Fanfic: Cega paixão (terminada)

Ansioso, flexionou os dedos como se quisesse prepará-los; inteiro em alerta. De onde estava, ouviu o ruído dos cubos de gelo, o uísque sendo despejado no copo... Então, a figura frágil de Anahí surgiu na passagem com um copo de uísque em cada mão. Alfonso reparou que os bolsos do robe continuavam vazios.

Descalça, ela curvava os dedos dos pés por causa do frio e foi este seu gesto tão singelo e frágil que o fez afastar a mão já prestes a apanhar o revólver sob o casaco.

Anahí sorriu-lhe - um riso no qual ele não acreditou - e entregou-lhe um copo de uísque. Alfonso tomou o primeiro gole, deliciando-se com o sabor e só então algo interessante e curioso chamou-lhe a atenção. Ela lhe trouxera o uísque exatamente como ele preferia - num copo alto, com dois cubos de gelo e um pouco de água. E Alfonso não era homem de acreditar em coincidências.

- Do jeito que eu gosto - disse com um riso ensaiado. - Como você sabia?

Só um homem muito observador teria reparado na sombra que lhe cruzou o olhar. Anahí sorriu e tomou um gole do próprio uísque, com mais água e mais gelo.

- Intuição - confessou, dando de ombros. E afastou-se. - Você deve estar cansado. Vou lhe trazer umas mantas e pode se deitar no sofá. Conheço bem o serviço de guincho e sei que não dão prioridade para esta área por julgarem que há poucos moradores por aqui. Para mim, só vão chegar amanhã por volta do meio-dia. Sabe como é; estas tempestades de inverno...

Anahí estava tagarelando sem parar, Alfonso reparou, e ela não lhe parecia ser do tipo que falava tanto normalmente. Além do que parecia um pouco nervosa.

- Sim, eu sei - afirmou num tom baixo e suave. - Espero que não se incomode por eu ter de abusar de sua hospitalidade.

Ela balançou a cabeça e a massa de cabelos castanhos se agitou.

- Claro que não; eu não o deixaria sair com este tempo no meio da noite. Tire o casaco e fique à vontade.

Alfonso observou-a sair da sala. Se Anahí Hardy tinha mesmo os tais poderes que Phil garantia, havia percebido que ele trazia uma arma no casaco e sua sugestão teria outro significado além de mera demonstração de hospitalidade. Mas, se fosse mesmo o caso, saberia também que ele trazia outra arma consigo.

Duas, na verdade: um revólver pequeno preso num coldre atado ao tornozelo e uma faca dentro da manga esquerda. O que lhe permitia cuidar muito bem de qualquer assassino perigoso, por mais armado que estivesse. Quanto mais, então, de uma garota tão frágil. A menos que ela tivesse posto algum sedativo no uísque.

Mas Anahí não teria motivo algum para sedá-lo ou matá-lo, concluiu. Pelo menos não por enquanto. Bebendo mais um gole, tornou a admirar-se com a mistura perfeita que ela lhe trouxera supostamente por acaso. O que mais ela sabia sobre ele?

Viera até o Colorado para seguir-lhe os passos. Apesar das alegações de Phil em contrário, tinha certeza de que estava de alguma forma envolvida com a Spandau Corporation e seu propósito era descobrir toda a verdade. Na melhor das hipóteses, Anahí não passava de um simples joguete nas mãos da organização. Alfonso se recusava a pensar na pior hipótese.

Logo ela voltava trazendo uma pilha de mantas. Satisfeita, colocou-as sobre o sofá.

- Acho que são suficientes. Sinto não poder oferecer-lhe uma acomodação melhor, mas não tenho mobília no quarto de hóspede. Além do que aqui na sala é mais quente.

Alfonso notou que Anahí não trouxera travesseiro e concluiu que, não tendo uma segunda cama, não teria tampouco travesseiros extras. Mas ele não deixava de se perguntar até que ponto os chefes da Spandau haviam pesquisado sua vida particular, seus gostos e hábitos.

- Você tem um travesseiro? - perguntou e viu, mais uma vez, a sombra cruzar-lhe o olhar.

- Um travesseiro? - ela repetiu, sem jeito. - Claro. Desculpe, devo ter esquecido.

Anahí virou-se e saiu, feliz por fugir àquele olhar que a inquietava. Suas mãos tremiam e ela abriu novamente o roupeiro, onde guardava um enxoval completíssimo - legado de sua avó índia. Por que achara que ele não fosse querer um travesseiro? E como descobrira sua preferência sobre o uísque?

Que pergunta mais idiota, admitiu. Já devia ter se acostumado a tais coisas, a agir de modo inconsciente. Se estivesse mais alerta, não teria sido pega desprevenida com tanta freqüência. Era embaraçoso ter que se explicar, dar satisfação às pessoas sobre suas decisões puramente intuitivas. Mas era tudo muito estranho, constatou, puxando o travesseiro de penas alto e uma das fronhas de linho bordadas pela avó. Normalmente não costumava saber tanto a respeito de uma mesma pessoa. Talvez fosse conseqüência da sessão daquela tarde com Phil. Ainda não repousara o tempo que precisava e talvez ainda estivesse numa espécie de transe.