantes, mas logo em seguida voltou a acelerar o carro e deu um pequeno sorriso de deboche…


Fred: A Daphne está sem dinheiro, você está acreditando em sonhos e o Shaggy está fazendo sentido… puxa, as coisas estão mais bizarras do que eu imaginava…


Velma: Fred, dá para levar a sério? Por favor, faça um esforço para tentar me entender! Sabemos que todas aquelas pessoas desaparecidas morreram e estamos prestes a ir para Seul… será que estamos mesmo no caminho certo?


Fred: E que escolhas nós temos, Dinkley? Vamos ficar aqui assistindo o FBI e a mídia ferrarem com os Blakes enquanto os VIPs continuarão a matar inocentes clandestinamente em algum país de terceiro mundo por pura  diversão? Não temos outra alternativa além de fazer o que é correto e o que é melhor para todos… mesmo que isso signifique correr riscos e sacrificar sentimentos… entende? É assim que devemos fazer nos mistérios… e também na vida…


Fred não me olhou mais e fixou seu olhar sério no trânsito, o que obviamente foi um sinal de que aquele assunto estava definitivamente encerrado. Eu, porém, estava perturbada, assustada e fragilizada demais para me calar e aceitar aquele desfecho. Com a manga do meu suéter, eu limpei as lágrimas que haviam se acumulado nos meus olhos e inspirei lentamente para recuperar todo o fôlego que os sentimentos haviam me tirado.


Velma: E se… dessa vez… as máscaras… não caírem no final…?  E os vilões não forem presos… e se os detetives não chegarem a lugar nenhum… e todos os riscos se concretizarem…?


Fred: É apenas mais um risco entre tantos outros que corremos ao resolver um caso… e esse caso aqui está bem simples de ser solucionado…


Velma: E se alguns mistérios forem como a vida, Fred? Simplesmente… complicados demais? Ilógicos, inesperados, sei lá… indefiníveis? Será que vale a pena sacrificar os sentimentos complicados que eu e você estamos sentindo em nome de “fazer a coisa certa”?


Fred me olhou com raiva por eu insistir no assunto, mas no momento em que ele me viu desabando em lágrimas, um pouco de ternura transpareceu em seus olhos e ele segurou a minha mão.


Fred: Velma, hey, fique calma! Olha… vamos pensar racionalmente, ok? Esse caso tem sido muito difícil… os últimos dias foram estressantes demais para todos nós, descobrimos coisas horríveis, enfrentamos perigos, medos, paranóias… então é normal que as emoções que sentimos ao descobrir cada pista influenciem o nosso lado racional… essa é a explicação lógica para o seu sonho e para o mau agouro que está sentindo, não há nada sobrenatural em reagir a momentos difíceis…


As palavras de conforto fizeram minhas lágrimas secarem, até que um último suspiro encerrou definitivamente o meu choro. Eu apertei os dedos de Fred que insistiam em acariciar a minha mão trêmula e esbocei um sorriso de agradecimento ao olhá-lo nos olhos.


Fred: Nesse momento, tudo o que precisamos é seguir o plano de Gi-Hun, pegar os filhos da puta e fazer justiça para os Blakes e para aquelas pessoas que morreram… e para isso, precisamos ser fortes e manter a nossa sanidade… tem sido um grande mistério, mas também um grande aprendizado… nós estamos muito perto de solucionar esse caso, e quando isso acontecer eu juro… eu JURO para você que tanto eu quanto você seremos pessoas bem melhores… ou pelo menos, melhores o suficiente para lidar de maneira diferente com os nossos sentimentos complicados…


Velma: E… se… for tarde demais?


Eu não tive a intenção de dizer nada, mas a frase saiu da minha boca como um suspiro. Inevitavelmente, uma lágrima escorreu, mas Fred a enxugou antes que pudesse atingir a minha bochecha.


Fred: Nunca é tarde demais… vai ser apenas o momento certo…


Eu balancei a cabeça em concordância e procurei pensar em coisas racionais para afastar aquela enxurrada de sentimentos que estavam arrancando lágrimas de mim. Um silêncio incômodo e interminável pairou entre nós dois, mas eu não tive forças para rompê-lo. Para a minha surpresa, Fred ousou quebrá-lo.


Fred: Ela é filha de um banqueiro, e eu sei desde sempre que ela merece algo bem melhor…


Eu olhei para Fred com surpresa, mas o olhar dele estava distante e não ousou me encarar. Eu esperei que ele repetisse aquela frase para confirmar se eu realmente tinha ouvido aquilo, mas a maneira esquiva como ele estava se comportando me fez entender que aquelas palavras não surgiriam novamente e aqueles sentimentos nunca mais seriam traduzidos. De jeito nenhum.


Velma: Fred, você tem que entend…


Fred: Agora, eu preciso que você se recomponha… fique bem… e restaure esse NAS de 32TB que você chama de cérebro para falar sobre todas as coisas idiotas de biologia que o professor Ruffalo ensinava naquelas aulas em que eu dormia profundamente…


Eu dei um pequeno sorriso e continuei olhando para ele, ainda esperando que ele repetisse aquela frase, mas ele me ignorou e insistiu na mudança brusca de assunto.


Velma: Se você continuar a falar coisas idiotas sobre informática, eu vou ficar pior…


Fred: Ótimo, um comentário sarcástico! Já vi que você está melhorando… isso mesmo, pode exercitar suas ironias, Dinkley! Nós precisamos parecer um casal de verdade, então, não podemos parecer muito felizes…


Velma: É realmente difícil parecer feliz tendo você como meu suposto marido…


Fred: Isso, perfeito! Você está sendo uma esposa perfeita…


Nós dois rimos enquanto Fred estacionava o carro em uma vaga próxima à associação cristã. Por alguns minutos, nós combinamos as mentiras que iríamos contar, e no momento em que eu saí do carro – já encenando as dificuldades de mobilidade típicas de uma mulher grávida – eu apertei novamente a mão dele em um sinal de apoio.


Velma: Fred… você é um bom marido… uma boa pessoa… e um bom amigo… eu só quero que você saiba disso…


“Antes que seja tarde demais”, foi o que uma voz triste em meu peito continuou a dizer, no mesmo ritmo angustiante que me fez chorar minutos antes. Felizmente, não era tarde demais para fazê-lo entender: era apenas o momento certo.


***


            Gladys: Boa tarde, meus amores! Eu sou Gladys Sullivan, enfermeira há quase sessenta anos, sejam muito bem-vindos ao grupo de papais e mamães de primeira viagem! É o primeiro filho de vocês?


            A velhinha sorridente que nos recebeu era tão fofa que eu me senti um monstro por mentir descaradamente para ela.


Gladys: Aww, que maravilha! Olha só para você, tão pequenininha, parece uma menininha, nem parece que está grávida!


O elogio me fez lançar um olhar de superioridade para Fred por ele ter dito “que eu parecia estar grávida”.


Fred: Acabamos de ficar sabendo…


 E ele me respondeu com uma careta, por ter que repetir exatamente o que eu havia dito anteriormente.


Gladys: Parece que eu conheço você? Também, bonito desse jeito, certamente eu me lembraria…


Velma: Ah, o meu marido é o capitão da NYPD, Sra Sullivan. Ele é um pouco famoso porque quando a equipe da perícia da NYPD soluciona um crime ele leva todo o mérito… mas não é culpa dele, afinal, ele se formou na faculdade sem saber o que é um DNA…


Fred disfarçadamente me deu uma cotovelada e eu sorri com satisfação.


Gladys: Ah, é mesmo, o capitão Jones! Que honra recebê-lo aqui! Eu sou sua fã desde quando você prendeu Stuart Weatherby… sejam bem-vindos! Puxa, que bom saber que outro Jones está a caminho! Nova York precisa mesmo de outro Frederick Jones…


Velma: Charles Darwin discordaria totalmente da senhora…


Meu sussurro não atingiu a audição idosa de Gladys, mas fez Fred me dar outra cotovelada de reprovação. A Sra. Sullivan então nos mostrou o caminho até a sala da reunião e nos deu panfletos e instruções.


Velma: Desculpe, Sra Sullivan, creio que antes de eu entrar na reunião eu precisarei vomitar mais uma vez…


Gladys: Awww querida, o enjôo é terrível, não? Eu passei por isso há sessenta anos… cinco vezes… o banheiro fica naquela porta à direita, bem ali… é unissex, não fazemos distinção de gênero para que todos se sintam acolhidos… então, se precisar da ajuda do seu marido, ele pode entrar com você…


Eu agradeci e simulei mal-estar até que Fred trancou a porta do banheiro após entrarmos. O banheiro era individual, um pouco maior que um elevador comercial e, aparentemente, não possuía nenhum elemento suspeito que pudesse ser uma pista. Fred e eu começamos a procurar por evidências, mas as paredes e o teto eram maciços.


Fred: Estou começando a achar que Gi-Hun realmente só queria usar o banheiro… não há nada aqui…


Enquanto analisava o chão, eu vi uma embalagem conhecida atrás o vaso sanitário: um galão de três litros idêntico aos galões que encontramos no aeroporto, com o mesmo rótulo escrito em coreano e, aparentemente, com a mesma substância em seu interior. Imediatamente eu coloquei uma luva descartável, peguei o galão e mostrei a Fred.


Velma: Eu acho que não… há algo aqui…


A minha descoberta tornou a nossa busca mais desesperada, reviramos a lata de lixo, retiramos o espelho, procuramos debaixo da pia… mas não encontramos nada relevante.


Fred: Merda, eu deveria ter trazido um pouco de luminol… com certeza tem alguma coisa por aqui…


Velma: Você não deveria… isso é trabalho para a perícia…


Depois de devolver o galão no lugar onde achei, eu peguei o meu borrifador de luminol na minha bolsa e comecei a borrifar ao redor do lugar onde o galão estava. Em seguida, peguei a minha lanterna de luz negra e aguardei a reação química acontecer.


Fred: Ao invés de batom você, leva luminol e luz negra na sua bolsa? Você é uma mulher bem estranha…


Velma: Vou considerar isso um elogio… bem machista, mas um elogio…


Não demorou muito para que o luminol revelasse o desenho de um círculo, um triângulo e um quadrado em um dos grandes pisos de cerâmica que compunham o chão do banheiro. Fred sorriu para mim, se aproximou e bateu o pé no local, mas o piso não se mexeu e som emitido não era oco. Eu me abaixei para verificar e percebi que os rejuntes ao redor do piso estavam desgastados, por isso comecei a tentar movê-lo pelo pequeno espaço sem rejuntes. Fred notou meu esforço e pegou um canivete no bolso, com a ajuda de uma pequena faca funcionando como alavanca, nós conseguimos destacar e levantar o piso. Para a nossa surpresa, embaixo dele havia uma tampa de bueiro muito antiga, com desenhos elaborados que se pareciam com um mosaico. Eu me levantei assustada, temendo o que haveria embaixo daquela tampa, mas quando Fred a levantou, havia apenas uma grande escada que descia indefinidamente por um túnel escuro.


Fred: Acho que vamos precisar dessa lanterna…


Velma: Ah, não, esgoto não!


Fred ignorou a minha súplica e começou a descer com a lanterna. Quando ele desapareceu na escuridão, eu me juntei a ele contra a minha vontade. Felizmente, a descida não foi tão longa – apenas oito ou dez metros abaixo do chão do banheiro – e terminou em um túnel de direção única feito de tijolos que pareciam do século 19. O local cheirava a mofo, tinha muitas teias de aranha – e, felizmente, não tinha nenhuma aranha – e não tinha nenhum sinal de dejetos humanos ou industriais.


Fred: Estamos com sorte. Aparentemente, é uma rede de esgoto desativada…


Velma: Isso não impede de estar infestado de baratas e outras coisas nojentas…


Fred tomou o borrifador de luminol e a lanterna das minhas mãos e começou a espirrar pelo caminho. Nos primeiros passos, não encontramos nada, mas a alguns metros de distância da escada, o luminol reagiu e revelou uma trilha fina. Seguimos a trilha luminosa até ela desaparecer de repente a poucos metros de uma escada muito parecida com aquela por onde descemos. Fred então me entregou os objetos e subiu a escada na minha frente. A escada parecia muito mais longa do que aquela por onde descemos e terminou também em uma antiga tampa de bueiro de metal, que Fred logo empurrou, mas não conseguiu abrir de imediato.


Fred: Deve ter algo em cima dessa tampa… não abre de jeito nenhum…


Velma: Bem, a trilha de luminol acabou antes dessa escada… será que estamos no caminho certo?


No momento em que terminei a pergunta, a força que Fred aplicou na tampa conseguiu movê-la totalmente para cima e conseguiu empurrar o assoalho plástico e a enorme caixa preta em forma de presente que estavam bloqueando a nossa passagem.


Velma: Jinkies! Será que estamos na Liberty?


Não sei dizer se o local era exatamente aquele local que encontramos dentro do frigobar há alguns dias, mas era um lugar bastante parecido: um corredor estreito, com o mesmo revestimento plástico parecido com EVA, mesma cor, com as mesmas caixas de presente sinistras, mesma temperatura fria e o mesmo cheiro químico. Ao contrário do esgoto desativado de onde viemos, o novo recinto tinha pequenas luzes de led no teto a cada dez ou quinze metros que deixavam o aspecto daquele local ainda mais perturbador. Para o meu desespero, a primeira coisa que aquele corredor me lembrou foi o meu pesadelo.


Fred: Com certeza… pelo menos é o que o GPS do celular está falando…


O horror que tomou conta de mim e me paralisou certamente foi intenso o bastante para fazer Fred perceber e assumir o controle da situação. Ele começou a vasculhar o local com a lanterna e eu procurei acompanhá-lo – confesso que não fiz isso por interesse em achar pistas, mas sim por medo de que ele se afastasse demais do local de saída e… aquelas imagens do pesadelo se concretizassem. Ao ver a minha inércia, Fred também pegou o borrifador e começou a procurar evidências nas paredes e no chão. Por vários metros, não houve nenhum tipo de reação ao luminol, e quando eu percebi que a escada por onde entramos estava se tornando um pequeno ponto, eu segurei o braço de Fred e sinalizei para que ele parasse de andar.


Velma: Fred… não podemos continuar…


Fred: Estamos perto, Velma, não podemos desistir agora! Precisamos dessa pista!


Antes que eu pudesse responder, um estalo muito alto ecoou de alguma parte do corredor e fez nós dois paralisarmos. Sem dizer nada, eu puxei Fred de volta para a escada e ele obedeceu com certa resistência. Porém, quando chegamos à saída, Fred se recusou a descer e começou a vasculhar o local ao redor da tampa de bueiro. O barulho que Fred fazia ao revirar as caixas fez minha ansiedade explodir, e eu fiquei tão nervosa que não conseguia fazer nada além de olhar obsessivamente para os dois lados do corredor para verificar se alguém estava se aproximando. Quando Fred abriu uma das caixas de presente, dentro dela havia um pedaço daquele revestimento plástico azul que cobria as paredes. Ele havia sido dobrado ao meio duas vezes, e percebemos que havia algo entre as camadas dobradas. Quando Fred cuidadosamente desdobrou a primeira camada, três fotos caíram no chão. Duas delas eram de rostos femininos muito jovens, com traços orientais e cabelos curtos, e a terceira era de um rosto familiar: um homem oriental, sorridente, de meia idade e cabelos vermelhos. Ao virar a fotografia de Gi-Hun, havia algo escrito a caneta, mas no mesmo momento em que tentei ler, o estalo alto se repetiu e ecoou por todo o corredor. Seguido ao estalo, barulhos rítmicos parecidos com passos surgiram, então eu guardei as fotos e o plástico na bolsa e ajudei Fred a organizar as caixas para não ficar evidente que elas foram vasculhadas. Em seguida, descemos a escada depressa, porém, no meio do caminho, Fred parou e subiu alguns degraus bem devagar. A aproximação dos passos me causou pânico, e eu puxei os tornozelos de Fred para que ele descesse, mas ele não se moveu. O medo me fez descer a escada até o fim bem depressa, mas não tive coragem de voltar para o banheiro e deixar Fred para trás. Por sorte, no momento em que eu estava juntando coragem para subir novamente e chamá-lo, Fred surgiu descendo os degraus devagar. Ele tinha uma expressão bastante preocupada e não disse nada enquanto retornamos ao banheiro. Quando eu finalmente saí da passagem secreta da associação, meu celular tocou e eu vi o rosto de Daphne na tela. Fred sinalizou para eu recusar a chamada, e enquanto eu fazia isso, ele devolveu a tampa de bueiro e o piso no devido lugar. Daphne insistiu em ligar – ligou mais três ou quatro vezes enquanto Fred e eu educadamente agradecemos Gladys, fingimos uma emergência e deixamos o lugar. O rosto de Fred permaneceu sério durante todo o caminho de volta – tão sério que nem se abalou com as dúzias de chamadas de Daphne que eu tive que recusar. A única mudança aconteceu quando Fred estacionou na garagem de seu apartamento, e no momento em que fui deixar o carro, ele segurou o meu pulso e me olhou com espanto.


Fred: Velma, por favor, esqueça tudo o que eu te disse sobre usar o lado racional e achar explicações lógicas para o que você está sentindo… realmente, as coisas estão estranhas demais…


Velma: Por quê?


Fred: Porque aqueles passos que ouvimos… eram duas pessoas… e eles… eles estavam usando máscaras… exatamente da maneira como você descreveu…


***


            Daphne: ONDE VOCÊS ESTAVAM? Eu estava morrendo de preocupação, eu liguei mais de vinte vezes e ninguém me atendeu! Eu já estava ligando para a polícia…


            Velma: Nós somos a polícia, Daphne…


            Daphne: Eu ia ligar do mesmo jeito! Estava desesperada com a ausência de resposta de vocês… Jenkins ligou dizendo que nosso vôo está pronto, devemos sair em uma hora…


            Velma: É que as coisas foram um pouco mais complicadas do que esperávamos…


            Daphne: Como assim, o que vocês acharam?


            Fred: É o que vamos descobrir agora…


            Eu retirei o plástico e as fotografias da bolsa e entreguei para Fred. Ele colocou tudo em cima da mesa de jantar e aguardou que Shaggy se aproximasse para contar o ocorrido na associação cristã, mas isso não ocorreu. Quando Fred e eu nos viramos, notamos que Scooby estava preso na cozinha mastigando uma pequena garrafa de água vazia e Shaggy estava emburrado no sofá, distraído com algum jogo do celular.


            Daphne: Eu tive que separar os dois… eles não param de brigar por causa dos bonecos…


            Fred: Besteira, eles são melhores amigos… Shags, venha até aqui, temos uma pista…


            Shaggy jogou o celular no sofá e se aproximou com uma expressão séria totalmente atípica para os padrões de felicidade Norville Rogers. Quando ele se sentou, Fred abriu a porta de vidro da cozinha e Scooby veio correndo alegremente em nossa direção. Shaggy então se levantou, deu as costas para o animal e voltou para o sofá. Em um primeiro momento, Scooby abaixou as orelhas e chorou, mas quando Shaggy pegou o celular e fez questão de ignorá-lo, ele começou a rosnar e latir. Irritado, Shaggy arremessou uma almofada no cão, que ficou ainda mais feroz.


            Daphne: Vocês dois, parem com isso agora mesmo! Scooby! Volte já para a cozinha, senão não vai ganhar biscoitos! Shaggy! Pegue já essa almofada e peça desculpas! Largue esse celular e venha já ver o que Fred e Velma encontraram!


            Os dois obedeceram e se separaram ao receber o suborno em forma de biscoitos. Fred e eu nos olhamos com surpresa, e concordamos que as coisas estavam mesmo muito estranhas.


            Velma: Uau, você é uma boa mãe, Daph, deveria ter ido ao grupo de pais no meu lugar…


            Daphne apenas corou e não reagiu a minha provocação. Quando Shaggy voltou à mesa, Fred e eu explicamos tudo o que passamos e desdobramos a nossa pista com cuidado. O pedaço de plástico parecia ter sido arrancado de uma das paredes do corredor da Liberty que periciamos, pois tinha cola em um dos lados e os respingos de sangue no verso. No centro dele, estava escrito com caneta permanente: “Operação cachalote, 21.06.21, 10pm” e havia também coordenadas geográficas o esboço do desenho de uma baleia cachalote. Além disso, havia mais de dez fotos de rostos de pessoas, todas elas orientais, com exceção de um homem pardo com características árabes. Em todas as fotos, era possível ver que a pessoa estava usando uma espécie de casaco verde com uma listra branca nos ombros. No verso das fotos havia nomes, alguns deles já tínhamos ouvido falar: Kang Sae-Byeok, Ali Abdul, Han Mi-nyeo. Creio que a descoberta causou o mesmo desconforto em todos nós, pois permanecemos em silêncio por alguns minutos. Para não ter que ser a primeira a dizer alguma coisa, eu peguei a minha lupa e a minha régua e me ocupei de analisar minuciosamente as formas dos respingos de sangue. Daphne, comovida com cada um dos rostos, não suportou ficar calada por muito tempo.


            Daphne: Eles eram tão jovens… pareciam tão felizes…


            Shaggy também se ocupou de sofrer pelos rostos sorridentes, mas ao invés de lamentar, ele apenas mostrou a tela de seu celular, onde as coordenadas mostravam a localização de uma Marina em Seul.


            Shaggy: Tipo, o local é esse daqui… e é depois de amanhã…


            O comentário de Shaggy restaurou nosso estado de choque e outro silêncio incômodo começou. Fred estava visivelmente tenso, mas tentou fingir algum otimismo.


            Fred: Ótimo. Agora esse mistério tem data para acabar…


            Shaggy: Você tá louco, Fred? Tipo, você não percebeu que fomos convidados para o reality show?


            Velma: Na verdade, eu acho que fomos convidados para acabar com o reality show, Shaggy… eles não chamam esse jogo idiota de “jogo da lula”? Pois bem, cachalotes devoram lulas gigantes… certamente o nome da operação significa que Gi-Hun tem um plano para acabar com o jogo da lula e está a procura de ajudantes competentes para isso…


            Shaggy: Tipo, e se eles acabarem com a gente antes?


            Shaggy mencionou a dúvida que todos nós tínhamos, mas ninguém teve coragem de responder. Inevitavelmente, o silêncio incômodo voltou e eu notei que havia medo nos olhares de todos os meus amigos, inclusive Fred, que pela primeira vez parecia hesitante. Apesar de eu também estar morrendo de medo, eu decidi restaurar o meu lado racional e tranquilizei todo mundo.


            Velma: Bobagem. Fred está certo, esse caso está com os dias contados… não somos apenas nós, a Interpol também está ciente de tudo, não tem como os VIPs escaparem.


            Fred sorriu confiante e me olhou com admiração, talvez porque não estivesse esperando uma resposta tão confiante depois da tempestade emocional que eu exibi há algumas horas. Daphne aceitou a minha resposta, mas manteve o semblante preocupado. Shaggy, ao contrário dos dois, protestou.


            Shaggy: Peraí, turma, tipo, como é que a gente tem 100% de certeza que esse Gin-Hun aí tá do nosso lado? Ele pode estar trabalhando para os VIPs e nos distraindo enquanto nos conduz para uma armadilha!


            Fred: Temos o depoimento de Ga-yeong… ela me pareceu bastante verdadeira… sabemos que os padrões comportamentais de uma criança que é forçada a mentir são totalmente diferentes…


            Velma: E temos os galões deixados no aeroporto e na associação… a trilha de alvejante… e essas gotas de sangue aqui, cujas formas sugerem que foram propositalmente pingadas por alguém… enfim, eu acho que a teoria de que Gi-Hun está do nosso lado é bastante consistente…


            Daphne: Gente, eu não quero ser chata, mas Jenkins avisou que os pilotos já estão nos esperando… precisamos mesmo ir…


            O semblante de Shaggy demonstrou que ele não concordou com a nossa resposta, mesmo assim, ele se levantou e começou a unir a bagagem. O anúncio de Daphne me causou taquicardia, mas minha razão lutou até o fim para manter o controle enquanto carregamos a bagagem até o carro e partimos. Quando chegamos no hangar do aeroporto, eu perdi a batalha completamente e comecei a tremer. Respirei mais devagar para tentar recuperar a sanidade, mas meus olhos acumulavam mais e mais lágrimas a cada expiração. Scooby e Shaggy foram os primeiros a embarcar – o medo os uniu e dissolveu as desavenças recentes entre eles. Daphne foi logo em seguida - gritando palavras rudes com alguma de suas irmãs que desejavam usar aquele jatinho. Eu esperei Fred embarcar, mas ao invés disso, ele se afastou para conversar com alguém no celular. Então, eu não tive escolha senão subir e escolher um lugar na parte traseira, bem longe de Shaggy e Scooby e logo após as asas do avião (pois esses lugares têm chances de sobrevivência de 69% em caso de acidente aéreo). Para a minha surpresa, logo em seguida Fred se sentou ao meu lado, eu notei que ele estava tenso, apesar de exibir um sorriso forçado.


            Fred: Eu liguei para o meu pai… e expliquei sobre o caso e a nossa viagem… você sabe… para caso aconteça… alguma coisa conosco… acho que deveria fazer o mesmo, Dinkley…


            A fala de Fred me convenceu a engolir dois ansiolíticos que fizeram efeito quase que imediatamente. Quando meus olhos ficaram pesados o suficiente para me fazer adormecer, eu digitei uma mensagem rápida para os meus pais: “Se alguma coisa acontecer, eu amo vocês”.


 


           




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Autor(a): kendrakelnick

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