Os gritos vindos de toda a parte eram a trilha sonora arrepiante das imagens horríveis que meus olhos foram forçados a ver. Depois de cinco passos, meus pés se afundaram no sangue quente que encharcava o carpete do corredor, mas eu sequer pude verbalizar o imenso horror que senti. Eu me abaixei com cuidado para retirar o cartão do rosto daquela vítima e senti uma pequena alegria ao não reconhecer aquela face. No andar de cima, os gritos se misturavam com barulhos de passos rápidos e desesperados que pareciam fugir de alguma coisa. Lágrimas inesperadas rolaram pelo meu rosto enquanto eu recuei até a porta do meu quarto, e os berros e súplicas vindos de um quarto distante me fizeram procurar um esconderijo. Scooby, no entanto, não permitiu que eu me escondesse. Ele puxou insistentemente as minhas roupas até me conduzir novamente para a porta e me forçar a seguir em frente por aquele corredor. Eu obedeci por medo de fazê-lo chorar, latir ou produzir qualquer tipo de alarde que atraísse aqueles mascarados em nossa direção. Eu caminhei com cuidado, desviando de corpos, de pedaços de corpos e de poças de sangue, até encontrar a porta do quarto de Norville no chão, visivelmente derrubada por Scooby-Doo. Felizmente, Shaggy estava dormindo profundamente em sua cama, sem nenhum sinal de violência.
Velma: Shaggy! Shaggy! Acorde, por favor, é uma emergência!
Shaggy não se moveu, tampouco esboçou qualquer reação que indicasse que ele ouviu o que eu disse. Ele parecia estar inconsciente, e eu me lembrei que eu me senti da mesma forma logo após o jantar. Percebi também que o corpo dele parecia mais relaxado do que o normal, por isso eu suspeitei que alguém havia colocado algum tipo de sedativo poderoso em nossas bebidas. Scooby-Doo estava muito agitado e andava de um lado para o outro chorando alto e emitindo sons que pareciam resmungos. Quando percebi que ele iria começar a latir, eu o abracei, olhei nos grandes olhos castanhos dele e fiz uma das coisas mais irracionais da minha vida: eu conversei com um cachorro.
Velma: Scooby… por favor, me escuta… olha, eu me sinto muito estúpida de estar fazendo isso, mas eu não tenho outra escolha… eu não sei se você pode mesmo me ouvir, Shaggy diz o tempo todo que você consegue nos entender e também consegue falar, então eu preciso que você faça isso agora… por favor, não faça nenhum barulho, se você fizer, os assassinos virão atrás de nós… Shaggy está dormindo profundamente e eu preciso procurar ajuda para fazê-lo acordar… eu vou sair daqui para tentar acordar Fred e os demais, e depois eu vou chamar a polícia… por favor, proteja Shaggy enquanto eu estiver fora… e se alguém chegar perto dele, ataque!
Minhas palavras pareceram menos idiotas quando, ao fim do meu discurso, Scooby-Doo parou de chorar e se sentou à frente de Shaggy com uma expressão séria, demonstrando que havia compreendido todos os meus pedidos. Imediatamente eu deixei o quarto e corri, pé ante pé, até o quarto de Fred e Flim Flam. A porta estava trancada e intacta, aparentemente nenhum dos mascarados havia estado lá, nem havia feito mal aos nossos amigos. Eu tentei abrir a fechadura de todos os meios silenciosos que encontrei, mas não obtive sucesso. Não tive outra opção além de destruir a caixa da fechadura com um extintor de incêndio e manipular os fios do eletroímã que trancavam a porta até ela se abrir. Senti alívio ao ver Fred e Flim Flam dormindo tranquilamente em suas camas, sem nenhum sinal de violência. Desesperadamente eu iniciei manobras bruscas para tentar acordá-los, mas seus corpos estavam muito relaxados e sequer respondiam aos meus chamados. De repente, uma mão firme tampou a minha boca de maneira brusca e eu estremeci. Felizmente, o autor do gesto era o agente Li, que após me soltar, sinalizou para que eu permanecesse em silêncio. O agente Wang surgiu logo em seguida, afoito, na companhia de dois homens orientais que eu desconhecia.
Wang: Não encontramos os autores do massacre em lugar nenhum, agente Li… os corredores estão livres e os reforços estão chegando com as ambulâncias… os demais hóspedes já estão lá fora, incluindo os feridos… só falta o nosso grupo, vamos!
Li: Aparentemente, todos eles foram dopados ou envenenados, agente Wang… precisamos levá-los a um hospital o mais rápido possível… vamos carregar Daphne e Flim Flam primeiro, pois são mais leves…
Velma: Daphne foi levada!… eu… eu… vi… aqueles homens mascarados horríveis levando-a durante a noite… mas eu não consegui fazer nada para impedir!
O mau agouro que sentia há dias invadiu meu peito com tanta violência que desatei a chorar copiosamente. Os agentes se olharam com preocupação e o agente Wang correu em direção ao meu quarto com os dois homens desconhecidos. Li me confortou e pediu para eu tentar ficar calma. De repente, Scooby-Doo surgiu na porta arrastando Norville pela gola da camisa, como se ele fosse um filhote. Ao ser arrastado, Shaggy reagiu, murmurou sua coletânea de palavrões e começou a engatinhar descoordenadamente pelo carpete. Sem conseguir sustentar seu corpo por muito tempo, ele acabou caindo no chão e batendo a cabeça com força – o que fez com que os palavrões fossem ditos mais uma vez, só que com mais ênfase. Scooby tornou a puxá-lo, mas desta vez Li e eu corremos na direção deles e ajudamos Shaggy a se levantar e caminhar até a poltrona.
Velma: Bom trabalho, Scooby!
Shaggy adormeceu antes que pudéssemos dizer qualquer coisa, e logo em seguida o agente Wang retornou com os dois homens.
Wang: Os oficiais já estão retirando os corpos das vítimas. Vamos descer Fred, Flim Flam e Norville para que os peritos comecem o trabalho o mais rápido possível. Precisamos agir rápido.
Imediatamente eu obedeci à ordem de Wang e me preparei para ajudar a carregar Flim Flam, mas os quatro homens, exercendo um cavalheirismo impressionante, não deixaram eu me esforçar. Scooby também obedeceu e puxou bruscamente Norville da poltrona, fazendo-o novamente cair no chão, bater a cabeça e recitar seus palavrões. Felizmente – ou infelizmente, considerando o ponto de vista de Norville – a queda fez Shaggy acordar, e ele caminhou até o saguão sem precisar da ajuda de nada além dos frigobares que ele saqueou ao longo do caminho. No hall de entrada, o cenário era muito pior do que um cenário de filme de terror. Havia poças de sangue no chão, pedaços de carne carmesim que pareciam ser vísceras e respingos vermelhos por toda parte, como se Jackson Pollock tivesse feito uma pintura fúnebre com o sacrifício de várias vidas. Algumas lágrimas incontroláveis desceram pelo meu rosto, e o medo fez meus passos ficarem mais rápidos. Mesmo sem querer, eu contei doze lençóis cobrindo corpos no chão. Por um momento, eu desejei intensamente que algum Deus existisse, só para que eu lhe suplicasse com todas as minhas forças que nenhum daqueles corpos fosse Daphne. Porém, ao invés de um milagre, o universo me concedeu um mau agouro que me machucou com tanta violência que eu pensei que iria morrer. Ao chegar à porta principal, um pranto forte abalou minha respiração. Eu estava mesmo deixando a minha amiga de infância para trás? Por impulso, eu tentei voltar, mas alguns agentes me impediram. Quando eu deixei o hotel, alguns paramédicos me acolheram e eu disse que estava bem. De fato, eu não tinha nenhuma lesão. Não externamente.
***
Não sei dizer quantas horas eu fiquei olhando para o vazio na sala de espera daquele hospital, afinal, o meu tempo emocional estava passando de maneira diferente do tempo real. Eu só me lembro de ver a movimentação incessante dos agentes pelos corredores, de ver médicos e enfermeiras chegando com pessoas feridas e do momento em que o agente Li trouxe a minha bolsa e alguns dos meus pertences. E também me lembro de notar Shaggy visitando as máquinas de comida centenas de vezes para pegar guloseimas, afinal, as moedas que ele usou eram todas minhas. De longe, eu vi Flim Flam sair cambaleante de um quarto, mas não tive forças de me aproximar. Eu estava com medo de ter que descrever para ele todos os horrores que vi e vivi nas últimas horas.
Jin-ri: Srta. Dinkley?
Velma: Sim, sou eu…
Jin-ri: Seu amigo Frederick Jones acabou de acordar…
Meu corpo se levantou tão rapidamente que a enfermeira até se assustou. Shaggy olhou para mim com tristeza, sinalizando que não queria deixar aquela máquina antes de experimentar o sabor de todos aqueles doces sul-coreanos. Eu suspirei, entreguei-lhe um punhado de moedas e segui a enfermeira até o quarto onde Fred estava. Ao chegar lá, Fred estava dormindo profundamente e apenas abriu os olhos quando a enfermeira anunciou a minha chegada. Eu me aproximei e comecei a puxá-lo para fora daquela cama da mesma maneira impulsiva com que me levantei da cadeira.
Velma: Fred, vamos, acorda! Precisamos sair daqui… temos muitas coisas para investigar… não podemos perder tempo!
Fred: Eu to de ressaca, Velma, minha cabeça está me matando e eu sinto que vou vomitar a qualquer momento… eu preciso dormir mais um pouco… e preciso não ouvir a sua voz irritante por mais umas cinco horas… vai dormir mais um pouco pelo amor de Deus, deve ser cedo pra caralho…
Os murmuros sonolentos de Fred me irritaram e me deixaram mais agitada do que eu já estava.
Velma: Não é cedo, já são quase três horas da tarde! Levanta dessa merda agora! Precisamos fazer a perícia no hotel…
Eu puxei uma das mãos dele com força, mas ele sequer se moveu. Ao invés de me ajudar, ele riu do meu esforço em vão, se soltou e colocou as mãos atrás da cabeça, em uma postura relaxada.
Fred: Não há nada para investigar aqui… vá a merda, Dinkley… vê se cala a porra da boca e não me enche…
Velma: Você não está no hotel, idiota, você está em um hospital! Colocaram drogas em nossas bebidas ontem à noite, por isso você está se sentindo mal… agora levanta daí, precisamos voltar ao hotel para pegar pistas o mais rápido possível e descobrir quem fez isso…
Fred: Me obrigue a levantar, Dinkley! Não ouviu que eu estou de ressaca? Você é a perita, não é? Você que se foda com as pistas… eu sou o capitão e ordeno que você me deixe em paz…
Toda aquela grosseria gratuita temperada com um “me obrigue, Dinkley” me irritou tanto que eu perdi todos os cuidados morais e empáticos que eu deveria ter com uma pessoa semi-consciente que acabou de sobreviver a uma overdose de soníferos e a um massacre violento ao mesmo tempo. E por isso eu usei o único argumento que faria Fred Jones sair daquela maldita cama.
Velma: Eles levaram a Daphne!
Aparentemente, a minha mente calculou mal a dose de equilíbrio emocional necessário para verbalizar aquilo e eu desatei a chorar logo em seguida. Como esperado, Fred abriu os olhos e se sentou na cama imediatamente. Sem saber o que fazer, eu o abracei, chorei e solucei por alguns minutos. Ele me confortou de maneira assustada e logo exigiu explicações.
Velma: Foram aqueles homens mascarados que vimos no esconderijo da associação cristã! Eles surgiram no meio da noite e levaram a Daphne! E eu não pude fazer nada, porque eu não conseguia me mexer! Quando eu consegui acordar, o hotel parecia um matadouro, com sangue e corpos por toda a parte, eles fizeram um massacre, Fred! E eu não achei a Daphne quando eu saí!
Fred se levantou depressa e arrancou os esparadrapos, tubos de soro e aparelhos que estavam grudados em seu corpo. Eu me senti mal por ter causado aquela reação nele – afinal, ele ainda estava em tratamento -, mas não tive outra escolha. Quando chegamos ao fim do corredor, Shaggy veio em nossa direção.
Shaggy: Tipo, vocês também já vomitaram umas cinquenta vezes? Meu fígado já era…
Velma: Considerando que eu vi você comer mais de cinquenta chocolates e salgadinhos diferentes nas últimas três horas, eu acho normal que seu corpo se esforce bastante para colocar toda essa porcaria para fora… e quanto ao seu fígado, relaxa, se ele consegue lidar diariamente com quilos de fast-food, cerveja e maconha, ele vai ficar bem com alguns sedativos…
Shaggy: Tipo, parece que você já se recuperou né, Velma… não sei o estado do seu fígado, mas seu sarcasmo está intacto…
Fred: Na verdade, os sedativos é que não aguentaram ficar muito tempo com ela… eles se autodestruíram imediatamente assim que perceberam a pessoa extremamente agradável e doce que ela é…
Os dois riram e o pequeno riso que surgiu nos meus lábios acalmou um pouco a minha taquicardia. Em seguida, eu desatei a falar sobre o ocorrido no hotel, e Shaggy complementou minhas informações com alguns dados que Li, Flim Flam e Wang lhe passaram nas últimas horas. Quando chegamos à saída da enfermaria, fomos impedidos de sair.
Flim Flam: Hey, onde vocês pensam que vão?
A pergunta banal de Flim Flam fez Shaggy se aproximar dele e dos demais agentes com um sorriso, mas percebi que Fred não sentiu a mesma satisfação. Pelo contrário, ele fechou a cara e se aproximou do grupo de maneira séria.
Flim Flam: Não me lembro de você ter recebido alta, Fred…
Fred: Eu me dei alta agora mesmo. Estamos indo ao hotel periciar o local… precisamos de pistas sobre quem levou a Daphne…
A resposta de Fred não foi rude, mas foi séria o suficiente para deixar claro que ele não queria que nenhum dos agentes se metesse em seu caminho.
Shaggy: Tipo, relaxa Fred, eles já estão cuidando de tudo. Eles até levaram o Scoob para farejar o local!
Wang: Sim, os reforços chegaram assim que tiramos vocês dos quartos… a perícia já foi feita, mas nenhuma pista sobre a identidade dos autores foi encontrada… o ataque aconteceu entre meia-noite e duas da manhã e eles não deixaram nada além de 20 vítimas… todos os mortos eram trabalhadores do hotel e, aparentemente, tentaram impedir a invasão dos assassinos…
Li: E a presença do K9 foi muito importante, pois conseguimos rastrear o caminho que os invasores fizeram lá dentro… basicamente, eles invadiram a porta da frente, caminharam até o quarto onde Daphne Blake dormia e a levaram… e mataram todos que encontraram no caminho com objetos cortantes, e de maneira violenta e muito sádica… então, sabemos que o alvo da operação era mesmo Daphne, e isso nos leva a crer que os autores foram os VIPs…
Wang: O cão também fareja os criminosos e Daphne até a esquina mais próxima, e depois a trilha desaparece… isso sugere que a fuga foi feita de carro, algo condizente com os relatos de que as vítimas de Squid Game foram capturadas por carros…
Li: Fora isso, nós não temos nada… absolutamente nada… câmeras e luzes foram desligadas, nenhuma digital, as pegadas deixadas são confusas e foram feitas por calçados estranhos que visivelmente foram feitos com o propósito de confundir a perícia… foi um ataque minuciosamente planejado… um crime perfeito…
Fred: Não existe crime perfeito, apenas peritos incompetentes… e você, como um agente da inteligência de um país, deveria saber muito bem disso…
Desta vez, Fred não segurou sua raiva e descontou seus pensamentos de maneira ameaçadora, apontando o dedo para os dois agentes. Os agentes, apesar de visivelmente ofendidos, não responderam. Shaggy abaixou a mão de Fred e o puxou para trás, pedindo para ele se calar.
Velma: Fred, não começa!
Fred: Sim, eu começo! Ontem mesmo fomos recebidos por policiais falsos, como sabemos que os peritos envolvidos não são falsos?
Li: Sr. Jones, todos os agentes envolvidos são pessoas treinadas, competentes e confiáveis que já estavam observando esse caso há tempos… por isso ele foram enviados para realizar esse tipo de trabalho…
Fred: E pelo visto fizeram um trabalho de merda! Velma, Shaggy, vamos até lá colher algumas evidências…
Flim Flam: Hey, espere aí, vocês não vão a lugar nenhum! Vocês não podem realizar a perícia, vocês são as vítimas!
Flim Flam foi incisivo e segurou o braço de Fred, e o capitão, como sempre, foi violento ao se soltar e iniciou uma discussão.
Fred: Eu vou fazer a porra da perícia e arrebento quem tentar me impedir!
Flim Flam: Então terá que arrebentar toda a Interpol e a polícia Metropolitana de Seul, porque vocês não têm jurisdição nenhuma aqui!
Fred partiu para cima de Flim Flam e os dois trocaram golpes e ofensas até que Shaggy e e os dois agentes finalmente conseguiram separá-los. Por causa disso, fomos convidados a nos retirar do hospital, e o pequeno hiato de tempo que nós demoramos para fazer isso fez a discussão ficar menos violenta. Do lado de fora, porém, Fred reiniciou as ofensas e as ameaças, e Flim Flam retrucou.
Flim Flam: É o seguinte, Fred, deixa eu te explicar pausadamente de maneira bem simples para que você entenda: de agora em diante, esse caso não é mais de vocês! Vocês vieram para cá voluntariamente. Vocês trabalham para a polícia de Nova York e não têm nenhuma autoridade para conduzir uma investigação na Coréia do Sul. Nos Estados Unidos, esse caso sequer está nas mãos de vocês. E as coisas ficaram realmente perigosas nas últimas 24 horas, então, no fim do dia, vocês irão entrar em um avião, voltar para a segurança de suas casas nos Estados Unidos e aguardar que tudo seja resolvido por pessoas mais experientes, entendeu? Nós vamos fazer a porra da perícia, nós vamos divulgar o desaparecimento de Daphne Blake e nós vamos caçar os VIPs, entendeu? Entendeu, porra, ou eu vou ter que desenhar?
Fred não respondeu, apenas expressou toneladas de ódio em seu rosto e agrediu Flim Flam de maneira totalmente descontrolada. Obviamente, Flim Flam revidou, e novamente tivemos que separá-los antes que lesões mais sérias acontecessem.
Fred: Você vai ter que me matar para me tirar dessa porra de país! E se você me impedir novamente de terminar esse caso e acabar com a vida desses VIPs, eu mato você! Eu sou o capitão dessa equipe e quem ordena se eles devem ir ou devem ficar sou eu!
Flim Flam: Porra, eu não sei se você percebeu, Fred, mas em menos de 24 horas vinte pessoas inocentes foram mortas! Um dos membros da “sua equipe” foi levado, e você já parou para pensar que nesse exato momento ela pode estar morta? Você já conseguiu entender que a gente perdeu a Daphne? Seu cérebro já compreendeu que ela virou mais um nome naquela lista de mais de doze mil pessoas que nunca mais foram vistas? Ou será que eu tenho que ser mais claro, porra? E quem vai ser o próximo? Shaggy ou Velma? Quem mais você quer sacrificar em nome do seu ego estúpido? Tá na cara que a gente está fazendo papel de palhaço, eles sabem onde estamos, sabem o que estamos fazendo, sabem o que sabemos, eles estão jogando conosco! E mesmo sabendo disso, você quer levar seus amigos para a morte só para ter o prestígio de conseguir resolver o caso!
Fred: Eu não estou levando ninguém para a morte, eu estou tentando finalizar o caso que eu mesmo comecei! A Interpol nunca descobriria esses crimes sem o trabalho da NYPD!
Li: Você está enganado, Sr. Jones, o serviço de inteligência chinês tem informações sobre as ações dessa quadrilha há anos e…
Fred: E vocês são incompetentes o suficiente para nunca ter resolvido esse caso!
Flim Flam: Esse caso não tem solução porque ele não existe, Fred, quando você vai entender isso, porra? Alan Mayberry criou tudo para destruir Blake e Applegate! Ele pensou em tudo, distribuiu pistas falsas e procurou a Daphne de propósito para colocar o plano dele para funcionar! Será que você ainda não percebeu que nós estamos fazendo exatamente o que eles querem que nós façamos? E que se continuarmos, o plano deles vai dar certo?
Fred: Vocês não sabem o que dizem! Não estamos seguindo Alan, ele não sabe porra nenhuma do caso e só procurou a Daphne para forjar o processo contra a Liberty e parecer inocente! Nós estamos seguindo Gi-Hun! Gi-Hun nos forneceu as pistas, ele quer se livrar dos VIPs, assim como nós… precisamos encontrá-lo e focar na operação cachalote!
Flim Flam: Essa merda de operação não é real! Gi-Hun desapareceu daquele avião e única explicação plausível é aquilo tudo foi uma encenação, assim como tudo o que temos visto nos últimos dias!
Fred: E se os VIPs descobriram sobre a operação e sequestraram Gi-Hun?
Flim Flam: A operação não existe e está na cara que ele está a serviço dos VIPs e nos enganou!
Li: É por isso que enfatizamos a necessidade de que vocês deleguem o caso às agências de inteligência… precisaremos de espiões profissionais para conseguirmos estar um passo à frente dos VIPs…
Fred: Profissionais porra nenhuma! Vocês estavam vigiando o tempo todo e mesmo assim caímos na armadilha dos policiais falsos! Vocês estavam no controle e Daphne foi levada! Vocês não têm competência para isso e já demonstraram isso mais de uma vez… agora, saiam da minha frente e deixem meus peritos passarem, ou eu irei passar por cima de vocês!
Shaggy: Não, Fred, nós não vamos!
O anúncio de Shaggy desarmou toda a valentia de Fred e ele o encarou com surpresa. Shaggy, ao invés de ceder, olhou fixamente para o capitão e apontou o dedo para a cara dele enquanto parava.
Shaggy: Chega dessa merda Fred! Eu tô cansado dessa porra… Flim Flam tem razão, cara, a gente tá sendo marionete desses assassinos… estamos fazendo tudo errado e essa porra tá ficando séria… se continuarmos, vamos todos morrer de um jeito horrível… assim como aquelas pessoas… e como a Daphne…
A voz de Shaggy falhou ao dizer a última frase e pude notar que os olhos dele estavam marejados. Ao invés de se comover, Fred sentiu mais raiva e foi para cima de Shaggy e o pegou pelo colarinho.
Fred: Se você disser de novo que ela está morta você…
Shaggy inesperadamente empurrou o peito de Fred e se soltou. Mesmo livre, ele não se intimidou e enfrentou o capitão.
Shaggy: Eu vou o quê, Fred? Vou apanhar? Você vai me bater agora? Vai descontar em mim a culpa que você tá sentindo de ter sido um filho da puta nos últimos dez anos e agora ter perdido ela sem poder nem se despedir? Vai dar uma de machão igual você fez ontem quando descobriu que os VIPs ligaram para ela? Ou você só vai ser o babaca escroto de sempre, que descarrega a sua raiva e frustração nas pessoas que sempre estão do seu lado e querem o seu bem?
As palavras de Shaggy aumentaram a raiva de Fred, mas notei que emocionalmente ele estava destruído a ponto de não ter forças de fazer nada além de empurrar Norville com força. Logo em seguida, ele se aproximou de cada um de nós totalmente possuído por uma ira incontrolável.
Fred: EU VOU ENCONTRAR A DAPHNE, MATAR AQUELES FILHOS DA PUTA E TERMINAR ESSE CASO! E QUEM ME IMPEDIR VAI MORRER TAMBÉM! ESTÃO ME ENTENDENDO? E QUANTO A VOCÊS DOIS, SEUS COVARDES DE MERDA, EU NÃO ESTOU PEDINDO, EU ESTOU MANDANDO, VOCÊS IRÃO COMIGO! É UMA ORDEM! E QUEM SE NEGAR A OBEDECER PODE ENTREGAR O DISTINTIVO AGORA MESMO E SE DEMITIR!
Shaggy: Tipo, sim senhor, capitão… foi um prazer trabalhar com você… faça o que quiser com essa porra de distintivo, foda-se, eu tô fora dessa merda…
Shaggy atirou seu distintivo com força contra o peito de Fred, deu as costas para nós e se afastou para fumar um cigarro. A atitude dele novamente desarmou a ira de Fred, uma vez que o capitão visivelmente não esperava receber nenhum tipo de insubordinação. Fred então olhou para mim de maneira incisiva. Ao invés da raiva anterior, eu pude ver desespero em seus olhos e, confesso, senti até um pouco de pena dele.
Velma: Como quiser, capitão…
O meu aceite às ordens de Fred ocorreu sem nenhum tipo de empolgação, afinal, apesar de eu entender o estado emocional que o levou àquele abuso de autoridade, eu discordava totalmente daquela atitude. Mesmo após eu concordar em segui-lo, Fred não pareceu mais aliviado. Ao invés disso, ele se afastou de nós com rapidez em direção ao hotel. Os agentes me encararam por alguns segundos, como se estivessem esperando algum tipo de explicação ou intervenção da minha parte, mas eu não consegui dizer nada. Para piorar, Shaggy se virou e me encarou com um semblante decepcionado. Flim Flam, apesar de ter sido o maior alvo das grosserias de Fred, era o menos ofendido de todos os presentes.
Flim Flam: Velma, isso é suicídio…
Velma: Eu sei… mas se eu fosse levada, eu sei que Daphne tomaria a mesma decisão…
Eu não tive a intenção de atingir ninguém, mas notei que Norville se ofendeu com o que eu disse.
Flim Flam: Por favor, precisamos de você aqui… você foi a única que viu os assassinos… precisamos do seu depoimento…
Velma: Eu vou ajudá-los no que for necessário, Flim Flam… mas eu também preciso ajudar Fred… e tentar ajudar a Daphne… desculpe, são meus amigos…
Eu me virei antes que eles pudessem ver as lágrimas escorrendo pelo meu rosto. Mesmo distante, ouvi o agradecimento de Flim Flam e comecei a correr atrás de Fred. Quando consegui alcançá-lo, eu encontrei no rosto dele o mesmo olhar desolado e perdido dos dias anteriores, só que desta vez, seus belos olhos azuis estavam marejados. Ele parecia apertar o passo cada vez mais para não deixar eu notar.
Velma: Fred, precisamos investigar, mas não podemos ir ao hotel… os agentes não nos deixarão entrar…
Fred: Eu não estou indo investigar aquela merda, estou indo pegar meus pertences… eu tenho direito a isso…vamos, ande mais rápido!
Eu apertei o meu passo e tentei fazê-lo parar, mas cada vez que eu me aproximava dele, ele se afastava mais para que eu não pudesse olhar o seu rosto.
Velma: Fred, calma, espera! Você está se esquecendo de algo importante!
Fred: O quê?
Finalmente consegui fazê-lo parar, mas a expressão em seu rosto não era muito amigável. Entre toneladas de raiva e irritação, seus olhos ainda nutriam a mesma tristeza que vi anteriormente, e ela estava pronta para transbordar a qualquer momento.
Velma: Você se esqueceu de chorar… talvez… você… devesse… não temos muito o que fazer nesse momento…
Meus próprios olhos não aguentaram a pressão da emoção e transbordaram mais uma vez. Os olhos de Fred, porém, continuaram firmes represando toda a vazão de sentimentos complicados.
Fred: Pelo contrário! Temos muito o que fazer… vamos logo, porra, antes que eu te arraste!
Ao invés de me confortar, Fred deu as costas e apertou o passo mais uma vez. Eu o segui, e nas poucas vezes em que o alcancei, eu pude ver uma lágrima solitária brilhando em seu rosto.
***
Quando Fred me entregou o meu celular, havia 42 chamadas perdidas da minha noiva. Meus pais me mandaram mensagens pedindo notícias, meus sogros enviaram fotos das férias de Marcie, Madelyn perguntou quando eu voltaria e, para o meu desespero, havia uma mensagem de um número desconhecido. Quando me aproximei para ver a foto, percebi que era Delilah Blake pedindo notícias de Daphne. Meu coração gelou – não sei se de tristeza ou de desespero -, e “o celular dela quebrou” foi a melhor coisa que consegui digitar.
Fred: Isso é crime, Dinkley… obstrução de justiça… além de ser muita falta de caráter…
Velma: Então responda você, espertalhão, porque eu não sei nem o que dizer para os Blakes!
Eu joguei o celular nas mãos de Fred com irritação e fiquei olhando para ele, esperando vê-lo tomar alguma atitude. Por um momento ele encarou a foto de Delilah e o botão que efetuava a ligação, mas antes que pudesse ligar, ele foi salvo por uma chamada de Marcie Fleach e me devolveu o celular.
Marcie: Amor! Que bom ouvir sua voz, onde você estava? Você está bem? Por favor, diga que sim…
Velma: Marce, que bom que ligou… eu… eu… estou… bem…
Marcie: Por favor, me diga que você não tem nada a ver com esse atentado terrorista que aconteceu em Seul que a mídia está noticiando a todo momento…
Velma: Atentado terrorista? Não! O quê? Como assim estão falando que foi um atentado terrorista?
Ao ouvir tamanho absurdo, eu coloquei a chamada no modo viva voz para Fred ouvir.
Marcie: Estão dizendo em todos os canais que foi um crime de ódio… entre duas facções políticas, sei lá, algo do tipo… e uma facção invadiu o hotel em que a outra estava hospedada e massacrou todo mundo… eu estou ficando assustada, Velma, você tem algo a ver com isso, não tem?
Velma: Tenho… eu sobrevivi ao massacre… mas não foi uma briga de facções, simplesmente uns homens mascarados que trabalham para os VIPs invadiram o hotel, mataram vinte inocentes e levar…
Fred me impediu de completar a frase. Marcie, porém, compreendeu que algo muito errado estava acontecendo.
Marcie: Velma… babe… por favor, volte para casa… tem certeza que está tudo bem? Eu estou sentindo um pressentimento muito ruim sobre isso tudo…
“Eu também, babe”, foi o que meu coração respondeu, mas eu não consegui dizer – e depois, me arrependi profundamente por isso. Ao invés disso, eu tranquilizei Marcie e fingi estar no controle da situação. Nossas conversas carinhosas foram interrompidas com a expressão assustada que Fred fez ao receber uma ligação de Miller em seu próprio celular. Eu, então, me despedi de Marcie e me aproximei de Fred para ouvir o conteúdo da conversa. Ao perceber minha presença, Fred ligou o modo viva voz.
Miller: A NYPD inteira está lá, capitão… a perícia ainda está averiguando o local, mas a princípio concluímos que o crime não aconteceu no local, o cadáver apenas foi deixado ali… havia muitos sinais violência na vítima, muitos hematomas, visivelmente houve tortura, mas não posso afirmar se as lesões causaram a morte…
Velma: Miller… o que houve? De quem você está falando?
Miller e Fred: Steven Applegate.
Velma: Oh meu Deus… Steven foi morto?
Nem Fred, nem Miller tiveram coragem de repetir a informação, mas o silêncio estarrecedor foi o suficiente para me fazer entender aquela notícia horrível.
Velma: Onde ele foi achado, Miller? Quando?
Miller: Em Applegate Bank… aqui em NYC são quase quatro e meia da manhã, e há cerca de meia hora o segurança notou uma movimentação estranha ao fazer a ronda da madrugada… ao verificar, encontrou Steven sem vida… Crystal trouxe os cães e eles indicaram presença dos suspeitos em um dos andares… de fato, o local parecia ter sido revirado…
Velma: E por um acaso esse local era um escritório com uma placa na porta que diz “Brayman Leary PhD”?
Miller: Exatamente, doutora, como você sabia disso?
Velma: Eu não sabia, eu apenas sei exatamente o que eles estavam procurando quando reviraram o local…
Eu mostrei o cartão que achamos em Applegate Bank para Fred e ele concordou que aquilo havia sido o motivo da invasão.
Fred: Miller, eu quero que repasse essas informações ao FBI imediatamente… eles assumirão a investigação…
Velma: Fred! O que você está fazendo? Tá maluco?
Eu percebi que Miller também discordou da ordem do capitão, mas não teve coragem de verbalizar.
Fred: Miller, eu falo com você em um minuto…
Fred encerrou a chamada, provavelmente por desconfiar que nós estávamos sendo vigiados.
Fred: Flim Flam tem razão, Velma, eu não posso sacrificar mais ninguém da equipe!
Velma: Então você vai pedir para os amigos dos assassinos nos protegerem dos assassinos?
Fred: Não, eu vou fazer exatamente o que eles querem que eu faça enquanto os agentes chineses fazem o trabalho deles secretamente… é a única chance que temos de conseguir vencê-los…
Velma: Então dessa vez Fred Jones vai ser a isca e vai cair na armadilha ao invés de prender os criminosos? Isso é loucura, Fred! É arriscado demais, é suicídio!
Fred: É sim… e sempre foi, Velma, o trabalho policial funciona dessa forma… sempre nos demos bem nos outros casos, vamos conseguir nesse também…
Fred pegou o celular para ligar novamente para Miller, mas a minha indignação arrancou o aparelho das mãos dele com raiva. Eu estava com os olhos marejados e tentei não chorar.
Velma: Sacrificar a sua vida não vai trazê-la de volta, seu imbecil!
Mesmo com todo o esforço, as lágrimas escorreram e eu tentei evitar que o choro tomasse conta de mim. Fred permaneceu inabalável e arrancou o celular das minhas mãos da mesma maneira raivosa que eu fiz anteriormente.
Fred: Ela se sacrificou por mim a vida inteira, o mínimo que eu posso fazer agora é fazer o mesmo por ela!
Fred foi ríspido e irredutível e se afastou para ligar para Miller. Eu permaneci onde estava, mesmo assim, consegui ouvir as instruções que ele passou para os peritos. Em seguida, ele realizou outra ligação.
Fred: Shaggy? Tenho péssimas notícias… Steven Applegate foi encontrado morto…
Shaggy: Tipo, a gente já tá sabendo disso, Jones, não é só você que tem fontes confiáveis de informação!
Eu me virei para ver se a chamada estava no modo viva voz, mas percebi que a altura da resposta foi porque Shaggy estava gritando mesmo. Impressionantemente, Fred não se abalou com a resposta rude.
Fred: Eu acabei de pedir que o FBI assuma a investigação da morte do Sr. Applegate, então…
Shaggy: Tipo, vc me ligou para comunicar que está fazendo merda de novo? Me diz qual a porra da novidade nisso!
Fred: …eu quero que os agentes da Interpol protejam Miller, Crystal e os demais peritos. Eles podem ser atacados por saberem demais. E também quero que fiquem de olho nos Blakes, pois eu temo que George seja o próximo alvo…
Aparentemente, Shaggy não esperava esse tipo de resposta, por isso ficou em silêncio.
Fred: Eu vou continuar o plano, ir atrás de Gi-Hun e fazer tudo o que esperam. Dessa vez, eu vou ser a isca enquanto vocês investigam. Façam um bom trabalho.
O silêncio permaneceu e Fred encerrou a chamada antes que Shaggy pudesse responder qualquer coisa. Fred olhou para trás, me chamou e começou a andar. E eu o segui. Mesmo sabendo que seria um caminho sem volta.
***
Eu só percebi que Fred havia conseguido o endereço de trabalho da mãe de Cho Sang-woo quando chegamos a poucos metros do local e ele me deu instruções sobre o que iríamos fazer. Quando nos aproximamos, vimos dois homens altos, brancos, com porte atlético e de cabelos castanhos com corte militar sendo furiosamente expulsos do local pela senhora Cho. Fred se aproximou para tentar ajudar e perguntou o que estava havendo, mas ao ouvi-lo falar inglês, a senhora Cho o expulsou imediatamente. Então, eu me aproximei da mãe de Sang-woo e arrisquei um diálogo em coreano.
Velma: O que está havendo aqui, senhora?
Sra. Cho: Esses estrangeiros! Aparecem a todo momento aqui pedindo informações sobre Sang-woo, malditos sejam todos eles!
Apesar de eu estar falando em coreano (mediocremente, mas estava), o simples fato de eu ser ocidental fez com que a senhora me expulsasse dali de maneira hostil, murmurando palavras cujo significado eu não consegui compreender. Logo em seguida, ela fechou o seu comércio e aparentemente se preparou para sair dali e evitar nossas perguntas.
Velma: É, pelo jeito apenas a Interpol e a polícia de Seul conseguirão arrancar alguma informação dela…
Fred: Considerando o nível de irritação que a Sra. Cho se encontrava, aqueles dois ali com certeza conseguiram algo. Venha, vamos segui-los!
Fred correu antes que eu pudesse alertá-lo sobre a possibilidade daqueles dois homens serem os homens mascarados que vi durante o massacre. Por isso, a ordem dele não surtiu nenhum efeito em mim além de me fazer andar passos lentos logo atrás. O medo me impedia de prosseguir e a espécie de luto que eu estava sentindo por ter perdido Daphne dificultava qualquer ação minha. Felizmente, a abordagem grosseira de Fred não provocou nenhuma reação violenta nos dois homens estranhos. Pelo contrário, eles apenas mostraram suas credenciais e se identificaram como agentes do serviço de inteligência russa. Fred e os dois agentes russos conversaram por um longo período sobre Sang-woo e, inicialmente, havia certo receio de ambos os lados de fornecer informações acerca do que estavam investigando – obviamente, um receio motivado por rancores históricos da Guerra Fria. No entanto, quando Fred mostrou o cartão de visitas com as formas geométricas e o telefone, os dois agentes sorriram e se sentiram à vontade para dizer que estávamos investigando a mesma coisa. Eles disseram que iniciaram a investigação após descobrirem atividades financeiras ilegais dos VIPs na Rússia, e também o sumiço de diversos cidadãos russos ao longo dos anos. Fred olhou para mim desconfiado e perguntou discretamente se deveríamos mesmo confiar neles.
Velma: Eu pensei que estávamos em uma missão suicida, capitão…
Minha resposta firme não refletia o meu estado de espírito, mas transmitiu segurança o suficiente para Fred falar sobre a operação cachalote. Ao mencionar o nome da operação, um dos homens mostrou um envelope pardo recheado de fotos de pessoas de aparência eslava, e tirou de dentro dele uma folha de papel com três palavras escritas em alfabeto cirílico, e logo abaixo, a mesma data e as mesmas coordenadas que recebemos.
Andrei: Estes são os cidadãos russos que estávamos procurando… entendemos que a resposta sobre o desaparecimento deles será revelada nessa data e nesse local…
Fred: Então parece que somos aliados…
Fred mostrou o pedaço plástico que havíamos encontrado e o clima entre nós quatro ficou mais amistoso. Pedimos informações sobre Gi-Hun e os dois homens disseram desconhecê-lo. Após uma breve explicação sobre quem é Gi-Hun e porque estávamos procurando ele, um dos agentes sugeriu que investigássemos o endereço que constava no cadastro do número “86504006” presente nos cartões. Sem outra alternativa, Fred e eu aceitamos.
***
O endereço que o agente Andrei informou era, de fato, um prédio abandonado de difícil acesso, cujo dono, segundo documentos, era o bilionário Oh Il-nam. Fred destacou que o prédio ficava na região de Euljiro, e me lembrou que Flim Flam havia mencionado que o casal misterioso havia pedido à mãe de Sang-woo informações sobre como chegar à mesma região.
Velma: Agora que você mencionou, eu acredito que seja o mesmo local, eu me lembro de Flim Flam dizer que era um prédio em ruínas, de difícil acesso…
Fred: Dois daqueles mascarados podem ser aquele casal… e eles podem ter trazido Daphne para cá…
Velma: Acho pouco provável, Fred. Se eles fossem os mascarados, eles saberiam o local onde a linha telefônica foi instalada e não precisariam perguntar para a mãe de Sang-woo…
Meu comentário foi como um balde de água fria na pequena chama de esperança que Fred nutriu em encontrar Daphne naquele prédio. A menção ao nome de Daphne exigiu que eu explicasse aos agentes russos quem era Daphne e George Blake, e também contasse sobre o ocorrido na noite anterior e sobre alguns detalhes prévios daquele caso. Quando eu finalmente terminei, notei que Fred havia desaparecido e nós três nos desesperamos. Depois de longos e aflitos minutos procurando-o – o que, inevitavelmente, nos conduziu para o interior sinistro daquelas ruínas-, encontramos Fred encarando uma trilha de sangue que demonstrava que algum cadáver foi arrastado naquele local.
Velma: Seu filho da puta egoísta! Além de sumir, nos deixou para trás em um lugar como esse! Somos uma equipe, sabia?
Senti tanta raiva – e, ao mesmo tempo, tanto alívio por encontrá-lo vivo – que dei um enorme tapa nas costas de Fred. Ele, porém, não esboçou nenhuma reação, apenas ficou encarando aquela trilha de sangue com o mesmo olhar de perdido e aflito de antes. Felizmente, um dos agentes russos foi bem mais sensível que eu.
Andrei: Não existem evidências visíveis de que essa trilha de sangue seja da Srta. Daphne Blake… sequer existem evidências de que ela ou qualquer outra pessoa esteve nesse local recentemente…
Eu não havia pensado naquela possibilidade quando bati em Fred, mas depois que Andrei mencionou, eu só conseguia pensar naquilo. De fato, o aspecto antigo da mancha de sangue não era compatível com um assassinato recente, mesmo assim, eu fiquei tão perturbada que comecei andar ao redor procurando pistas de Daphne. Eu segui a trilha de sangue com cuidado, e quando virei em direção a outro cômodo, uma mão violentamente tampou a minha boca, enquanto um braço prendeu o meu pescoço com força, me sufocando imediatamente e me impedindo de gritar.
Vivian: Parada aí! MI16! Você está presa pelo massacre no Hotel Myeong-dong!
A linda mulher loira que vi no aeroporto estava com um distintivo em uma das mãos e na outra havia uma arma apontada para a minha cabeça - e ela não parecia ter medo de puxar aquele gatilho. A falta de ar fez meu desespero aumentar, eu tentei atingir o agressor que me segurava de todas as formas, mas ele era tão habilidoso que, a cada golpe, ele parecia me sufocar mais e mais. Quando meu oxigênio se esgotou, eu deixei de lutar, mas senti um golpe forte nas costas e caí no chão junto com o homem que me segurava. Quando recuperei o fôlego, eu me levantei depressa e vi o homem caído e agonizando devido ao golpe que recebeu nas costas. Fred então o imobilizou enquanto os dois agentes russos apontaram suas armas para a mulher que havia me ameaçado.
Andrei: Somos agentes assim como vocês. Abaixe a sua arma e podemos conversar.
Sem alternativa, a mulher largou a arma. O homem se levantou com dificuldade, e mesmo após a rendição do casal, os agentes russos permaneceram com suas armas apontadas para eles. Foi então a vez de Fred mostrar seu distintivo e logo após ele, eu e os russos fizemos a mesma coisa.
Fred: Velma é uma sobrevivente do massacre. Viemos de Nova York investigar atividades ilegais de um grupo de magnatas que se autodenomina “VIPs”. Entre essas atividades, há um jogo mortal chamado Squid Game, em que pessoas inocentes são seqüestradas e mortas para divertir os VIPs. Há alguns dias nós temos seguido as pistas de um sobrevivente de Squid Game chamado…
Vivian: Seong Gi-Hun?
Fred: Sim…
Vivian: Pois é, é exatamente por isso que estamos aqui. Há tempos estamos monitorando atividades ilegais de grandes instituições financeiras britânicas. Elas atuavam com registros falsos para lavar dinheiro em uma instituição sul-coreana chamada Liberty, porém, nunca conseguimos saber a maneira como essas transações financeiras ocorriam. Até que um cidadão sul-coreano de cabelo escarlate identificado como Seong Gi-Hun entrou no prédio da MI16 com um pacote e anunciou que era uma bomba. Depois de todo o alarde, o esquadrão anti-bombas abriu o pacote e dentro havia fotos de cidadãos britânicos desaparecidos há anos, uma folha de papel…
Velma: Que dizia “operação cachalote”?
Vivian: Como sabe?
Velma: Recebemos algo parecido… e eles também… estou ficando cansada de ouvir isso… Gi-Hun deveria ter sido mais direto na hora de recrutar agentes…
A agente britânica ficou em silêncio após a minha intromissão, então Fred e os agentes russos mostraram seus achados sobre a operação cachalote para provar que eu disse a verdade. O casal se aproximou para verificar com mais calma.
Velma: Está claro que estamos aqui pelo mesmo motivo…
Vivian: Certamente… bem, como eu dizia, dentro do pacote também havia um pendrive com um software peculiar. Depois de extensa análise, os peritos descobriram que aquele era o software usado para…
Velma: … fazer as fraudes financeiras? Um malware, correto?
Eu tive apenas a intenção de deixar claro que sabia o suficiente sobre aquele caso para ser considerada uma aliada, mas notei que a minha segunda interrupção deixou a agente profundamente irritada, por isso eu me calei.
Vivian: Exatamente, agente. Por isso, entendemos que esse cidadão queria apenas fazer uma denúncia contra os malfeitores que andam saqueando fundos e lavando dinheiro por aí…
Após a breve explicação, o casal se apresentou como Vivian e Daniel Crane, e em seguida, eles trocaram informações com Fred e os dois agentes russos por um bom tempo. Eu me afastei para verificar o meu celular e estremeci quando percebi uma mensagem de Crystal com o link de um alerta internacional da Interpol sobre o desaparecimento de Daphne Blake e Seong Gi-Hun. Eu mal havia começado a digitar uma resposta quando Crystal me ligou.
Crystal: Por que vocês não nos disseram que a Daphne desapareceu?
Não sei dizer se a pergunta foi mesmo ríspida ou se a culpa e a tristeza que eu sentia fizeram eu me sentir horrível ao ouvi-la. Eu adoraria ter uma resposta para aquela pergunta. Mas eu não tinha.
Crystal: Velma, vocês deveriam ter nos contado!
Velma: Crystal, como você deve ter percebido, eu sequer consigo falar sobre a Daphne, então é uma péssima hora para você me dar um sermão…
O simples fato de eu falar “Daphne” fez com que Fred se aproximasse de mim imediatamente.
Crystal: Não estou lhe dando um sermão, estou apenas dizendo que as pistas que encontramos na cena do assassinato de Steven Applegate fazem sentido agora! Em cima da mesa do local onde encontramos Steven havia brincos, anéis, um colar e duas ou três unhas femininas, mas ao redor não havia nenhuma digital, nem havia fios de cabelo ou qualquer sinal de que uma mulher esteve no local… as mulheres da família Applegate desconhecem as jóias e Steven não tinha amantes… vocês mencionaram que os criminosos gostam de fazer jogos com os policiais, então simplesmente parecia que tudo foi estrategicamente colocado ali para chamar a nossa atenção por algum motivo, mas não sabíamos por que… agora eu acho que sabemos… eles querem deixar claro que estão com a Daphne…
Fred e eu nos olhamos e eu pude ver alguma esperança nos olhos dele.
Velma: Crystal, mande-me fotos das jóias e do local onde foram encontradas, depois mande tudo para a perícia imediatamente…
Assim que eu encerrei a chamada Fred arrancou o aparelho de minhas mãos e ficou encarando a tela fixamente, ansiando por uma pista de Daphne. Eu pude notar que as mãos dele tremiam – bem menos que as minhas, é verdade. Porém, antes que Crystal nos enviasse as fotos, o rosto de Shaggy surgiu na tela.
Shaggy: OSCOOBYDOOFUGIUVELMAAAAAAAAAAAA!
Shaggy chorava como uma criança pequena, e eu precisei fazê-lo repetir três vezes para entender que Scooby-Doo havia fugido. O descontrole emocional de Shaggy era tamanho que Flim Flam assumiu a chamada telefônica.
Flim Flam: Velma, descobrimos algo importante. Gi-Hun não desapareceu voluntariamente daquele vôo, ele foi levado por agentes do FBI pouco antes de embarcar e nunca entrou naquele avião. Por isso emitimos um alerta internacional de desaparecimento para ele e para a Daphne, certamente ele se tornou mais uma vítima dos VIPs. Parece que Fred estava mesmo certo sobre ele e a operação cachalote…
Velma: Creio que sim, pois encontramos outros agentes que vieram até Seul pelo mesmo motivo…
Shaggy: EEEEOOOSCOOBYDOOFUGIUVELMAAAAAAAAA!
Flim Flam: Ah, nós também perdemos o cão… ele escapou na região da marina de Seul e como você pode ver, Shaggy surtou…
Shaggy: E NENHUM FILHO DA PUTA EMITIU UM ALERTA INTERNACIONAL SOBRE O DESAPARECIMENTO DELE!
Flim Flam: Porque nesse momento, nós filhos da puta vamos focar em encontrar Gi-Hun, pois ele pode ser a resposta para tudo… gostaria que vocês se encarregassem de encontrar Daphne e o cão…
Shaggy: O CÃO TEM NOME E SE CHAMA SCOOBY-DOO, VIU! E ELE SUMIU E NENHUM FILHO DA PUTA FAZ NADA!
As fotos de Crystal confirmaram que as jóias eram mesmo de Daphne, e isso reacendeu a esperança de Fred.
Fred: Creio que Velma pode se encarregar de ajudar Shaggy nesse momento… eu irei discutir as novas pistas de Daphne com Miller e talvez os agentes estrangeiros possam me ajudar a procurá-la… já são quase sete horas podemos nos encontrar no local indicado por Gi-Hun às dez?
Eu não sei se a pior notícia que recebi foi “Velma vai ajudar Shaggy”, “já são quase sete horas” ou “vamos ao local indicado por Gi-Hun às dez”, mas no fim todas elas causaram o mesmo efeito nocivo em meu pobre coração. Shaggy e eu combinamos de nos encontrar no local indicado pelas coordenadas deixadas por Gi-Hun em meia hora e eu encerrei a ligação. Desliguei imediatamente o meu celular no momento em que vi dezenas de mensagens de Jenkins e Delilah Blake se acumulando no meu Whatsapp – sim, Nan e George são canalhas a ponto de delegar ao mordomo a tarefa de pedir informações sobre a filha desaparecida. Quando eu me separei de Fred e os demais, eu senti algo estranho. Eu me lembrei que estávamos em uma missão suicida e meus passos imediatamente cessaram. Em um impulso, eu corri na direção oposta e abracei Fred como se eu nunca mais fosse fazer isso. Quando eu o soltei, ele me olhou confuso, mas com certa ternura.
Velma: Boa sorte, Fred.
Inesperadamente, Fred pegou as minhas mãos e apertou com força.
Fred: Vamos precisar, Vel.
***
Shaggy e eu percorremos toda a região em que Scooby escapou, mas não havia sinal dele em nenhum lugar. Ele estava tão deprimido por ter perdido o cão que recusou todas as guloseimas que eu lhe ofereci durante o trajeto. Quando nos cansamos de procurar, eu olhei no relógio e estremeci ao perceber que já eram quase dez horas. Não tive coragem de lidar com as centenas de mensagens dos Blakes que se acumulavam no meu Whatsapp, por isso decidi me distrair com algumas notícias. Os portais norte-americanos não exibiam outra notícia além da morte de Steven Applegate, alguns encobriam os fatos e sugeriam que a morte havia sido por causas naturais; outros sugeriam que George Blake tinha algo a ver com a morte súbita e inesperada de seu parceiro de negócios, uma vez que as ações de Applegate Bank triplicaram após o anúncio do falecimento e George era dono de grande parte delas. Comecei a ficar incomodada com a demora de meus amigos e os demais agentes, mas menos de cinco minutos após isso, Flim Flam surgiu a alguns metros de nós.
Flim Flam: Não conseguimos localizar Gi-Hun. Alguma notícia de Scooby?
Não precisei responder, a tristeza de Shaggy deixou claro que o cão ainda estava sumido. Desconcertado por ter feito a pergunta, Flim Flam iniciou uma chamada para o agente Li, mas ele não atendeu. Ele persistiu mais umas quatro ou cinco vezes, mesmo assim, Li não atendeu. Flim Flam então tentou contato com o agente Wang, e o mesmo ocorreu. Inevitavelmente, nós três nos olhamos com preocupação e, certamente, tivemos o mesmo pensamento ruim. Flim Flam tentou ligar para outros agentes, mas a chamada não era completada e o telefone ficou mudo.
Shaggy: Tipo, vamos dar o fora daqui, alguma coisa tá muito errada.
Obedecemos Shaggy com rapidez, mas poucos passos adiante, o meu celular tocou e o rosto de Fred apareceu na tela.
Fred: Velma, estamos em uma travessa perto de um parque… um carro veio em nossa direção e o motorista está usando uma daquelas máscaras… venham para cá imediatamente, precisamos pegá-los…
Fred aparentemente estava correndo e não soube repassar informações corretas de onde estava antes da ligação ser encerrada inesperadamente
Flim Flam: Acho que sei onde é, vamos!
Não sei dizer por quantos quarteirões corremos, nem quantas ligações eu fiz até conseguir contatar Fred novamente.
Velma: Onde vocês estão? Diga o local exato!
Fred: Eu e os russos corremos por uma avenida que começa perto de uma igreja e nos perdemos e Daniel e Vivian… estamos em um lugar com cerejeiras… não sei dizer exatamente onde, eu não sei ler em coreano… eu estou vendo o carro que nos seguia atravessar uma ponte… e agora apareceu outro carro com motorista mascarado…
A angústia que senti era tão grande que não consegui nem mesmo elaborar uma pergunta. Infelizmente, não tive tempo de dizer nada, eu apenas ouvi barulhos de tiros e a chamada foi encerrada. Depois disso, não consegui mais falar com Fred nem completar uma chamada telefônica. Shaggy tentou ligar de seu celular, mas o mesmo ocorria com o seu aparelho.
Flim Flam: Vamos sair daqui imediatamente! A polícia não é muito longe… corram!
Flim Flam correu pela rua mais iluminada que viu e nós o seguimos. No entanto, ao fim dela, um carro cinza virou a esquina e pude ver um motorista com uma máscara em forma de triângulo no volante. Imediatamente nós começamos a correr no sentido contrário, mas o carro aumentou a velocidade até se aproximar de Shaggy e atirar algo nele que o fez cair. Por um segundo eu parei de correr e recuei para ajudá-lo, e vi que dois homens mascarados vestidos de vermelho o carregavam para dentro do carro. Shaggy parecia inconsciente e relaxado, da mesma maneira que ficou no hotel, e não exibiu nenhum tipo de resistência. Flim Flam me puxou pelo pulso com violência antes que eu pudesse fazer algo para salvar Shaggy, e logo em seguida ele me fez correr. Estávamos a certa distância do carro que levou Shaggy quando outro carro com as mesmas características surgiu bem na nossa frente e três mascarados desceram com armas pesadas. Por uma fração de segundo, eu vi Gi-Hun amordaçado dentro daquele carro, mas logo em seguida fugi das balas que os mascarados atiraram contra nós. Eu corri tanto que perdi o fôlego e me perdi de Flim Flam. Beirando a exaustão, eu me vi em um beco estreito que aparentemente não tinha saída. Eu me encolhi por um segundo para tentar me recompor e torci para ser invisível aos meus algozes. Minha respiração pulsava no mesmo ritmo que meu coração até alguém gritar meu nome desesperadamente e deixar tudo mais angustiante. Quando olhei na direção do grito, vi Scooby-Doo, Flim Flam e a imagem ruiva de Gi-Hun correndo desesperadamente em minha direção. Antes que eu pudesse alcançá-los, eu senti algo atingir meu peito e fazer meu corpo desfalecer em poucos segundos. Flim Flam e Gi-Hun me carregaram até uma rajada de tiros derrubar Gi-Hun sobre mim. Meu corpo não conseguia se mover, mas podia sentir o sangue quente dele escorrer pelos meus braços. Uma segunda rajada de tiros fez Flim Flam desistir de nós dois e fugir, e Scooby Doo fez o mesmo após abocanhar a minha bolsa. Presa em um estado entre o sono e a vigília, eu vi meu corpo ser carregado para dentro de um carro junto a outras pessoas desconhecidas. E eu não senti mais nada, afinal, todos os sentimentos ruins que me assombravam há dias se tornaram realidade