Fanfic: Sopro de Esperança (Terminada)

- Eu devia
ter comprado um peixinho dourado.

Enquanto procurava Moggie, Annie
resmungou uma lista de animais de estimação menos problemáticos. Me­nos espaço
ajudaria, aliás. Mas Moggie apaixonou-se pelo casarão logo que saiu do carro
minúsculo após a looonga viagem de Paris a Dublin. E os amplos jardins
da mansão do século XVII eram o seu ideal de paraíso. O tipo de paraíso que, às
vezes, toma necessário um bom banho. Como esse do qual ele acabara de fugir.
Por isso, Annie decidiu trancá-lo no estábulo durante a festa da noite anterior.

Ouviu um baque muito forte, seguido
por uma enxur­rada de palavrões. Ah, ótimo. Agora Moggie matou al­guém ou, no
mínimo, aleijou. Em silêncio, Annie rezou para que a vítima não processasse a
dona só porque ela possuía o sobrenome Portilla.

Já estava mais afundada em dívidas com
o pai do que pretendia.

Annie correu descalça pelo corredor. E
parou de repen­te, os olhos arregalados de surpresa ao ver Poncho estate­lado
no chão. A gargalhada gutural ecoava no teto côncavo enquanto ele se debatia
com um serelepe Moggie.

E, por um instante, Annie emudeceu de
assombro. Gra­ças ao som hipnótico daquele riso.

Honestamente, não conseguia se lembrar
da última vez em que o vira rindo. E Poncho deveria rir mais, com aquele
estrondo tão viril que ressoava pelo vasto corredor. Deveria sorrir com os
olhos azuis vibrando, e os lábios carnudos entreabertos para os dentes
branquíssimos e perfeitos contrastarem com a pele morena.

Lembrava mais o Poncho que conhecera
quando menina. E a recordação fê-la sorrir sem pensar. Mas quando afagou as
orelhas peludas de Moggie, Poncho ergueu o rosto e os olhares de ambos se
encontraram. Num segundo, o brilho nos olhos dele se extinguiu e o sorriso
murchou. Lógico.

Annie respirou fundo e balançou a
toalha que trazia para Moggie.

- Ele fugiu de mim.

Poncho tornou a afagar as orelhas do
cão.

- Garoto esperto, hein?

- Moggie rolou na pilha de adubo no
jardim. E preci­sou de um banho antes de entrar em casa... - Mas por que ela
estava se justificando? - Ora, ele parece gostar de você. Gosto não se
discute, acho.

Poncho levantou-se com uma agilidade
surpreendente para um homem daquele tamanho e limpou as mãos for­tes no jeans
apertado.

- Bichos e crianças... que posso
dizer?

- Bem,
toda regra tem sua exceção.

Os vividos olhos azuis a examinaram da
cabeça aos pés com uma atenção irritante. O coração disparou porque ele se
demorou demais na parte da camiseta molhada que revelava os seios. Os mamilos
eriçados despontavam sob o tecido, o que não fazia o menor sentido.

Não se sente atração física por alguém
de quem não gostamos. Apenas um gosto amargo na boca.

Poncho deixou o olhar vaguear para o
nó da camiseta amarrada na altura do umbigo, descendo até as pernas expostas
pelo short de brim. E Annie sentiu-se tocada em cada parte que ele admirou.

No entanto, por mais que aquelas
sensações a inco­modassem, Annie não podia deixar de admitir que havia uma
explicação hormonal para tudo aquilo. Poncho era másculo demais... Bem, ele
tinha um certo ar de superio­ridade... Não, não era isso... Ele parecia tão...

Desgraçado!

Cruzou os braços para cobrir os seios,
lançando-lhe um olhar fulminante.

Os olhos azuis reluziram de
provocação, desafiando Annie a xingá-lo como obviamente acabara de fazer. Então
Poncho começou a arrumar as cadeiras que caíram quando foi derrubado. E Annie
poderia ter aproveitado a oportunidade para agarrar Moggie e sair. Mas seria o
mesmo que fugir, não é? Ora, nem pensar.

Estava cansada de fugir.

Sem querer, bateu o pé descalço no
piso de azulejos ao olhar incrédula para o cachorro, que seguiu Poncho com uma
expressão de absoluta adoração. Traidor. Talvez houvesse um bom motivo
para não se dizer que o cão é "o melhor amigo da mulher"...

Contudo, ela também não se impediu de
acompanhá-lo com o olhar. E ficar parada ali, pensando no que Poncho tinha que
ela não conseguia entender, era triste, muito triste. Ele não era o primeiro
sujeito bonitão que conhecia. E daí se ele era tão grande que, ao seu lado, ela
se sentia menor que os seus l,75cm de altura, mais frágil e feminina? Pouco
importava se, de súbito, estivesse fas­cinada pelo tamanho das mãos dele, que
com facilidade colheriam os seios dela por inteiro. Claro, se Poncho fosse o
último homem do planeta. E daí que ele se movia com uma elegância quase felina?
Grande coisa. Grande coisa mesmo.

Poncho podia ser charmoso à vontade. E
o corpo traiçoei­ro poderia reagir à presença dele o quanto bem entendes­se.
Isso não mudaria nada.

Annie descruzou os braços e levantou
uma cadeira, ar­rumou-a no lugar e percebeu que Poncho a observava com o canto
dos olhos.

Finalmente, depois de guardar outra
cadeira, ela re­solveu quebrar o silêncio.

- Tem mais dessas lá dentro?

Poncho continuou empilhando-as e
respondeu com a voz grave monótona.

- Uma boa quantidade. Por quê? Quer
ganhar uma medalha de bom comportamento?

- Muitas mãos diminuem o trabalho.
Ninguém nunca lhe disse isso? - Resmungando baixinho, Annie ergueu outra
cadeira. - E qualquer coisa que fizer você ser des­pachado mais depressa é
necessariamente uma boa ação inocente.

- Ora, cuidado, Annie. Talvez eu
acredite que você não me ama mais.

Certo, agora ele a enfurecera para
valer. Annie jogou a cadeira na pilha com raiva.

- Por acaso, quando foi que eu
amei você?

- Você ainda tem memória seletiva, não é? - Poncho fitou-a um segundo, e
irritou-a mais ainda ao fazer "tsc, tsc". - Lembro de quando você
costumava me chamar de "meu Poncho"...