Fanfics Brasil - 51 - A Floresta de Brokilon III A Espada do Destino

Fanfic: A Espada do Destino | Tema: The Witcher


Capítulo: 51 - A Floresta de Brokilon III

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Não há quem sustente uma luta mais árdua,


do que aquele que tenta vencer a si próprio.


“Thomas Kempis”


 


Imagens do passado de Doretarf surgiram como um turbilhão em seu subconsciente, por um momento, o koviriano achou que seu cérebro explodiria, mas depois não sentiu mais nada, apenas um vazio infinito como se estivesse em estado vegetativo, e de fato naquele momento estava. De repente, uma força intangível o puxou para algum lugar, mas não tinha forças para lutar contra, pois apenas sua mente estava consciente. Então, emergiu subitamente das águas curativas de Col Serrai como se estivesse evitando se afogar, com seu corpo desnudo à mostra. Arregalou os olhos, confuso, quando avistou lanças e flechas apontadas para si.


— Anghefil! (Monstro!) — berrou Milva. — Ninnau éigean creach fe! (Devemos matá-lo!)


— Neén, gadewch fe uitleggen (Não, deixe que ele se explique) — interveio a rainha das dríades. — Oidhche y làn maan pass, ninnau ess neén nas aen perygl (A noite de lua cheia passou, não estamos mais em perigo) — aproximou-se tocando as águas sagradas com os pés desnudos. — Explique-se, príncipe estrangeiro, caso contrário, a punição será a morte.


Doretarf ainda um tanto desnorteado, evacuou o restante da água dos pulmões. Todas as dríades ali presentes se aproximaram ainda mais do humano, formando um cerco com suas armas. As cordas dos arcos estavam tensionadas, o mínimo de hostilidade o faria perecer naquele solo sagrado. Ele não queria mais experimentar a dor da morte, apesar de não ter ideia do porquê ainda estava vivo, mas estava com muito temor de morrer novamente.


— Eu... — o koviriano hesitou por um momento, procurando as palavras cuidadosamente. — Não sei o que está acontecendo comigo. Desde o dia em que fui expulso de Kovir e Poviss, tenho a sensação de ter sido... — pausou, encarando a senhora de Brokilon diretamente. — amaldiçoado. E de fato, estou, a maldição da licantropia. Contudo, ainda não entendo o porquê de eu sempre voltar à vida — cerrou os punhos e em seguida os levou à cabeça. — A dor... — murmurou entredentes, contendo as lágrimas de frustração. — A dor da morte é insuportável. Sinto que a qualquer momento enlouquecerei e temo não ser eu mesmo quando retornar...


Eithnné deu-lhe as costas e sinalizou com o olhar para as dríades levarem-no. O príncipe de Kovir e Poviss teve as mãos atadas as costas com cipós extremamente firmes por precaução e a cintura coberta com um tecido do mesmo material das vestes das guardiãs da floresta para tapar suas partes íntimas. Em seguida, vendaram-no como de costume e cutucaram-no com as lanças, ordenando a pôr-se a caminhar. Sentia a terra úmida sob os pés desnudos à medida que seguia adiante. O cheiro da floresta de Brokilon era inigualável, uma mistura de terra e folhagem úmida com a fragrância das flores silvestres. Contudo, o que mais predominava era a magia que envolvia aquele lugar, fundida em cada folha e grão de terra, tão forte e poderosa que qualquer um era capaz de sentir a cada passo e respiração.


Uma parte de si se culpava por deixar para trás a única lembrança que tinha de sua amada. Provavelmente nunca mais encontraria Larawen novamente para recuperar o medalhão, mas outra parte de si estava conformada, pois a mercenária demonstrava grande afeição pela família Fidhail, então imaginou que de alguma forma o objeto estaria seguro nas mãos dela. Ainda assim, pediu desculpas silenciosamente a Ellinfirwen, pois teve tal atitude acreditando piamente que desta vez seria seu último ato, no entanto, o destino, ou melhor dizendo, sua maldição, fora audaciosa, trazendo-o de volta à vida novamente.


Caminharam por quase uma hora até o colocarem de joelhos com certa truculência ao chegarem ao destino. O príncipe não se manifestou mais pelas atitudes nada corteses das anfitriãs, pois estava farto e extremamente desgastado de todos os acontecimentos que o cercavam. De certa forma, havia desistido e não mais lutaria contra seu destino, seja ele qual fosse. Retiraram-lhe a venda, levando alguns segundos para que ele se acostumasse com a luminosidade daquela parte da floresta. Tratava-se de um lugar mais profundo de Duénn Canell, que resguardava a árvore-mãe da floresta, o magnificente carvalho-branco. Doretarf arregalou os olhos, admirado com tamanha exuberância, pois estar diante do coração de Brokilon era uma honraria para poucos. A folhagem remetia a delicados flocos de neve. As longas madeixas prateadas de Eithnné reluziram em contraste com a seiva de tom perolado que escorreu quando a mesma realizou uma incisão no tronco. Em seguida, recolheu o líquido com um pedaço de casca côncava, direcionou-se impassível ao humano.


— Será bastante doloroso, príncipe estrangeiro. Nos deve a verdade. Mas não deve se preocupar com os efeitos colaterais, tenho certeza que suas chances de sobrevivência são altas — ela inclinou-se e sorveu-lhe a seiva garganta abaixo, segurando-o pelo queixo.


Em um piscar de olhos o koviriano estava de volta a seu palácio em Pont Vanis, era como se tudo estivesse intacto em seu devido lugar. Ele caminhou por um longo corredor mal iluminado e uma porta se abriu a sua esquerda. Avistou a si próprio junto a Clarye, uma formosa jovem de longas madeixas morenas que se autodenominava “a melhor meretriz de Kovir”. Ambos desnudos e bêbados, divertindo-se, beijando-se... Gimbli também encontrava-se presente, divertindo-se com outra mulher. A alegria e luxúria reinando naquele âmbito de prazer. Subitamente a cena se desfez em fumaça e ele passou a ouvir uma discussão no imenso vazio ao seu redor. As vozes familiares tornavam-se mais nítidas a medida que corria na escuridão, tentando chegar até elas. De repente, a representação de um Doretarf embriagado surgiu das sombras diante de si, tentando se recompor antes de adentrar no salão do trono enquanto ouvia atentamente as vozes de Gedovius e Terorah.


“Tu apareces repentinamente em meu salão, trazendo-me notícias perturbadoras de sua ordem dos feiticeiros após eu ter firmado um acordo com Skellige, vassalo de Cintra. Os únicos a saberem desta loucura somos eu, você e Crach an Craite. Aquele homem pode ser um tolo, mas não um mentiroso ou um desonrado, ao contrário de ti. Vós me entregastes ao Capítulo, assim como os conselheiros de Foltest e Demawend, não tomarás o meu reino assim tão facilmente. Devo concordar que tiveras um plano terrivelmente ardiloso dispersando minha guarnição.”


Terorah gargalhou descontroladamente.


“Devo admitir que não se tornou um rei à toa. Eis a verdade, senhor rei, o Capítulo não deseja lutar contra Nilfgaard, devemos ser aliados nesta guerra ou pereceremos, o veredito já foi dado. E devo acrescentar que fora tolice sua estender a mão aos skelliganos, pois Cintra já deve estar sendo invadida neste exato momento. As frotas das ilhas de Skellige não resistirão à magia dos feiticeiros que os aguardam.”


Doretarf ficou assombrado com as palavras do mago, pois no dia do assassinato de seu pai, o álcool o impediu de discernir as informações que havia escutado atrás da porta.


“Você é uma cobra traiçoeira!”


O rei desembainhou a espada na cintura pronto para o embate, porém, fora jogado aos pés da escada em uma velocidade sobre-humana. A representação do príncipe, que até então permanecia inerte atrás da porta, abriu-a com ímpeto, revelando-se ao inimigo. Mas em questão de segundos, o corpo estava contorcendo-se no chão, com a magia a entranhar-se em sua pele dolorosamente.


Doretarf, que podia apenas observar tal cena agoniante, mesmo com o corpo anestesiado, sentiu um calafrio percorrer-lhe a espinha por ser obrigado a reviver tal momento através das próprias lembranças. O feiticeiro inclinou-se e sussurrou palavras que não puderam ser compreendidas pelo observador. A lembrança então se dispersou novamente, levando-o para outro cenário. A areia fina, mas extremamente ardente, torturava a sola dos pés descalços, que caminhava por longos minutos até uma voz metálica ecoar, fazendo-o cessar os passos instantaneamente.


“O que aconteceu com vós, príncipe?”


Ele olhou ao redor, entretanto, não avistou nenhuma presença, apenas a imensidão de um deserto inóspito e escaldante com o sol a pino. Suspirou longamente, não havia razão para mentir.


“Fui amaldiçoado.”


“E quais são as suas reais intenções?”


“Não pretendo deixar aquele usurpador em minha casa” — cerrou os punhos em frustração. — “Eu tenho o direito de reivindicar o que é meu e quero justiça” — afirmou com convicção, fazendo a chama de viver fulgurar em seu peito novamente.


“Vingança e a justiça são comumente confundidas. Crês que teu objetivo seja nobre?”


O koviriano mais uma vez fitou ao redor a procura do dono da voz, mas novamente não avistou ninguém.


“Está certo, meu coração arde na chama da vingança. Este é o caminho que decidi trilhar, não por livre e espontânea vontade, mas sim porque me vi obrigado. Devo isto ao meu pai, ao Gimbli... ao meu povo que está sofrendo nas mãos daquele déspota. A vingança é a única chama que me mantém vivo. Eu até tentei desviar desse caminho...” — mentalizou as Montanhas Azuis e os momentos que passou ao lado de Ellinfirwen e Elden. — “mas não consegui, a vingança é meu único propósito de vida neste momento.”


“Não há como impedir sua vingança?”


“As consequências dos meus atos atingirão muitos e apenas um acontecimento impediria minha marcha pela vingança. Contudo, tenho plena ciência de que isto jamais seria possível, pelo menos não nas condições atuais. Eu...” — não conseguiu conter outro longo suspiro de pesar. — “recuperarei meu lar, custe o que custar. Após isso, aceitarei todas as consequências, sejam elas quais forem.”


Sentiu inesperadamente umidade nas mãos, e logo avistou-as manchadas do mais puro rubro. Ao sentir o corpo mais pesado deu-se conta que trajava sua armadura reluzente, a espada encontrava-se jogada ao chão, já não encontrava-se mais no deserto, mas em um campo de batalha. Exércitos de vultos passando ao seu redor gritando liberdade em seu nome. Sussurros de morte invadiam seus tímpanos, sangue provindo de todas as direções marcavam sua pele, sua armadura e seus cabelos. Doretarf gritou com ímpeto, enquanto caminhava, desviando de cadáveres ensanguentados. Com a espada em punho novamente, encheu os pulmões e bramiu em cólera:


“Morte ao traidor.”


Mais uma vez os acontecimentos se dissiparam em névoa, dando lugar para outros. Desta vez, estava na presença de Radowid V em seu impetuoso palácio em Tretogor. O semblante de sua contraparte na lembrança era vazio, com os olhos esbranquiçados, permanecia imóvel, com o rosto a fitar o teto. Pela segunda vez, esteve à mercê de Terorah. Doretarf aproximou-se do mago sem hesitação e desferiu-lhe um soco com toda a força que sua raiva acumulou, no entanto, sua mão atravessou o rosto do feiticeiro como uma miragem, pois as figuras diante de si não passavam de imagens intangíveis. A cólera e indignação apenas aumentavam à medida que encarava o rosto perfeito de seu antigo tutor, que exibia um sorriso triunfante.


“O que fizestes a ele, Terorah?” — questionou Radowid sentado ao trono com a mão ao queixo. — “Parece mais um morto-vivo. Este miserável merecia uma execução rápida por tamanha audácia.”


“Concordo com vossa majestade, no entanto, preciso dele para executar um serviço.”


“Que tipo de serviço?”


“Não se incomode com isso, vossa excelência. Ele será uma peça fundamental para a empreitada em Loc Muinne. Apenas questões de guerra.”


O rei da Redânia encarou o subjugado maltrapilho por um momento e constatou que não se parecia em nada com o príncipe de Kovir e Poviss, a quem julgava conhecer bem, e não haveria tal possibilidade considerando que o primogênito de Gedovius Troideno estava morto. Radowid por fim, levantou-se, sendo reverenciado brevemente pelo mago ao deixar o salão do trono. Terorah ordenou que sua nova marionete o seguisse, Doretarf por sua vez, seguiu a dupla sem perda de tempo por um longo corredor aonde criados iam e vinham apressados a todo momento. Adentraram nos aposentos do feiticeiro, onde tudo encontrava-se perfeitamente arrumado, nada fora do lugar.


Com um movimento de mãos, o mago afastou para o lado um pesado móvel, revelando um portal desenhado na parede. Já do outro lado, caminharam por uma longa gruta mal iluminada onde, ao final, uma fera enjaulada grunhia à medida que sentia a aproximação dos indivíduos, mas que silenciou-se ao dar-se conta de que se tratava de seu mestre. Contudo, a criatura avançou contra as barras da jaula em direção ao desconhecido, que não esboçou nenhuma reação defensiva.


“Que tipo de periculosidade um bichinho de estimação pode oferecer a um morto-vivo?” — zombou Terorah, fazendo alusão a como Radowid se referiu ao príncipe de Kovir e Poviss em seu estado letárgico, a medida que acarinhava a criatura milenar.


Seguiram caminho até chegarem a uma espécie de ruína élfica com paredes desgastadas pelo tempo, repletas de musgos e cipós e iluminada por pequenas fogueiras dispostas em recipientes circulares de metal ao chão. Adentraram em um grande aposento repleto de utensílios de alquimia ao centro, junto a uma suntuosa aparelhagem de cobre que logo começou a ranger quando uma tele projeção se fez presente no centro do espelho. Doretarf não foi capaz de identificar de quem se tratava, pois a imagem estava muito turva e a voz distorcida, com uma grande falha no sinal. Por fim, a transmissão foi perdida.


“Diabos! Tenho que fazer tudo para que este plano dê certo?” — indagou o feiticeiro para si, indignado. Ordenou então para a contraparte de Doretarf na lembrança que se sentasse na cadeira próxima, que assim o fez sem hesitar. — “Elena, onde está a espada? Dê a ele” — ordenou para a sua fiel assistente, que prontamente amarrou a espada embainhada à cintura do koviriano. Ela observou profundamente olhos brancos opacos, vazios como se não passasse de uma concha oca, mas não se intimidou, pois trabalhando há anos para o mago inescrupuloso, já havia visto coisas bem piores.


“Vossa excelência deseja mais alguma coisa?” — quis saber Elena.


“Não, isso é tudo. Saia.”


“Quero que siga essas instruções” — Terorah entoou um cântico que invadiu intensamente a mente do hipnotizado com as orientações do mapa detalhado da fortaleza de Loc Muinne, fazendo-o contorcer as expressões faciais por tantas informações, contudo, em seguida voltou a seu estado inerte. — “Sua vida depende do seu sucesso nessa missão. Não me decepcione, minha marionete. Agora vá e me traga bons resultados.”


A lembrança se desfez em névoa novamente. Doretarf fora transportado para outra das muitas de suas lembranças torturantes, a despedida de sua amada elfa nas Montanhas Azuis. Foi doloroso demais ter que deixá-la para trás, e era mais doloroso ainda ser obrigado a reviver esse momento e não poder fazê-lo diferente. Assistiu com pesar sua contraparte abraçar intensamente a filha de Filavandrel e em seguida retirar do bolso a pulseira de couro adornada com o brasão de roda de leme entalhado no pingente de madeira.


“Eu tenho um presente. É modesto, mas é de coração. Para lembrar-se de mim enquanto estivermos separados.”


“Neste caso...” — Ellin retirou seu colar de prata com a gravura do carvalho gravada no medalhão e estendeu-o ao moreno que pegou-o tateando o relevo brevemente.


“Não sei se posso aceitar, imagino que tenha um grande valor sentimental para você.”


“Está tudo bem, é meu para dá-lo a quem eu quiser. Apenas aceite...” — pediu fechando a mão dele sobre o colar para que não rejeitasse o presente. — “Para não esquecer-se de mim...”


Ele então pendurou-o no pescoço e reivindicou os lábios dela em um beijo terno, mas não menos intenso, enquanto a envolvia em seus braços uma última vez.


“Nem se eu quisesse seria capaz...” — declarou recostando suas testas. — “Voltarei para seus braços quanto antes possível, Ellin. Eu prometo.”


“Aé esse here feitheamh aep taedh...” (Estarei aqui lhe esperando...) — a loira murmurou ao pé do ouvido dele, no idioma élfico Hen Llinge.


A figura do príncipe de Kovir e Poviss então desvencilhou-se com certa resistência das mãos de sua amada, montou no cavalo e seguiu rumo aos portões do forte sem olhar para trás, a medida que a princesa élfica acarinhava inconscientemente a pulseira.


Doretarf voltou-se para fitar sua amada, que observava com um semblante de lamentação a persona dele desaparecer no horizonte. Ele esticou a mão na intenção de acariciá-la o rosto, mas recuou quando lembrou-se que ela era apenas uma doce e dolorosa lembrança que agora pertencia a seu passado e que jamais poderia tocá-la novamente.


“Ah, minha Ellin... Não sabes o quanto desejei que as coisas tivessem sido diferentes, que nossos caminhos não tivessem de se separar... Que eu não precisasse renegar meus mais profundos e puros sentimentos por ti. Jamais me perdoarei por isto... Mas será mais seguro para você ficar longe de mim.”


A imagem de Ellinfirwen rapidamente se desvaneceu diante de seus olhos. Ele encontrava-se agora em um ambiente penumbroso, das sombras surgiu outra vez seu maior inimigo, o assassino de seu pai e usurpador do trono, que estampava um sorriso vitorioso e desdenhoso.


“Não conseguirá se livrar de mim tão facilmente, meu caro. Temos uma ligação inquebrável, seu patife. Nada pode desfazê-la. Nós temos uma ligação... Uma ligação... ligação...” — as palavras ecoavam de forma retumbante enquanto Terorah se desfazia em fragmentos.


Doretarf despertou bruscamente de seu estado letárgico, a respiração ofegante, o coração batendo descontroladamente. Eithnné fez sinal para que suas filhas prontamente o desamarrassem e abaixassem suas armas, e assim obedeceram. Uma vez livre, ele massageou os pulsos que estavam dormentes pela pressão das amarras.


— Agora sei o que você se tornou... Que desafortunado rapaz, que infeliz trajetória — lamentou a rainha das dríades.


Ela aproximou-se do carvalho-branco e arrancou um galho, os olhos prateados fitaram a seiva cristalina que escorria pela ponta do galho retirado e fez uma breve oratória desculpando-se pela profanação. Os galhos da árvore-mãe eram tão resistentes quanto uma barra de ferro, mas nas mãos da senhora de Brokilon eram tão maleáveis quanto um pedaço de corda, então ela moldou-o em um singelo anel que estendeu ao príncipe de Kovir e Poviss.


— Senhora... — murmurou Doretarf ainda um tanto aturdido pela regressão em suas lembranças. — É muito valioso... Eu não...


— Não me agradeça ainda — interrompeu-o. — A magia a qual foi submetido está além de minhas capacidades, está fadado a esta maldição até que quem a lançou a retire ou consiga achar um feiticeiro ainda mais poderoso do que aquele que o amaldiçoou. Contudo, este item o ajudará como uma medida paliativa até que consiga achar uma solução para seu problema. Este não possui a mesma eficácia do medalhão que carregava, pois contém apenas uma pequena fração do poder do carvalho-branco, mas retardará a maldição por tempo suficiente para poder ficar longe do alcance de possíveis presas. Aceite como uma gentileza, sendo assim, não quero que saia matando e dilacerando minhas filhas assim como fez com os carniçais e quase o fez com a elfa. Até porque, será praticamente impossível recuperar o medalhão naquela necrópole.


— Ainda assim agradeço a confiança, senhora rainha. — o koviriano hesitou, mas no fim aceitou o objeto, colocando em seu dedo anelar. — E quanto a Larawen, ela está bem? — estava preocupado com o destino da parceria de hansa.


— Ela fugiu durante o conflito com os carniçais, foram encontrados rastros de sangue levando a extremidade oeste da floresta, tudo indica que conseguiu sair de Brokilon por conta própria.


Doretarf em parte ficou aliviado ao saber que a mercenária havia provavelmente conseguido escapar, mas, ao mesmo tempo, estava apreensivo por saber que estava machucada. Torceu para que, apesar de tudo, ela estivesse a salvo.


— Já que pernoitará aqui em Brokilon... — constatou Eithnné observando o anoitecer chegar rapidamente. — Levem-no daqui e fiquem de olho em nossos hóspedes.


Milva tomou a frente, seguida pelas demais, que o conduziram para fora dos domínios sagrados, de volta a Duen Cannel, a morada das guardiãs da floresta e, portanto, o local mais seguro, longe das criaturas perigosas que habitavam a floresta.


— Fique aqui, pavienn — determinou Milva com uma carranca ao chegarem.


Como o koviriano já esperava, não fora convidado para uma das ocas das dríades, teria de se ajeitar como pudesse do lado de fora das moradas, mas não reclamou, pois tinha plena ciência de que já era muita hospitalidade das anfitriãs tê-lo deixado vivo após todos os eventos. Milva sumiu por entre os arbustos logo em seguida. Três outras o vigiavam ao longe, com suas lanças e arcos empunhados, atentas a qualquer movimento brusco do humano. O frio da noite começou a afetar Doretarf, já que estava coberto somente na região da cintura. Ele sentou-se abraçando as pernas a fim de manter a temperatura corporal, fitou o anel por um momento e soltou um longo suspiro trêmulo ao refletir sobre tudo o que passara até aquele momento, ainda estava um tanto incrédulo com o que viu em suas próprias lembranças. Seu ressentimento crescia cada vez mais por Terorah e não teria motivos para nutrir qualquer resquício de consideração pelo mago. A ligação a qual o traidor se referia era certamente a maldição que nem um bruxo fora capaz de quebrar, no entanto, algo não tinha coerência em toda essa trama. Doretarf questionava-se incessantemente do porquê de o feiticeiro ter lançado uma maldição que o condicionava a reviver. Se o objetivo do mago era usurpar o trono, por que não deixou que a morte o levasse?


Não tardou para que Milva retornasse carregando consigo algumas vestimentas, que jogou de supetão em direção dele. O príncipe fitou as roupas um pouco espantado quando notou uma mancha de sangue seco ao centro da camisa que continha uma perfuração. Obviamente supôs que o antigo dono das vestes era ninguém menos que uma das inúmeras vítimas das temidas dríades que não viveu para contar sua história.


— Onde conseguiu isso? — quis saber na intenção de confirmar sua suspeita.


— Cale a boca e vista se não quiser morrer de frio, estrangeiro.


Não ousou mais questioná-la e vestiu rapidamente as roupas que ficaram um tanto folgadas, mas eram o suficiente para não morrer de frio. Esfregou as mãos e em seguida baforou para aquecê-las. Milva sentou-se em um cepo próximo a ele e começou a testar seu arco, guardando uma flecha em seguida. A exaustão fez com que o koviriano deitasse ali mesmo no solo desconfortável, ajeitando um dos braços debaixo da cabeça para ficar minimamente acomodado e adormeceu profundamente.


 


(...)


 


Doretarf despertou ao sentir uma mão no ombro, Milva pediu que ficasse em silêncio e a seguisse, ele ainda meio sonolento assentiu. Ambos caminharam em direção de uma gruta não muito longe dali, ao chegarem na entrada constataram que estava suspeitamente silenciosa.


— Seu prisioneiro está aí dentro — revelou a dríade. — Mas há algum tempo que se recusa a sair. Há duas de minhas irmãs que o estavam vigiando dentro da gruta, mas não ouço seus passos, tenho ouvidos aguçados, você sabe.


Antes que decidissem adentrar uma névoa repentinamente tomou conta da floresta, ambos ficaram em alerta. A copa das árvores e folhas ao chão rodopiavam violentamente como se um ciclone estivesse ali perto. As dríades que estavam já dentro da gruta foram arrancadas de lá de súbito, fazendo-as voar para longe dali, seus corpos estavam irreconhecíveis. Milva quase vomitou ao avistar os cadáveres de suas irmãs dilacerados.


— O que diabos está acontecendo? — questionou a dríade, não conseguindo enxergar através da escuridão quando decidiram avançar caverna adentro com ela tomando a frente. — Estrangeiro, onde você está? — indagou antes de ser lançada para fora por uma potente rajada de vento, fazendo-a rolar pelo chão a uma distância considerável.


Doretarf surpreendentemente era capaz de enxergar bem naquela densa penumbra, ser um licantropo, apesar de tudo havia lá suas vantagens. Ele avançou com muita cautela, levando em conta que estava desarmado, não demorou para avistar o elfo, que segurava com firmeza uma ânfora contendo uma runa gravada. Na retaguarda do Scoia’tael, uma criatura de forma espectral envolta em fumaça encarou o intruso com seus olhos esvoaçantes, mas não se manifestou, denotava aguardar algum comando para agir.


— Filho da puta! — praguejou Iorveth em desespero com a aproximação do inimigo. — Djinn, como teu mestre, ordeno que me leve para Flotsam! — exigiu ao mesmo tempo, em que Doretarf estava perigosamente perto. — Agora!


Com um rápido movimento circular, a entidade teletransportou o Scoia’tael para longe dali, no entanto, em uma fração de segundo antes, o koviriano conseguiu agarrar-se ao elfo. Em um piscar de olhos, a fumaça se dissipou como se nunca tivesse estado ali. Após alguns minutos, Milva reapareceu na gruta ao dispersar o atordoamento pelo impacto que recebera, mas já não havia viva alma.


— Milva, o que aconteceu? — questionou Fauve, surgindo logo em seguida na entrada, acompanhada por Braenn e mais outras dríades com seus arcos e lanças empunhados.


— É o que estou tentando entender... — respondeu ela confusa com o que presenciou, a medida que recolhia suas flechas espalhadas pelo chão.


— E onde está o príncipe?


— Desapareceu, bem como o Aen Seidhe...


 


🔸🔸🔸⚜️🔸🔸🔸


 


A hansa de mercenários estava acampada no ponto onde haviam combinado de aguardar o retorno da dupla. Brendan tocava uma melodia com sua gaita enquanto os demais apreciavam a música. Porém, o anão parou imediatamente de tocar quando avistou Larawen, ensanguentada e exausta, surgir entre os arbustos. Todos os presentes espantaram-se e Ghaeldrian foi o primeiro a levantar-se e amparou-a em seu colo quando a mesma despencou ao chão.


— O que aconteceu? — indagou Ghaell preocupado, avistando a ferida aberta no braço da elfa, que encontrava-se extremamente pálida, pois havia perdido muito sangue.


— Não há tempo para perguntas — retrucou Chloe, apressando-se em direção de seu alforje para pegar ervas e utensílios de sutura. A euforia pelo estado de Lara foi tamanha que sequer deram-se conta da ausência de Darrien. Ghaeldrian estampou um nítido desespero vendo sua amada elfa se contorcer, enquanto Chloe limpava o ferimento. — Vou ter que suturar, segurem ela. — solicitou aos companheiros, a medida que preparava-se para o procedimento.


A Aen Seidhe debateu-se nos braços dos parceiros e urrou com a dor lancinante ao sentir a carne ser infligida pela agulha, mas a amiga prosseguiu o mais rápido que pôde e a cada invasão da agulha na pele, a elfa gritava cada vez mais, pois não dispunham de nenhum anestésico. Por fim, perdeu a consciência por um momento.


— Lara, por favor, acorde... — murmurou Ghaell, acarinhando o rosto dela com o dorso da mão.


Cigarra, praguejou e cuspiu no chão, a certa distância, frustrado pela missão certamente fracassada. Larawen voltou a si aos poucos, visivelmente abalada.


— Água... — pediu ela com a garganta seca.


Ghaeldrian retirou imediatamente o odre da cintura e deu a ela um generoso gole. Depois de alguns minutos de silêncio se recompondo, a Aen Seidhe finalmente consegui se manifestou:


— A missão fracassou — ela confirmou as suspeitas.


— E por qual motivo? — confrontou Ivo Mirce com uma mão na cintura. — O que houve?


Larawen piscou algumas vezes, escolhendo as palavras em sua mente. Por mais que não gostasse de faltar com a verdade, principalmente para acobertar uma mentira que não lhe pertencia, sentia-se em dívida com Doretarf, pois tinha plena ciência de que, se não fosse o sacrifício dele, teria certamente perecido para os carniçais. Não cabia a ela revelar a todos o segredo do que certamente mancharia sua integridade após a morte.


— Fomos emboscados pelas dríades, não acreditaram em nossa mentira, pois Iorveth já havia as alertado que estávamos à sua caça. Darrien não conseguiu escapar...


Foi então que caíram em si que o novato não estava lá. Todos, exceto Ivo Mirce ficaram incrédulos com a revelação.


— O quê? Inacreditável — Cigarra manifestou-se cético. — Quer que eu acredite mesmo nessa história estapafúrdia? Que porra estás pensando, Larawen? Que está lidando com algum tolo?


A elfa suspirou pesadamente, tentando soar o mais convincente possível, pois nunca foi boa com mentiras.


— É a verdade, se não acredita em mim, pode ir naquela floresta verificar com seus próprios olhos, mas não acredito que elas lhe farão uma recepção calorosa, ainda mais agora que já sabem o propósito de estarmos aqui.


— Se Lara disse, então está dito e eu acredito nela — intrometeu-se Ghaeldrian em defesa, totalmente crédulo nas palavras dela. — Ela não teria porque mentir para nós.


Chloe nunca teve motivos para desconfiar da amiga e Bren, apesar de suas rixas costumeiras com a Aen Seidhe, também não tinha porque duvidar, considerando o estado lastimável em que ela se encontrava. Larawen sentiu um nó formar-se em sua garganta por esconder a verdade de sua equipe, mas acreditava que, diante de tudo, foi o melhor a se fazer, pois a verdade era muito mais inacreditável do que a própria mentira. Cigarra chutou um monte de folhas que se espalhou, frustrado pelo fracasso da missão. Passou as mãos nas têmporas para se acalmar. Ghaell sem perda de tempo, pegou a elfa no colo e acomodou-a na garupa de sua cela, já que a mesma não teria condições de guiar sozinha sua montaria. Precisavam retornar quanto antes para a nau para que ela pudesse repousar e se recuperar.



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Autor(a): bianav

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