Fanfics Brasil - 50 - A Floresta de Brokilon II A Espada do Destino

Fanfic: A Espada do Destino | Tema: The Witcher


Capítulo: 50 - A Floresta de Brokilon II

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Nem a morte, nem a fatalidade, nem a ansiedade,


podem causar o insuportável desespero


 que resulta de perder a própria identidade.


H.P. Lovecraft


 


As dríades conduziram Doretarf sem muito cuidado até a caverna e o submergiram até o pescoço nas águas com propriedades curativas da fonte termal. Col Serrai era um lugar com recursos de cura e saúde dentro das fronteiras de Brokilon. A água cristalina brilhou e pulsou de encontro com a magia imposta em seu corpo, as dríades afastaram-se, cautelosas, pela poderosa áurea que preencheu o lugar. Mesmo desacordado, o príncipe debatia-se, gemendo em intensa dor, que entorpecia-lhe os sentidos.


Sempre considerou Terorah um grande amigo, um conselheiro nas horas mais sombrias e certas vezes até mesmo um pai. Não conseguia tirar da cabeça infinitos questionamentos. Por que ele traíra o seu rei? Por que tamanha ambição pelo trono? Havia tantas perguntas sem respostas que se tornava insuportável, frustrante. Nunca imaginara tamanha traição em toda a sua vida. No entanto, o pior de tudo, era esta maldição que consumia não somente sua carne, mas também seu espírito. Estava fadado a perder a razão, a virar um animal sanguinário. Nada mais que um escravo dos próprios instintos selvagens.


As imagens de seu pai inerte invadiram-lhe a mente. As pupilas dilatadas e vazias, o sangue fresco escorrendo pela escadaria. Não houve um adeus, e isso o corroía por dentro. Arrependia-se profundamente por ter se afastado, compenetrando-se apenas em batalhas e em mulheres. O comandante das forças de Kovir e Poviss deveria proteger a todos, e principalmente ao seu rei. Ao invés de cumprir o seu dever, decidiu mergulhar na luxúria, pagando um preço alto por tamanha negligência. Agora não passava de uma piada. Um filho irresponsável e covarde, motivo de vergonha para sua família e povo. Ellin lhe dissera que seria um excelente rei, não sabia o quão estava enganada... pois não era capaz de proteger ninguém, nem a si. Talvez desistir de tudo seria a melhor opção. Viver isolado em Brokilon não seria o pior dos destinos.


“Um rei tem o dever de nunca desistir de seu povo. Você aprenderá quando receber a coroa.” — Lembrou-se das palavras de seu pai. Gedovius estava certo, desistir não era uma opção. Era seu dever não deixar um usurpador em seu trono. Faria Terorah pegar com o próprio sangue por toda sua maldade nem que fosse a última coisa que fizesse.


 


(...)


 


Despertou de sobressalto, arfando pesadamente. Tateou as feridas e constatou que estavam totalmente curadas. Não havia nenhum resquício de cicatriz. Aquilo seria... magia? Levou uma das mãos ao medalhão em seu peito e escondeu-o novamente sob as vestes. A dríade, ajoelhada ao seu lado, levantou-se quando notou que o mesmo estava acordado.


— Obrigado, Aglais — agradeceu ele após um longo período de silêncio.


— Não se preocupe, só fiz o que é certo — a dríade sentou-se sobre uma rocha irregular.


— O que aconteceu? Lembro-me apenas de fragmentos...


— Você passou a maior parte do tempo delirando. Nunca havia presenciado tamanha maldição. Felizmente, o carvalho-branco o protegeu. És um guerreiro forte, qualquer outro teria sucumbido.


— Deveríamos matá-lo — pronunciou-se Milva, aproximando-se com uma carranca.


— Não, a senhora de Brokilon deseja falar novamente com ele — retrucou Aglais. — Quais as novas?


— Nilfgaard aniquilou Aedirn. O império aproveitou-se da morte do rei Demawend e do rei Foltest para atacar. Teméria está resistindo, porém, não se sabe por quanto tempo — revelou Milva, encarando Doretarf de soslaio ao sentar-se do lado oposto da outra. — A caça aos não-humanos em Kaedwen, Teméria e Redânia segue intensa.


— O rei Demawend está morto? — intrometeu-se o príncipe, estupefato com a notícia.


— Por acaso és surdo? — questionou Milva com empáfia. — Os reis Demawend de Aedirn e Foltest de Teméria foram assassinados. Especula-se que o imperador de Nilfgaard esteja por trás de tamanho estratagema, afinal, o império já conquistou muitos territórios. É só questão de tempo para dominar todo o Continente. Soube também que o rei Ervyll passou a oferecer uma boa recompensa a um caçador de escalpos de dríades. O que garante que este pavienn não é um desses desgraçados? — empertigou-se, fuzilando-o de forma ameaçadora com o olhar. — Passaram-se muitos anos desde a última vez que esteve em Brokilon, seus ideais podem não ser mais os mesmos.


— Meu interesse não são as dríades, e sim Iorveth — rebateu o príncipe não se intimidando com as acusações da dríade. — Não sou um tolo, Milva, conheço bem a força e periculosidade das dríades.


— Poderia muito bem ter se aproveitado de seu envolvimento com Morénn.


— Se fosse esse o caso, não estaríamos tendo esta conversa agora — retrucou-a sentindo-se ofendido. Milva apenas calou-se sem mais argumentos para confrontá-lo. — E quanto a Kovir e Poviss? Alguma notícia? — quis saber ansioso.


— Não, apenas que o rei Gedovius morreu, e consequentemente o príncipe.


Doretarf ficou calado por um instante, em uma miscelânea de sentimentos em seu íntimo.


— Inacreditável... — sibilou mais para si. — Onde está Larawen? — indagou, percebendo que Milva não estava acompanhada da elfa.


— Em um lugar seguro — revelou a dríade sem querer lhe dar maiores explicações. — Ela aguarda a resposta ao pedido de vocês.


— Pavienn, a rainha o aguarda — informou Braenn, surgindo das sombras.


 


(...)


 


A rainha das dríades, com seus irreverentes olhos e cabelos banhados em prata, encontrava-se recostada sobre um imponente pinheiro aguardando seu convidado. Doretarf aproximou-se com cautela e ajoelhou-se sobre uma perna, prestando-lhe a devida reverência. O medalhão pendia para cá e para lá visivelmente sobre a camisa. Eithné observou a joia em silêncio.


— Saudações, majestade — pronunciou-se ele respeitosamente.


O sol poente envolveu-os em sua aura contrastando com o fundo da sombria floresta.


— Levante-se — ordenou-o sucinta. — Vamos caminhar.


O príncipe obedeceu e pôs-se ao lado da anfitriã, que estendeu-lhe a espada que haviam capturado. Ele arqueou a sobrancelha intrigado com a atitude inesperada, a medida que prendia a arma de volta a cintura.


— Considere como um sinal de confiança — esclareceu a senhora de Brokilon, caminhando por entre a trilha de flores multicoloridas.


— Posso perguntar o que a fez mudar de ideia?


— O carvalho-branco — apontou para o medalhão que o humano carregava. — Se os elfos o presentearam com algo tão poderoso, significa que és no mínimo confiável.


— Uma dádiva dada por pura sorte – declarou-a olhando ao redor e perdeu-se por um momento diante da beleza exorbitante da floresta. — Mas a questão aqui não é esta, senhora de Brokilon. Nosso pedido será atendido?


— Os não-humanos vem a mim para serem curados e acolhidos. Não há como eu obrigar o elfo a entregar-se para seus inimigos. Não tenho controle sobre seu destino, posso apenas dizer que ele está em Craag An.


— A aldeia?


— Sim. Tenha cuidado, a aldeia atualmente nada mais é do que uma necrópole. E a floresta é extensa, você está ciente dos perigos que habitam aqui — um instante de silêncio se fez presente até a rainha prosseguir sem cessarem a caminhada. — Larawen foi submetida à seiva do carvalho-branco — revelou-o. — Essa é a primeira e última vez que auxilio mercenários na captura de um não-humano.


Doretarf ficou em silêncio por um momento. Sabia que a seiva do carvalho-branco possuía propriedades mágicas de fazer a pessoa revelar todos os seus segredos e intenções, então não cabia mais argumentos, pois a senhora da floresta já sabia de toda a verdade. Por sorte, o medalhão que ganhara de Ellinfirwen a fez reconsiderar sua decisão. O koviriano havia passado pelo mesmo ritual da última vez em que visitara a morada das dríades e se perguntava por que não havia passado pelo mesmo novamente. Mas não questionaria, afinal, tal ritual pode ser mortal para aquele que lhe é submetido.


— Senhora Eitnhé?


— Sim?


— Pode me falar mais sobre esse medalhão?


— Trata-se de uma espécie de amuleto. O poder fundido nele foi extraído do grande carvalho-branco, o coração de Brokilon, para deter grandes poderes e terríveis maldições. Aconselho jovem príncipe que nunca o tire. Sinta-se agraciado com tamanha honraria.


O koviriano refletiu sobre tais palavras, pois algo aparentemente inofensivo o estava salvando de sua maldição. Algo tão valioso... Não deveria estar em suas mãos... Ellin o havia dado tudo que possuía e ele simplesmente não poderia recompensá-la à mesma altura. Mas ficou extremamente intrigado do porquê um amuleto tão poderoso utilizado para conter grandes poderes e maldições estaria com ela.


— Obrigado, majestade — agradeceu um tanto melancólico.


Cessou os passos por um instante e observou um canteiro de flores que chamou-lhe a atenção, enquanto Eithné seguiu adiante, sumindo em meio a penumbra das altas árvores. Algumas dríades patrulhavam ao longe observando-o atentamente. Aproximou-se do canteiro e avistou então um botão de camélia, que o fez perder-se em suas lembranças. Sentia imensa falta dos beijos e carícias de Ellinfirwen. Teria ela consciência das propriedades mágicas de seu medalhão? Refletiu por mais alguns segundos e concluiu que provavelmente a joia pertencia a outro anteriormente, pois sua amada era perfeitamente normal. Fora uma sorte lançada ao acaso, uma mera coincidência que justo um objeto com uma energia tão poderosa viesse parar em suas mãos, pois tinha certeza de que Siana de Narok havia quebrado sua maldição.


Terorah não deve ser subestimado..Surpreendentemente, um bruxo não tem poder para quebrar os feitiços deste crápula... — pensou consigo mesmo. Confrontar o mago era a sua única opção.


As lembranças de Ellin voltaram a atingi-lo. Havia semanas que estava reprimindo tais sentimentos, pois o aperto no peito pela saudade era doloroso. Sentia falta, ansiava desesperadamente para reencontrá-la, desejava-a veementemente. Todo sofrimento e tristeza não significavam nada quando estava com ela. Não havia explicação para tamanha atração por aquela Aen Seidhe, mas ele não queria explicações, apenas estar junto dela pelo resto de seus dias. Contudo, não poderia ficar remoendo o passado, pois a decisão já havia sido tomada. Infelizmente para seu coração, seria obrigado a esquecê-la por mais torturante que fosse. Acreditava que seria o melhor para ela, afinal, não poderia dá-la um futuro digno se não fosse bem-sucedido em sua missão de retomada do trono e não havia quaisquer garantias de que seria.


— O que está fazendo? — indagou uma voz familiar subitamente, aproximando-se com cautela.


— Nada de mais — voltou-se imediatamente na direção da voz — Fico feliz que tenhas sobrevivido à seiva do carvalho-branco. Sei que os inumanos são mais resistentes do que os humanos, mas nunca se sabe.


— Também fico feliz que esse processo não tenha derretido meu cérebro. Os boatos da seiva não eram à toa — suspirou Larawen em alívio. — As dríades devolveram minha espada, e a sua também, pelo que vejo, então acredito que tenha convencido a senhora de Brokilon de alguma forma — recostou-se no tronco de uma árvore próxima e cruzou os braços, encarando-o com seriedade — príncipe Doretarf Troideno...


Ele supôs que as dríades haviam revelado sua verdadeira identidade para a elfa, ciente do risco e que provavelmente cedo ou tarde isso aconteceria.


— Não me orgulho de mentir, mas foi preciso — justificou-se o príncipe de Kovir e Poviss, engolindo em seco, já cansado de esconder a verdade, mas ainda assim receoso da reação dela. — Se revelar minha identidade, colocará minha vida em risco — baixou a guarda por um momento, não fazendo mais questão de esconder seu sotaque. A elfa ficou em silêncio, encarando-o pensativa, decidindo se o faria ou não. — Não sou seu inimigo, Larawen.


— Eu suspeitava que tinhas um segredo, mas não imaginei que fosse algo dessa... magnitude — ela suspirou profundamente. — Nossa amizade foi construída a base de mentiras, mas não estou brava ou amargurada, Darrien... — pigarreou. — digo, Doretarf. Pelo título que carrega, imagino que tenhas um bom motivo para esconder sua identidade. Mas agora que sei a verdade, não posso trair a confiança de minha hansa encobrindo sua mentira, vamos terminar essa missão e contar a verdade para todos, então Cigarra decidirá o que fazer em relação a você.


Doretarf encarou-a em silêncio, vendo-se sem saída. Precisava dos mercenários para chegar até Dijkstra. Iorveth seria uma peça preciosa para sua barganha com o Conde, mas ele realmente não queria contar-lhes a verdade. Não para Cigarra, que fazia tudo por dinheiro. Decidiu então que, após a captura do Scoia’tael, fugiria para a outra extremidade da floresta e o levaria junto, pois era sua única opção.


 


(...)


 


A dupla seguiu em um silêncio tenso durante todo o percurso, sendo engolidos pela escuridão da densa floresta e da noite que chegou em um piscar de olhos. A aldeia de Craag An estava deserta, as casas decrepitas envoltas em teias de aranha, musgos, folhagens e esquecimento. Avançaram lenta e agilmente aldeia adentro, porém, com discrição e cautela para não denunciarem sua localização. Logo avistaram um vulto ao longe e desembainharam as espadas lentamente, de modo que não pudessem ser traídos pelo brilho da lâmina.


Observaram a silhueta tomar a forma de um humanoide, que atento, segurava firmemente seu arco em posição ofensiva. Seus curtos cabelos castanhos encontravam-se cobertos com um puído tecido vermelho, que também lhe vendava diagonalmente o olho direito, mas deixava a mostra as proeminentes orelhas pontiagudas, deixando claro que era quem procuravam. O sujeito posicionou a flecha na corda e mirou em um aglomerado de criaturas rastejantes, porém, extremamente ágeis e disparou. Os grunhidos das criaturas agonizando ecoaram pela até então silenciosa floresta. Doretarf reconheceu o típico ruído de tais criaturas, pois já as havia enfrentado no passado e quase não saiu vivo. Carniçais...


O indivíduo recuou, retirou mais uma flecha de sua aljava presa à cintura e acertou um dos monstros na cabeça. Aproveitando a brecha criada, Doretarf avançou. Diante das circunstâncias atuais, se quisesse capturar o alvo, precisaria salvá-lo primeiro. Iorveth demorou alguns segundos para sacar outra flecha, tempo suficiente para que um carniçal arremetesse para cima do mesmo, rasgando-lhe a carne da perna direita, o que provocou um considerável jorro de sangue.


Larawen com sua agilidade élfica, digna de uma verdadeira Scoia'tael, fora mais rápida que o koviriano, correndo e saltando em pleno ar a medida que cortou a cabeça da criatura com um golpe giratório. No entanto, fora pega de surpresa por outro monstrengo, que acometeu com as garras afiadas para cima dela, que para evitar o ataque mortal rolou no chão com seu chapéu tricórnio voando para longe, deixando suas madeixas livres e orelhas pontiagudas a mostra. Em uma luta corporal a Aen Seidhe forçava o gume da espada contra a bocarra forrada de presas letais que tentavam a todo custo abocanhar seu rosto, o sangue pútrido escorreu pela lâmina pingando em sua bochecha. Doretarf com um golpe rápido, decepou o monstro, com a cabeça despencando sobre o tórax da elfa, que imediatamente jogou-a para longe. O príncipe estendeu a mão oferecendo auxílio para levantá-la, Lara, por sua vez, apenas ignorou-o e pôs-se de pé sozinha.


Eles recuaram, observaram na penumbra mais criaturas aproximando-se rapidamente. O plano de abordar Iorveth sem interrupções havia sido arruinado. O elfo, equilibrando-se com dificuldades, acertou outro carniçal que brotou de um arbusto próximo.


— Teigh aep here. Fel arall aé esse wneud taedh ghoul bwyd (Saiam daqui. Caso contrário farei com que virem comida de carniçal) — vociferou o Aen Seidhe, arrastando a perna ferida.


— Esseath aen neén safle aep wneud bagairt (Não está em posição de fazer ameaças) — retrucou a mercenária.


— Se quiseres sair daqui vivo, teremos que trabalhar juntos, Iorveth — determinou o koviriano, sem desfocar das criaturas que avançavam cada vez mais. — É melhor se decidir rápido!


 — Não preciso de você, humano! — berrou ele com rispidez.


Contudo, não houve tempo para qualquer resposta, pois um carniçal surgiu pela retaguarda de Doretarf, que por reflexo girou a espada de modo que partiu a criatura ao meio. A dupla viu-se encurralada, pois o elfo ajoelhou-se sobre uma perna, sem forças para sair dali sozinho. Um total de dez carniças vinha em suas direções, ágeis e mortais, não poderiam cometer uma margem de erro, caso contrário, acabariam como Iorverth. Precisavam chegar a Col Serrai quanto antes, era a única salvação. Mas como? O estado do elfo atrasaria sua locomoção. Então, vendo-se sem saída, a Aen Seidhe retirou a aljava e arco do Scoia'tael.


— Infernos... há tempos não treino com arco — resmungou para si mesma ao mesmo tempo que tensionava uma flecha na corda. — Darrien, leve-o para aquelas ruínas, eu lhes darei cobertura — orientou ao parceiro, enquanto disparava freneticamente em direção das criaturas horripilantes que já encontravam-se muito próximas.


A espada do príncipe cortou o ar, e mais uma criatura sucumbiu aos seus pés.


— Vamos. Esforce-se, Iorveth! — exasperou o koviriano, carregando o elfo apoiado em seu ombro, no mesmo instante um carniçal abatido pela elfa tombou ao lado deles.


Com o Aen Seidhe ferido era impossível serem rápidos o suficiente, o que os tornava uma presa fácil. E foi o que aconteceu, um dos monstrengos cravou traiçoeiramente suas presas no bíceps direito de Doretarf, arrancando-lhe um pedaço significativo da epiderme. Ele não conseguiu conter o grito com tamanha dor. Larawen pensou rapidamente, alcançou mais uma flecha na aljava e cravou-a com suas próprias mãos nas orbes amareladas da criatura, que urrou e o soltou. O príncipe aproveitou a chance e o golpeou com uma curta, mas forte estocada entre os olhos.


As flechas haviam acabado, a mercenária abatia com agilidade alguns com sua espada, contudo, não havia como parar o bando sozinha. Então, tratou de ajudar o parceiro a carregar o Scoia’tael, que cambaleava a cada passo até a casa decrépita mais próxima, enquanto mais carniçais surgiam das sombras. Com alguns potentes pontapés ela arrombou a primeira porta que avistou, alcançou uma cadeira de madeira, colocando-a de escora contra a maçaneta, bloqueando a porta assim que adentraram. Não havia saída, as criaturas forçavam a porta freneticamente, fazendo a madeira bater e estralar. Doretarf observou seu ferimento, encontrava-se em carne viva e o sangue vertia em grande profusão. Largou a espada ao chão, não conseguindo conter uma careta de dor.


— Merda... Deixe-me ver isso — murmurou a elfa aproximando-se.


Larawen sabia o básico sobre medicina por conta de precisar cuidar de seus próprios ferimentos e do que aprendeu com sua irmã no passado. Obviamente não detinha o mesmo conhecimento que Ellinfirwen, que sempre se dedicou a esse ramo, mas ao menos poderia dar condições mínimas de salvamento a ambos. Analisou o ferimento, que tinha três profundas perfurações e constatou que por pouco não foi decepado. Atou a ferida com um retalho de pano que retirou de sua própria camisa para estancar o sangramento e evitar uma provável hemorragia. Em seguida, foi tratar a ferida de Iorveth, que estava tão grave quanto a de Doretarf. A mordida enegrecia em certos pontos, a vermelhidão mostrava-se em forma circular e uma secreção amarela aflorava. O Aen Seidhe desamarrou da cintura uma pequena bolsa de couro e a estendeu a ela.


— Aqui... tem sálvia — murmurou ele com uma expressão de intensa dor. — Use em mim primeiro.


O estrondo dos carniçais se misturou aos violentos pingos da tempestade torrencial que iniciou. De algumas fissuras da construção decrépita pelo tempo, a água pingava e escorria. Doretarf um tanto desnorteado, se encaminhou a uma pequena poça que se formou no canto do recinto, a fim de lavar sua ferida, mas acabou tombando devido à extrema fraqueza. O gotejamento que pingava do teto encharcou sua cabeleireira. Larawen apressou-se e amparou-o, dispondo-o recostado sobre a parede, abrigado da chuva.


— Eu não tenho muito tempo... — sibilou ele extremamente pálido e apático.


— Não se esforce — pediu ela ao mesmo tempo que mascava um punhado de sálvia. Por fim, espalhou a liga na ferida profunda do príncipe, em seguida, enfaixou-a novamente. — Tenho certeza de que as dríades virão ao nosso socorro, elas sabem tudo o que se passa nessa floresta. Darrien... — apesar das palavras esperançosas, estava preocupada de que não tivessem tempo suficiente para aguardar por reforços. — Resista, só mais um pouco. Só... merda... — praguejou quando a atadura rapidamente ficou rubra.


— Eu preciso... Preciso descansar um pouco — o koviriano não foi capaz mais de resistir e deixou a escuridão se apossar de sua visão.


Inesperadamente, sentiu um toque suave e caloroso acariciar-lhe o rosto, instigando-o a abrir os olhos. Foi então que o azul-celeste de suas orbes encontraram os esmeraldinos de sua amada. Surpreso, encarou-a sem palavras, que em resposta sorriu-lhe singela, mas puramente. As madeixas loiras quase brancas caiam como cascata sobre os ombros dela, que contrastava harmoniosamente com o vestido azul perolado de alça que trajava. Estava tão bela como nunca a tinha visto antes, com um encanto tão sublime que parecia uma deidade, trazendo-o a paz que sempre encontrava quando estava em sua presença. E no pulso da mesma, residia a pulseira que presenteou-a como símbolo de sua promessa. Promessa essa que queria do fundo de sua alma conseguir cumprir, mas que já estava sem esperanças.


— Ellin... minha Ellin — por um instante desviou o olhar para a paisagem que os cercava e percebeu que estavam deitados em uma clareira sobre uma grama verde suave na encosta de uma montanha que proporcionava uma plena e deslumbrante visão do vale abaixo. — Onde estamos?


— Em um lugar só nosso.


Foi então que se deu conta que tratava da mesma clareira em que passaram juntos sua última noite nas Montanhas Azuis, só que desta vez, o sol brilhava em sua plenitude no céu límpido. Se a única forma de ficar com Ellinfirwen fosse em seus sonhos, então ele não queria mais acordar.


— Dá het ess na dearme, yna n’te gadewch i mi dúiseacht yn (Se isto é um sonho, então não me deixe acordar...) — murmurou Doretarf, sentindo o veludo de sua pele ao acariciá-la ternamente no rosto.


A princesa dos elfos pegou a mão que a acarinhava e beijou-a delicadamente no dorso antes de respondê-lo:


— N’te tearth, me minne, evellienn esse yeá. Ach a’taeghane taedh éigean aep dúiseacht yn (Não se preocupe, meu amor, vai ficar tudo bem. Mas agora você precisa acordar.)


Ela lentamente aproximou o rosto ao dele, selando seus lábios em um terno beijo. Ao fechar os olhos, a voz de Lara começou a ecoar em seus ouvidos, tornando-se mais nítida a cada segundo. Quando abriu-os novamente, não encontrava-se mais nos braços de Ellinfirwen, mas sim nos de Larawen, que o chamava freneticamente, aflita.


— Darrien! Pelos deuses... pensei que o havia perdido... — suspirou profundamente a marcenaria em alívio. — Temos que subir ao segundo andar — ajudou-o a levantar-se e apoiou-o nos ombros. — Mexa sua bunda, Iorveth, se não quiser virar comida de carniçais — chamou o outro, que levantou-se arduamente.


Com dificuldades, a Aen Seidhe levou o companheiro de hansa ao anda superior através do acesso da sala onde estavam, praticamente arrastando-o pela escadaria apodrecida, que corria o risco de ceder a qualquer momento. O Scoia’tael os seguiu, segurando firmemente sua bolsa de couro. Lara colocou Doretarf cuidadosamente apoiado na parede e sem perda de tempo carregou alguns poucos móveis ainda inteiros, montando uma barricada sobre a porta, o que não seria eficaz por muito tempo se os monstros derrubassem a porta do andar inferior.


— Acho que isso deve nos dar tempo suficiente — disse para o colega enquanto fitava o outro de soslaio. A chuva enfraqueceu com as nuvens dando espaço no céu para a imponência da lua, os raios invadindo o aposento pelas frestas. Ouviram os carniçais porem violentamente a porta abaixo, e colidirem com a que os separava, que pela rapidez da elfa estava bloqueada, mas era questão de tempo para ser derrubada também. — Sinto muito... — lamentou, observando-o impotente perder sangue. A sálvia que mascou não fora o suficiente para diminuir o sangramento.


— Eu deveria ter lhe contado a verdade... — confessou o príncipe de Kovir e Poviss em um momento de lucidez. — Mas não era fácil... Coloque-se em meu lugar...


— Esqueça — interrompeu-o, observando com pesar seu estado debilitado. — Isso não importa agora.


Ele fitou a luz lunar, engolindo em seco, sabia perfeitamente a consequência daquela luminosidade, pois a magia o chamava e o envolvia. O medalhão do carvalho passou a vibrar freneticamente em seu peitoral. O forte presságio que estava tendo o dia inteiro lhe dizia que aquele seria seu último dia. Entretanto, não podia morrer, não antes de pelo menos salvar sua até então parceira de hansa. Então forçou-se para manter-se consciente. Sentiu um arrepio percorrer sua espinha, era o prenúncio do que se sucederia, o ápice da maldição o estava atingindo.


— Lara... Não tenho muito tempo, e nem você. Então, quando eu... — contorceu-se com a dor lancinante da maldição percorrendo suas veias e colidindo com a magia do carvalho-branco.


— Darrien... não se esforce — exasperou-se a elfa, querendo desesperadamente ajudá-lo, mas não sabia como.


— Quero que corra, que fuja sem olhar para trás — determinou ele com seus olhos mesclando entre o azul e o negro, enquanto grunhia lamuriosamente. Sem dizer mais uma palavra, arrancou o medalhão do pescoço, deixando-o cair ao chão e atirou-se da janela a qual estava próximo.


— Darrien! — exasperou a Aen Seidhe, aproximando-se do parapeito e avistou atônita o corpo inerte do companheiro espatifado ao chão.


Larawen ficou incrédula quando fitou de relance o pingente deixado para trás por Doretarf, pois identificou imediatamente o brasão gravado na prata. Se perguntou como ele havia conseguido aquele medalhão. Colocou o pingente no pescoço e guardou-o sob a camisa. O barulho ensurdecedor de madeira sendo forçada de repente parou. Os carniçais estavam deixando o local, a medida que se dirigiam em direção do corpo do lado de fora. A mercenária não tinha tempo para ficar de luto, então enxugou uma lágrima solitária que não conseguiu conter e se direcionou a Iorveth quando o mesmo se pronunciou:


— Que azar. Há aqueles que suportam a dor, e há aqueles que simplesmente fogem dela — sibilou o Scoia'tael desdenhando da morte do outro, ao mesmo tempo que Lara finalizava o processo de primeiros socorros, enfaixando sua ferida com um retalho arrancado das vestes do próprio elfo. — Por que está me ajudando? — indagou um pouco hesitante e com uma nítida palidez. — Sei bem que está trabalhando para aquele filho da puta do Dijkstra. Então, por que não me mata logo e poupa o trabalho daquele merda?


— Um traidor como você vale muito mais vivo, pelo menos por enquanto. Não passa de uma mera recompensa.


— É por isso que sujeitos como você deveriam morrer — declarou ele após uma longa risada de escárnio. — Me chamas de traidor, mas não fui eu quem traí minha própria espécie para virar lacaio de um filho da puta nortenho — cuspiu aos pés de sua captora. — Não passa de uma vergonha para os elfos. Uma miserável, hipócrita.


Larawen sem pestanejar desferiu um forte tapa com o dorso da mão no rosto de Iorveth, que sentiu o gosto do próprio sangue com o golpe.


— Cale sua maldita boca, ou perderá a língua. Não sabe nada sobre mim e tudo o que fui obrigada a passar para sobreviver até aqui. Você não tem moral para fazer julgamentos, pois tornou-se lacaio de um filho da puta sulista — rebateu-o sem paciência.


— Maldita Eithnné... deixando mercenários entrarem na floresta. — ele cuspiu novamente, desta vez, um filete de sangue. — Aquela puta que se diz rainha nem para isto serve.


— Por que veio a Craag An?


— Não é de sua conta — disparou o elfo, fechando o olho por um instante a fim de tentar dispersar a dor. — Em breve nós morreremos, então levarei este segredo para o túmulo. Pode me torturar se quiser, mas não arrancará nada de mim.


Larawen encostou-se sobre a parede repleta de musgos e cipós. Em breve, nós morreremos... – a fala do Aen Seidh ecoou subitamente em seus pensamentos. Acabou por não resistir em fechar os olhos igualmente pela exaustão. Não teve muito tempo para pensar sobre o porquê de um príncipe humano estar em posse de um objeto tão valioso como o medalhão da família Fidháil, pois no mesmo instante um uivo estrondoso reverberou do lado de fora, fazendo com que ambos levantassem de supetão, assustados.


Ela aproximou-se do parapeito novamente e olhou para baixo. A última coisa que poderia esperar aconteceu, o corpo de Doretarf a se contorcer, transmutando-se em algo que não foi capaz de identificar em um primeiro momento. O koviriano continuava a mudar de forma, os carniçais logo formaram um cerco ao seu redor, aguardando o que se sucederia.


— É a nossa deixa, vamos embora — alertou Iorveth, ignorando a dor na perna. — Vamos embora, mercenária. Agora!


A Aen Seidhe afastou-se e pôs-se a retirar os móveis que bloqueavam a porta com a ajuda do Scoia’tael e saíram as pressas da edificação pela parte dos fundos. Novamente um uivo estrondoso ecoou pela floresta de Brokilon como uma trovoada anunciando uma tempestade. Lara olhou para trás por um momento e não acreditou no que seus olhos constataram, um enorme lobisomem em peleja contra os terríveis monstrengos, golpeando violentamente com suas afiadas garras as criaturas que abocanhavam-lhe a carne. Atacou-as em seguida com a mortal bocarra, arrancando-lhe as cabeças. O líquido negro e pútrido das bestas espalhava-se cada vez mais. Em poucos minutos o licantropo havia executado todo o bando de carniçais. O sangue aflorou de algumas mordidas que recebera, mas aquilo não era empecilho para ir atrás dos dois fugitivos. Afinal, o cheiro de sangue o atraia como uma droga psicotrópica.


O lobisomem correu em sua máxima velocidade, a fim de alcançá-los, além de que surgiram mais criaturas da escuridão, avançando com frenesi em direção das duas presas vulneráveis. Entretanto, o licantropo golpeou os carniçais em seu caminho com suas afiadas garras, o sangue jorrou sobre a grama verde, tornando o perímetro enegrecido. Então, avistou os elfos desviarem do caminho e relaxou por um momento, mas a calmaria foi muito breve, pois no instante seguinte foi atingido no ombro por uma flecha. Uivou estridente, fazendo os pássaros próximos daquela região revoarem para longe.


Porém, um carniçal que avançara mais rápido que Doretarf saltou no ar em direção dos Aen Seidh. Larawen segurou firme a empunhadura da espada, pronta para defender-se, mas não foi ágil o suficiente, errando o corte. O monstro a atingiu no braço, rasgando-lhe a carne com as garras e fazendo a espada tombar. Com o forte impacto, ela acabou rolando para uma certa distância. Ioverth, vendo que o carniçal vinha em sua direção, desesperou-se e pôs-se a correr o mais rápido que podia, deixando a mercenária para trás, no entanto, com o ferimento na perna, não foi veloz o suficiente para escapar do ataque, que jogou-o para longe. O Scoia’tael colidiu a cabeça contra um tronco e perdeu a consciência imediatamente.


Doretarf pulou em direção do monstrengo com o forte impulso das patas traseiras atingindo-lhe o abdômen. O golpe não fora profundo e fizera o carniçal apenas ficar mais enraivecido, que urrou fazendo o chão tremer e as árvores balançarem. As duas criaturas se enfrentaram mais uma vez, desta vez frente a frente. Em um rápido movimento o lobisomem rasgou o peitoral do oponente e sem perda de tempo golpeou-o novamente no abdômen, dessa vez dilacerando-o. As vísceras do rival se espalharam ao chão, mas o carniçal não desistiu e acometeu ferozmente com sua bocarra sedenta que atingiu em cheio o pescoço do licantropo. Este não recuou e revidou com um último assalto, destroçando a garganta da criatura e findando assim aquela peleja.


Por fim, mesmo com o sangue a verter em profusão de sua jugular, parou por um momento e fitou com suas orbes enegrecidas a elfa que assistia a tudo petrificada. Ainda que estarrecida com toda a situação, Larawen pôde identificar um olhar humano quando o negro deu espaço para o azul por um instante e teve certeza que o monstrengo se tratava de seu parceiro de hansa. Doretarf urrou lamuriosamente quando uma flecha acertou subitamente um de seus olhos. A Aen Seidh ao dar-se conta que se tratava das dríades e que certamente o matariam, tentou intervir:


— Não! O licantropo é o príncipe!


No entanto, as guerreiras pareciam não a ouvir ou apenas a ignoraram, pois prosseguiram com sua investida em conjunto. O silvo de flechas ecoou por todos os cantos.


Urros.


Mais uma salva de flechas cortando o ar.


O licantropo tentou fugir, mas fora acertado nos calcanhares, derrubando-o. Com lanças e flechas, as guardiãs de Brokilon se encarregaram de abater a criatura sem qualquer dificuldade. Lara fitou com pesar o cadáver de seu companheiro e lamentou em silêncio a perda, pois ainda havia carniçais por todos os lados lutando contra as dríades. Machucada e sem condições de lutar, tratou de levantar-se, pressionando firmemente seu ferimento para diminuir o sangramento e retirou-se do campo de batalha o mais rápido possível.



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Autor(a): bianav

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