Fanfics Brasil - Eu te tornaria uma rainha Para ver a luz, primeiro toque a escuridão

Fanfic: Para ver a luz, primeiro toque a escuridão | Tema: O Senhor dos Anéis, Anéis do Poder, Galadriel, Sauron


Capítulo: Eu te tornaria uma rainha

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O ar carregava o doce aroma de flores silvestres e terra úmida, tão vibrantes quanto nos dias em que os Noldor chegaram da luz imortal de Aman. O sol poente derramava-se sobre as folhas dos carvalhos, dourando-as como joias vivas, enquanto envolvia Galadriel em seu brilho suave. A luz parecia ansiosa para tocá-la, acariciando sua pele e o ouro de seus cabelos de forma etérea. 


 


O calor reconfortante de Nenya em seu dedo era um lembrete do imenso poder que havia canalizado, da força responsável por salvar Lindon de uma mácula terrível: uma sombra que quase levou os elfos a abandonarem a Terra-Média.


 


Mas também era um lembrete cruel de seu fracasso. De até onde a teia de mentiras de Sauron a havia conduzido. E do que poderia ter acontecido se ela simplesmente não notasse sua farsa á tempo.


 


De fato, talvez já fosse tarde demais. 


 


Seu suspiro saiu trêmulo, sufocando um gemido de pura angústia. Ela atravessou o bosque á passos firmes, o brilho magífico da gema de adamante praticamente zombando dela. Era ofensivo apreciar o quanto aquelas terras haviam se tornado férteis novamente, sustentadas pelo poder dos três anéis. 


 


Anéis forjados por mãos marcadas pela malícia e intenções sombrias.


 


Anéis feitos por Halbrand.


 


Não; por Sauron, corrigiu-se mentalmente, com um aperto no peito.


 


Por algum motivo, ela ainda achava muito difícil acreditar que eles eram a mesma pessoa. Como poderia ter sido tão cega, tão ingênua? Halbrand, com aquele sorriso fácil, despretensioso, que parecia oferecer confiança sem pedir nada em troca. Com os olhos brilhantes que projetavam uma gentileza desconcertante, quase calorosa. Havia algo selvagem nele, um humor afiado, sempre na medida certa, como se ele soubesse exatamente o momento de desarmá-la com uma piada ou uma palavra certeira. 


 


Mas então, os sinais sempre estiveram lá, ela percebeu agora, com um amargor tardio. Claramente, escolhera ignorá-los, tão consumida estava pela busca de um aliado em meio à tempestade. 


 


Às vezes eram sutis, como o breve lampejo de algo sombrio nos olhos cor de avelã ou a habilidade quase perfeita com que ele manejava uma espada; mas em outras ocasiões, era tão óbvio que a fez ponderar suas próprias faculdades mentais.  


 


"Você não ideia do que eu fiz. Do que tive que fazer para sobreviver."


 


"Eu não sou o herói que você procura."


 


"O que você sabe sobre escuridão, Galadriel?"


 


A forma como seu nome se enrolava na língua dele — naquele sotaque indecifrável — antes lhe trouxera uma satisfação inexplicável, um arrepio curioso. Agora, a lembrança era como uma lâmina fria, cortando sua espinha, despedaçando-a em mil partes.


 


A elfa ignorou os sentimentos, forçando sua mente á parar de reviver aqueles momentos com grande dificuldade. 


 


As árvores altas filtravam os últimos raios de sol, projetando sombras dançantes sobre o chão. O caminho sinuoso a conduziu por um declive suave, onde as águas calmas do rio Lhûn serpenteaveam as florestas. Galadriel entrou no estaleiro sem se preocupar em bater na porta. 


 


– Nossas cartas para Celebrimbor ficaram sem resposta. Temo que Sauron possa estar em Eregion.


 


Elrond a ignorou. Permaneceu concentrado em seu trabalho, passando a lixa pela madeira polida do barco com movimentos firmes. 


 


— O Alto Rei consentiu em me enviar e um pequeno grupo para lá, para garantir que Celebrimbor e sua cidade estejam seguros. – ela continuou, aproximando-se do amigo com esperança contida em sua voz. – Estou pedindo para você se juntar a nós.


 


Ele deu de ombros, sua voz gotejando frieza.


 


– Como você gosta tanto de me lembrar, Galadriel, eu sou apenas um político.


 


– E como tal, você tem a confiança do Alto Rei. Ele acredita em sua firmeza.


 


– Um cachorro é firme. E mais rápido para seguir na coleira.


 


– Ele se recusa a me enviar sem você.


 


O elfo interrompeu o movimento sobre a quilha do barco e ergueu os olhos acusatórios para ela, seu tom impregnado de sarcasmo ao rebater:


 


– E por que isso? 


 


– Você sabe o motivo. – Galadriel tentou soar confiante, mas se encolheu um pouco. 


 


– Estou perguntando se você sabe. 


 


– O Alto Rei... – Ela hesitou, o músculo do maxilar trincando antes de responder em um tom incerto – ele acredita que, se eu enfrentasse o Inimigo sozinho, eu poderia ser vulnerável ao engano.


 


– Ah. E por quê ele pensaria isso? 


 


Ele continuou provocando-a, claramente irritado. Ela não podia culpá-lo. A ponta de suas orelhas adquiriram um tom levemente rosado quando o rebateu:


 


– Pare com isso, Elrond!


 


– Você desafiou as ordens do Alto Rei antes. Por que não fazer isso agora?


 


– Porque ele está certo. – Ela disse rápido, como se as palavras queimassem sua língua. Seu orgulho ficou preso na garganta, as palavras cuspidas com rancor. – Sauron me usou. E sob sua mão, eu fui tocado como uma harpa para uma melodia que não escolhi.


 


– Foi inteiramente sua escolha. – Elrond rebateu, impiedoso.  – Sauron olhou dentro de você, arrancou a própria canção da sua alma, nota por nota, fazendo-se passar por exatamente o que você precisava.


 


As palavras dele a atingiram como um soco. Galadriel piscou, tentando desesperadamente recuperar o fôlego que parecia ter lhe escapado. A memória veio intrusiva e veloz como um raio, durando alguns poucos segundos, mas revivendo algo terrivelmente aceso dentro dela: o toque gentil dos dedos de Halbrand – ou Sauron – em seu queixo, puxando o seu rosto para ele, queimando em sua pele.


 


"Galadriel, olhe para mim."  A voz distante, calma e baixa, ecoou como um fantasma, enquanto os dois estavam perdidos naquela jangada em alto mar:  "Você sabe quem eu sou. O que nós somos um para o outro."


 


Elrond continuou, puxando-a á força de volta á realidade:


 


– "`O Rei Perdido` que poderia levá-la à vitória. Você deu a ele tudo o que ele queria e então agradeceu por isso. E agora ele fez o mesmo com Gil-galad. E com todos os elfos em Lindon.


 


– E é por isso que precisamos de você. Ajude-nos a navegar neste labirinto!


 


– Não há como navegar. O labirinto é dele. Enquanto você permanecer nele, você já perdeu. Ele pode muito bem querer você em Eregion...


 


– Elrond, por favor! –  ela não se importou mais com a postura orgulhosa, a voz agora em tom de súplica, olhos marejados com lágrimas não derramadas. –  Não posso deixá-lo entrar novamente.


 


Mais uma vez, o fantasma de uma lembrança flutuou até seus pensamentos, pesando ainda mais o seu coração aflito. 


 


 Eles se sentaram no tronco petrificado, as armaduras manchadas de terra e sangue seco de Orcs. Suas respirações arfantes preenchiam o silêncio, interrompido apenas pelo sussurro do vento entre as árvores. Halbrand olhava para o horizonte, sua postura rígida, como se estivesse buscando respostas em um ponto distante do crepúsculo. Galadriel, por outro lado, mantinha os olhos fixos em uma folha caída no chão, alguns fios dourados escapando da trança e caindo desordenados sobre sua testa. 


 


Ela quase sucumbira à escuridão — sua lâmina estava pronta para atravessar a cabeça do Uruk, repleta de ódio e desgosto. Mas dessa vez, fora Halbrand quem a impedira, lembrando-a de permanecer na luz. 


 


Galadriel não podia mais negar o elo entre eles. 


 


Sempre houve algo em sua dinâmica, desde o instante em que o destino os cruzou no vasto azul do oceano. Um jogo de forças, luz e escuridão em constante conflito, tão fascinante quanto o duelo eterno entre Telperion e Laurelin, as Duas Árvores de Valinor — uma tentando ofuscar a outra, mas juntas essenciais para a harmonia do mundo.


 


Agora, após um dia de batalha nas planícies de Tirharad, isso parecia tão claro quanto o céu aberto. Como se suas almas tivessem sido moldadas para lutar lado a lado, em uma sincronia alarmante, conectadas por uma energia que ela não sabia nomear. 


 


Como se adivinhasse seus pensamentos, ele quebrou o silêncio. 


 


"Lutando ao seu lado, eu... eu senti... –  Sua voz veio rouca, hesitante, mas carregada de uma honestidade dolorosa. – Se eu pudesse apenas segurar esse sentimento, mantê-lo comigo para sempre, vinculá-lo ao meu próprio ser, então eu..."


 


Sua voz morreu aos poucos, as palavras desvanecendo-se no ar. Não era preciso finalizá-las, pois Galadriel compreendeu perfeitamente. 


 


– Eu também sinto isso.


 


Sua confissão pairou entre eles como uma corda esticada, vibrando com tensão silenciosa.


Halbrand endireitou-se, virando-se devagar para encará-la. Por um instante, sua expressão foi um turbilhão de emoções – primeiro espanto absoluto, seguido por algo mais complexo: um vislumbre de vulnerabilidade, rapidamente coberto por um brilho intenso e dourado nos olhos, como se algo profundamente enterrado nele tivesse acabado de ser despertado.


 


Ali, com os cabelos castanhos caindo desordenados sobre a testa, a barba por fazer e a armadura marcada pela batalha, ela percebeu, talvez pela primeira vez, o quanto as imperfeições dos homens lhe agradavam.


 


De volta ao presente, Galadriel piscou mais uma vez, a voz trêmula. 


 


– Simplesmente não posso deixá-lo entrar novamente.


 


– Ele nunca saiu, Galadriel. Ao escolher usar esses Anéis, todos vocês escolheram se tornar seus colaboradores. –– e lançou um olhar carregado de desgosto para Nenya, brilhando no dedo dela. – Eu não terei parte nisso.


 


– Eu sinto, em meu coração, que esses Anéis não foram tocados pela malícia de Sauron. Você precisa acreditar em mim. 


 


Ela tinha certeza disso. Já havia tocado a escuridão o suficiente para reconhecer sua marca, e ali não havia vestígios dela — não quando o Anel espalhava sua influência com tamanha benevolência, trazendo luz e vitalidade a Lindon. Sua energia não pesava; ao contrário, vibrava suavemente nas pontas de seus dedos, como o calor de um sol poente acariciando sua pele.


 


Seja lá qual fosse o motivo, – provavelmente o fato de Celebrimbor ter supervisionado de perto a criação deles – Sauron não era capaz de controlar aquelas jóias. 


 


Elrond não pareceu nem um pouco convencido, entretanto. Voltou sua atenção ao barco, um vinco frustrado entre as sobrancelhas. 


 


– Se nossa amizade alguma vez significou algo para você, por favor, vá embora.


 


Á contra gosto, a elfa o obedeceu. Ele tinha razão em sentir tanta mágoa, e parecia melhor dar-lhe espaço por enquanto. 


 


Galadriel saiu para vislumbrar o céu começar a se tingir de tons profundos de violeta e azul, enquanto o dourado do crepúsculo se desvanecia lentamente no horizonte. As árvores que margeavam o rio lançavam sombras longas e dançantes sobre a trilha, e o som de uma coruja soou distante na floresta. Ela decidiu então caminhar ao longo da margem, deixando que o murmúrio suave da água guiasse seus pensamentos enquanto voltava aos aposentos.


 


Nenya parecia pesar mais em seu dedo naquela noite. Às vezes, era como se o anel sussurrasse para ela, oferecendo consolo silencioso, percebendo o peso da culpa que esmagava seus ossos, e a tristeza que assolava seu coração. Galadriel ainda estava aprendendo a compreender a extensão dos poderes daquela pedra preciosa, mas, mesmo com a certeza de que sua mente não estava sendo controlada ou violada por Sauron, a dúvida persistia: O quanto do Maiar ainda estava ligado aos anéis que ele ajudou a forjar? 


 


Ela passou inconscientemente o polegar pelo mithril bem polido, sentindo o poder calmo e resistente de seu núcleo. O adamante pareceu piscar, e mais memórias emergiram em sua mente, flutuando como nuvens preguiçosas. Dessa vez, ela não as conteve, permitindo que as emoções fluíssem livremente. Decidiu que enfrentar o turbilhão de sentimentos seria melhor do que negá-los ou enterrá-los em um canto sombrio de sua mente.


 


"Você sabe quem eu sou. O que nós somos um para o outro."


 


"Você é leal á Morgoth."


 


"Quando Morgoth foi derrotado, foi como se um grande punho cerrado tivesse soltado seu aperto do meu pescoço. E na quietude daquele primeiro amanhecer, finalmente, senti a luz do Único novamente." A centelha de algo brilhante surgiu em suas íris avelã, fazendo seu coração escapar uma batida. "E eu soube que, se um dia fosse perdoado...Eu teria que curar tudo o que ajudei a arruinar."


 


"Nenhuma penitência poderá apagar o mal que você fez." – ela cuspiu de volta, embora sua voz fosse falha. 


 


"Não é isso que você acredita." 


 


"Não me diga no que eu acredito."


 


"Não. Você me disse. Depois de nossa vitória, você disse que, independente do que eu tivesse feito antes, eu poderia me libertar disso agora."


 


"Você me enganou."


 


Havia dor nas palavras dela. Seus olhos se umedeceram com lágrimas não derramadas. Ela se sentia miseravelmente traída. 


 


"Eu disse a verdade. Eu disse que havia feito o mal, e você não se importou. Porque você sabia que nosso passado não significava nada comparado ao nosso futuro."


 


"Esse futuro não existe."


 


"Não existe?"


 


Ele inclinou a cabeça levemente, um sorriso melancólico brincando em seus lábios, indicando para que Galadriel olhasse o espelho d`água à frente. A elfa prendeu a respiração, o coração martelando nos ouvidos, enquanto seus olhos absorviam o reflexo. Lá estavam os dois, tão distantes das vestes esfarrapadas de náufragos que realmente usavam naquele pedaço destroçado de navio:


ela, envolta em um vestido longo e etéreo, o branco celestial de suas vestes irradiando pureza, contrastando com o negro profundo das roupas imponentes de Sauron. Sobre sua cabeça, uma coroa pontiaguda brilhava como um aviso silencioso. Juntos, eram o retrato vivo de Luz e Escuridão, um equilíbrio tão poderoso que fazia o ar ao redor parecer vibrar.


 


Ela foi incapaz de formular qualquer pensamento coeso, estranhamente confusa e perdida em sua própria pele. Galadriel engasgou quando sentiu os dedos de Halbrand tocar gentilmente o seu queixo, virando-a para encará-lo. 


 


Aquilo só fez seu coração se afundar ainda mais em desespero. 


 


Os olhos dele continham a vastidão do cosmos, fragmentos dourados invadindo o verde e reluzindo como cometas cruzando o céu escuro. Como ela pôde pensar que ele era realmente humano?! 


 


"Todos os outros te olham com dúvida. Só eu consigo ver sua grandeza. Só eu consigo ver sua luz."


 


"Você me tornaria uma tirana." 


 


"Eu te tornarei uma rainha." Seu sorriso se expandiu, a voz terna como mel sobre pedras quentes. "Bela como o mar e o Sol. Mais forte que os alicerces da terra."


 


"E você, meu rei. – ela suspirou, querendo soar sarcástica, mas falhando miseravelmente, as pernas fracas.Ela queria gritar.  "O Senhor das Trevas."


 


"Não. Não nas trevas. Não com você ao meu lado."


 


As palavras a atingiram como uma lâmina afiada, deixando para trás a semente da dúvida, habilmente plantada em sua mente. Seria possível? Sem encontrar resposta, ela permaneceu em silêncio, permitindo que ele continuasse.


 


"Você me disse uma vez que fomos reunidos para um propósito. Este é o propósito." Ele então lhe entregou mais uma vez a adaga do seu irmão, fechando gentilmente a mão dela contra o punhal. "Você me prende à luz. E eu te prendo ao poder. Juntos, podemos salvar a Terra-Média."


 


"Salvar?" O peso dela de alguma forma ajudou-a a se ancorar de volta á si mesma. Galadriel finalmente reencontrou as palavras, se aproximando dele em desafio. "Ou governar?"


 


"Eu não vejo diferença˜. 


 


Foram essas palavras que finalmente a fizeram despertar. Ela ergueu a lâmina afiada contra o pescoço de Sauron, fazendo o sorriso dele esmaecer. 


 


"E é por isso que eu nunca ficarei ao seu lado."


 


Os olhos dele escureceram, refletindo as nuvens carregadas que se juntavam no céu, prenunciando a tempestade. 


 


"Você não tem escolha. Sem mim, seu povo vai desaparecer. E a escuridão vai se espalhar e cobrir toda a terra."


 


Um trovão retumbou não muito longe dali. A jangada começou a balançar, as ondas ficando cada vez mais agitadas. 


 


"Você precisa de mim."


 


Lá estava. As sombras consumindo aquele que ela acreditara conhecer, transformando-o em algo completamente diferente de Halbrand. Sua voz carregava um rancor profundo, uma raiva contida à beira de transbordar. Ele não suportava ser rejeitado.


 


"Eu deveria ter te deixado no mar!"


 


"Um mar em que você estava porque foi expulsa pelos Elfos. Expulsa por ousar implorar por alguns míseros soldados."


Dessa vez, Galadriel não conseguiu conter as lágrimas. Elas deslizaram silenciosamente por suas maçãs do rosto, fruto da dolorosa verdade contida nas palavras cortantes dele.


 


"O que eles farão quando souberem que você foi minha aliada?" Sauron vociferou, sua voz furiosa retumbando ao redor dela como mil trovões. "Quando souberem que você criou uma conexão mais forte que os próprios alicerces desta terra amaldiçoada?" As pupilas dele se estreiraram como as de de uma serpente venenosa. "Que Sauron vive, por SUA CAUSA?!"


 


"E você vai morrer por minha causa!"


 


Ela gritou de volta, com a mesma intensidade, sem se intimidar. Avançou contra ele, atravessando sua aura opressora com toda a fúria que conseguiu reunir.


 


Ela sabia que não poderia realmente feri-lo, especialmente dentro daquela ilusão que ele mesmo criara. Ainda assim,  a traição havia queimado em seu peito como as chamas ardentes de Angband, furiosas e implacáveis, consumindo tudo ao seu redor, e ela poderia ferir ao menos o seu ego.  


 


Como ele ousava presumir que ela simplesmente se curvaria à sua proposta, unindo-se ao próprio mal que jurara caçar por toda a sua existência? Como ele ousava acreditar que sua traição poderia ser esquecida, que ela seria capaz de perdoá-lo tão facilmente? Parte dela queria gritar, repelir cada palavra com nojo e fúria. 


 


Agora, sob a luz da lua minguante, ela podia ver as coisas com mais clareza. Seu coração sangrava, é claro, mas aliado á ele, havia algo a mais. Algo confuso e perigoso. Uma parte dela, uma que ela desprezava, reconhecia a atração perigosa em suas palavras, na promessa de poder e propósito que ele parecia oferecer.


 


Além disso, uma dúvida real que se embrenhar em sua mente como ervas daninhas: Seria realmente verdade o que ele havia dito? Que ele não seria mais o senhor das trevas caso ela aceitasse sua oferta? 


 


Galadriel sentiu um arrepio subir por sua espinha com aquele pensamento. O que Elrond diria se soubesse o quanto Sauron havia realmente se infiltrado em sua mente? A ideia era como um peso esmagador, tornando seus passos ainda mais pesados enquanto ela alcançava as escadarias sinuosas que levavam aos seus aposentos. 


 


Ainda era cedo para dormir, mas ela simplesmente não tinha apetite para jantar ou fazer qualquer outra coisa que não fosse se recolher do mundo lá fora. O peso do dia parecia dobrar seus ombros, exaurindo não apenas o corpo, mas também a alma. Ela deixou as vestes deslizarem, caindo suavemente no chão de pedra polida, e depois de um banho longo e quente, deixou-se afundar na suavidade de sua cama. 


 


A brisa morna da noite atravessava as janelas abertas, fazendo as cortinas flutuarem em movimentos ondulantes, como se dançassem ao som de uma música silenciosa. O ritmo era hipnótico, convidando sua mente a se desprender lentamente da vigília. Galadriel observava as cortinas se moverem, as sombras brincando nas paredes em um ritmo constante. 


Ela fechou os olhos, permitindo que o farfalhar leve das folhas das árvores a embalassem. Sentiu o calor reconfortante de Nenya em seu dedo, uma pulsação suave, quase como um coração batendo em uníssono com o dela. A energia do anel fluía por suas veias, lavando suas preocupações e acalmando os pensamentos agitados.


 


Sua respiração tornou-se mais lenta, mais profunda. O mundo ao seu redor começou a se dissolver, e ela se viu presa naquela linha tênue entre o sono e a realidade, onde os pensamentos se misturam a visões, e o tempo perde sua forma.


 


Foi então que ela viu. Um sonho tão real que parecia estar acontecendo bem ali, na sua frente. 


 


A majestosa forja brilhava com o calor do metal incandescente, o ar ondulando ao redor dele como um véu etéreo. O elfo de longos cabelos prateados estava inclinado sobre uma bigorna, as mangas arregaçadas até os cotovelos, revelando braços fortes marcados por cicatrizes antigas, quase apagadas pelo tempo. 


 


Sua mandíbula era firme, o nariz aristocrático, e os olhos dourados, ardendo como brasas acesas.. Ele trabalhava com uma precisão meticulosa, cada martelada do malho ecoando pela câmara como uma batida rítmica de um coração.


 


A luz do fogo refletia nas bordas afiadas do metal que moldava, uma criação intrincada que parecia misturar beleza e poder em um equilíbrio perfeito. Seus dedos se moviam com cuidado, quase com reverência, enquanto ajustava cada detalhe da peça. Era como se estivesse dançando com o aço, cada movimento uma conversa silenciosa entre o criador e sua obra.


 


Galadriel hesitou na entrada, o calor da forja tocando sua pele enquanto ela o observava. Ele não parecia notar sua presença imediatamente, concentrado em seu trabalho, o olhar fixo e os lábios curvados em uma linha de determinação. A respiração dela se acelerou um pouco, embora não soubesse ao certo o porquê. Havia algo nele – algo no modo como a luz do fogo parecia envolver sua figura, destacando cada linha de sua postura de forma sobrenatural. Ele era bonito, sim, mas havia mais: uma aura que pulsava como uma nota baixa e distante, algo que ela não conseguia nomear.


 


Então, como se sentisse sua presença, ele levantou os olhos lentamente. Por um instante, eles se encontraram – os dela, límpidos e inquisitivos; os dele, intensos e insondáveis, com uma leve faísca de reconhecimento que parecia iluminar seu rosto.


 


Um sorriso malicioso, quase imperceptível, curvou os cantos de sua boca, como se ele estivesse guardando um segredo. Galadriel permaneceu imóvel. Havia uma tensão no ar, vibrando como o fio de uma harpa prestes a ser tocado.


 


– Perdoe-me, minha senhora. – disse ele, com uma voz baixa e suave, rica como o calor que irradiava da forja. – Não ouvi sua chegada.


 


Ela soube naquele instante, com uma certeza esmagadora que parecia pesar nos próprios ossos. Não importava o disfarce ou a nova forma que ele usava agora. A aura que o cercava, sombria e maliciosa, era inconfundível.


 


O elfo não parecia realmente enxergar sua forma; seu olhar a atravessava, como se fosse atraído por uma aura invisível que pairava ao seu redor. Isso trouxe a Galadriel um leve alívio, embora ainda sentisse o coracão martelar contra as costelas.


 


– De fato, não esperava ter sua estimada presença assim tão cedo. – Ele contornou a bancada lenta e meticulosamente, os movimentos de um caçador tentando não assustar uma corça arisca. 


 


O sorriso que curvou seus lábios era provocador, terrivelmente semelhante ao de Halbrand, mas que agora, ela supos ser um traço de Sauron. 


 


– Mas, considerando sua natureza indomável, talvez eu devesse ter previsto. Certas forças não se deixam conter, não é, Lady Galadriel?


 


A maneira como sua língua acariciava o nome dela, rolando-o com uma nova cadência, lenta e quase reverente, enviava arrepios profundos por sua espinha. Onde antes havia uma aspereza envolta em um tom quase casual da voz do suposto Rei das Terras do Sul,, agora havia uma suavidade perigosa, como o toque do veludo escondendo uma lâmina afiada.  


 


Seja por medo ou raiva – ou os dois – nenhuma palavra encontrou seu caminho para fora. Ou, talvez, fossem simplesmente incapazes de ultrapassar o nó em sua garganta. A ideia de lançar maldições contra ele e ameaçar matá-lo com seu próprio martelo pairava em sua mente, mas permanecia presa, sufocada pela sensação estranha de impotência que pesava sobre ela.


Era como se o espaço ao redor não a pertencesse, uma corrente invisível segurando seus movimentos, sua voz, deixando-a à deriva naquele momento.


 


– Ah... Vejo que ainda não aprendeu a usar toda a extensão dos poderes de Nenya. – Ele continuou a se aproximar, passos lentos e graciosos dignos de sua nova forma élfica, tentando encontrá-la no ar. – Eu posso te ensinar, se desejar. 


 


Ele inclinou a cabeça, girando lentamente um pequeno cinzel entre os dedos com uma deliberada solenidade, quase como um ritual.


 


– Sabe...  – Sua voz era baixa, escorrendo como lava. – Quando forjei esta peça em particular, pensei em você.


 


​​Galadriel prendeu a respiração. 


 


"É só mais um de seus enganos", ela repetiu para si mesma, como um mantra furioso.


 


– Preste atenção na luz dela, em como muda conforme o ângulo. – Ele continuou a explicação, em um tom quase sonhador. – Fria como o luar sobre as águas calmas do Lago Mithrim, profunda como as câmaras ocultas de Menegroth, onde a escuridão poderia até brincar com suas sombras, mas jamais realmente corrompê-la. – então acariciou o cabo do cinzel como se fosse a propria Nenya. Ou algo a mais. – Adamante é força imutável diante do tempo ou da pressão. Cada faceta da gema reflete algo diferente, como se guardasse pequenos mundos dentro de si. 


 


Seu olhar se fixou em um ponto inquietantemente preciso, acertando quase exatamente onde estariam os olhos dela. Chamas tremulavam nas profundezas de suas íris. As mãos moviam-se devagar, precisas, a ferramente girando em sua palma como se fosse parte de sua própria essência. Galadriel sentiu algo quente percorrer seu estômago, uma sensação desconfortável que queimava de dentro para fora. Se estivesse realmente ali, temia que suas pernas cedessem.


 


— Um paradoxo de força e fragilidade. É como se ela exigisse atenção, inevitável como o nascer do sol. Resistir seria, no mínimo, um erro.


 


Então, como se a força da própria jóia lhe conferisse o poder necessário, ela finalmente encontrou palavras, a voz baixa, mas cortante:


 


– Quando nos encontrarmos novamente, não haverá espaço para misericórdia! Seus joguinhos vão terminar, Sauron!


 


O sorriso que surgiu nos lábios dele foi lento, ousado, quase selvagem, como se saboreasse o desafio.


 


— Então, faça valer a pena, *Árinya.


 


 


 


 


 


 


 


*"Meu sol" em Quenya, língua de berço da Galadriel.



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Autor(a): brunna_almeida_

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