Fanfic: No Limiar dos Mundos | Tema: História original, fantasia, ação, aventura, ficção, amizade
Heloísa tinha acordado se sentindo triste e inquieta naquela manhã fria e chuvosa de julho. Já fazia tempo que não sonhava com os pais, mas naquela noite, ela havia sonhado. Este certamente era o motivo de sua tristeza, mas não o de sua inquietação. O que a deixava inquieta era algo diferente, era a “sensação estranha” que também já não experimentava há vários anos, tantos que já estava quase se esquecendo de como era, mas lá estava ela outra vez.
Sem muita vontade de se levantar da cama, a moça jogou o edredom para o lado e se sentou, pensativa. Era estranho, mas ela sabia, mesmo sem sair do quarto, que o irmão tinha acordado sentindo exatamente a mesma coisa. Todos diziam que aquilo era “coisa de gêmeos”, mas eles não tinham tanta certeza assim, só sabiam que tinha sido daquele jeito desde que se entendiam por gente. Eles não sabiam explicar, mas havia algo que os conectava de uma forma única, algo que ia muito além do laço sanguíneo ou do útero compartilhado durante os nove meses de gestação. O que eles possuíam era especial, embora isso na maioria das vezes, não significasse que fosse algo bom.
O dia mal tinha se iniciado, mas Heloísa tinha certeza de que algo, no mínimo, incomum, aconteceria em seu decorrer e era bom já ir se preparando mentalmente para isso, pois ficar na cama de nada adiantaria. Nada que ela fizesse poderia evitar o destino, então, empurrada pelas obrigações que tinha a cumprir, ela se levantou, e a primeira coisa que fez foi abrir a janela e esticar a mão para tocar a chuva fina que caía, mas logo tratou de fechar o vidro, pois estava ventando e a água começava a molhar as cortinas.
A água da chuva escorria pelo vidro e atrapalhava a sua visão, mas do alto de sua janela, no andar superior do velho sobrado, ela não pôde deixar de olhar para a pequena casa vizinha, quase encoberta pelo mato, e imaginar como estaria o dono da casa, o famoso Velho Gaida. Ela nunca soube se aquele era seu nome, seu sobrenome ou apenas um apelido estranho, mas era assim que todos na rua o chamavam.
O vizinho era realmente uma figura curiosa, que povoava a imaginação, principalmente das crianças. Embora ela já tivesse deixado de ser uma delas há vários anos, continuava curiosa a respeito do homem que morava ao lado de sua casa desde bem antes de seu nascimento, mas que ela nunca tinha visto pessoalmente, apenas à distância, pouquíssimas vezes, do alto de sua janela.
Ele era praticamente uma lenda na vizinhança, porque havia se mudado para lá há mais de quarenta anos, quando ainda era um homem jovem, mas poucos anos depois, estranhamente, deixou de sair de casa.
Na época, a maioria das casas possuía grandes terrenos com jardins, que com o passar dos anos foram sumindo e evoluindo, junto com a cidade, mas a casa do Velho Gaida parecia ter parado no tempo e agora destoava de toda a vizinhança. As plantas pararam de ser podadas e começaram a crescer desordenadamente, até encobrirem a visão de qualquer um que tentasse expiar pelo portão, com exceção da família Luz, que tinha uma visão privilegiada de tudo.
Quando pequena, Heloísa até tinha tentado fazer contato com o vizinho, mas apesar do esforço, sua ideia acabou não rendendo os frutos desejados.
Todas as segundas-feiras, assim que saía para a escola, ela colhia uma florzinha do jardim de casa e a colocava na caixinha de correio do vizinho, junto com um bilhetinho, lhe desejando uma boa semana e esperava ansiosamente por alguma reação dele. Ela fez isso por quase um ano, mas ele nunca lhe respondeu. No entanto, apesar de não ter recebido nenhuma resposta, sua pequena experiência serviu para provar a todos os descrentes, que o vizinho ainda estava lá, porque a caixinha de correio sempre estava vazia na semana seguinte.
Heloísa sempre tinha sido uma criança muito gentil e se preocupava com o velhinho solitário, porque temia que se algo acontecesse a ele, ninguém poderia ajudá-lo, mas o tempo foi passando e a falta de interação do vizinho fez com que ela desistisse do plano, mas jamais deixasse de se preocupar com ele.
Olhar para a casa do lado naquela manhã, tinha despertado um forte saudosismo na moça e fez com que seus pensamentos voassem para longe e voltassem no tempo. Era bom recordar da infância, de quando as coisas eram mais fáceis e mais felizes, mas pouco tempo depois, ela foi trazida de volta à realidade pelas batidas do irmão à porta.
- Levanta, Helô! Se arruma logo, ou vai chegar atrasada. Eu vou sair em vinte minutos. – chamou Miguel, que já havia se levantado há tempos e tinha, inclusive, passado um café fresquinho para os dois.
Ao ouvir a voz do irmão, ela despertou de seu pequeno transe momentâneo e saiu correndo para se arrumar, ou então perderia a carona e, aí sim, realmente se atrasaria para o trabalho. Ela sabia que aquele não seria um dia como outro qualquer, mas não tinha como saber o motivo do retorno da sensação de inquietação, há tanto tempo adormecida. Ela não tinha controle sobre aquilo, mas sabia que tudo se revelaria no transcorrer do dia.
Autor(a): Claen
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Uma hora antes, assim como a irmã, Miguel também tinha acordado se sentindo estranho. A “sensação” havia voltado e isso o deixava preocupado. Heloísa e ele tinham essas espécies de pressentimentos desde pequenos, mas nunca souberam muito bem o que fazer com aquele “dom”, que parecia não servir absolutam ...
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