Fanfic: O que são as coisas... {portiñón - AyD}

Um mês; Dulce já estava fora da cadeia há um mês e a merda do maxilar ainda doía, especialmente quando Poncho vinha beijar-lhe de forma mais "apaixonada" e olvidava-se dos pontos dolorosos no inferior do rosto, apoiando suas mãos justamente ali e puxando sua cabeça de forma "bruscamente carinhosa", como ela costumava brincar. De qualquer forma, desde que, cerca de duas semanas após sua saída, os dois resolveram reatar um namoro mal-acabado, Poncho vinha se mostrando seu principal refúgio de todo e qualquer pensamento acerca de Anahí, e quem a ajudava a seguir em frente, mesmo com as noites de insônia por constantes acessos de choro ao se lembrar de que dali por diante as duas não mais se veriam.

Foi um acordo, ou uma espécie disso. Um acordo telepático. Any a soltou e Dulce, agradecida, afastou-se. Agora a loira morava nos states, em Los Angeles, onde uma gravadora a havia contratado e comprado os direitos autorais para que ela pudesse seguir com o lançamento de seu disco. Tudo voltara ao normal, ou pelo menos ao normal de dois anos atrás, quando Any era uma molécula desconhecida numa multidão de moléculas: estava ali, de alguma forma, mas esquecida em meio à tantas moléculas, e extremamente significativa quando sozinha.

Agora, Dulce esperava sua recuperação. Com o maxilar dolorido, dificilmente cantava, mas já falava e comia. O médico dissera que ia demorar, porém garantiu que Dulce estaria na ativa logo, logo. Tudo bem, ela não estava realmente ansiosa para retomar o mundo do entretenimento depois de admitir publicamente que inventara a história do assédio, mas o tédio a vinha matando. Poncho era um homem maravilhoso, a distraía, contudo não se comparava jamais ao que Dul esperava de um verdadeiro amor: a loucura, a obsessão e a falta de escrúpulos provocados pela necessidade de se estar junto, algo tão pertubador quanto promissor; algo que, até então, só experimentara com a mulher que a ignorou por dois anos e depois a meteu na cadeia.

-Você está distante... - comentou Poncho, estacionando seu Ford na calçada duma rua deserta que Dulce apelidou de "a rua de quando eu era mais jovem"; um cenário básico para suas memórias dos tempos loucos de adolescente. - Tá tudo bem?

-Claro, por que não estaria?  - "por que estaria?", corrigiu-se, em pensamento. - Só estou cheia desse maxilar babaca.

-Irritar-se não vai ajudar, Dulce. - ele passou o braço por seus ombros. - Talvez devêssemos ir para sua casa e descansar. Quer ver um filme?

-Poncho, pelo amor de Deus, não começa com esse papo de namorado hiper-protetor. Eu estou ótima.

Ele ficou em silêncio por um tempo.

-É por causa da Any, não é? - perguntou, sem olhá-la. - Você sente falta dela, não sente? Você está me usando para esquecê-la.

-Poncho, já falamos sobre isso...

Any. Any, Any e Any. Até quando estavam transando a merda do nome aparecia. Sua imagem projetava-se na mente de Dulce quase que automaticamente. Era como a merda dum vício, como o cigarro depois do sexo; bastava Poncho apossar-se de suas coxas e voilá: as carícias desajeitadas traziam o rosto e os olhos azuis de Anahí à sua cabeça. Não bastasse isso, logo depois do clímax, Dulce ainda se sentia insatisfeita quando descobria que aquele corpo estranho dentro do seu não era proveniente da carne macia de sua ex-melhor amiga, e sim da carne áspera de seu "falso namorado", da porra do refúgio, do escudo que Dulce usava contra seus impulsos de tomar o primero voo até LA e, como num filme romântico à Shakespeare, irromper no meio da gravadora onde Any fazia seu CD e dizer, em alto e bom som, que a queria de volta.

Mas é claro que nada estava bem. Some um maxilar fodido, um CD atrasado em três meses, um namorado que não é bem um namorado, e sim uma peça de carne dispensável, e a ausência eterna de quem você ama (sendo que todas as oportunidades de retesar isso você dispensou) e tem-se... A vida miseravelmente miserável de Dulce María Saviñón.

Talvez eu devesse escrever uma peça sobre isso, pensou ela, irônica consigo mesma.

-Eu só acho injusto. - declarou Poncho, dando de ombros. - Acho que se você a ama, deve ir atrás dela, e não me usar para esquecê-la.

-Poncho, eu não estou te usando. Cala a boca e me leva embora, eu acho que a sua ideia é formidável. Preciso mesmo descansar.

Ele suspirou e ligou o carro.

Merda, merda e merda. Any, Any e Any. De certa forma, numa sentença, os dois podiam ser sinônimos.

Ah, tudo era definitivamente perfeito nesse mundo polido que ela construiu ao seu redor, aquele mundo artístico onde dispensava a maioria de suas frustrações, mas se tinha uma coisa que ele não podia lhe dar era o privilégio de apagar Anahí de sua mente. O Mundo de Oz nunca foi perfeito, não é? O pior de tudo eram os olhares penosos dos amigos, como se ela tivesse AIDS ou algo do gênero; irritavam-na demais. Hoje, sua vida se fundamentava em driblar as balizas do coração, pinos de ferro pintados de vermelho que preenchia a maior parte da estrada ao seu destino final: uma vida plena e feliz sem aborrecimentos como a indecisão sexual.

"Ah  Anahí... Maldito seja o dia em que te conheci". Digníssimo verso de Fernando Pessoa. Se ela fosse poetisa, poderia simplesmente escrever Any milhões de vezes nas costas dum papel já escrito e depois rasgá-lo em mil pedaços, colá-los e emoldurá-los, chamado sua obra de arte de "Meu Coração Despedaçado".

Mas não era simples assim. Los Angeles não ficava exatamente longe...