Fanfic: Scooby-Doo: Wicked Game | Tema: Scooby-Doo, Round 6
Após as duas pílulas, meus olhos se abriram pela primeira vez quando senti Scooby lambendo minha bochecha esquerda com alegria enquanto pisoteava a minha barriga com a mesma empolgação. Quando eu consegui me livrar dele, olhei para a janela, vi a Space Needle de Seattle e entendi que havíamos feito uma parada. Meu corpo, porém, não exibiu qualquer reação motora que pudesse me fazer acordar de verdade e me levantar, então tudo o que fiz foi fechar os olhos novamente e mergulhar no sono profundo.
Shaggy: Velma! Tipo, acorda, vamos! Precisamos abastecer!
Shaggy chacoalhou os meus ombros e eu abri os olhos com irritação. A urgência visível nas expressões corporais dele e do cachorro me fez entender que eram eles que precisavam ser abastecidos com comida, e não o avião. Eu fiz um gesto com as mãos sinalizando que eles podiam descer sem mim, virei para o outro lado em posição fetal e voltei a dormir. Logo em seguida, Daphne me cutucou e falou uma dúzia de frases que o meu sono REM ignorou completamente. Diante da minha ausência de resposta – quiçá, da minha ausência de vida, tamanho era o meu estado de letargia -, ela simplesmente arrancou a minha bolsa dos meus braços e começou a esvaziá-la. Novamente eu abri os olhos com irritação – e, dessa vez, com certa confusão.
Velma: Daphne, você tem duzentas e noventa e seis bolsas de dez marcas de luxo diferentes, só queria entender por que diabos você precisa usar a minha…
Daphne: Em primeiro lugar, você está desatualizada: agora eu tenho trezentas. Em segundo lugar: eu só trouxe quinze dessas trezentas. Em terceiro lugar: em nenhuma dessas quinze que eu trouxe cabe mais do que dez mil dólares em notas de cem…
Por um momento, meu cérebro fez um esforço para formular a pergunta “por que raios você quer carregar mais de dez mil dólares em uma bolsa?”, mas quando ele percebeu que logo em seguida deveria ouvir uma resposta longa e entediante, ele simplesmente desistiu, fechou meus olhos e me devolveu aos braços de Morfeu. Certo tempo depois – sinceramente, não faço ideia de quanto – Fred me acordou delicadamente ao melhor estilo Fred Jones ao apertar o botão do meu assento e fazê-lo voltar à posição vertical para a decolagem. Depois que a inércia do movimento brusco quase fez o meu pescoço quebrar eu abri os olhos com muita irritação. Fred sorriu um pouco desconcertado pelo que havia feito e sinalizou para eu apertar o cinto. Eu obedeci e aguardei a decolagem ser realizada. Daphne devolveu a minha bolsa, disse meia dúzia de frases e mostrou algumas sacolas de bolsas e sapatos que responderam a minha dúvida anterior sobre a finalidade de carregar dez mil dólares em uma bolsa. Consegui manter meus olhos abertos até que os desenhos bonitos das nuvens contrastando com o céu azul me embalassem novamente em um sono profundo por horas.
Shaggy: Velma! Velma! Tipo, acorda, você vai morrer se dormir tanto!
Dessa vez, eu despertei totalmente revigorada, como se todo o sono que eu estava sentindo anteriormente tivesse se esgotado. O avião estava escuro, exceto pelas pequenas luzes do corredor e das luzes das duas poltronas onde Shaggy e Scooby estavam. Ao me ver acordada, Scooby passou por Shaggy e veio me cumprimentar. Eu alonguei os meus músculos e verifiquei as horas no relógio: 4:40 da manhã.
Velma: Jinkies, eu dormi tudo isso?
Shaggy: Tipo, eu já estava achando que você tinha morrido…
Antes que eu pudesse responder, Shaggy se levantou depressa de sua poltrona e se sentou na poltrona ao meu lado. Infelizmente, Scooby fez o mesmo, mas como não havia espaço livre, ele literalmente subiu em nossos colos e tentou acomodar seu enorme corpo em cima de nós. Ao olhar ao redor, notei Daphne adormecida e envolta em um sobretudo preto algumas poltronas à frente, e Fred dormindo em duas poltronas do meio. Percebi, então, que Shaggy e Scooby estavam com medo de ficarem sozinhos no escuro.
Velma: Pelos meus cálculos, chegaremos em Seul por volta das seis e meia…
Scooby chorou baixinho e abaixou as orelhas, e Shaggy emitiu um gemido de tristeza muito parecido.
Shaggy: Tipo, eu queria te perguntar se você tem alguma coisa para comer aí! Já faz quatro horas que nosso estoque de comida acabou… tipo, eu não sei se vamos conseguir sobreviver mais duas horas de estômago vazio…
Eu revirei os olhos e caminhei até a bolsa de Daphne para procurar alguns biscoitos. Felizmente, ela tinha um pacote fechado, e os dois engoliram todas as unidades antes que eu pedisse para que comessem devagar porque não haveria nenhuma comida pelas próximas duas horas. Após o pequeno lanche, Scooby voltou para a sua poltrona e Shaggy permaneceu ao meu lado jogando algum jogo do Mario – ele é o único adulto que eu conheço que possui um Nintendo Switch. Percebendo que o barulho do jogo e o irritante movimento que Shaggy fazia com as pernas ao se empolgar com jogo não me deixariam ler, eu decidi desperdiçar as duas horas restantes do vôo checando as minhas redes sociais. Marcie finalmente respondeu a minha mensagem de três dias atrás e me enviou tantas fotos de suas férias que meu pobre Samsung teve dificuldades de processar. O mau agouro em meu peito me fez digitar uma mensagem longa para a minha noiva, explicando nossas descobertas recentes, mas quando coloquei o ponto final na última frase, a razão me fez apagar tudo e digitar: “aqui está tudo bem também, te amo”. Meus pais também responderam a mensagem que eu enviei antes de deixar NY: minha mãe citou Schopenhauer para provar que a minha pequena e rara manifestação de carinho não foi nada mais do que uma representação do amor submetida à vontade do indivíduo. Já meu pai disse que me amava e encaminhou um artigo sobre a neurobiologia das emoções em situações de estresse que nem eu senti interesse de ler. Eu respirei fundo e insisti na conversa: “estou em Seul resolvendo um caso perigoso com a Interpol. Se eu não mandar notícias nos próximos dias, façam um escândalo. A mídia e o FBI não são confiáveis. Shaggy, Daphne e Fred estão comigo.”.
Fred: É uma merda, não é?
Levei um susto ao ouvir a voz de Fred acima da minha cabeça. Quando olhei para cima, percebi que ele estava na poltrona logo atrás de mim.
Velma: Sim, conviver com você é uma merda… pior ainda é tê-lo como capitão…
Fred sorriu com a minha provocação, e ao invés de responder, ele apenas me mostrou a tela de seu celular. Nela, uma mensagem gigantesca havia iniciado logo após Fred dizer ao seu pai que estava indo a Seul resolver um caso arriscado. Não consegui ler tudo, mas o pouco que li eram críticas de Fred Senior à atuação do filho na operação, artigos da mídia sobre falhas do caso e matérias difamando a vida financeira dos Blakes.
Fred: É sempre essa merda toda… qualquer coisa que eu faço ou falo tem que ser problematizado, discutido, criticado, ridicularizado…
Velma: Ou minimizado, utilizando como argumento alguma teoria filosófica alemã? É isso aí…
Fred: Porra, por que sempre é preciso complicar tanto? É tão difícil falar “boa sorte”, “tenha cuidado”, “boa viagem”, ou expressar qualquer porra de sentimento a respeito disso?
Velma: Eu acho que é, porque tem um idiota que eu conheço que prefere perder um rim a dizer um simples “eu te amo”…
De repente, a raiva de Fred se esvaiu e a cara de surpresa que ele fez demonstrou que ele nunca havia pensado que ele mesmo se comportava dessa forma em relação aos próprios sentimentos. Ao sentir o peso da discussão que havia acabado de começar, Norville deixou a poltrona ao meu lado e foi para a frente do avião. Antes que eu pudesse reforçar meu argumento, os mecanismos de defesa de Fred formularam uma resposta automática.
Fred: Besteira. Eu sei demonstrar meus sentimentos, eu até mandei uma mensagem e liguei para o meu pai…
Velma: Não, Fred, você sabe falar sobre camas e sobre ir para uma operação perigosa em Seul… você não disse que ama ninguém…
Fred: Eu mandei a mensagem, não mandei? Eu fiz a porra da ligação, cedi a porra da cama! Que mais eu preciso fazer para deixar claro o vínculo?
Velma: Precisa falar três palavrinhas simples… ou então, digitar três palavrinhas simples… se bem que você nunca foi bom em ortografia, eu me lembro que você gaguejava muito quando tinha que soletrar na pré-escola…
Fred: Velma, eu demonstro o que eu sinto, qualquer coisa além disso é frescura e sinal de fraqueza…
Velma: Seu pai também acha que demonstra o que ele sente por você criticando a maneira como você conduziu o caso… minha mãe também acha que demonstra o que sente por mim fazendo uma análise filosófica das minhas palavras… e é uma merda, Fred! É um amor que afasta ao invés de aproximar… é irracional, totalmente ilógico… chega a ser estúpido, entende? Sentir algo verdadeiro e não falar, não exercer, não aproveitar… ficar guardando esse sentimento para transformá-lo em culpa quando a pessoa vai embora, transformar em tristeza e flores bonitas quando a pessoa morre… sentimentos não são fraqueza… nem são teorias, nem frescura, nem reações fisiológicas… sentimentos são só sentimentos, servem para serem sentidos, simples assim…
Não sei como aquelas palavras saíram de mim, mas elas saíram. Foi como se aquele sentimento ruim em meu peito tivesse me possuído e me forçado a dizer coisas sobre amor e morte que eu mesma jamais admitiria. Fred, por sua vez, ficou sério e voltou para a sua poltrona sem dizer uma palavra. Em seguida, o piloto pediu que nos preparássemos para a aterrissagem, e isso foi uma desculpa excelente para Fred não ter que continuar aquela discussão. Logo após apertar meus cintos, senti uma tristeza incomum formar um nó na minha garganta. Não soube explicar por que motivo, nem como… também não achei nenhuma frase bonita de algum filósofo alemão para defini-la… então, eu decidi apenas senti-la. E quando eu me permiti fazer isso, meus olhos se perderam na janela do avião e eu entendi todo o significado do que eu estava sentindo: estávamos sobrevoando a ilha de Silmido.
***
Eu mal havia terminado de colocar meus pés na pista do aeroporto de Seul quando Scooby e Shaggy me empurraram com violência quando passaram por mim correndo. Quando eu avistei o símbolo de um restaurante chamado Burguer Hunter eu entendi o motivo de tanta pressa. Daphne estava igualmente eufórica por ter descoberto uma loja da Fendi no aeroporto e se preparou para adquirir mais algumas bolsas. No fim do corredor de desembarque eu avistei três homens orientais, dois deles estavam elegantemente vestidos e aparentavam ter mais de quarenta anos. O mais novo e mais baixo deles estava com roupas comuns e acenou alegremente para nós. Quando eu me aproximei, eu pude ler “Liang Flim Flam” na credencial da Interpol que ele trazia em um cordão em seu pescoço, e percebi que, incrivelmente, ele era cerca de dez centímetros mais baixo do que eu, e bem mais charmoso do que aparentava ser nas chamadas de vídeo.
Flim Flam: Que bom encontrar vocês sem ter que acordá-los de madrugada, nem ter que passar a noite em claro!
Os três homens cumprimentaram Fred e eu cordialmente, e Flim Flam apresentou os dois homens mais velhos: um deles, assim como Flim Flam, era um agente chinês da Interpol, e o outro era um comandante do serviço de inteligência chinês. Em seguida, Flim Flam nos apresentou aos dois homens e falou um pouco sobre como nós estávamos conduzindo o caso em Nova York. Ele teve a fala interrompida por Daphne, que surgiu de repente com algumas sacolas e deixou um beijo forte na bochecha dele enquanto o envolvia em um abraço apertado. Flim Flam corou imediatamente e ficou totalmente desconcertado, assim como os dois outros homens. E eu me diverti de ver a cara ciumenta de reprovação de Fred Jones ao presenciar aquela demonstração de carinho.
Daphne: Eu ainda não acredito que reencontrei você pessoalmente depois de todos esses anos, que saudade!
Flim Flam: E essa daqui é a Daphne Blake, senhores… bem, eu acho que ela dispensa apresentações, né, ela é incrível…
A conotação que a expressão “dispensa apresentações” adquiriu só piorou a cara de Fred.
Fred: Ela é a advogada do caso e foi quem iniciou a investigação. É também filha do George Blake, um dos alvos da difamação dos VIPs…
A irritação na fala de Fred era evidente, mas Flim Flam pareceu não se importar. Daphne, porém, ficou incomodada com o elogio… ou com o fato do elogio causar desconforto em Fred, então, procurou mudar rapidamente (e desesperadamente) de assunto.
Daphne: Ah, e como foi o encontro com Gi-Hun? Vocês descobriram mais alguma coisa?
Flim Flam: Não. Na verdade, ficamos com mais perguntas do que respostas, pois quando o avião em que ele embarcou em Nova York pousou aqui em Seul, ele não estava a bordo… e até agora não soubemos explicar como ele simplesmente desapareceu, pois o vôo não tinha escalas…
Daphne: Então o nosso Gi-Hun é D.B. Cooper sul-coreano?
Flim Flam: Não, ele é bem pior! As pessoas sabiam que D.B. Cooper havia saltado do avião… já Gi-Hun, não fazemos ideia de como ele conseguiu simplesmente desaparecer antes do vôo aterrissar… e fazer isso sem que as câmeras registrassem qualquer evidência…
Velma: Bom, nada de novo em relação a esse caso, não? Essa é apenas mais uma bizarrice entre tantas que já encontramos ao longo da investigação…
Flim Flam: Falando em bizarrice, deixe-me mencionar mais uma: esses dois cavalheiros vieram comigo porque receberam em suas casas um envelope com um punhado de fotos de pessoas que desapareceram em Seul nos anos anteriores. E dentro deste envelope havia uma folha de papel que dizia…
Velma: “Operação cachalote, 21.06.21, 10pm”?
Flim Flam: Exato! Como você sabe?
Fred: Porque encontramos isso…
Fred então retirou o pedaço de plástico da mochila e entregou nas mãos de Flim Flam, que desembrulhou o conteúdo com cuidado.
Velma: Gi-Hun usou o banheiro no segundo local em que esteve, e quando fomos até lá, notamos que havia uma passagem secreta. Seguimos a trilha de alvejante que ele nos deixou e encontramos isso em um local muito parecido com aquele corredor da Liberty que fica dentro do frigobar…
Fred: Certamente Gi-Hun está recrutando agentes ao redor do globo para acabar com o tal “Jogo da Lula”… a própria filha dele disse isso em depoimento…
Velma: E o próprio nome da operação sugere isso, visto que cachalotes devoram lulas gigantes…
Flim Flam: Então provavelmente haverá outros agentes?
Fred: Esperamos realmente que sim. Precisamos de toda a ajuda possível para pegar os VIPs…
Flim Flam: Falando em ajuda, nossa equipe acaba de receber reforços…
Dois homens orientais - que aparentavam ter a mesma idade que nós- vieram em nossa direção e Flim Flam logo estendeu a mão para cumprimentá-los. Em seguida, os dois cumprimentaram cada um de nós.
Flim Flam: Pessoal, quero que conheçam os agentes Park e Yong da polícia de Seul. Eles estão investigando os desaparecimentos e irão nos auxiliar nesse caso…
Shaggy: Tipo, que bom saber que teremos agentes com alturas humanamente normais nos ajudando… por que você, Flim Flam, só serviria para lutar batalhas élficas…
A aparição repentina de Shaggy e Scooby provocou um sorriso em Flim Flam e os dois amigos se cumprimentaram com alegria – e logo em seguida Flim Flam respondeu à provocação dizendo algo sobre a mãe de Shaggy. Os agentes da polícia de Seul, então, sugeriram que continuássemos a conversa no hotel, em local mais privado e seguro, e nós concordamos. Enquanto eu caminhava em direção à porta de saída, eu me senti observada, e ao olhar ao redor, eu notei um casal distinto olhando diretamente para mim. Ambos eram jovens, pareciam um pouco mais velhos do que nós, o homem era alto, tinha porte atlético, cabelos castanhos e olhos azuis. A mulher era loira e igualmente atlética, com cabelos curtos e encaracolados, dotada de uma beleza tão rara que prendeu o meu olhar por alguns segundos. Ao encará-los por um momento, os dois desviaram o olhar e se dispersaram na multidão.
Fred: Você precisa aprender a olhar para uma mulher bonita sem deixar totalmente claro que você está secando ela… se quiser umas aulas, a gente marca um dia… amadora…
Velma: Se quiser umas aulas sobre deixar de ser um imbecil, a gente marca um dia… cuida da sua vida, Jones! Você também estava olhando…
Fred: Mas não daquele jeito ridículo como você olhou… amadora…
Aparentemente, Shaggy ouviu o conteúdo de nossa conversa, porque ele passou por nós rindo da minha cara – e isso me irritou ainda mais, por isso retruquei.
Velma: Com certeza você também olhou, Norville, seu hipócrita!
Daphne: Olhou o quê?
Daphne nos olhou com inocência e percebi que a pergunta dela foi verdadeira. O grande sobretudo que a envolvia no avião já não estava mais em seu corpo e se transformou em uma pilha de tecido amarrotado dentro de uma das sacolas, então tudo o que vestia suas boas formas era um vestido tubinho preto curto que destacava sua pele branca, os traços delicados de seu rosto e o vermelho vivo de seus cabelos. Então, eu aproveitei o estado de silêncio profundo que Fred entrou ao admirar aquela visão inesperada e bela para me vingar.
Velma: Nada demais, só dois homens nojentos sendo dois homens nojentos e olhando feito cachorros para uma garota bonita que passou por nós…
Infelizmente, Shaggy estava longe demais para ouvir a minha provocação e Fred estava distante demais da realidade para ouvir o que eu disse. Mas Daphne ouviu. E ficou do meu lado.
Daphne: Deveriam se envergonhar! Já estão bem grandinhos, deveriam saber respeitar uma garota…
Daphne deu as costas para nós dois e se afastou em direção aos demais. Notei que ela ficou um pouco ofendida com a atitude de Fred e sequer notou o transe contemplativo que seu vestido preto havia causado nele. Eu passei por Fred sorrindo vitoriosa e arrastando minhas malas, quando cheguei perto dele o suficiente dei um pequeno tapa na bochecha direita dele para fazê-lo parar de olhar para Daphne.
Velma: Eles já estão no corredor de taxi, vamos logo!… amador…
***
Ao chegarmos ao hotel, Daphne e eu nos encarregamos de fazer o check-in enquanto Fred conversava com os agentes chineses e coreanos. Shaggy estava ansioso para receber o cartão de seu quarto porque ele era o passaporte para entrar no grande salão onde o café da manhã estava sendo servido. Porém, no momento em que o atendente cedeu os cartões, Fred interveio.
Fred: Quatro cartões? Nem pensar! Vamos pegar uma suíte quádrupla, ficaremos todos juntos, é mais seguro…
O atendente informou que não existiam quartos disponíveis que pudessem abrigar todos nós, e que o melhor que ele poderia fazer era nos alojar em quartos duplos. Além disso, ele mencionou que o cão contaria como uma pessoa e deveria ocupar um quarto duplo com seu tutor. Fred ficou visivelmente insatisfeito, mas cedeu. Então, nos organizamos em duplas - Daphne e eu, Shaggy e Scooby, Fred e Flim Flam – nos dirigimos aos quartos duplos. Melhor dizendo, todos nós exceto Scooby e Shaggy, que correram para o buffet de café da manhã e só saíram de lá quando o chef do local convidou Shaggy a se retirar.
***
Eu estava secando os meus cabelos quando ouvi uma batida na porta do quarto. Daphne se adiantou e abriu a porta para Scooby e os garotos, e liberou espaço nas camas e poltronas para eles se sentarem. Antes que eu pudesse evitar, Scooby colocou as patas na água suja do meu banho e começou a bebê-la. Eu abri o ralo e o retirei da banheira com irritação – e fiquei ainda mais brava ao notar as manchas de patas que ele deixou no carpete branco do nosso quarto. O primeiro reflexo de Shaggy foi checar se havíamos comido os bombons finos que as camareiras deixaram nas camas, e quando ele percebeu a ausência dos chocolates, ele se dirigiu ao nosso frigobar para pegar alguns itens de seu interesse. Flim Flam abriu seu notebook e Fred se sentou ao lado dele – não sei se ele fez isso por interesse no conteúdo existente no computador, ou se foi apenas para evitar que Daphne se sentasse do lado de Flim Flam.
Flim Flam: Acho que descobri algo sobre a tal “chave secreta” utilizada para fazer as transferências… e também descobri a maneira como todas as transferências foram feitas… foi tudo feito pelo SWIFT…
Nós nos aproximamos de Flim Flam para ouvi-lo – exceto Shaggy, que permaneceu próximo do frigobar, e de Scooby, que retornou ao banheiro para verificar se a banheira estava novamente cheia.
Daphne: SWIFT…? Está se referindo ao sistema bancário global?
Flim Flam: Exatamente… aquele sistema que o banco de um país usa para fazer transações financeiras para outro…
Daphne: Então a tal chave secreta seria uma chave SWIFT?
Flim Flam: Não exatamente… na verdade, essa chave não é um código, nem uma senha, é um malware… e ele foi elaborado para emitir mensagens SWIFT não autorizadas aos bancos e ocultar as mensagens que foram enviadas… depois que esse malware enviou as mensagens SWIFT à Applegate e recebeu os fundos, ele excluiu o registro de tudo o que fez no banco de dados das transferências e tomou outras medidas para impedir que as mensagens de confirmação revelassem o roubo…
Daphne: Dá para falar a minha língua?
Shaggy: Tipo, alguém fez um vírus que mandou mensagens de cobranças bancárias falsas para Applegate Bank e Applegate pagou tudo pensando que eram cobranças de verdade. Depois que o vírus conseguiu roubar o dinheiro, ele apagou o histórico de tudo o que foi feito para ninguém descobrir.
A explicação de Shaggy teria sido genial se não tivesse sido feita de boca cheia, enquanto ele mastigava batatas Pringles. A única coisa mais irritante do que vê-lo mastigando de boca aberta era ver Scooby rolando na banheira úmida, tentando aproveitar ao máximo o resto da água que havia no local.
Daphne: É por isso que ninguém do departamento de inteligência estava conseguindo encontrar informações sobre esse código?
Flim Flam: Exatamente…
Fred: Então a transferência ocorreu como os roubos que ocorreram nos bancos asiáticos anos atrás?
Flim Flam: É o que parece…
Velma: E você tem alguma pista sobre o responsável pelo malware?
Flim Flam: Bem, eu tenho algumas suspeitas… Hwang In-ho era um exímio programador, ele poderia ter feito algo do tipo tranquilamente… isso sem mencionar os VIPS… todos eles têm conhecimento, competência e dinheiro o suficiente para conseguir desenvolver algo do tipo…
Daphne: Bem, o lado positivo é que agora temos provas que Blake Bank e Applegate Bank são inocentes e nunca se envolveram financeiramente com a Liberty! E a mídia finalmente poderá deixar papai em paz…
Flim Flam: Bem, infelizmente não é tão simples assim, Daph… como eu disse, o malware apagou todas as evidências do que fez, então teremos um pouco de trabalho para consegui-las… enquanto isso não acontecer, não temos como provar que Applegate foi vítima de um golpe…
Flim Flam foi interrompido pelo barulho de seu celular tocando e ele se afastou para atender a chamada. A frustração no rosto de Daphne era evidente, e Fred se aproximou para consolá-la.
Fred: Hey, Daph… fique calma… tudo irá acabar logo…
Fred parecia mais cuidadoso com as palavras dessa vez e não mencionou que nós “vamos prender uma quadrilha internacional logo”. Quando ele terminou, olhou para mim esperando algum feedback positivo pela maneira diferente (e mais empática) como ele havia se comportado. Eu aprovei a atitude com um sorriso e Fred timidamente colocou um braço ao redor dos ombros de Daphne e a abraçou. Ela não retribuiu o abraço, apenas olhou para ele com certo espanto.
Daphne: Sim, Freddie… eu creio que sim… tenho fé em Gi-Hun e em todos nós, mas… será que a resolução do mistério irá conseguir reverter os danos que todo esse escândalo midiático causou? Certamente, eles não vão pedir desculpas publicamente e pedir que as pessoas parem de pensar as coisas ruins sobre nós que eles as induziram a pensar… a reputação dos Blakes está manchada para sempre…
“Bem, nunca foi uma reputação muito boa…”, foi o primeiro pensamento que surgiu em minha mente e eu reprimi enquanto proporcionava algum apoio emocional a Daphne. “Os Blakes podem pagar para limpar a própria reputação”, foi o segundo pensamento que me ocorreu. “Basta parar de tomar as casas das pessoas por não conseguirem pagar a hipoteca, fazer a caridade que vocês nunca fazem e doar valores tão exorbitantes quanto os juros que vocês cobram”, foi o terceiro pensamento. E então abracei Daphne para afastar qualquer outro tipo de pensamento que me induzisse a criticar George Blake ao invés de apoiá-lo.
Fred: Não! Nós FAREMOS a mídia reverter, obrigaremos se for preciso! Vamos fazer um escândalo nas mídias sociais e divulgar o envolvimento da mídia e do FBI com os VIPS… provaremos que todas as notícias fizeram parte de uma campanha de difamação paga pelos VIPS, e o jogo irá virar contra eles… eles cairão nas leis contra fake news… e as pessoas entenderão, Daph, elas estão cheias dessa mídia mentirosa e manipuladora…
“Se você mobilizar todas as jornalistas com quem já dormiu, conseguiremos fazer um enorme mutirão a favor dos Blakes”, foi outro pensamento venenoso que me ocorreu. E, felizmente, Flim Flam se aproximou para afastar de mim toda aquela maldade.
Flim Flam: Turma, os agentes da polícia de Seul estão nos esperando na delegacia para discutirmos detalhes das nossas próximas ações nesse caso… Vamos, temos que ir…
Ao ouvir a palavra “vamos” – a palavra que Shaggy sempre diz quando vai levá-lo para passear -, Scooby-Doo pulou da banheira, começou a latir alegremente e a pular em todos nós, deixando marcas úmidas de patas no carpete e em nossas roupas. Eu olhei para Norville com raiva e ele ficou sem jeito, então tratou de tirar o cão o mais rápido possível do meu quarto. Daphne revirou os olhos e pediu alguns minutos para trocar de roupa. Enquanto ela estava trancada no banheiro se arrumando, seu celular vibrou diversas vezes e o rosto de Alan Mayberry surgiu na tela. Nós nos olhamos com espanto e Fred recusou a chamada.
Velma: Vamos, Daphne, precisamos ir agora!
***
A delegacia de polícia de Seul era tão bonita e tão bem cuidada quanto o prédio da Liberty em NY, e mais lembrava um shopping Center do que uma delegacia. Havia pouquíssimos agentes trabalhando no local. Quem nos recebeu foi o agente Park, que nos apresentou ao resto de sua pequena equipe. Após os cumprimentos de costume, o agente Yong nos informou que algumas vítimas desaparecidas nos anos anteriores foram identificadas e as famílias foram notificadas – inclusive a mãe de Cho Sang-woo. Ele disse que uma força tarefa foi montada nos metrôs da cidade para procurar pelos homens que realizam o recrutamento das vítimas para os jogos, porém, nada havia sido encontrado até aquele momento. Também disse que eles não conseguiram obter nenhum tipo de resposta ao ligar para o número telefônico que consta nos cartões. Quando ele terminou, o agente Park afirmou que nenhum desaparecimento foi registrado em Seul até aquele momento, algo bastante atípico nos últimos trinta e três anos. Quando os dois agentes terminaram as suas falas, o capitão da polícia de Seul tomou a palavra e fez um breve discurso nos agradecendo por termos resolvido os desaparecimentos e declarou a reunião encerrada. Eu notei que Flim Flam e os demais estavam confusos, mas não disseram nada. Apenas Fred Jones ficou incomodado o suficiente para protestar.
Fred: Quer dizer que a porra do caso está resolvido só porque meia dúzia de pessoas foram identificadas e a sua equipe incompetente não foi capaz de achar nenhum dos recrutadores? E quanto às mais de 12 mil pessoas desaparecidas nos últimos 33 anos? E quanto a nós? Viemos até Seul só para passear e ouvir esse discurso de merda?
A fala por si só já era rude, mas quando ela saiu da boca de Fred Jones com a entonação raivosa e arrogante de Fred Jones, ela pareceu centenas de vezes mais bruta.
Daphne: Freddie! Olha a maneira como você fala!
Fred: Não foi uma maneira boa? Então deixe-me ser mais claro, Daphne, quem sabe assim eles me entendem: A porra do caso não foi resolvido! Viemos aqui resolver um mistério que existe há anos nessa cidade, e só sairemos quanto todos os VIPs estiverem atrás daquelas grades…
Obviamente, a maneira grosseira e ameaçadora como Fred expôs sua ideia não causou uma boa reação nos agentes da polícia de Seul. Com a mesma rispidez, os agentes Yong e Park responderam Fred Jones, e como é esperado do nosso capitão, ele respondeu de maneira ainda pior, até que a discussão chegou às vias de fato e Daphne e eu tivemos que segurar Fred para ele não agredir os dois agentes que partiram para cima dele. Percebendo o clima tenso, Scooby começou a latir e rosnar para os agentes, e no momento em que o capitão da polícia de Seul disse algumas palavras duras sobre o cão, foi a vez de Daphne e eu segurarmos Shaggy para ele não agredir os críticos de seu cachorro. Os agentes chineses, apesar de concordarem com Fred, estavam mais calmos, por isso conseguiram apaziguar os ânimos e conduzir a situação para um diálogo mais amistoso.
Flim Flam: Muito bem, senhores, agora que todos estão mais calmos eu gostaria que vocês ouvissem a opinião de um agente da Interpol… como o capitão Jones mencionou, esse caso tem mais de trinta anos e mais de doze mil vítimas, e nós sabemos que a qualquer momento mais pessoas podem desaparecer… temos pistas sobre a identidade dos autores dos desaparecimentos, então eu creio que o mais sensato nesse momento seria unir nossos esforços para prender os responsáveis…
Fred ainda estava nervoso e tinha uma expressão muito séria no rosto. No momento em que Flim Flam terminou de falar, o celular dele vibrou e notei que um número desconhecido lhe enviou uma mensagem que dizia “jamais mencione Gi-hun ou a Operação Cachalote”. Após terminar de ler, Fred parecia confuso, mas quando o olhar dele se cruzou com o olhar do agente da inteligência chinesa, ele entendeu quem havia lhe enviado a mensagem.
Yong: Os esforços estão sendo feitos, agente Flim Flam… estamos nos metrôs e estamos processando as pistas sobre os desaparecimentos… quanto aos tais “responsáveis”, não temos nenhuma informação… o senhor teria algo a nos sugerir?
A fala de Yong fez Scooby resmungar por um tempo, até que o som se tranformou em um rosnado muito grave e ele começou a latir. Shaggy tentou fazê-lo parar, mas como não teve sucesso, ele se retirou da sala levando Scooby pela coleira e o agente da inteligência chinesa o seguiu.
Flim Flam: Eu poderia fazer uma lista de sugestões, Sr Yong… a começar pelo número de telefone fixo que consta nos cartões… não me lembro de ouvi-los dizer que procuraram a companhia telefônica para obter o nome do responsável pela linha o endereço dele…
Yong: Aí que você se engana, agente… o número foi registrado em um prédio abandonado, em nome de Oh Il-nam, um ilustre bilionário coreano que faleceu recentemente…
Flim Flam rapidamente anotou aquelas informações enquanto Daphne e eu cuidávamos para que Fred ficasse calado.
Flim Flam: Pois bem, Oh Il-Nam é o dono da Liberty… e provavelmente o responsável pelos desaparecimentos e pelas movimentações financeiras que incriminaram George Blake e Steven Applegate…
Yong: Que movimentações financeiras, agente? Desconhecemos qualquer tipo de prática desse tipo… a Interpol fez alguma descoberta recentemente?
Flim Flam hesitou em responder e acabou se calando, porém, o silêncio se tornou ainda mais comprometedor do que uma resposta. O agente Park, porém, procurou instigar uma nova discussão.
Park: Mais alguma sugestão genial, agente Flim Flam? Algo que ainda não tenhamos feito? A impressão que tenho é que vocês acham que somos pobres cidadãos indefesos e precisamos da ajuda de super heróis americanos e espiões secretos chineses para resolver nossos próprios problemas…
Fred se levantou com a intenção de partir para cima do agente Park, mas foi surpreendido por Flim Flam, que com uma agilidade impressionante pegou o agente Park pelo colarinho e o intimidou. Antes que pudéssemos tomar qualquer atitude, o outro agente da Interpol puxou Flim Flam e o fez soltar o agente coreano. Para evitar que outra discussão acalorada começasse se Fred ou Flim Flam tomassem a palavra novamente, eu decidi assumir o controle da situação.
Velma: Na verdade, agente Park, não estamos aqui para julgar o valor ou a eficiência de seu trabalho… viemos apenas ajudá-los no que for necessário para solucionar esse problema… e ao contrário do que o senhor disse, esse problema não pertence exclusivamente a vocês cidadãos sul-coreanos… a empresa Liberty que realizou as fraudes financeiras tem sede em Nova York, temos vítimas fatais de diversas nacionalidades, dois banqueiros americanos que estão sendo alvo de difamação injusta por crimes financeiros que eles não cometeram… e os responsáveis pelos crimes – que se auto-intitulam VIPs – são, em grande maioria, americanos e europeus…
Flim Flam: E, com todo respeito, agentes, vamos prender esses responsáveis com ou sem a ajuda de vocês, afinal, esse caso também está nas mãos da Interpol… se vocês nos ajudarem, será mais fácil; se vocês não ajudarem, não tem problema, porque fomos informados que…
Fred: QUE NOS ESTADOS UNIDOS O FBI ASSUMIU O CASO, E EU ACREDITO QUE O MESMO DEVE TER OCORRIDO NA CHINA E NOS DEMAIS PAÍSES, ENTÃO NÃO ESTAREMOS SOZINHOS EM NOSSAS BUSCAS, OS MELHORES AGENTES DA INTELIGÊNCIA IRÃO NOS AUXILIAR…
Fred praticamente gritou e isso nos assustou em um primeiro momento, mas logo em seguida, Daphne, Flim Flam e eu entendemos que a resposta improvisada tinha a intenção de evitar que Flim Flam falasse sobre a “operação cachalote” de Gi-Hun.
Park: Façam como queiram, agentes. Ao contrário do que deixei transparecer nas minhas falas anteriores, a ajuda de vocês é muito bem-vinda. Porém, eu lhes asseguro que todas as medidas estão sendo tomadas e este caso está lentamente caminhando para um desfecho satisfatório, então, não há o que fazer no momento. Se vocês tiverem algum tipo de sugestão ou informação para nos fornecer, estamos dispostos a ouvir.
Wang: Não temos nada a dizer, senhores, viemos aqui para ouvi-los e trabalhar conforme as suas ordens. Se isso é tudo o que vocês tinham para nos dizer, então já cumprimos o nosso dever aqui e devemos nos retirar.
A fala do outro agente da Interpol nos deixou confusos, porém, a maneira confiante como ele falava transpareceu confiança o suficiente. Notei que os agentes coreanos ficaram um pouco irritados com o que Wang disse, e pareciam frustrados por não dizermos mais detalhes sobre nossas descobertas.
Park: Sim, isso é tudo. Agradecemos a presença de vocês. Entraremos em contato assim que tivermos novidades.
Wang: Igualmente, agente Park.
Os homens apertaram as mãos uns dos outros - mesmo que contra vontade, no caso de Fred Jones – e nós saímos da delegacia com mais perguntas do que respostas. Apenas o agente da inteligência chinesa estava nos esperando do lado de fora, de acordo com ele, Shaggy e Scooby estavam em uma lanchonete próxima.
Velma: Jinkies, que merda de reunião foi aquela? Eu pensei que eles iriam gostar de receber a nossa ajuda! Alguém mais achou aquilo muito estranho?
Daphne: Eu achei! Tive a impressão que eles não queriam agir, não queriam investigar… eu duvido que eles tenham investigado mesmo os metrôs e o número de telefone…
Fred: Eles não queriam agir, não queriam investigar, nem queriam falar o que sabiam sobre o caso… eles só queriam nos ouvir… foi por isso que fomos chamados aqui… eles queriam as informações que a nossa equipe e a Interpol conseguiram… pois, provavelmente, eles estão a serviço dos VIPs… é a única explicação racional para aquela palhaçada de considerar que o caso foi solucionado…
Wang: Provavelmente, não… certamente eles estão a serviço dos VIPs…
O agente Wang então sinalizou para que o agente da inteligência chinesa mostrasse uma caixa de texto na tela de seu celular. Ao digitar o nome dos agentes Park e Yong no campo de busca, nenhum resultado era encontrado.
Wang: Essa é uma lista de todos os policiais sul-coreanos cadastrados. Apesar de Park e Yong serem sobrenomes muito comuns, não há nenhum agente cadastrado com os mesmo nomes daqueles dois que encontramos agora há pouco.
Daphne: Meu Deus! Eram agentes falsos?
Wang: Eu creio que todos eles eram, Srta. Blake… só não consegui compreender como eles conseguiram nos rastrear… nossas ações são sigilosas e nossa segurança digital é muito boa, e se eles conseguiram burlar tudo isso, temos que ter muito cuidado…
Flim Flam: Eles não nos rastrearam, agente Wang… eu rastreei eles… eu descobri sobre o malware que eles criaram para fraudar o SWIFT, e quando eu fiz isso, eu acho que fui contaminado e meus dados vazaram…
A revelação de Flim Flam me causou uma crise de ansiedade intensa, e a paranóia começou a perturbar meus sentidos.
Fred: Então eles queriam que falássemos sobre a sua descoberta a respeito do SWIFT? Eu desconfiei mesmo de que aquela conversa idiota de “estamos solucionando os desaparecimentos” era só uma distração…
Daphne: É o que parece, Freddie, pois assim eles saberiam como proceder para eliminar de vez essa prova contra os VIPs e evitar que nós façamos justiça por papai e pelo Sr. Applegate…
Flim Flam: Eu concordo. Eles tentaram tocar no assunto dos desvios financeiros de todas as formas…
Daphne: E Scooby rosnou para eles da mesma maneira como rosnou para Alan há alguns dias… ele pode ter sentido que algo estava errado…
Eu me preparei para dizer “falando em Scooby, onde está Shaggy?”, mas no mesmo momento fui surpreendida com uma patada violenta nas minhas costas que quase me derrubou. Não satisfeito por ter pulado em mim, Scooby começou a pular em todos – e quase derrubar todos -, até que conseguiu subir nos braços de Fred. Logo em seguida, Shaggy surgiu correndo, me abraçou com força e escondeu o rosto nos meus ombros. Os dois pareciam assustados e Scooby tremia bastante. Daphne ficou com pena de ver o cão naquela situação e ofereceu alguns biscoitos para acalmá-lo e fazê-lo descer do colo de Fred.
Shaggy: EU TAMBÉM TÔ COM MEDO, VIU DAPHNE, TIPO, VOCÊ NÃO SENTE PENA DE MIM NÃO?
A bronca de Shaggy nos fez rir, e no momento em que Daphne tentou lhe entregar os biscoitos que restavam no pacote, Scooby-doo abocanhou a embalagem e saiu correndo.
Shaggy: Scooby-doo, seu ingrato miserável, isso não se faz! Tomara que aqueles dois peguem você e te levem para o centro de adoção!
Fred: Aqueles dois? De quem você está falando, Shaggy?
Shaggy: Tipo, daquele casal que a gente viu no aeroporto e a Velma ficou babando na mulher loira bonita!
Daphne: Velma! Era para você ensiná-los a não fazer esse tipo de coisa machista e nojenta, sabia?
Eu corei violentamente, não sei se devido ao comentário de Shaggy ou devido à bronca de Daphne. E logo procurei mudar de assunto para esquecer aquela situação.
Velma: Onde eles estavam, Shaggy?
Shaggy: Tipo, onde eles não estavam! Desde que eu saí da delegacia com o Scoob eles estão me seguindo… eu entrei na sorveteria e eles entraram… eu dei uma volta no quarteirão, eles vieram atrás…
Fred: Então vamos atrás deles! Eles devem estar a serviço dos VIPs, assim como os agentes falsos…
Apesar da ordem de Fred, eu paralisei. A ansiedade e o medo não permitiram que eu tomasse qualquer tipo de atitude. Ao perceber a minha situação – e a fragilidade de Daphne – Fred deu uma nova ordem para Shaggy, Scooby, Flim Flam e Wang e pediu para que Daphne e eu permanecêssemos em segurança na companhia do agente Li da inteligência chinesa. Os garotos ficaram ausentes por mais de meia hora, e nesse período Daphne rejeitou inúmeras ligações de Alan Mayberry. Quando vi Flim Flam surgindo correndo em nossa direção, o telefone de Daphne tocou e um número desconhecido apareceu na tela. Ela olhou para mim pedindo sugestão sobre o que deveria fazer, mas eu estava distraída tentando desvendar o que Flim Flam estava tentando me dizer. Daphne então atendeu a ligação, mas logo em seguida ela foi encerrada sem ninguém dizer uma palavra. No mesmo momento, Flim Flam nos alcançou ofegante.
Flim Flam: Parem aquele Uber imediatamente!
Infelizmente, a ordem de Flim Flam foi tardia e tudo o que fiz foi observar um carro passando por nós com o mesmo casal que vimos no aeroporto no banco traseiro. Em um reflexo desajeitado, eu consegui ao menos fotografar a placa do carro.
Velma: O que houve?
Flim Flam: Encontramos os dois observando Scooby e Shaggy há três quarteirões daqui… mas quando fui abordá-los, eles fugiram…
Daphne: Agora há pouco um número estranho me ligou, será que eram eles?
Daphne inocentemente mostrou a chamada em seu histórico e no momento em que olhou a tela, Flim Flam quase perdeu os sentidos. Eu me aproximei para olhar e senti na pele a mesma perplexidade, mesmo medo e mesmo desespero que ele demonstrou ter sentido ao ver o número 86504006, o mesmo número impresso nos cartões de visita.
Flim Flam: Daph, infelizmente não era aquele casal que estava te ligando… eram os VIPs…
***
Flim Flam: Bem, a informação que eu tenho é que as vítimas ligam para os números, nunca houve um caso em que o número ligou para uma vítima, correto?
Eu apenas balancei a cabeça para concordar com o que foi dito. Daphne não conseguiu esboçar nenhuma reação.
Flim Flam: Certo. Então poderíamos considerar que Daphne é um caso especial e não será uma vítima! Concordam?
Nem eu, nem ela conseguimos concordar. Estávamos assustadas demais para isso.
Flim Flam: E poderíamos também supor que estávamos perto de agentes infiltrados que podem ter pegado o número da Daph…
Daphne: Flim Flam, pare de tentar me acalmar, eu sei que eles fizeram isso para rastrear meu número e conseguir sabe-se lá que tipo de informação que eles querem…
Flim Flam: Bem, poderíamos supor que seria esse o motivo porque…
Daphne: Porque eu sou a filha de George Blake e eles podem me sequestrar para chantagear o meu pai e fazê-lo ficar quieto sobre todos os crimes que descobrimos até agora… pare de tentar ser legal, Flim Flam, eu já entendi que eu estou encrencada…
Flim Flam: Você não está, Daph… nós poderíamos considerar de você está…
Daphne: FLIM FLAM!
Flim Flam: Ok, você está encrencada…
Daphne: Droga, como eu pude ser tão burra? Eu estraguei tudo!
Velma: Não foi culpa sua, Daphne, foi culpa minha, eu deveria ter reconhecido o número antes de você atender…
Flim Flam: Foi culpa minha, eu distraí vocês duas…
Li: Não é culpa de ninguém. Estamos em uma guerra e esse tipo de coisa acontece.
Daphne: O que eu faço agora? Jogo esse celular no lixo?
Flim Flam: Daph, eu acho que até a filha de um banqueiro consegue concordar comigo que descartar um iPhone 13 em perfeitas condições é um absurdo…
Li: Eu acho que devemos mantê-lo… talvez consigamos informações sobre quem ligou, de que lugar, coisas do tipo…
Velma: Mas e quanto ao risco de os VIPs nos rastrearem?
Li: Sinto lhes dizer, mas se eles enviaram policiais falsos para nos encontrar, eu creio que eles já sabem exatamente onde estamos… eu acredito que eles não desejam nos rastrear, eles desejam roubar as informações que sabemos para nos impedir de prendê-los…
Quando Li disse “eles sabem onde estamos”, meu estômago embrulhou com a mesma rapidez com que meu coração ansiosamente batia, e eu senti novamente o pânico tomar conta dos meus sentidos.
Daphne: E se tentássemos contatar policiais verdadeiros?
Li: Seria perigoso demais… poderíamos não ter tanta sorte quanto tivemos dessa vez ao achar as evidências de que eles eram infiltrados… e cairíamos nas mãos dos VIPs…
Daphne: Droga, nós estamos sozinhos! Eles são muitos! Tantos que nem sabemos direito em quem confiar… pode ser que algumas dessas pessoas andando na rua neste momento sejam espiões…
Daphne disse tudo com voz de choro, e ao olhar para ela eu notei que ela estava tendo dificuldades de controlar seu medo.
Flim Flam: Calma, Daph, não estamos sozinhos… também temos nossos infiltrados e pessoas suficientes estão cientes sobre esse caso, fique tranqüila…
Velma: E nós temos os garotos… e uma a outra… e Scooby… e nós somos muito bons no que fazemos… vamos vencer mais essa…
A mensagem motivacional serviu para mim mesma, visto que eu visivelmente estava mais nervosa do que Daphne. Shaggy, Scooby, Wang e Fred chegaram de repente e um silêncio profundo calou nossa conversa. Desconfiados, eles perguntaram repetidamente o que estava acontecendo, mas nenhum de nós teve coragem de contar. Quando nossos motoristas de Uber chegaram, Flim Flam sinalizou para que Daphne e eu fossemos em um carro com o agente Li, enquanto ele e o agente Wang seguiriam no outro carro com Fred. Scooby e Shaggy tiveram que ir em um terceiro carro que aceitasse um animal – e tivesse balinhas para agradar o dono do animal.
***
Depois do ocorrido, Daphne tratou o próprio celular como se estivesse contaminado com o vírus Ebola. Ao entrar no hotel, ela o retirou da bolsa com a ponta dos dedos e entregou para que o agente Li pudesse realizar a perícia necessária. Nós duas seguimos para o nosso quarto com a intenção de descansar um pouco, mas logo percebemos que Li nos seguia e entendemos que ele desejava fazer uma reunião para discutir os próximos passos. Poucos minutos após entrarmos, eu ouvi a porta ser arranhada e a abri para Scooby e Shaggy entrarem. Obviamente, Norville voltou para o frigobar e Scooby voltou para a banheira; Norville tratou de esvaziar a pequena geladeira com a desculpa de “não se preocupem, garotas, depois os funcionários repõem”, e Scooby, insatisfeito por não ter nenhuma água onde rolar, começou a morder a torneira irritantemente até conseguir abri-la. Li estava concentrado fazendo alguns testes e mexendo no celular de Daphne – que estava conectado ao seu computador. Não demorou muito até que Flim Flam e Wang aparecessem em nosso quarto com certa pressa.
Flim Flam: A central de Pequim acabou de flagrar o casal conversando com a mãe de Sang-woo na feira em que ela trabalha. Vamos, precisamos ir até lá imediatamente!
Ao ouvir novamente a palavra “vamos”, Scooby desistiu de destruir a torneira e veio em nossa direção. Já estávamos próximos da porta quando ela abriu violentamente e bateu contra a parede, e Fred Jones entrou no quarto totalmente fora de si.
Fred: QUE MERDA, DAPHNE! VOCÊ NÃO DEVERIA TER ATENDIDO AQUELA LIGAÇÃO!
A indignação em nossos rostos era igual, porém, apenas Daphne tinha lágrimas nos olhos. Ela tentou dizer algo, mas a voz não saiu de seus lábios.
Fred: VOCÊ TEM IDEIA DO PERIGO EM QUE VOCÊ SE METEU? VOCÊ É FILHA DA PESSOA QUE ELES ESTÃO TENTANDO DESTRUIR, E AGORA OS VIPS PODEM USAR VOCÊ PARA MANIPULAR O SEU PAI!
Daphne: Freddie… eu… não… vi… o número!
Fred: CLARO QUE NÃO VIU, DESDE ONTEM VOCÊ TÁ DISTRAÍDA COM COISAS BANAIS QUE ACONTECERAM HÁ DEZ ANOS! AGORA, VOCÊ NÃO ESTÁ SEGURA EM LUGAR NENHUM, E A GENTE VAI TER QUE FICAR TE VIGIANDO O TEMPO TODO!
Shaggy: Hey, relaxa aí, Fred… tipo, abaixa o tom de voz, a Daphne não tem culpa de nada, a gente estava no meio de uma perseguição, cara! Todo mundo tava agindo por impulso…
Velma: Ou melhor, reagindo… acabamos de ter uma reunião com falsos policiais e logo em seguida encontramos espiões nos vigiando… é adrenalina e medo demais para conseguir agir racionalmente…
Shaggy e eu esperamos que os agentes chineses expressassem suas opiniões, mas percebemos que eles não queriam se envolver em uma discussão pessoal nossa.
Shaggy: É, tipo, nem mesmo você tá sendo racional nesse momento… tipo, você surtou ao saber disso e descontou em quem não tem culpa… a verdade é que estão levando a gente para uma armadilha e todo mundo aqui tá fodido de medo dessa merda, aceita cara…
Shaggy conseguiu fazer Fred se calar, mas ele ainda estava visivelmente transtornado. Ele ficou olhando sério para Daphne, esperando que ela dissesse algo ou fizesse algum contato visual, mas ao invés disso, ela simplesmente desatou a chorar. Fred ficou ainda mais transtornado quando viu as lágrimas, mas não soube lidar com a raiva e a culpa que ele demonstrava estar sentindo. O constrangimento dos agentes chineses era evidente, até que Flim Flam ousou intervir.
Flim Flam: Olha, por que não esquecemos tudo o que não deu certo até aqui e damos continuidade às investigações? Precisamos pegar aquele casal e descobrir o que estão tramando…
Fred: CONCORDO. MAS A DAPHNE VAI FICAR AQUI E OS AGENTES WANG E LI FICARÃO COM ELA…
Shaggy, Velma e Daphne: O quê?
Daphne: Freddie, você não manda em mim!
Velma: Você não tem o direito de mandar nela!
Shaggy: E, tipo, você é o nosso capitão, você não pode simplesmente mandar na Interpol e decidir qual dos agentes vai e qual fica…
Os agentes chineses concordaram com o olhar, mas não ousaram se meter em mais uma discussão.
Fred: Não mando mesmo! Se eu tivesse algum tipo de autoridade, a Daphne teria obedecido e nunca teria atendido a porra do telefone!
Fred baixou o tom, mas elevou a arrogância e a grosseria. Desta vez, porém, Daphne não chorou. Ela se levantou de onde estava, arrancou com raiva o celular do cabo que o ligava ao computador de Li e o atirou contra a parede, a poucos centímetros de Fred, transformando o aparelho em dezenas de pedaços pequenos e causando uma pequena marca no papel de parede. Logo em seguida, ela se aproximou do capitão e olhou nos olhos dele de modo ameaçador.
Daphne: Fique tranqüilo, Freddie, eu não vou nunca mais me distrair com o aquele passado idiota! E você não precisa me vigiar, nem se incomodar de resolver esse mistério, meu pai pode pagar por tudo isso! Você sabe muito bem que os Blakes não precisam da sua ajuda, então pare de agir como se esse caso dependesse de você! Pare de fingir que você se importa com a minha família, você só quer receber o prestígio de prender uma quadrilha internacional!
Fred: Pense o que quiser, Daphne! Se não fosse a atuação da NYPD, a Interpol jamais estaria sabendo desse mistério e a família Blake já estaria em ruínas…
Daphne: Nenhum Blake liga para o que você faz, meu pai pode montar uma delegacia particular se ele quiser! Quem ligava era eu, Freddie! Eu comecei esse caso, eu fui idiota o suficiente de achar que eu poderia repetir o nosso passado, mas a cada dia que passa você me prova que eu estava totalmente errada…
Dessa vez foi Daphne que elevou a arrogância e a grosseira. O olhar surpreso de Fred e o nosso constrangimento não foram suficientes para fazer Daphne parar. Ao recuperar o fôlego que as lágrimas lhe tiravam, ela abriu a porta e sinalizou para que saíssemos.
Daphne: Esse caso acabou! Acabou para você e acabou para a NYPD! De agora em diante, os advogados da família Blake resolverão tudo e a Interpol cuidará de averiguar as denúncias e pistas que eles mesmos acharam. Quanto a nós, voltaremos para NY pela manhã, e enquanto não estivermos presos no mesmo avião, eu não quero olhar para você, Fred Jones! Agora, fora do meu quarto!
A ordem visivelmente era exclusivamente para Fred, mas Daphne estava tão fora de si que todos nós obedecemos e saímos – antes de Fred Jones, que ficou parado no quarto olhando sério para Daphne, talvez esperando que ela voltasse atrás. Irritada com a inércia do capitão, Daphne começou a empurrá-lo, mas não conseguiu movê-lo. Ele segurou nos pulsos dela, tentando acalmá-la e pedindo para conversar em particular, mas ela se debateu para se soltar das mãos dele e o empurrou com mais força. Como não conseguia movê-lo, ela começou a dar tapas nos braço e no peito dele, com a esperança que eles o machucassem e o fizessem sair. Naquele momento, Scooby foi mais sensível e compreensível que Fred, pois voltou ao quarto, abocanhou a barra da camisa do capitão e o puxou para fora, sinalizando que ele deveria se retirar. Quando Fred finalmente saiu, Daphne bateu a porta na cara dele e ele ainda ficou algum tempo ali, encarando a porta fechada com o mesmo olhar perdido que ele desenvolve quando eles brigam. Os agentes nos encararam com dúvida e eu sinalizei que deveríamos ir e deixar os dois resolverem sozinhos.
Flim Flam: Err… perdão pela pergunta direta, mas… que porra foi essa?
Shaggy: Tipo, resumidamente: O Fred tá meio puto porque ele está caindo na armadilha de alguém ao invés de alguém cair na armadilha dele, e a Daphne tá puta porque o Fred não dá moral para ela. Daí alguém mexeu com a Daphne e o Fred ficou puto porque ninguém pode mexer com a Daphne, mas o Fred não mexe com a Daphne, então a Daphne fica puta porque alguém que não é o Fred mexeu com ela e…
Velma: Acho que já basta e eles já entenderam, Shaggy… bem, senhores, essa foi uma pequena demonstração de como é conviver com Fred e Daphne…
Flim Flam: E é sempre assim?
Shaggy: Tipo, a porra do tempo todo…
Velma: Dia após dia, há anos, um inferno interminável e repetitivo…
Flim Flam: Mas… o que realmente acontece entre eles?
Shaggy: Tipo, acho que o problema é o que não acontece entre eles… são duas pessoas que se amam muito e não sabem lidar bem com isso…
Velma: Misture isso ao fato de que são duas pessoas extremamente privilegiadas em todos os aspectos de suas vidas…
Shaggy: E, tipo, por terem tudo de maneira muito fácil, eles surtam quando algo não ocorre exatamente da maneira como eles querem… como você deve ter percebido agora há pouco…
Velma: A verdade é que um quarto, um vinho e uma noite resolveriam todo o recalque, mas de alguma forma eles preferem ficar infernizando nossas pobres almas com todo esse impulso sexual reprimido…
Minha fala fez Flim Flam e os demais agentes corarem, e ao perceber que eu tinha me excedido, eu também corei.
Velma: Desculpe… achei que eu também poderia ser direta…
Felizmente, meu comentário os fez rir, mas nada mais foi dito porque Fred passou por nós com pressa e com uma expressão preocupada no rosto.
Wang: Senhores, eu creio que vocês tiveram um longo dia, por isso sugiro que fiquem no hotel descansando desta vez… eu e os agentes Li e Flam iremos até o local e os informaremos assim que tivermos novidades.
Shaggy e eu nos olhamos e o cansaço evidente em nossos rostos não nos deixou recusar aquela proposta. Nós nos despedimos dos agentes chineses e permitimos que nossas mentes esquecessem aquele caso por algumas horas.
***
Daphne: Velma! Acorda, é hora do jantar…
Aparentemente, eu acordei da mesma maneira que dormi. Meu rosto estava mais amassado do que as minhas roupas – e tinha mais marcas de vincos do lençol do que a minha saia plissada favorita. Ao contrário de mim, Daphne estava arrumada, maquiada e penteada, mas apesar da boa aparência, seu olhar denunciava que emocionalmente ela estava péssima. Eu pedi um minuto para poder me levantar e começar a me arrumar, mas não tive esse tempo, visto que a campainha logo anunciou a presença dos garotos. Fred fez um movimento para entrar, mas logo Norville o impediu.
Shaggy: Pelo amor de Deus, será que dá para a gente ir jantar? Tipo, daqui a pouco o restaurante fecha e não vai dar tempo da gente comer!
Velma: O jantar começou a ser servido há meia hora, Norville…
Shaggy: Pois é, eu já perdi meia hora de comida à vontade e agora estou aqui parado perdendo mais tempo enquanto eu poderia estar mastigando! Tipo, vamos logo antes que eu arranque vocês duas daí desse quarto!
Scooby abocanhou a barra da minha blusa e começou a me puxar para fora do quarto, enquanto Daphne veio logo atrás fazendo gestos para impedir que o cachorro deixasse em suas roupas as mesmas marcas nojentas de saliva que deixou nas minhas. Felizmente, o caminho até o jantar foi curto e não houve nenhum tipo de conflito, exceto no momento em que Shaggy percebeu que Scooby-Doo não poderia entrar no restaurante conosco. Quando chegamos, Norville se perdeu no Buffet e eu tive que fazer o papel ridículo de me sentar entre Daphne e Fred na mesa. Os agentes chineses já estavam nos esperando e pareciam verdadeiramente cansados.
Flim Flam: Olá, que bom que chegaram cedo para ouvirem que não conseguimos absolutamente nada de novo…
Fred: Nenhuma pista sobre aquele casal misterioso?
Flim Flam: A mãe de Sang-woo nos informou que eles apenas se aproximaram e pediram a informações sobre como chegar a um endereço em Euljiro… checamos o local e não há nada além de um prédio em ruínas de difícil acesso…
Fred: E ela não disse mais nada? Nem mesmo sobre Gi-Hun ou Sang-woo?
Flim Flam: Infelizmente não. Ela está arrasada pela morte do filho, e o garotinho está arrasado pela morte da irmã. A única coisa que ela nos disse é que não vê Gi-Hun há dias, mas não soube informar quantos…
Em seguida, Norville sentou à mesa com uma quantidade exorbitante de comida em seu prato e todos nós ficamos em silêncio assistindo aquela comida toda sumir em poucos minutos. De repente, um garçon surgiu com várias garrafas de diversas bebidas e colocou em nossa mesa, o que nos causou espanto.
Shaggy: Fui eu que pedi tudo isso, minha gente, vamos beber e relaxar um pouco!
A explicação de Norville soou como uma permissão para que as garrafas fossem abertas, e nós nos servimos com nossas bebidas favoritas – exceto Daphne, que não bebe. O álcool nos deixou mais alegres e amigáveis, e a comida, apesar de diferente, era saborosa. Antes das dez horas, todos nós desejamos voltar para os nossos quartos, por isso tivemos que arrastar Shaggy para fora do restaurante e aturar seus protestos infantis por ter que deixar o Buffet vinte minutos antes de seu encerramento oficial. Cheguei ao meu quarto exausta e percebi que Daphne queria conversar a respeito do ocorrido há algumas horas. Felizmente, o tempo que ela demorou para se arrumar para dormir me fez adormecer profundamente antes que eu tivesse que ouvir seus lamentos.
Daphne: Velma? Você tá ouvindo isso?
A voz de Daphne parecia distante, e meu corpo, minha respiração e minhas pálpebras estavam pesados demais para eu conseguir reagir. Eu me sentia leve e sonolenta, e minha mente lutava para sair de um estado inconsciente. Havia, porém, um barulho. Um ruído de unhas contra a parede. Depois um uivo. Um rosnado. Vários latidos, e o tal barulho contra a parede parecia maior, mais forte. Depois surgiram muitos gritos, mas minha mente estava vazia e eu não conseguia saber se aquilo vinha de dentro ou de fora da minha cabeça. De repente, um estouro aconteceu bem próximo de mim. O susto que eu tomei fez meus olhos abrirem, o quarto estava pouco iluminado e eu vi três borrões vermelhos entrarem pela porta. Meu cérebro tentou avisar o meu braço para pegar os meus óculos, mas eu adormeci antes que eu pudesse pensar em concluir essa tarefa. Novos gritos surgiram ao meu lado, e mesmo sonolento, o meu cérebro reconheceu a voz de Daphne. Com muito esforço, eu virei o meu rosto e vi os dois borrões vermelhos arrastando Daphne enquanto ela gritava e se debatia. Eu não consegui fazer nada, nem pensar nada, nem sentir nada… eu mal conseguia manter meus olhos abertos. De repente, eu senti uma luva gelada de borracha segurar meu rosto. Quando abri os olhos, vi a figura de um quadrado branco com fundo preto me encarando e verificando as minhas pupilas. Meus braços e pernas estavam dormentes demais para afastá-lo e meus olhos se fecharam logo em seguida, conduzindo-me a um transe profundo. Minha consciência só voltou quando senti lambidas geladas no meu rosto. Quando eu finalmente consegui abrir os olhos e me sentar na cama, Scooby-Doo ganiu e começou a chorar enquanto desesperadamente andava de um lado para o outro. Quando coloquei meus óculos, meu coração disparou: a porta do quarto havia sido arrombada e a cama de Daphne estava vazia. Havia pegadas vermelhas por todo o carpete e um pequeno rastro de sangue em direção à porta. Imediatamente, eu me levantei e logo em seguida pisei com cuidado pelo local para não estragar a cena do crime. Obviamente, Scooby não teve o mesmo cuidado, e pulava, latia e chorava muito. Ao chegar ao corredor, o pequeno rastro desaguou em diversas poças de sangue que circundavam um corpo masculino de cabelos pretos a poucos metros de nossa porta. Havia gotas e respingos vermelhos por toda a parte. E havia um cartão de visitas pardo grudado no rosto sem vida da vítima, contendo o desenho das mesmas formas geométricas que assombraram a minha noite.
Autor(a): kendrakelnick
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Os gritos vindos de toda a parte eram a trilha sonora arrepiante das imagens horríveis que meus olhos foram forçados a ver. Depois de cinco passos, meus pés se afundaram no sangue quente que encharcava o carpete do corredor, mas eu sequer pude verbalizar o imenso horror que senti. Eu me abaixei com cuidado para retirar o cartão do ro ...
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