Fanfic: Sopro de Esperança (Terminada)

- Um
pouquinho para a esquerda. Não, mais para bai­xo.

Poncho espiou por cima do ombro.

- Sabe, um nivelador resolveria isso
antes de eu co­meçar a ficar grisalho.

Annie sorriu, inclinou a cabeça e o
rabo-de-cavalo ba­lançou quando pôs as mãos nos quadris.

- Coitadinho, cansou de pendurar os
quadros bonitos na parede?

Poncho olhou para a pintura diante de
si.

- O que é mesmo isto aqui?

- Esse se chama
"Melancolia".

- Porque melancolia é o que a gente
sente quando paga por algo que parece ter sido feito por uma criança de quatro
anos?

Risonha, Annie aproximou-se e deu-lhe
um soco no braço.

- Engraçadinho.
Ainda precisa subir mais um pouco para a esquerda. Manda-chuvas como você têm
dificul­dade demais para seguir ordens, não é?

Poncho enlaçou-a pela cintura e a
puxou para si.

- 
Depende do que me ordenem fazer, onde e por quanto tempo. Sou muito bom
em coisas como mais para baixo, assim, quase... Mais forte...

Os sussurros causaram o mesmo efeito
de sempre. A luz que dançava nos olhos dele fazia o coração dela dis­parar.
Droga, ele era viciante.

- Entre nós a conversa sempre acaba no
quarto, não é? - Annie ficou na ponta dos pés para beijá-lo. - Você é obcecado.

- Mas você adora que eu seja obcecado.

Era verdade. Infelizmente, a
quantidade de coisas boas só aumentava a cada semana que passava com Poncho.
Apesar das brincadeiras irreverentes que fazia para dis­farçar, a lista não
parava de crescer. O que era triste, pois desde aquele primeiro domingo à noite
Annie sentia que os dois viviam uma espécie de contagem regressiva. Apesar de
sobreviverem à maioria dos problemas menos relevan­tes. Como conversar sobre a
temporada em Paris, para onde seguiu após a humilhação de ver a própria imagem
seminua estampada em todos os jornais da cidade. Lá Annie descobriu uma vocação
para a arte ao perambular pelo Louvre, certo dia. Conseqüentemente, essa
vocação a fez buscar um curso de história da arte que pudesse custear com o
dinheiro que ganhou trabalhando em bares e bistrôs à noite. Contou-lhe sobre os
amigos que fez, as saudades da Irlanda, os planos para a galeria...

Poncho ouviu tudo, fez perguntas e
disse coisas que deixaram claro que ele entendeu, e Annie adorou isso. Agora
ele parecia compreender que ela mudara durante a temporada fora.

Depois, Annie escutou-o contar como
ergueu a empresa do nada, só com esforço e obstinação para vencer. Sobre os
primeiros trabalhos como autônomo, e como convenceu o grupo de homens a se unir
a ele, para formar a primeira equipe. Annie ouviu tudo, perguntando e fazendo
comentários na esperança de que Poncho percebesse que ela entendia que, mais do
que ninguém, ele estava fadado a ser bem-sucedido, que se orgulhava do que ele
construiu. E adorou o sorriso e o brilho no olhar dele, a confirmação de que
ele percebeu a compreensão dela.

E coisas aparentemente insignificantes
também ajudaram, como conversar sobre os filmes e livros favoritos, e debater
assuntos mais sérios como econo­mia, política e as últimas notícias
internacionais. Era surpreendente como ambos partilhavam opiniões simi­lares.
E, por incrível que pareça, até conseguiram concordar que discordavam.

Mas após passarem um mês driblando a
agenda pro­fissional, e mais três fins de semana maravilhosos na casa dele, os
dois ainda evitavam os assuntos mais sérios. E evitar era cada vez mais
difícil.

- Eu apreciaria a sua obsessão se
terminássemos logo isso para podermos voltar ao doce lar.

Annie alegrou-se por estar de costas
para Poncho quando se referiu à casa dele como um "lar". Isso
acontecia mui­to ultimamente, porque era a coisa mais próxima de um lar que ela
experimentou num longo tempo.

Como ele não comentou nada, ela ficou
aliviada e estendeu a mão para ajustar "Melancolia" mais meio
centímetro para a esquerda.

- Precisa levantar mais para a
esquerda.

Annie recuou um passo, observando
compenetrada.

- Não, não precisa.

Quando se voltou para ele, Poncho a
fitava com os olhos brilhantes. E apesar de manter o semblante impassível ela
conhecia aquele brilho bem demais para não perceber que caiu numa pegadinha.

- Oh, pelo amor de Deus... Use a droga
do nivelador se isso o faz feliz. O que dizem mesmo sobre meninos e brinquedos?
- Empinou o nariz ao passar por ele. - Mas não se esqueça, garotão... Se deixar
marcas em qualquer coisa, isso significará que o dono é você.

Sinceramente, Annie torceu para que
isso não fosse al­gum tipo de mensagem subliminar.

Poncho segurou-a pelo braço, virando-a
de frente para si antes de abraçá-la com força, esmagando o corpo con­tra o
dele.

- Em primeiro lugar: não é brinquedo
porque é útil... E um aparelho prático para que as pessoas possam sair e
aproveitar a noite de sexta-feira quando alguém tem uma droga de inauguração de
galeria no sábado à noite... Ar­ruinando um fim de semana perfeito.

Annie sorriu.

- De acordo.

- Viu, adoro quando você reconhece que
deve se ren­der sem lutar. - Poncho riu quando Annie abriu a boca, fingindo-se
ultrajada. - Em segundo lugar: se eu precisasse ficar com uma dessas coisas,
ela jamais tornaria a ver a luz do dia. Porque, francamente, a sua idéia de
arte... Não é a mesma que a minha.

- O seu senso estético só precisa de
refinamento.

- Eu vou refinar o meu senso estético
se você aprender todos os detalhes da indústria de construção.

- Tudo bem, podemos negociar.

Poncho jogou Annie para trás enquanto
ela ria, aproximan­do o rosto do dele.

- Você pode tentar me persuadir, sou
todo seu...

- Olá! Tem alguém aí?