Fanfics Brasil - 31 - A Arena A Espada do Destino

Fanfic: A Espada do Destino | Tema: The Witcher


Capítulo: 31 - A Arena

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 Quem não conhece a coragem,


não é digno de uma batalha,


 morrer ou viver,


a coragem é seu escudo.


“Sal Silva”


 


Siana retornou para a fortaleza de Ard Carraigh no quinto dia, como dissera a Zoltan que faria, porém, não dá forma que almejava.


— Trouxe a traidora, meu rei — começou Sor Golland posicionado ao centro do salão do trono. — A bruxa estava ajudando a escória élfica a fugir. Roderick de Daevon quase fora morto tentando impedi-la de debandar — largou sem piedade a subjugada, que estava com os pulsos amarrados as costas, fazendo a armadura revertida nos joelhos tilintar ao colidir com o chão, mas logo encarou o comandante com os olhos cerrados por estar aumentando a gravidade dos fatos, pois havia somente provocado um ferimento na perna do cavalariço para que o mesmo não fosse capaz de andar temporariamente.


Henselt remexeu-se empertigado no trono, encarando a prisioneira com desdém. Após um longo momento de um silêncio tenso, decidiu pronunciar-se fazendo-a voltar-se a ele:


— Então... a mutante ingrata que comeu, bebeu e dormiu sobre meu teto, aproveitando-se de minha hospitalidade e proteção, cospe no prato em que lhe foi servido para salvar a vida de um bando de malditos elfos? — cerrou os punhos frustradamente sobre os braços do trono. — Diga-me bruxa, não teme pela vida do trovador ou a sua própria? Queria apenas fazer-me de tolo? — elevou um pouco a voz com uma veia de cólera a saltar na testa. Falka nada respondeu e levantou-se fitando-o inexpressiva. — Guardas! — bramiu autoritariamente. — Tragam-me o trovador agora! — ordenou a medida que levantava-se. — Veremos se continuará com seu silêncio presunçoso quando ver o companheiro que tanto preza ser executado diante de seus olhos.


A bruxa continuou calada com seu semblante impassível. Pouco tempo depois, a dupla de guardas incumbida da tarefa de escoltar Jaskier até o salão retornou sem o mesmo, deixando o monarca surpreso.


— O que infernos aconteceu? — indagou já nitidamente impaciente. — Onde está o trovador?


Os cavaleiros aproximarem-se temerosamente.


— Ele fugiu, vossa majestade — revelou um deles com a voz hesitante. — O sentinela que resguardava os aposentos foi morto. Não sabemos como isto se sucedeu, pois, a patrulha noturna não informou sobre nenhum movimento suspeito durante a madrugada. A guarnição em Kaedwen nunca falha... Então...


— Cale a boca, seu inútil! — interrompeu o rei indignado. — Cale a merda da boca! Onde está Sabrina?


— Não sabemos ao certo, meu rei... Certamente está em seu laboratório... — respondeu o outro.


— Tragam-na até mim imediatamente.


— E quanto a bruxa, vossa majestade? — indagou Sor Golland. — O que devemos fazer com ela?


— Joguem-na na cela mais imunda das masmorras, retirem a armadura e façam o que bem-quiserem. Em poucos dias será o julgamento, agora podem ir, retirem esse estrume de mutante de minha vista.


Não ousaram violá-la após deixarem-na apenas com as vestes que trajava por baixo da armadura, pois a maioria dos soldados temia sofrerem algum tipo de maldição somente de olhar para as orbes âmbar de gato dela. O comandante, por outro lado, nutria verdadeira repudia por seu ser e fez questão de providenciá-la uma surra assim que fora jogada na cela, garantindo-a várias equimoses pelo corpo.
 


(...)


 


O amanhecer do quarto dia de cárcere já se fazia presente através da pequena janela de barras de ferro. Siana ajeitou-se dolorosamente sobre os grilhões na cela úmida, fétida e penumbrosa. Durante o período de confinamento sentiu sede e fome, sendo alimentada apenas uma vez ao dia, mas não estava surpresa, pois, sabia o quanto Henselt de Kaedwen era atroz com seus prisioneiros e obviamente queria torturá-la, trancafiando-a para que perdesse a sanidade até o dia do julgamento. No entanto, estar em um local análogo a condições desumanas e passar fome era algo que já estava acostumada por conta de seu ofício, então tais condições estavam longe de serem-lhe uma tortura psicológica. Além de que conhecia bem as leis do monarca e sabia exatamente como agir.


Aquela altura Jaskier provavelmente já estaria a milhas de distância escoltado por Zoltan e sua companhia. Fez bem ao contratar o anão antes de partir para a batalha, afinal estava segura de que ele cumpriria com sua palavra. Lembrou-se de sua retirada de Loc Muinne, do massacre aos elfos, da impiedosa dominação da fortaleza e dos civis mortos de forma bárbara. Havia se rendido não por medo, mas por coragem. Não estava nem um pouco arrependida de suas ações e decisões, pois possuía plena ciência de quais seriam as consequências e ainda assim estaria disposta a enfrentá-las para garantir a sobrevivência de ao menos alguns dos elfos que conseguiu salvar.


Então recordou-se de como retornou para Ard Carraigh... Teve as mãos amarradas na cela de um dos cavalos e fora arrastada sem piedade até a capital. E ainda tinha Midgaar que precisou deixar para trás... Almejava que seu fiel companheiro de viajem durante anos voltasse para ela algum dia, mas, no fundo de seu âmago, sabia que não o veria mais, então torcia para que os soldados não o encontrassem ao menos. Entretanto, não estava triste, afinal foi presenteada pelo destino com outro amigo, que desta vez podia lhe responder na mesma língua, ainda que fosse alguém que atraísse problemas onde quer que fosse. Não imaginava que após setenta anos conseguiria confiar em alguém em sua vida. Sorriu debilmente pela extremidade dos lábios para a escuridão, imaginando qual encrenca Jaskier estaria arranjando para Zoltan e sua trupe. As irises douradas brilhavam como labaredas em meio a penumbra. Porém, desfez o sorriso ao notar passos aproximando-se com sua audição aguçada. A porta da cela abriu-se e na entrada surgiu o comandante acompanhado de mais dois guardas.


— Vamos lá, hora de acordar, princesa. O dia de sua coroação finalmente chegou — debochou Sor Golland. Os outros dois libertaram-na dos grilhões da parede e os prenderam as costas da mulher. — O chiqueiro estava aconchegante? — indagou mostrando os dentes tortos em um sorriso desdenhoso.


— Bem mais do que eu esperava — retrucou a bruxa ironicamente sem esboçar qualquer expressão. — Da próxima vez tragam o rei para juntar-se a mim ao chiqueiro, acredito que ele se sinta mais a vontade em seu habitat natural.


O comandante lhe desferiu sem pestanejar um soco forte o suficiente para fazê-la virar o rosto e um filete de sangue lhe escorrer pela boca.


— Meça suas palavras, escória mutante — ameaçou Golland agarrando-a firmemente pelo queixo. — Posso arrancar-lhe a língua. Não se esqueça de que está em Kaedwen.


— Cão que ladra, não morde — rebateu ela cuspindo o sangue na face do homem.


Então outro golpe atingiu-a certeiro no outro lado do rosto, fazendo-a cuspir mais sangue no chão.


— Levem-na — ordenou o comandante.


Os soldados trataram de puxá-la abruptamente, os pulsos já em carne viva fizeram sua tez latejar e gotejar sangue com o atrito do ferro nas feridas abertas. Mas engoliu a dor, não podia demonstrar fraqueza perante seus subjugadores, não naquele momento. Trataria de avaliar seus inimigos e o perímetro, observou ao redor, a cada meio metro um soldado montava guarda no trajeto. Estavam cautelosos, atentos, com as mãos sobre as empunhaduras de suas espadas, prontos para sacá-las caso a prisioneira tentasse algo. Henselt havia se precavido e não estava errado, se fosse em outras circunstâncias Falka já teria matado todos em seu caminho, no entanto, não seria imprudente.


Os portões do salão foram abertos após o anúncio do arauto, o trio de soldados adentrou com Siana sendo arrastada com truculência. A figura imponente do monarca sentado sobre o trono dourado, trajando um gibão em tom rubro, exibia um semblante neutro. De pé ao seu lado encontrava-se a bela feiticeira Sabrina Glevissig, que trajava um decotado vestido azul-petróleo, adornado com pequenas pedras preciosas em sua extensão. Sor Golland e os outros dois guardas aproximaram-se ao centro e reverenciaram seu rei, a bruxa por sua vez permaneceu intacta em seu lugar, em posição altiva, apesar dos ferimentos em seu corpo. O comandante, já sem paciência perante a atitude insolente da mesma, chutou-a na perna, forçando-a ajoelhar-se sobre uma das pernas.


— Majestade, aqui está a bruxa pronta para ser julgada, como ordenado — pronunciou-se Golland orgulhosamente. — Que seja decidido o destino de Siana de Narok, acusada de alta traição contra a coroa por se opor ao estandarte kaedweni durante a batalha de Loc Muinne.


Uma histeria se fez presente ecoando no recinto, promovida pelos nobres aglomerados em fileira nas extremidades, encarando a julgada com repudia. Ela por sua vez levantou-se sentindo as pesadas correntes fazendo pressão sobre os grilhões. Os soldados puxaram-na novamente, desta vez mais para o centro. Ela conhecia a arrogância desta nação e sabia que os kaedweni eram em sua maioria preconceituosos e intolerantes raciais, principalmente em relação aos não-humanos e mutantes. Esforçou-se arduamente juntando todas suas boas intenções para suportar aquela exposição humilhante.


— Que os nobres aqui presentes façam seus votos, em alto e bom-tom para que esta... — Henselt fez uma careta de nojo. — criatura... Ouça claramente sua sentença — declarou compassadamente apontando com desprezo em direção de Falka que encarava o rei com seriedade a medida que os duques e duquesas iniciaram a proclamação de seus votos, todos a declararem-na culpada um após o outro. — As leis de Kaedwen são claras quanto a traição e a sentença é unanimidade. A forca será o suficiente para mostrar ao povo qual o destino dos traidores do reino. Sor Golland, trate de escoltá-la de volta para a cela, quero a execução ainda hoje no pátio central perante a presença de todos — ordenou com escárnio. — E mande os criados limparem o sangue imundo desta mutante repugnante de meu chão.


Siana sorriu sarcasticamente de canto antes que pudessem levá-la de volta para seu cárcere e finalmente pronunciou-se:


— Não, rei de Kaedwen.


Todos os presentes empertigaram-se e Henselt olhou-a incrédulo sem entender o que pretendia, fora pego desprevenido quase engasgando com a própria saliva. Uma veia de irritação saltou de sua testa em seguida pela ousadia da bruxa.


— A lei também decreta que há duas formas de julgamento em vosso reino pelos quais o próprio réu poderá optar — argumentou ela para a surpresa de todos. — Portanto, majestade... — falou com uma breve irritação no tom de voz e expressou um sorriso soturno. — Anulo este julgamento popular e reivindico o julgamento por combate. Escolha seu campeão e nos veremos na arena de luta. Sor Golland, quer tentar a sorte? — desafiou-o provocativamente.


O comandante enfureceu-se, caminhou em sua direção, porém fora impedido com um aceno por parte do rei, fazendo com que todos se voltassem ao mesmo, curiosos com o desfecho. Falka havia maquinado esta estratégia de contragolpe desde sua captura. Lembrou-se de seus ensinamentos em Kaer Seren, pensou nos grilhões, na humilhação e condições desumanas que passara estes dias confinada, seu orgulho se inflamou. Não se deixaria ser mandada à forca, não por Henselt. Ainda tinha outros propósitos em sua vida e se negava a morrer naquele lugar. O monarca ajeitou-se no trono, procurando desesperadamente em sua mente um subterfúgio para condená-la de qualquer maneira, mas não havia nada que pudesse fazer diante das próprias leis, viu-se de mãos atadas. Se fosse qualquer outro tolo sem conhecimento aceitaria sua sentença, mas não Siana de Narok. O monarca cerrou os punhos, enraivecido, no entanto, permaneceu com seu típico semblante indolente e levantou-se com altivez.


— Pois bem, parece que não posso opor-me quanto a isto, afinal leis foram criadas para serem seguidas e é sua vida que está em jogo aqui. Se possui tanto conhecimento sobre as leis kaedweni quanto diz, sabe perfeitamente que a escolha do julgamento a qual reivindicou trata-se de um combate até a morte. Que assim seja, escolho Sor Gregory de Kaedwen, o famoso Lobo de Ferro. Esteja ciente que a contenda não permite armas nem qualquer tipo de magia, então que vença o melhor guerreiro.
 


(...)


 


O conhecimento na arte da luta era um dos inúmeros requisitos para tornar-se um bruxo, no qual Siana era excelente e que aprendeu a gostar. Sentia-se muito grata a seu velho mestre, Keldar, que lhe ensinara todas as técnicas de combate, além das mais variadas disciplinas na escola de Kaer Seren. Porém, devido à dura estadia nas masmorras seu corpo enfraqueceu-se, a exaustão pesava-lhe fortemente, sem contar a dor dos ferimentos causados pelos grilhões na região dos pulsos e tornozelos e da sessão de espancamento. Meditou em sua cela, ainda que acorrentada, durante o curto período que ainda dispunha para reunir as forças restantes, enquanto pensava em um estratagema de combate, avaliando todas as possibilidades, considerando que certamente seu adversário deteria uma força muito superior e principalmente que estaria com seu rendimento em cem por cento, o que a deixava perigosamente em desvantagem. Abriu os olhos e levantou-se quando vieram buscá-la para levarem-na até a arena.


Já dentro da liça, inspirou e expirou lentamente o ar para dentro de seus pulmões a fim de estabilizar a respiração, enquanto aguardava seu oponente surgir na outra extremidade. Aquele era um local especialmente para treinar os soldados kaedweni, mas que naquele momento seria sua passagem para a liberdade, ou para a morte. Tudo dependeria de seus punhos, habilidades e principalmente sua experiência no combate corpo a corpo.


Henselt encontrava-se sentado no cadafalso acompanhado de sua guarda pessoal, incluindo Sor Golland, convidados da corte e sua conselheira, a medida que o povo preenchia toda a arquibancada sem deixar um espaço livre sequer. A arena sempre lotava quando se tratava de julgamento por combate, pois diferentemente das justas, somente um poderia sair vivo. Aquela luta seria um espetáculo para o monarca e quanto mais gente assistisse, melhor seria para seu ego ao ver a queda da bruxa.


O adversário finalmente se fez presente saindo da penumbra, um brutamontes de quase três metros de altura, os ossos eram grandes e os músculos exageradamente volumosos. Certamente havia sido escolhido pelo tamanho e força. A cabeça era completamente raspada e possuía uma cicatriz em forma de três garras sobre o peito nu, exibindo três protuberantes queloides e não só ali havia cicatrizes, mas pelo restante de seu corpo nas partes visíveis. O nariz era achatado, aparentando ser quebrado. Sem dúvidas não se tratava de um estreante nestes tipos de lutas, provavelmente haviam o conseguido de alguma companhia de mercenários. Os olhos frios percorreram o corpo de Siana medindo-a de cima a baixo.


— Este é o meu adversário? Uma mulher? — bramiu para que todos pudessem ouvir claramente e gargalhou com desdém em seguida. — Não irá durar nem cinco minutos comigo.


Para Sor Gregory a mulher seria uma oponente muito fácil de ser derrotada, aparentando estar tão franzina e desnutrida, no entanto, não seria misericordioso de forma alguma.


— O que esperam?! — questionou Henselt já impaciente — Parem de desperdiçar tempo e comecem a luta de uma vez ou mandarei executar ambos!


O brutamontes avançou sem hesitação, levantando poeira sob suas passadas pesadas enquanto Falka esperava pelo ataque. Encararam-se e ela inclinou-se para frente no momento em que o adversário desferiu um soco em direção de seu rosto, esquivando-se com uma meia pirueta. Então tomou impulso sobre um dos joelhos do homem, girou em uma rápida investida apoiando as mãos sobre os ombros do mesmo e foi parar em sua retaguarda. Os movimentos da bruxa eram ágeis e fluídos, podia ouvir a respiração e os batimentos cardíacos que já estavam quase que completamente acelerados pela adrenalina, sem contar o odor forte de almíscar que o corpo dele exalava. Gregory estava liso e escorregadio, besuntado por alguma substância a base de óleo e por esta razão Siana não conseguiu ficar por muito tempo pendurada em suas costas e acabou deslizando. O brutamontes aproveitou a oportunidade e desferiu uma cotovelada em seu estômago, fazendo-a recuar alguns passos, balbuciando e deixou escapar um murmúrio de dor.


A plateia na arquibancada estava entorpecida e incitava os combatentes gritando, despejando insultos e fazendo apostas. Henselt, Sabrina e Golland por sua vez assistiam atentamente sem pronunciar qualquer palavra. A bruxa já recuperada arremeteu rapidamente para cima do opressor, agarrou um de seus braços pressionando o cotovelo dele com uma das mãos a medida que tentava agarrar-lhe os dedos. O guerreiro girou na tentativa de desvencilhar-se da investida, porém somente conseguiu com que ela ganhasse tempo. Falka agarrou-se as costas do homem novamente, desta vez com as pernas entrelaçadas a sua cintura robusta para não deslizar outra vez, em seguida sem piedade agarrou-lhe a mão e forçou o braço do oponente para trás. Com toda sua força fez-lhe pressão no cotovelo com uma das mãos, os ruídos de ossos se partindo ecoaram na arena fazendo com que todos se calassem no mesmo instante. Sor Gregory urrou de dor e Siana recuou sem demora com as roupas manchadas pelo líquido oleoso do corpo dele. Havia esgotado praticamente todas suas energias pelo esforço aplicado no golpe, a tontura começou a se apossar de seu ser, fazendo a visão turvar-se enquanto ofegava tentando recuperar o fôlego. Entretanto, não teve tempo de desviar do ataque que chegou subitamente quando o corpulento acometeu em sua direção transbordando em cólera, o soco no estômago fora poderoso o suficiente para fazê-la despencar de joelhos ao chão e expelir o líquido estomacal.


Os espectadores ainda em silêncio observavam, alguns estarrecidos, outros com um sorriso vitorioso estampado nos lábios. O rei, por outro lado, não esboçava qualquer expressão e a feiticeira ajeitou-se em seu assento, um tanto enojada pela brutalidade da contenda. A bruxa se esforçava para levantar-se ao mesmo tempo que limpava os resquícios de vômito da boca com o dorso da mão. O guerreiro avançou correndo com os olhos semicerrados, com movimentos rápidos para o estado debilitado da adversária, não dando-a chances para pensar em uma manobra de defesa. Agarrou-a pela cabeça e pressionou o polegar do braço que não estava quebrado sobre uma das orbes da mesma, que debateu-se e bramiu em uma mistura de dor e desespero, conseguindo desvencilhar-se por fim. Porém, logo em seguida Siana sentiu uma joelhada acertar-lhe com força o diafragma, tirando-lhe o ar e fazendo-a cuspir uma bola de sangue.


— Vou rachar, rasgar e arrancar seus olhos, sua puta — vociferou Gregory.


Então uma sequência de golpes foram desferidos, a fina camisa negra logo encharcou-se com o sangue dela. Enfim, um sorriso de satisfação brotou nos lábios do monarca e seu comandante ao verem a bruxa totalmente vulnerável e prestes a ser finalizada. Falka conseguiu desviar de um dos ataques ao cuspir sangue nos olhos de seu subjugador, desorientando-o por um momento. Apesar da extrema debilidade, ainda podia contar com suas habilidades, o que lhe garantia uma chance de sobrevivência. Investiu em um chute no meio das pernas do homem que debruçou-se de dor, segurando o local atingido. Em sequência, agarrou-o por trás, cruzou os braços ao redor do pescoço, mas quando procurou forças para estrangulá-lo, encontrou apenas fraqueza, dando a brecha que ele necessitava para sair de sua pegada.


Fora jogada brutalmente no solo em um contragolpe e caiu de costas, o forte impacto desnorteou-a. No segundo seguinte sentiu o hálito quente do brutamontes em seu pescoço, então uma pressão esmagadora atingiu-a sobre o corpo com o oponente montando sobre seu tronco. Henselt acomodou-se em seu assento e Sor Golland debruçou-se sobre a balaustrada ansiosos pelo desfecho, enquanto o povo gritava afoitamente para o guerreiro finalizar a bruxa de uma vez por todas. Sabrina desviou o olhar prevendo o que Sor Gregory faria, não apreciava nem um pouco estes tipos de combates até a morte, muito menos quando ocorria barbáries como a que estava prestes a acontecer por se tratar de uma mulher.


— O que se passa, minha cara Sabrina? — indagou o rei com malícia. — Duvido muito que uma mulher tão bela quanto você nunca tenha trepado na vida.


— Se considera “trepada” uma mulher indefesa ter seu corpo violado, então sugiro que reveja vossos conceitos, majestade — rebateu a feiticeira com certa frustração no tom de voz. — Isto é hediondo demais.


— Oras... Poupe-me do discurso moral e do dramalhão desnecessário. A bruxa terá o que merece, não importa com quais meios seja executado e isto é mais que satisfatório.


A conselheira encarou-o com desaprovação por um momento, porém calou-se sabendo que seria um debate inútil tratando-se do intransigente Unicórnio de Kaedwen.


— Partirá para o mundo dos mortos sabendo quem é o Lobo de Ferro e do que sou capaz — murmurou Sor Gregory aos ouvidos de Siana.


Ela lutou sem forças em uma tentativa fracassada de resistência e procurou desesperadamente alguma brecha para conseguir desvencilhar-se ou aplicar um contragolpe quando teve suas pernas abertas a força. Porém, o homem estava contendo-a firmemente com o peso de seu corpo e serpenteou a mão asquerosa e áspera na parte interna na coxa dela sobre a calça, apalpando-a com vontade.


Merda... — praguejou consigo mesma em seu íntimo. — Se continuar por este caminho... Ganhará uma morte brutal, seu filho da puta — rosnou para seu subjugador.


O brutamontes deu de ombros gargalhando arrogantemente e passou a boliná-la sem pudor não importando-se que havia plateia, estava prestes a retirá-la as calças quando Falka em um momento de revolta reuniu o resquício de força que ainda lhe restava por conta da adrenalina e aplicou contra a pegada do adversário conseguindo libertar um dos braços que estava preso sob o joelho do guerreiro. Com rapidez forçou seu corpo a levantar, agarrou o outro braço dele e deslizou a mão até chegar aos dedos, sem piedade quebrou dois de uma só vez fazendo Gregory urrar. Sem perda de tempo jogou-o para o lado, o peso do corpo colidindo como rocha contra o solo fez a poeira levantar alguns centímetros. Ela então chutou-o com voracidade na face por três vezes seguidas, impedindo-o de defender-se ou esquivar-se, somente conseguindo espasmar com a dor excruciante.


— Quer que eu acabe com sua dor? — indagou ela com o olhar soturno.


O homem não foi capaz de responder, apenas cuspia sangue pela boca ao mesmo tempo que grunhia dolorosamente e balbuciava palavras indecifráveis. Com agilidade a bruxa no instante seguinte finalizou-o quebrando-lhe o pescoço, torcendo-o. O cadáver despencou instantaneamente, levantando mais poeira ao redor. Com um suspiro de alívio, ela permitiu-se cair de joelhos.


Os espectadores da arquibancada levantaram-se surpresos pelo desfecho do embate e logo um alvoroço e gritaria se sucedeu por parte do povo, onde a balbúrdia se dividia entre os que comemoravam e a maioria que praguejava contra a campeã. Diante do inesperado o rei permaneceu em silêncio ainda desacreditado, todavia, era nítido que sob a incredulidade sua indignação se sobressaia por ter seus planos de vingança arruinados com a vitória inusitada da traidora, os punhos estavam fortemente cerrados sobre o braço do assento e o cenho franzido em uma expressão de total revolta. Sor Golland murmurou alguns xingamentos frustrado com o resultado, enquanto Sabrina, por sua vez, esboçou um sorriso imperceptível de ironia pela extremidade dos lábios, sentindo uma satisfação pessoal ao observar de soslaio Henselt tendo que engolir sua soberba diante da conclusão que não poderia se opor. Siana já de pé novamente arrastou-se com grande esforço até a base do cadafalso, parou defronte a seus sentenciadores e encarou o monarca com altivez.


— Meus... pertences... — foram as únicas palavras que a bruxa conseguiu pronunciar, inibida de suas cordas vocais pela falta de fôlego.
 


(...)


 


Após ter suas espadas e armadura devolvidas, que por sorte não foram descartadas, foi enxotada para fora da fortaleza como um cão. Enquanto perambulava pelas ruas os transeuntes encaravam-na com espanto, outros com aversão, alguns inclusive se afastavam para longe ao depararem-se com ela no estado lastimável em que se encontrava, imunda e fétida como um mendigo. Não conseguiu vestir a armadura, pois o metal pesado a deixaria ainda mais exausta impossibilitando-a de chegar a qualquer lugar, precisava urgentemente de um local para repousar e tratar dos ferimentos já que seus elixires haviam ficado no alforje de Midgaar. Havia combinado de encontrar-se com Zoltan e os demais na estalagem “Gato Malhado” localizada algumas poucas milhas da entrada da cidade assim que retornasse, no entanto, quando partiu rumo a batalha não contava que se rebelaria contra aqueles a quem deveria servir e a este ponto supunha que os anões já haveriam partido com Jaskier, imaginando que ela não apareceria mais por tamanha demora. Ainda assim decidiu ir até o local marcado para ter certeza, por sorte conseguira carona na traseira da charrete de um humilde comerciante que estava a caminho de Aedirn, pois não conseguiria chegar até lá andando por conta de seu estado debilitado.


Adentrou na construção de madeira e palha segurando o mais firme possível a trouxa com a armadura sobre os ombros e as bainhas das espadas afiveladas uma em cada lado da cintura para ajudá-la a equilibrar o peso no corpo lânguido. Para sua surpresa avistou Zoltan e seus companheiros sentados na mesa ao fundo, que abriram largo sorriso aliviados ao vê-la, entretanto logo preocuparam-se ao aproximarem-se para recebê-la e notarem estar ferida, com as roupas nitidamente manchadas de terra e sangue, sem contar o forte odor de alguém que não tomava banho há dias. Siana não teve tempo de pronunciar qualquer palavra, pois no instante seguinte fraquejou deixando a armadura se espatifar no chão e seu corpo acabou tendo o mesmo destino, com sua consciência sendo engolida rapidamente pela profunda escuridão.


Imersa no denso vazio, fragmentos de lembranças de um passado distante voltaram a atormentar sua mente. Não suportava a corte ou qualquer coisa relacionada a coroa, pois lembrava-a instantaneamente de sua figura paterna. Recordou-se de estar andando pelos jardins do castelo de Tretogor em sua infância e avistou ao longe o rei acompanhado de seus três filhos, Dalka, Radowid V, Milena e sua esposa, Hedwig de Malleore. Um puxão no braço em repreensão por parte de sua mãe sendo arrastada para longe. O monarca apenas desviou o olhar e continuou sua caminhada, ignorando ambas.


Lembrou-se também dos inúmeros flagras de choro de sua mãe, tentava por diversas vezes consolá-la, mas sempre era repelida com certa brutalidade, o que a fez isolar-se por fim.


Outra lembrança trazia a tona sua despedida de Tretogor, onde fora obrigada a embarcar no porto rumo a Kovir e Poviss. Sua mãe fora jogada brutalmente na embarcação pelo próprio Vizimir II e Siana não se atreveu a aproximar-se do sujeito, apenas permaneceu encolhida ao lado de um dos caixotes com o olhar perdido sem entender o que se passava enquanto o mesmo se pronunciava em tom ameaçador.


Não retorne com esta bastarda. Não atreva-se a voltar, caso contrário Hedwig tratará de matá-las sem piedade.


Então a figura do rei sumiu rapidamente de sua vista ao deixar o navio sem qualquer remorso de deixar a filha e a mãe indefesas e desamparadas a própria sorte.


Mais um fragmento a fez reviver as duras palavras pronunciadas na despedida antes de ser largada na estrada deserta pela própria mãe, que fora embora cavalgando sem fazer questão de olhar para trás. Pôde ver o pesar no semblante da figura materna, mas que ainda assim não fora o suficiente para fazê-la mudar de decisão.


Você é fruto de um ato hediondo, que me causa repudia. Não deveria ter nascido... A filha proibida de Vizimir.


Foi a última vez que pôde ver os longos e sedosos cabelos castanhos dela presos em uma trança, os olhos tão azuis como um céu límpido de verão em seu rosto angelical.


Por fim, mergulhou profundamente na lembrança de como seu destino mudara para sempre após se ver dias sozinha lutando para resistir ao frio e a fome. A garoa caia lentamente e com os braços cruzados sobre o corpo, tentava inutilmente aquecer-se, encolhida debaixo de uma das grandes raízes de uma árvore a beira da estrada. Subitamente um sujeito envolto em uma densa capa negra surgiu ao longe montado em um cavalo de pelagem acinzentada, a medida que se aproximava era possível notar seus cabelos castanhos escuros levemente grisalhos sob o capuz e... Irises âmbar como as de um felino, que a observava atentamente. O homem surpreendeu-se pelo fato dela não ter esboçado qualquer sinal de espanto ou temor, apenas permaneceu fitando-o com um olhar vazio e melancólico. O indivíduo apeou do equino possibilitando identificar que carregava duas espadas embainhadas nas costas, ele caminhou calmamente em sua direção e agachou-se com um sorriso amistoso nos lábios. O medalhão do grifo pendurado ao pescoço dele balançou levemente sobre uma rajada de vento que soprou abruptamente.


Você está sozinha?


Ela meneou afirmativamente com a cabeça um tanto receosa.


Você tem nome, criança?


Para a não surpresa do homem ela negou-lhe com outro gesto da cabeça, sua própria mãe não fizera questão de tê-la dado um nome e nunca sequer em seus três anos de vida havia pronunciado uma só palavra, pois lhe era proibido.


Parece que o destino me trouxe até você por alguma razão e eu pretendo ouvi-lo. Venha, vamos conhecer sua nova casa criança sem nome.


Porém, um último fragmento se fez presente em sua mente como uma flecha cravada firmemente no peito. Longos anos mais tarde, quando enfim já exercia o ofício de bruxa, por uma eventualidade do destino acabou encontrando sua mãe novamente, mas, preferia que nunca tivesse acontecido. Fora contratada para dar cabo de um basilisco que assolava os aldeões que viviam próximos onde a criatura havia montado seu covil, mas chegara tarde demais... Sua mãe acabara sendo uma das inúmeras vítimas do monstro. Não teve a chance de dizê-la que apesar de tudo jamais deixou de amá-la, ainda que fosse um amor não correspondido por ser um fruto indesejado.


Nissandra...


Era o nome que ecoava em seus mais profundos pensamentos atormentando-lhe a alma sempre que possível, no entanto, era um nome que fazia questão em não esquecer.
 


(...)


 


Despertou sentindo uma profunda dor na região abdominal. Observou o ambiente constatando estar em um quarto pequeno e singelo, tendo certeza que se tratava da estalagem quando avistou Jaskier cochilando sentado em uma cadeira próximo a seu leito, mas que logo acordou ao ouvir o ruído do estrado enquanto Siana aprumava o tronco para sentar-se.


— Bardo... — começou ela nada surpresa ao vê-lo, afinal já sabia haver grandes chances dele tomar atitudes impensadas como havia costume em fazer. — Por que ainda está aqui? Deveria ir para longe das grandes cidades, como havia orientado. Os anões não lhe transmitiram minhas instruções?


— Eles transmitiram, sim, inclusive foram bem taxativos para partirmos quando você não retornou na data combinada supondo que algo pudesse ter-lhe acontecido. Mas eu insisti para esperarmos um pouco mais, ainda que fosse um tanto arriscado permanecer aqui, pois tinha esperanças que cedo ou tarde você apareceria. Por sorte a estalajadeira concordou em nos dar cobertura mediante a um pagamento extra caso a guarda do reino viesse vasculhar a estalagem atrás de mim, o que estranhamente não ocorreu. Eu não poderia ir embora sem lhe agradecer pessoalmente... Certamente crê que fui um tanto quanto irresponsável, mas gosto de fazer as coisas a meu modo.


— Você definitivamente não se cansa de meter-se em confusões uma atrás da outra... Porém, não estou surpresa, eu previ que pudesse fazer algo do tipo. Afinal, é o que você costuma fazer na maioria das vezes, coisas imprudentes — declarou Falka repousando a mão sobre a região do estômago, sentindo-se debilitada, porém, menos do que quando chegou, pois, seus ferimentos e hematomas haviam sido tratados enquanto estava desacordada. — E não vieram atrás de você porque o rei já tinha quem queria em suas garras...


— Então nossas suspeitas estavam certas... — suspirou o trovador aprumando-se no assento. — Enquanto a esperávamos retornar, notícias correram por toda a cidade e arredores de que uma bruxa que havia traído as tropas kaedweni na batalha contra os elfos das montanhas seria julgada. Era você, Siana? Foi batalhar junto ao exército de Kaedwen? O que de fato aconteceu depois que me deixou no castelo de Henselt?


— É uma longa história. Quanto menos souber será melhor para você.


— Posso ser inconsequente certas vezes, mas não sou o tolo que me julga. Obviamente, tudo o que lhe ocorreu está relacionado com o suposto acordo que fez com o rei por minha causa. Sim, eu sei que fez uma negociação com Henselt de Kaedwen em troca de minha cura — adiantou-se ele antes que pudesse ser questionado como tinha conhecimento sobre isto —, afinal ele fez questão em deixar-me claro que eu não passava de uma garantia deste acordo, por esta razão estava sendo mantido lá até seu retorno. Sinto muito por colocar sua vida em risco desta forma...


— Esqueça isso, a decisão fora unicamente minha. O que realmente importa é que apesar de as coisas não terem saído como o planejado, ainda assim deu tudo certo no final das contas.


— Deu tudo certo? — questionou Jaskier com certa frustração. — Olhe só para você. Não sei o que realmente lhe aconteceu, mas pelo estado que chegou poderia ter-lhe acontecido coisa pior, poderia estar morta.


— Mas não estou — rebateu ela sucinta, tentando com grande esforço levantar-se, porém fora impedida pelo bardo. — O que está fazendo?


— Não deve se esforçar, está muito fraca e precisa de repouso. O curandeiro disse que foi por um fio que conseguiu salvar-lhe a vida, se fosse outro em seu lugar teria certamente parado a sete palmos debaixo da terra.


— Então graças aos deuses que sou uma bruxa — ironizou Siana. — Por quanto tempo fiquei inconsciente? — perguntou para ter certeza, mas já supondo haver sido um longo tempo, considerando que chegara na estalagem no entardecer anterior e pela posição do sol a pino no céu que observou através da pequena janela do aposento, certamente já passara da metade do dia.


— Não sei exatamente, creio que fora mais de vinte horas... — Um minuto de silêncio, entretanto o trovador não conseguiu conter a extrema curiosidade. — Quem é Nissandra se posso perguntar? Fiquei aqui com você a noite toda e não parava de balbuciar este nome.


— Uma lembrança — respondeu ela um pouco desconfortável com o questionamento de um assunto tão delicado para si.


— Uma lembrança?


— Sim. Apenas uma lembrança de uma vida que não me pertence mais e, ao mesmo tempo, a razão pela qual tornei-me o que sou. E é nisto que devo me agarrar, sou uma bruxa e morrerei uma bruxa. Há certas coisas do passado que por mais que queiramos não podem ser esquecidas, entretanto, é lá que devem permanecer.


Jaskier compreendeu que tratava-se de um assunto sensível para ela e nada mais perguntou, apesar de estar muito intrigado e curioso. Afinal, havia prometido anteriormente que não a questionaria mais a respeito de sua história e como havia se tornado uma bruxa.


Eu não era ninguém antes de tornar-me Siana de Narok... — refletiu consigo mesma enquanto observava a paisagem do lado de fora através da vidraça da janela.



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Autor(a): bianav

Esta é a unica Fanfic escrita por este autor(a).

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Vencedor não é apenas o que avança ou o que sobrevive, mas acima de tudo o que suporta os golpes sem desistir. “Bispa Lúcia Rodovalho”   O comandante do exército kaedweni deixou a capital rumo as ruínas de Loc Muinne sem demora novamente, acompanhado por uma pequena armada de quinze soldados a cavalo. A batalha ...


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