Fanfic: Cega paixão (terminada)

Anahí não estava acostumada a sentir ódio por alguém. Aliás, tinha domínio perfeito sobre as próprias emoções. Podia sentir ódio, raiva, alegria e até medo através de uma visão, através de uma outra pessoa, mas as suas emoções haviam sido há muito enterradas. Gostava de Phil e confiava no carinho quase paternal que ele lhe dispensava; sabia que Phil jamais a exploraria. Já tinha vivido rodeada de amigos, familiares, pessoas de quem realmente gostava, mas, de dois anos para cá, vinha vivendo totalmente só, à parte de tudo e de todos. Phil Grayson era seu único amigo.

Isso até que Alfonso Oliver surgisse. Agora, de olhos fechados, sentada no banco dianteiro do carro de Phil, Anahí ia sentindo as curvas da estrada montanha acima.

Nem a presença calma de Phil no banco traseiro aplacava seu ódio. Mesmo sabendo que ambos eram amigos e que Phil confiava em Alfonso, Anahí alimentava uma raiva incontida por aquele estranho insolente, que viera tirá-la da apatia em que vivia. As mãos quentes e magnéticas de Alfonso Oliver romperam suas defesas que, talvez, jamais voltariam a ser reerguidas.

- Este lugar lhe é familiar?

A voz grave de Alfonso cortou o silêncio como um trovão, carregada de sarcasmo.

Anahí voltou-se para fitar aquele perfil tão bonito, os cabelos curtos, os olhos muito frios.

- Nunca estive aqui antes.

- Nem em transe?

- Eu não tenho transes - revidou, odiando-o. - Tenho visões, o que é diferente.

- Ah... tem visões, claro. Tudo bem. Então, diga-me: alguma vez já viu este lugar?

Ao perceber que fechava os punhos, ela deliberadamente abriu as mãos, relaxando-as.

- Acho que não. Continue seguindo em frente.

Notando que Phil se movimentava no banco de trás, Anahí percebeu que ele censurava o modo como Alfonso a tratava. Censurava mas não dizia nada, o que fez com que sua raiva se estendesse a ele também.

Curvando-se para frente, abriu a garrafa térmica que trouxera consigo e tomou um bom gole de café. Apesar de o aquecedor estar ligado, sentia um frio terrível. Lá fora, o sol brilhava forte, derretendo a neve, mas Anahí permanecia com o sobretudo, os braços cruzados sobre o peito.

Ao perceber que Alfonso a observava, voltou-se para encará-lo.

- Ainda sobrou café? - ele quis saber.

- Este tem creme e açúcar, você toma puro.

- Não pense que me impressiona com seus truques de adivinhação. Dê-me o café.

Sem discutir, ela entregou-lhe a garrafa e o viu beber o café sem reclamar. Em seguida, devolveu-lhe a garrafa com um olhar de desafio.

Bebendo também no gargalo, ela terminou com o resto.

- Da próxima vez, traga o seu - ela disse.

- Próxima vez? O que a faz pensar que haverá uma próxima vez?

A idéia o horripilava e Anahí achou graça.

- Detesto roubar-lhe a ilusão, coronel Oliver, mas a vida não é tão simples quanto pensa. Não posso indicar o caminho mais curto para o lugar que vi. Não sei onde fica aquela casa. Só nos resta dirigir por aí até que eu comece a sentir alguma coisa.

- Pois fique sabendo que já estou sentindo uma porção de coisas: irritação, cansaço, desesperança.

- Isso não é nada comparado ao que estará sentindo daqui a uns dias - Anahí garantiu, a voz meio maliciosa.

Phil, cansado de ver tanta provocação, curvou-se no banco de trás, aproximando-se dela.

- Nada aqui lhe é familiar, Anahí?

- Não - garantiu. - E já está escurecendo.

- Você não consegue enxergar no escuro? - Alfonso indagou. - Que tipo de paranormal é você?

- Das melhores. Mas não é preciso nenhum dom especial para saber que você não passa de um...

- Ei, vocês dois, parem com isso! - Phil interrompeu pousando uma das mãos no ombro dela. - Não vamos brigar; afinal, estamos trabalhando juntos pelo mesmo propósito. Sugiro que voltemos para casa e amanhã, depois de uma boa noite de sono, recomeçaremos a procura.

Anahí recostou-se no banco estofado, forçando-se a relaxar. Mal tivera tempo de se recuperar daquela sessão cansativa na delegacia quando o maldito coronel Alfonso Oliver invadiu sua casa, sua privacidade e sua vida, roubando-lhe o resto das forças. E, se pretendia de fato encontrar aquele fatídico lugar nas montanhas Rochosas, ia precisar de muito descanso. No momento era o que mais queria.

Porque só depois de encontrar o tal lugar conseguiria se ver livre de Alfonso Oliver. Qualquer pessoa normal, sem poderes especiais, sabia que ele era mais obstinado e teimoso que um cão de guarda. Não a deixaria em paz enquanto não conseguisse tudo o que desejava. Mas Anahí queria-o longe o quanto antes para poder voltar ao seu mundinho onde o ódio e a frustração não tinham lugar, a não ser como reflexo das emoções de uma outra pessoa. Seus sentimentos estavam bem aquilatados e presos no fundo dela mesma, e não tinha a menor intenção de ressuscitá-los.