Fanfics Brasil - Festa na Mata Cavalos Quimera

Fanfic: Quimera


Capítulo: Festa na Mata Cavalos

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CENA 01. VIVENDA DO BARÃO. QUARTO DE LORENA. INTERIOR. DIA.


Continuação imediata do capítulo anterior. Lorena e Fabíola conversam.


              FABÍOLA                   ¾ Lorena, tu queres me pôr a perder junto contigo.


              LORENA                    ¾ Não hás de me abandonar.


Um tempo.


              FABÍOLA                   ¾ Está bem. Vá lá. O que tens em mente?


LORENA                               ¾ Ouças com atenção. Meu plano é perfeito, mas precisaremos ser convincentes ou mamãe perceberá nossas más intenções...


Lorena continua falando, enquanto Fabíola a escuta com atenção.        


CENA 02. VIVENDA DO BARÃO. SALÃO DE VISITAS. INTERIOR. DIA.


Ercília borda. Lorena e Fabíola, prontas para sair, entram acompanhadas de Brázia.


              ERCÍLIA                    ¾ Vão sair?


              LORENA                    ¾ Vamos a modista, mamãe.


              ERCÍLIA                    ¾ Novamente? Mas já não foram dias atrás?


              LORENA                    ¾ É claro que fomos, mamãe.


FABÍOLA                              ¾ Porém, soubemos que D. Úrsula acaba de receber uma encomenda de tecidos e aviamentos vindos da capital. Estamos ansiosas em ver as novidades que decerto ela tem.


ERCÍLIA                    ¾ Estou mesmo precisando de algumas rendas para o arremate das costuras que acabei de fazer. Irei com as duas.


LORENA                    ¾ (NUM GRITO) Não!


FABÍOLA                   ¾ (AO MESMO TEMPO) Não!


ERCÍLIA                    ¾ Como não?


FABÍOLA                   ¾ Perdão, titia. É que iremos a pé para aproveitar a quentura do sol. Brázia nos acompanhará.


LORENA                    ¾ É verdade, mamãe. Sabemos como a senhora fica quando anda muito. Não convém se arriscar.


FABÍOLA                   ¾ Sim. Na última vez em que fizemos um longo passeio a pé em sua companhia, minha tia passou muito mal. Não se lembra?


ERCÍLIA                    ¾ E como! Meus tornozelos ficaram inchados. Mas que mania a de vocês duas de andarem a bater pernas. Pois eu não dispenso um coche. Está bem, podem ir. Mas não se demorem. Levem lembranças minhas a D. Úrsula e sua filha Mariana.


LORENA                    ¾ Sim, mamãe.


Lorena e Fabíola se entreolham sorridentes, enquanto Brázia já desconfia que tramam algo.


CENA 03. SOBRADO DE SEU ABÍLIO. EXTERIOR. DIA.


Lorena, Fabíola e Brázia chegam em frente ao sobrado.


FABÍOLA                   ¾ Eu gelei quando tia Ercília disse que viria conosco.


LORENA                    ¾ Eu também. Mas fomos convincentes em nossos papéis e duvido que ela tenha desconfiado de algo.


BRÁZIA                     ¾ Sinhá Lorena, perdoa a nega, mas num mete eu em confusão. Sua mãe me enche de lambada.


LORENA                    ¾ Quieta, Brázia.


FABÍOLA                   ¾ Agora vamos a segunda parte de nosso estratagema. Mas não se demore, Lorena. Não posso nem imaginar a hipótese de ser vista sozinha na modista, sem ao menos a companhia de uma mucama. E tenha cuidado, pois continuo considerando tudo isso uma grande imprudência.


LORENA                    ¾ Não há com o que se preocupar, minha prima. Tudo correrá bem. Deseje-me sorte. Venha, Brázia.


Lorena e Brázia se afastam e logo adiante entram num côche, seguindo viagem sob o olhar atento de Fabíola. Um tempo. Fabíola entra na modista.


CENA 04. SOBRADO DE SEU ABÍLIO. MODISTA. INTERIOR. DIA.


Úrsula e Mariana arrumam uns tecidos. Fabíola entra.


              FABÍOLA                   ¾ Bons dias.


              MARIANA                 ¾ Bons dias, Fabíola.


ÚRSULA                                ¾ Houve algo de errado com os tecidos que levaram dias atrás?


FABÍOLA                   ¾ Longe disso, D. Úrsula. Tudo o que sua loja nos fornece tem sido sempre da mais alta qualidade.


MARIANA                 ¾ E por que Lorena não entrou?


FABÍOLA                   ¾ Ela não veio.


MARIANA                 ¾ Oras, mas eu juraria que a vi contigo e a mucama Brázia há pouco na calçada em frente.


FABÍOLA                   ¾ Quero dizer, ela veio comigo, mas não entrou. Na verdade saímos para uma visita a um doente amigo da família, mas como tenho certas aflições com enfermos, resolvi aguardá-la aqui. Espero que não haja nenhum inconveniente.


ÚRSULA                    ¾ De forma alguma, minha querida.


FABÍOLA                   ¾ Também quero aproveitar para dar uma olhada em algumas rendas para minha tia.


ÚRSULA                    ¾ Mariana, minha filha, atenda a Senhorita Fabíola.


MARIANA                 ¾ É claro que sim, mamãe.


Mariana pega uma caixa de rendas e abre sobre o balcão. Fabíola começa a verificar o material, mas está preocupada com Lorena.


CENA 05. CASA DE DR. HEITOR. QUARTO DE TOBIAS. INTERIOR. DIA.


Badira limpa o quarto. Tobias entra de mansinho e a agarra por trás.


              TOBIAS                     ¾ Meu amor. Quantas saudades...


              BADIRA                     ¾ Vassuncê é doido! Vossa mãe...


TOBIAS                                 ¾ Minha mãe e minha irmã foram à igreja. Papai está no escritório e não nos incomodará. Por que não foi ao meu encontro ontem, como lhe pedi no bilhete? Te esperei a tarde inteira.


BADIRA                     ¾ Rute me acompanhou até a bodega pra comprar as carnes que vossa mãe pediu. Ela nunca vai, mas dessa vez foi. Não deu pra fugir dos olhos dela.


            Tobias a beija ternamente. Ela se desvencilha dele.


                        TOBIAS                     ¾ O que há, Badira? Não gosta mais de mim?


BADIRA                     ¾ Gosto sim. É que tenho medo. Não quero que ninguém da casa me veja junto com o sinhozinho.


TOBIAS                     ¾ Quando vai aprender que não precisa me chamar de sinhozinho quando estamos a sós? És a mulher que eu amo.


BADIRA                     ¾ Eu também amo vassuncê. Só que é tudo tão difícil. Fico pensando no que vai ser desse amor. Eu sou uma escrava. Nunca que seu pai e Sinhá Adelaide vão me aceitar como sua mulher. Eles hão de sonhá com uma mulhé branca pra ser vossa esposa. Tobias, eles nunca hão de me aceitar.


TOBIAS                     ¾ Dos meus pais cuido eu. Já te disse que é só uma questão de tempo. Preciso terminar meus estudos. Assim que tiver o diploma de médico, poderei me estabelecer fora de Serra dos Cavalos, na capital talvez. E irás comigo. Tu e teu irmão Bento. Lá poderemos ficar juntos. No Rio de Janeiro já é muito comum o casamento legal entre pessoas de raças diferentes. Lá poderemos ser felizes e termos nossos filhos.


BADIRA                     ¾ Mas o sinhô seu pai pensa que você vai ficar aqui, atendendo os doentes da cidade junto com ele.


TOBIAS                     ¾ Badira, eu te amo e sonho muito. Mas meus pés continuam fincados no chão. Não tenho dúvidas de que meu pai dará a tua liberdade e de teu irmão quando souber do meu amor por ti e dos nossos planos. Mas aqui não poderemos fixar residência ou jamais teremos paz. O preconceito numa cidade pequena como Serra dos Cavalos ainda é grande e pode ocasionar coisas terríveis.


BADIRA                     ¾ Eu queria acreditar que um dia isso tudo vai ser verdade. Nós dois juntos, com meu irmão Bento, longe daqui.


TOBIAS                     ¾ Não tenha dúvidas do que digo, Badira. Confie em mim. Sinto saudades de ti. Preciso estar contigo a sós, fora daqui.


BADIRA                     ¾ Me encontre amanhã, na Cascata do Alto da Garganta, perto do fim da tarde. Vou arranjá um jeito de fugir dos olhos de vossa mãe e de Rute durante o festejo na Mata Cavalos.


TOBIAS                     ¾ Contarei as horas e os minutos. Até lá.


Tobias a beija e sai. Badira está feliz, mas tem dúvidas sobre o futuro daquele amor.


CENA 06. RAIZ DA SERRA. EXTERIOR. DIA.


Um côche pára no descampado. Brázia desce e ajuda Lorena a descer.


              LORENA                    ¾ Me espere aqui com o cocheiro, Brázia.


BRÁZIA                                 ¾ E o que a sinhazinha vai fazê sozinha na mata? Olha que tem onça e outros bicho nessas bandas.


LORENA                    ¾ Brázia, pare com tantas perguntas e faça o que digo. Estarei na cascata que há aqui perto, mas só vá ao meu encontro se ocorrer alguma emergência. Entendeste?


BRÁZIA                     ¾ Sim sinhá.


Lorena se afasta e entra na mata. Brázia olha para o cocheiro, que acende um cigarro.


CENA 07. CASCATA DO ALTO DA GARGANTA. EXTERIOR. DIA.


Assírio, agachado e absorto, atira pedras no riacho. Lorena aparece e ele se levanta. Aos poucos eles vão se aproximando como que hipnotizados. Ficam um tempo se olhando, frente a frente, extasiados.


              ASSÍRIO                    ¾ Senhorinha...


              LORENA                    ¾ Senhor...


Ela lhe oferece a mão. Ele encosta os lábios docemente em sua mão, fazendo-a tremer.


              ASSÍRIO                    ¾ Tive dúvidas se realmente viria.


LORENA                               ¾ Não me pergunte por que vim, Senhor. Às vezes penso que estou louca.


ASSÍRIO                    ¾ Não parei de pensar na senhorinha desde o momento em que nos conhecemos e trocamos algumas palavras neste recanto.


Ela se afasta, envergonhada.


ASSÍRIO                    ¾ Por isso me atrevi a lhe escrever aquele bilhete. Não sei se fui demasiado atrevido. Se fui, rogo seu perdão.


LORENA                    ¾ (ENCARANDO-O) Confesso que também pensei no meu anjo salvador. E suas palavras no bilhete pareciam ter partido realmente de um anjo. Decerto foi por isso que vim. Senti-me inebriada por algo que então desconhecia. Estou confusa, Senhor.


ASSÍRIO                    ¾ (APROXIMANDO-SE) Também me sinto embriagado e confuso com tudo isso. Mas sei que estou sendo impulsionado por algo muito maior. Algo que me assusta e ao mesmo tempo me atrai de forma irresistível...


Aos poucos Assírio vai aproximando seus lábios dos lábios de Lorena. Eles se beijam docemente.


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1° INTERVALO COMERCIAL


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CENA 08.CASCATA DO ALTO DA GARGANTA. EXTERIOR. DIA.


Continuação imediata da cena anterior. Assírio e Lorena estão perdidos num doce e longo beijo. Lorena interrompe o beijo e se afasta, sem acreditar no que acabou de fazer.


              ASSÍRIO                    ¾ Senhora...


              LORENA                                                                                                                     ¾ Por favor, Senhor. Não diga nada. Não sei o que estou fazendo e não sei que força me incitou a cometer tal insanidade, mas sei que não estamos agindo corretamente. Sou uma moça de família e tenho que estar atenta para que minha honra não fique sob suspeição.


              ASSÍRIO                    ¾ Eu jamais duvidaria de sua honra, senhorinha.


              LORENA                    ¾ Tenho certeza que não. Mas esse não seria o pensamento de minha família e do restante da sociedade. Preciso ir.


              ASSÍRIO                    ¾ Mas já? Nem tivemos tempo de conversar.


              LORENA                    ¾ Utilizei-me de um expediente para vir ao seu encontro e com o auxílio de minha prima. Não quero que sua honra também seja arriscada caso a vejam sozinha na cidade.


              ASSÍRIO                    ¾ Poderemos nos ver novamente?


              LORENA                    ¾ Não poderemos continuar nos encontrando dessa forma. Eu ao menos sei quem o senhor é, seu nome...


              ASSÍRIO                    ¾ Se é esse o problema estou disposto a dizer quem sou agora mesmo, senhorinha. Sou um homem de bem. E depois do que acabou de acontecer, não acredito que haja a necessidade de segredos entre nós.


Brázia aparece.


              BRÁZIA                     ¾ Vamo embora, Sinhazinha Lorena. O pai de vosmecê mata a gente.


              LORENA                    ¾ Receio que terá que revelar seus segredos em outro momento. Tenho que ir.


              ASSÍRIO                    ¾ Quando e onde poderemos nos ver novamente?


              LORENA                    ¾ Amanhã haverá um almoço na Fazenda Mata Cavalos, de propriedade de meus tios, em festejo ao fim da Guerra do Paraguai. A fazenda fica aqui perto, todos conhecem. Envie uma mensagem e virei ao seu encontro. Adeus.


Lorena e Brázia partem apressadas.


              ASSÍRIO                    ¾ Até amanhã, senhorinha, até amanhã!


Lorena ainda olha mais uma vez de longe para ele e segue seu caminho. Assírio está louco de paixão.


CENA 09. SERRA DOS CAVALOS. EXTERIOR. ANOITECER.


Um STOCK-SHOT do anoitecer na região da Serra dos Cavalos.


CENA 10. VIVENDA DO BARÃO. EXTERIOR. NOITE.


Só para localizar.


CENA 10. VIVENDA DO BARÃO. SALÃO DE VISITAS. INTERIOR. NOITE.


Guilherme e Ercília conversam.


              ERCÍLIA                    ¾ Você tem certeza, meu filho?


              GUILHERME             ¾ Absoluta, mamãe. Ele perdeu muito dinheiro ontem nas mesas de pôquer do Hotel Francês. Todos viram. Foi o assunto do dia por toda a cidade.


              ERCÍLIA                    ¾ Deus meu, que vergonha! Quando isso vai parar?


              GUILHERME             ¾ Quando estivermos na bancarrota. Ou a senhora tem alguma dúvida, minha mãe?


              ERCÍLIA                    ¾ A nossa situação é tão ruim assim?


              GUILHERME             ¾ Grande parte de nossos bens já foram perdidos ou empenhados em pagamento a dívidas. E o pior é que ele não me revela tudo. Tenho certeza de que existem dívidas bem maiores que não são do meu conhecimento.


              ERCÍLIA                    ¾ Se eu pudesse fazer alguma coisa, meu Deus. Mas seu pai não me ouve e eu sou apenas uma mulher. Devo obediência ao meu marido, por pior que as coisas estejam.


              GUILHERME             ¾ Agora não só Sebastião Strauss o chama pela alcunha de Barão de Serra Nenhuma, mas toda a cidade. Nos transformamos em motivo de chacota. Minha vontade era sumir daqui para não ter que enfrentar piadas e comentários diários sobre o vício da jogatina ao qual meu pai se entregou.


              ERCÍLIA                    ¾ Não diga isso, meu filho. Por mais que Felipe esteja agindo de forma inconseqüente, ele é seu pai. Ainda temos um brasão e um nome a zelar.


              GUILHERME             ¾ E de que nos servirá um nome e um título nobiliárquico se não tivermos um tostão para manter a vivenda, a escravaria e nossas necessidades mais básicas? Não tem medo que ele acabe pondo a perder até mesmo o dote de Lorena?


              ERCÍLIA                    ¾ Filho! Isso nunca!


              GUILHERME             ¾ Pense no que será de Lorena caso comecem a correr pela cidade boatos de que não há mais fortuna na casa da família Castro. Então só restará a ela destino semelhante ao das moças enjeitadas, compradas por comerciantes ricos no Asilo de Órfãos.


              ERCÍLIA                    ¾ Guilherme, por Deus, não repita uma coisa horrível como essa nunca mais. Não permita que a revolta envenene o seu espírito, meu filho. Precisamos ter fé. Precisamos acreditar que esse pesadelo vai acabar.


              GUILHERME             ¾ Então comece a rezar, minha mãe. Reze muito. Porque eu já cansei de pedir e esperar por um milagre. Com licença.


Guilherme sai. Ercília está desesperada com aquela situação.


CENA 11. PALACETE STRAUSS. EXTERIOR. NOITE.


Só para localizar.


CENA 12. PALACETE STRAUSS. GABINETE DE SEBASTIÃO. INTERIOR. NOITE.


Sebastião folhea um livro com ilustrações de pinturas, enquanto Assírio está pensativo, deitado num canapé.


              ASSÍRIO                    ¾ Meu pai...


              SEBASTIÃO              ¾ Sim?


              ASSÍRIO                    ¾ Conheci uma moça da cidade esses dias...


SEBASTIÃO                          ¾ E daí? Acredito que tenhas conhecido muitas em todo esse tempo que permaneceu na Europa.


ASSÍRIO                    ¾ Sim, conheci muitas. Mas desta vez é diferente.


SEBASTIÃO              ¾ Diferente como?


ASSÍRIO                    ¾ Não paro de pensar nessa moça um só minuto desde que a vi. Acho que estou apaixonado.


SEBASTIÃO              ¾ Ficar apaixonado na sua idade é muito comum e costuma acontecer pelo menos cinco vezes ao ano.


ASSÍRIO                    ¾ Estou falando sério, meu pai. Por que não acredita?


SEBASTIÃO              ¾ Essa moça é negra ou branca?


ASSÍRIO                    ¾ Branca.


SEBASTIÃO              ¾ Pois bem. Essa moça branca pela qual crê estar apaixonado já sabe de quem você é filho?


Um tempo.


              ASSÍRIO                    ¾ E que importância isso tem?


SEBASTIÃO                          ¾ Ora, Assírio, não banque o tolo porque essa máscara não lhe cai bem. Se estivesse na Europa talvez não representasse importância alguma, principalmente com o rosto e a fortuna que você possui. Mas aqui em Serra dos Cavalos a conversa é outra, meu filho.


ASSÍRIO                    ¾ É tão detestado assim?


SEBASTIÃO              ¾ Não. Para o seu governo até que sou muito benquisto. Mas o preconceito é algo muito forte e difícil de ser esquecido, mesmo que o alvo esteja coberto de ouro e das melhores virtudes. Travar relações sociais com um negro que ascendeu profissionalmente e adquiriu estofo intelectual não é mais algo do outro mundo. Mas misturar-se com um negro em laços consangüíneos ainda é um tabu. Certamente se essa moça branca de quem fala for pobre, não haverá maiores problemas. A pobreza torna o ser humano mais humilde e maleável, principalmente diante das diferenças. Mas se ela pertencer a uma família aristocrática, prepare-se para o que terá de enfrentar caso esteja realmente apaixonado e disposto a tê-la como sua esposa.


ASSÍRIO                                ¾ Às vezes me pergunto se o senhor não tem uma visão demasiadamente pessimista sobre esse tema. O mundo está mudando, meu pai. E as pessoas também.


SEBASTIÃO              ¾ É mesmo? E por que ainda não contou a essa moça que é filho do negro de ranço europeu que vive neste palacete? Sei que ainda não contou. Estou equivocado?


ASSÍRIO                    ¾ Não tive oportunidade, só isso.


SEBASTIÃO              ¾ Escute, Assírio. Tenha sua mãe como exemplo. Paulina era uma mulher independente, seguidora de idéias feministas e a frente de seu tempo. Passou a vida inteira na Europa, cercada de artistas e intelectuais da melhor cepa. Ela era uma artista, tinha fortuna e podia fazer o que bem quisesse. Não havia pai, mãe, irmãos, ninguém para quem dar satisfações a respeito de seus atos. Mesmo assim ela pagou um preço alto por ter decidido unir-se ao um ex-escravo oriundo da Guiné. Inteligente com era, Paulina sabia que haveria um preço e se prontificou a pagá-lo. Sei que é impossível mandar no próprio coração e que existem coisas que irremediavelmente ocorrerão em nossas vidas, quer queiramos ou não. Como pai, não gostaria de vê-lo sofrer. Mas se uma tormenta estiver em seu destino, a receba tendo em mente se valerá o preço a pagar. Do contrário, fuja. Para o seu próprio bem.


Assírio olha pensativo para o retrato de Paulina sobre a lareira.


CENA 13. VIVENDA DO BARÃO. QUARTO DE LORENA. INTERIOR. NOITE.


Lorena e Fabíola conversam.


              FABÍOLA                   ¾ Ele a beijou na boca? Santo Deus!


              LORENA                    ¾ Fale baixo. (...) Sei que foi uma loucura.


FABÍOLA                              ¾ Sim. És louca, Lorena. Louca de pedra. Beijar um desconhecido na boca, meu Deus!... E como foi?


LORENA                    ¾ Foi lindo, Fabíola. Foi a coisa mais bonita que já me aconteceu. Foi como um sonho, mas um sonho real. Foi como nos romances. Ai, meu Deus... Estou trêmula até agora.


FABÍOLA                   ¾ Temo por tua reputação. Tens certeza de que ninguém os viu?


LORENA                    ¾ Sei que corri riscos, mas não me arrependo. Acho que faria tudo novamente, Fabíola.


FABÍOLA                   ¾ Mesmo não sabendo quem de fato é esse homem?


LORENA                    ¾ Ele ia me dizer, se não fosse Brázia a chegar para atrapalhar tudo. Mas eu lhe disse que amanhã estaria na Mata Cavalos.


FABÍOLA                   ¾ Lorena, amanhã todos estarão lá. Teu pai, tua mãe, Guilherme. Não deverias te arriscar. Imagine se és pega?


LORENA                    ¾ Se amanhã ele me enviar uma mensagem, irei ao seu encontro na cascata. Eu preciso saber quem é esse homem. O homem por quem estou perdidamente apaixonada, Fabíola.


Fabíola se assusta com a confissão da prima.


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2° INTERVALO COMERCIAL


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CENA 14. FAZENDA MATA CAVALOS. EXTERIOR. AMANHECER.


O dia amanhece na Fazenda Mata Cavalos.


CENA 15. FAZENDA MATA CAVALOS. SENZALA. EXTERIOR. DIA.


Balduíno toca o sino de boca larga. O som ecoa por toda a fazenda.


CENA 16. FAZENDA MATA CAVALOS. SENZALA. INTERIOR. DIA.


Os escravos vão acordando ao som das badaladas do sino e levantando de suas tarimbas feitas de tábuas e cobertas de esteiras.


CENA 17. FAZENDA MATA CAVALOS. SENZALA. EXTERIOR. DIA.


Balduíno continua tocando o sino, enquanto os escravos saem da senzala sob o olhar atento de Inocêncio. Leão e Honório saem da senzala.


              LEÃO                         ¾ (CANTAROLANDO) O diacho do bembo me acordou.


              HONÓRIO                                                                                                                  ¾ (CANTAROLANDO) Num tem tempo nem pra botoá camisa, diacho do bembo.


              INOCÊNCIO                                                                                                              ¾ E escravo precisa lá de camisa? Vão logo se lavar, seus cantadores, que o dia pra vocês vai ser longo.


Leão e Honório se aproximam do tanque, onde Nuno, Sátiro, Emiliano, Silvestre e outros escravos molham o rosto, a cabeça e friccionam os braços, pernas e tornozelos. Turco os vigia de perto.


               HONÓRIO               ¾ (CANTAROLANDO) O diacho do bembo me acordou.


               ESCRAVOS             ¾ (CANTAROLANDO) O diacho do bembo me acordou.


               LEÃO                        ¾ (CANTAROLANDO) Num tem tempo nem pra botoá camisa, diacho do bembo.


               ESCRAVOS              ¾ (CANTAROLANDO) Num tem tempo nem pra botoá camisa, diacho do bembo.


E continuam se lavando.


         CENA 18. FAZENDA MATA CAVALOS. SENZALA. EXTERIOR. DIA.


Sob a vigilância de Balduíno e Odorico, os escravos pegam as enxadas e as foices penduradas no beiral. Sátiro, Silvestre, Nuno e Emiliano encaram os capatazes de forma desafiadora ao pegarem suas ferramentas para o trabalho na lavoura.


CENA 19. FAZENDA MATA CAVALOS. CASA GRANDE. EXTERIOR. DIA.


Arcanjo sobe a escadaria que leva a varanda, onde estão Diogo e Geronça.


              ARCANJO                 ¾ Dia, D. Diogo. Dia, Sinhá Geronça.


              DIOGO                       ¾ Já estão todos prontos para a formatura?


              ARCANJO                 ¾ Sim senhor.


O terreiro está cheio de escravos, alguns de pé, formando fila, e outros acocorados. Balduíno, Inocêncio, Turco e Odorico montam guarda na frente e na retaguarda. Da varanda Arcanjo faz um sinal para Balduíno, que acena com a cabeça para Auta. Um tempo.


              AUTA                         ¾ Bendito-Seja-Nosso-Senhor-Je-sus-Cristo.


              ESCRAVOS               ¾ Nosso Senhor Jesus Cristo.


Nem todos os escravos acompanham a reza, entre eles Aurélia, Nuno, Silvestre, Sátiro e Emiliano. O semblante dos cinco evidencia revolta e amargura.


              DIOGO                       ­¾ (DA VARANDA) Seja Ele Sempre Louvado.


Nuno, Silvestre, Emiliano e Sátiro se entreolham. Aurélia acaricia sua mão ferida. Eles detestam Diogo e Geronça.


              BALDUÍNO               ¾ Atenção pra formatura!... Auta...


              AUTA                         ¾ Sim sinhô.


              BALDUÍNO               ¾ Casimira.


              CASIMIRA                ¾ Sim sinhô.


              BALDUÍNO               ¾ Leão.


              LEÃO                         ¾ Aqui.


              BALDUÍNO               ¾ Benedita.


              BENEDITA                ¾ Tô aqui.


              BALDUÍNO               ¾ Emiliano...


E continua a chamada. Corta para a varanda.


              DIOGO                                                                                                                        ¾ Assim que todas as ordens forem dadas e os trabalhos distribuídos, os escravos de dentro vão começar a arrumar a mesa no terreiro. Precisarei de ti e de mais um capataz aqui na casa-grande durante todo o almoço. Virá muita gente e não quero ter surpresas.


              GERONÇA                ¾ Têm sido freqüentes as fugas em fazendas e engenhos de todo o país, sobretudo em nossa região. Por isso a segurança dos escravos que estarão nos cafezais não pode ser negligenciada, mesmo que tu não estejas por lá.


              ARCANJO                 ¾ Não se preocupe, Sinhá. Turco fica comigo aqui na fazenda. Balduíno, Inocêncio e Odorico vão saber cuidar dos negros na lavoura. Já disse pros três que atire no primeiro que se atrever a tentar fugir. Principalmente se forem os irmãos capoeira.


Diogo olha rapidamente para os irmãos capoeira: Nuno, Sátiro, Silvestre e Emiliano.


              DIOGO                       ¾ Mas não vá me matar nenhum escravo sem necessidade, Arcanjo. Eles custam dinheiro.


              ARCANJO                 ¾ Sim senhor.


CENA 20. FAZENDA MATA CAVALOS. TERREIRO. EXTERIOR. DIA.


Aurélia, Nuno, Emiliano, Sátiro e Silvestre comem angú acocorados no chão.


              NUNO                        ¾ Sinhá Geronça num pode sê gente, aquilo é bicho.


              AURÉLIA                   ¾ Bicho só ataca pra comer ou pra se defender.                       Ela é pior que bicho. Ela e o marido.


              EMILIANO                ¾ E inda somo obrigado a repetir reza de branco de manhã cedo.


              AURÉLIA                   ¾ Pois eu num repito uma palavra. Queria tanto tá com ocês no cafezal. Aí num ia ter de olhá pra cara daquela bruxa.


              SÁTIRO                     ¾ Lida no cafezal num é moleza não, Aurélia. Já vi mulhé feito ocê desmaiá debaixo do sol quente. Te asseguro que é bem mió o trabalho na casa-grande.


              SILVESTRE               ¾ Inda dói muito?


              AURÉLIA                   ¾ Um pouco. Mas dói mais é na alma.


Arcanjo se aproxima.


              ARCANJO                 ¾ Se tão de conversê é porque já acabaram de comer. Os quatro deixem de vadiagem e vão ajudar os outros a carregar as gamelas com a refeição do dia. Andem!


Nuno, Silvestre, Emiliano e Sátiro saem.


              ARCANJO                 ¾ E tu, Aurélia. Não pense que vai ficar de vida mansa só porque tá com a mão doente. Hoje tem trabalho de sobra na casa-grande por causa do almoço que D. Diogo e Sinhá Geronça vão dá. E eu vou ficar o dia inteirinho por aqui.


Aurélia vai saindo, mas ele a segura pelo braço.


              ARCANJO                 ¾ Se tu quiser, convenço Sinhá Geronça a te dá um dia de descanso. É só tu prometer que de noite me faz uma visita em meu quarto, cheirosa.


              AURÉLIA                   ¾ (ENOJADA) Prefiro que Sinhá Geronça me estrague a outra mão.


Ela se desvencilha e sai. Arcanjo ri descaradamente.


CENA 21. FAZENDA MATA CAVALOS. CASA GRANDE. EXTERIOR. DIA.


A varanda, o jardim e o terreiro da casa-grande estão cheios de convidados. Muitos passeiam, enquanto outros comem, bebem e conversam animadamente. Uma grande mesa repleta de iguarias está à disposição de todos em frente ao jardim, enquanto Casimira, Leão, Honório e Aurélia desfilam com bandejas com refrescos. Estão no almoço a família Castro, a família Castilhos, a família Chevalier, Eugênio, Álvaro, Tenório, Padre Ovídio, Alcmena, Abílio, Úrsula, Mariana, a mucama Brázia, a escrava Badira e demais convidados da cidade na pele de figurantes.


CENA 22. FAZENDA MATA CAVALOS. CASA GRANDE. EXTERIOR. DIA.


Álvaro, Eugênio, Tenório, Tobias e Manoel conversam perto da casa-grande.


               ÁLVARO                   ¾ Viram só o tamanho da senzala? Pode ser vista de longe.


               EUGÊNIO                  ¾ Não é para menos. D. Diogo tem no mínimo oitenta escravos.


TOBIAS                      ¾ E pelo que sei todos dormem juntos na senzala, inclusive os escravos de dentro. Há quatro capatazes, além do feitor.


TENÓRIO                  ¾ Só vi um até agora, sempre ao lado do feitor Arcanjo.


EUGÊNIO                  ¾ Que nome para um feitor. E este, é o que dizem, tem caráter da pior espécie. Os outros capatazes devem estar no cafezal acompanhando o trabalho. Todos andam armados até os dentes.


MANOEL                   ¾ Ouvi D. Diogo comentar com meu pai que aumentaram a vigilância na propriedade após as notícias de fugas em massa nas fazendas e engenhos da região. Pareceu-me bastante temeroso.


TENÓRIO                  ¾ E a tal casa de pedra? Precisamos encontrá-la e entrar lá.


ÁLVARO                    ¾ Tenho certeza que deve ficar perto da senzala. Tentei bater pernas por lá, mas o feitor logo apareceu dizendo que não havia nada para ver ali. Sim, eles estão temerosos. Vêem o perigo em toda parte.


TOBIAS                      ¾ Precisamos encontrar a casa de pedra. Se ela realmente existe, é lá que os escravos são torturados e onde muitos já foram mortos. Dizem que a chamam de Polé.


MANOEL                   ¾ Mas é necessário cautela. Não podemos permitir que surjam suspeitas a nosso respeito, muito menos aqui na cova dos lobos.


TENÓRIO                  ¾ E sua esposa e filha, Eugênio? Por que não as trouxe?


EUGÊNIO                  ¾ Os avós de Mônina foram escravos nesta fazenda. A Mata Cavalos não seria um bom passatempo para ela e nem para minha filha.


CENA 23. FAZENDA MATA CAVALOS. VARANDA. INTERIOR. DIA.


Lorena e Fabíola conversam com Alcmena.


ALCMENA                ¾ Lorena, não me canso de olhar para seu vestido. É de muito bom gosto. O seu também Fabíola. As cores lhe caem muito bem.


LORENA                    ¾ Ambos foram feitos por D. Úrsula. Ela tem um corte primoroso.


FABÍOLA                   ¾ O seu é igualmente formoso, Alcmena.


ALCMENA                ¾ Ai de mim. Titio pegou a terrível mania de encontrar pecado em toda e qualquer vaidade feminina. Eu mesma sou obrigada a costurar todo o meu vestuário. Titio diz que enquanto costuro não perco tempo com o que é mundano. Nem com romances ou namoros.


FABÍOLA                   ¾ Sei.


ALCMENA                ¾ Olhem quem está ali. É Alcina, minha amiga. Com licença, vou cumprimentá-la.


Alcmena sai.


               FABÍOLA                   ¾ Não acha a sobrinha do padre meio linguaruda?


               LORENA                    ¾ Arre, Fabíola! Alcmena é comunicativa, apenas isso.


               FABÍOLA                   ¾ E seu anjo salvador? Deu alguma notícia?


               LORENA                    ¾ Até agora nada.


               FABÍOLA                   ¾ Será que ele enviará outro bilhete amoroso?


               LORENA                    ¾ Tremo só de pensar.


As duas se abanam com seus leques, excitadíssimas.


CENA 24. FAZENDA MATA CAVALOS. SALA DE VISITAS. INTERIOR. DIA.


Felipe anda pela sala bisbilhotando tudo. Diogo aparece e o observa por um tempo sem que Felipe perceba.


               DIOGO                       ¾ Barão da Serra...


Felipe se volta para ele. Um tempo.


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3° INTERVALO COMERCIAL


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CENA 25. FAZENDA MATA CAVALOS. SALA DE VISITAS. INTERIOR. DIA.


Continuação imediata da cena anterior. Diogo e Felipe frente a frente.


              FELIPE                       ¾ D. Diogo Ribeiro Vilhena. Espero que não me tome por um invasor. Sua esposa permitiu que eu repousasse um instante longe da algazarra dos convidados. Em decorrência do meu problema na perna, me canso com facilidade.


              DIOGO                       ¾ Minha esposa e a sua têm o mesmo sangue. Não são necessárias tantas formalidades entre nós.


              FELIPE                       ¾ Contudo não resisti a minha mania de bisbilhotar artefatos alheios. Tem ótimas peças por aqui. E de muito bom gosto.


              DIOGO                       ¾ Decerto não são melhores das que o Sr. Barão possui em sua vivenda. Sei que é um colecionador contumaz, exatamente como meu filho Floriano. A maioria desses objetos pertencem a ele. Eu e Geronça não damos muita importância as artes. Somos mais ligados a terra, se é que me entende.


              FELIPE                       ¾ E como anda Floriano? Há muito que não o vejo. Se não me engano deve estar com a mesma idade de Guilherme.


              DIOGO                       ¾ Esta aí outro ponto em que eu e meu filho não nos identificamos. Floriano está na Corte estudando Engenharia, ao passo que deveria estar aqui, ao meu lado, sendo preparado para me substituir na administração da Mata Cavalos.


              FELIPE                       ¾ Não possuo tantos objetos de arte como pensa. Meu vício continua sendo a filatelia, hábito que herdei de meu pai.


              DIOGO                       ¾ Soube que andou se desfazendo de parte de sua coleção de selos raros. Para sanar dívidas de jogo. Perdão, temo que seja um outro vício de sua pessoa que esqueceu de enumerar.


              FELIPE                       ¾ Mesmo que não acredite, Diogo, folgo em vê-lo novamente. Porém o seu mal continua sendo interferir em assuntos que não lhe dizem o menor respeito.


              DIOGO                       ¾ Interfiro porque sei da vergonha que seu mergulho na jogatina tem causado a minha cunhada e aos meus sobrinhos. Não tem medo de que sua má reputação influa na negociação de um bom casamento para Guilherme e Lorena?


              FELIPE                       ¾ Não toque no nome de meus filhos. Principalmente no de Lorena. Ou pensa que não sei que o senhor e sua mulher não fazem outra coisa senão tentar seduzi-la com as constantes visitas a esta fazenda?


              DIOGO                       ¾ O que quer insinuar? Temos Lorena como a uma filha.


              FELIPE                       ¾ Lorena já tem um pai e uma mãe. Não tenho culpa se seu filho os abandonou e foi viver na Corte com esse pretexto ridículo de cursar uma faculdade. Floriano não os suporta, isso sim. Todos sabem que ele é um abolicionista convicto.


              DIOGO                       ¾ Escute aqui, Felipe de Castro...


              FELIPE                       ¾ Barão. Barão da Serra. Um título honorífico ainda vale alguma coisa neste país, D. Diogo Ribeiro Vilhena.


Geronça e Ercília entram.


              ERCÍLIA                    ¾ Senhores, o que está acontecendo?


              GERONÇA                ¾ Não vê, minha irmã? Estão em guerrilha novamente.


              FELIPE                       ¾ É esse seu marido, sempre achando que pode dar palpites na minha vida e na vida de minha família. Em minha casa todos rezam pela minha cartilha e ponto final. Quer gostem ou não.


              DIOGO                       ¾ Seu orgulho ainda vai matá-lo, Felipe. Ouça o que digo.


              GERONÇA                ¾ Parem já com isso. Ou querem que todos presenciem esse escândalo? Parecem duas crianças.


Lorena e Fabíola entram. Silêncio total. Um tempo.


              LORENA                    ¾ Espero que não estejamos interrompendo nada.


              GERONÇA                ¾ Claro que não, minhas queridas. Estávamos justamente falando a seu respeito, Lorena. Acredito que já é hora de revelarmos uma surpresa.


Ercília e Felipe se entreolham sem nada entender.


              LORENA                    ¾ Surpresa? Que surpresa?


              GERONÇA                ¾ É fato para todos que se aproxima o dia em que completarás teus quinze anos. Como sabemos que teu pai passa por um período delicado em relação a suas finanças, resolvemos, eu e teu tio, presenteá-la com um baile.


              LORENA                    ¾ Um baile? Eu terei um baile de quinze anos?


              GERONÇA                ¾ No qual, como é de praxe, serás apresentada a sociedade de Serra dos Cavalos como a mais nova dama em vias de contrair matrimônio. Um baile como nunca se viu antes nesta cidade.


Lorena corre esfuziante em direção ao pai e o abraça. Felipe está sem reação.


              LORENA                    ¾ Ah, meu pai. Então quer dizer que concordaste? Sei que o senhor e meu tio Diogo vivem as turras, mas não sabe o quanto estou feliz por terem se dado uma trégua em minha consideração. Também sei o quanto tem sido penoso para o senhor todos esses falatórios sobre nossa condição financeira e que não deve estar sendo fácil aceitar esse presente. Nunca esquecerei esse ato de nobreza e carinho que estás me dedicando, meu pai.


Geronça e Ercília se entreolham satisfeitas. Felipe continua sem reação. Lorena abraça o tio.


              LORENA                    ¾ Obrigado, meu tio. Estou tão contente.


              DIOGO                       ¾ Não é necessário agradecer, minha querida. Teu contentamento já é em si a recompensa que eu e tua tia desejávamos. Será um baile a altura de uma figura tão encantadora como tu. Sabes o quanto tua presença nesta fazenda tem sido um bálsamo para nós.


              FABÍOLA                   ¾ Ai, sinto-me embargada de tanta emoção. Será uma ocasião memorável o teu aniversário, minha prima. Faço questão de ajudar em tudo, principalmente na decoração da fazenda.


              FELIPE                       ¾ O baile será em minha casa, já está decidido. Disso não abro mão. Alguma discordância neste sentido, senhor?


              DIOGO                       ¾ Está bem. O baile ocorrerá na vivenda do Barão da Serra e com o patrocínio total dos Ribeiro Vilhena.


              GERONÇA                ¾ Agora vamos todos almoçar. Também proponho um brinde.


Geronça, Diogo, Lorena e Fabíola saem. Ercília se aproxima de Felipe.


              ERCÍLIA                    ¾ Sei que não está satisfeito com toda essa situação. Mas é primordial que o bem estar de Lorena esteja acima de todos os impasses que possam existir entre o senhor e Diogo. Nossa filha sempre sonhou com esse baile e não poderíamos proporcioná-lo a ela. Bem sabes de nossa condição.


              FELIPE                       ¾ O que sei é que nunca esquecerei o embaraço e a humilhação que sua irmã e seu cunhado acabaram de me imputar, D. Ercília. E com sua total conivência.


              ERCÍLIA                    ¾ Mas senhor...


              FELIPE                       ¾ Vais dizer que não sabias dessa armadilha?


              ERCÍLIA                    ¾ Não, não sabia. Mas louvo a nobreza da atitude de minha irmã e de meu cunhado. No entanto não posso dizer o mesmo de sua conduta, senhor, levando nosso nome ao escárnio público diante de toda a sociedade de Serra dos Cavalos. Isso sim deveria causar-lhe embaraço.


Felipe segura Ercília violentamente pelo pulso.


              FELIPE                       ¾ Não sei onde estou com a cabeça para não quebrar-lhe a cara lá fora, diante de todos. Onde encontrou coragem para dirigir-se a mim de forma tão insolente, D. Ercília?


              ERCÍLIA                    ¾ Senhor... está me machucando...


              FELIPE                       ¾ Escute bem, senhora. Nunca mais se atreva a criticar-me novamente. Nunca mais, entendeu? Entendeu?


              ERCÍLIA                    ¾ Sim senhor...


Felipe a solta e sai. Ercília fica ali, assustada, sentindo muita dor no pulso.


CENA 26. FAZENDA MATA CAVALOS. CASA GRANDE. EXTERIOR. DIA.


Álvaro, Lorena, Fabíola e Manoel conversam.


              MANOEL                   ¾ Um baile? Mas isso é formidável, principalmente se tratando de teu aniversário, Lorena.


              LORENA                    ¾ E desde já se sintam convidados.


              ÁLVARO                   ¾ Não sei se o barão ficará muito satisfeito com minha presença em sua vivenda. Ele não me suporta.


              LORENA                    ¾ Papai tem lá suas razões, Álvaro. Adoras provocar a sociedade conservadora de Serra dos Cavalos com teus artigos escandalosos. Mas não creio que ele se importará com tua presença em nossa casa.


              FABÍOLA                   ¾ Contudo é bom não abusarmos da paciência de titio. Ah! Estou tão excitada com esse baile. Há tempos que não temos um na cidade. Daqui a pouco não se falará em outra coisa.


Aurélia se aproxima com uma bandeja com refresco. Todos se servem. Álvaro vê a mão machucada da escrava.


               ÁLVARO                   ¾ O que houve com sua mão?


Lorena e Fabíola se entreolham assustadas. Aurélia não sabe o que dizer.


 


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4° INTERVALO COMERCIAL


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CENA 27. FAZENDA MATA CAVALOS. CASA GRANDE. EXTERIOR. DIA.


Continuação imediata da cena anterior.


              AURÉLIA                   ¾ Licença.


Aurélia se afasta apressadamente.


              MANOEL                   ¾ Que ferimento horrível!


              ÁLVARO                   ¾ O que ou quem terá causado aquilo?


Lorena e Fabíola se entreolham novamente.


              LORENA                                                                                                                     ¾ Com licença, rapazes. Preciso ter com minha mãe um instante. Acompanha-me, Fabíola?


              FABÍOLA                   ¾ Com muito gosto.


Elas saem.


              MANOEL                   ¾ Percebeu como ficaram atordoadas com a presença da escrava? Elas sabem de algo, meu amigo.


              ÁLVARO                   ¾ Não tenho dúvidas de que o ferimento na mão da escrava é resultado do tratamento que D. Diogo atribui aos seus cativos. Precisamos descobrir a verdade e denunciá-lo diante de todos.


CENA 28. FAZENDA MATA CAVALOS. CASA GRANDE. EXTERIOR. DIA.


Lorena e Fabíola conversam.


              FABÍOLA                   ¾ A visão do ferimento de Aurélia estragou-me o dia.


LORENA                    ¾ Concordo que não é das melhores visões, mas temos que nos controlar. Álvaro e Manoel perceberam nosso constrangimento.


FABÍOLA                   ¾ Achas mesmo?


LORENA                    ¾ Não acho, tenho certeza. E ávido como anda Álvaro em busca de provas para denegrir a imagem dos senhores de escravos da região, o incidente com Aurélia servir-lhe-ia como um prato cheio aos seus objetivos.


CENA 29. FAZENDA MATA CAVALOS. CASA GRANDE. EXTERIOR. DIA.


Álvaro, Manoel, Tobias, Eugênio e Tenório conversam.


              EUGÊNIO                  ¾ O ideal seria se conseguíssemos convencer a escrava a nos contar como e quem a machucou. É óbvio que foi um castigo.


              TENÓRIO                  ¾ Ela nunca dirá. Principalmente aqui sob a vigilância de todos. Além disso, acho que não devemos nos expor. Não viemos aqui para isso. Nossa missão seria estudarmos o local, além de formas de invadir a fazenda e nos precavermos dos capatazes durante uma futura empreitada por essas bandas.


              TOBIAS                     ¾ Tenório tem razão. E acostumados como todos estão a presenciarem as maldades que são cometidas contra os negros, quem aqui ficaria horrorizado com a mão machucada de uma escrava? Alguns achariam até muito normal, acreditem.


              ÁLVARO                   ¾ Ah, ficariam horrorizados sim. E eu daria tudo para pôr mais lenha na fogueira provocando um escândalo público.


              TENÓRIO                  ¾ Não convém cutucarmos onça com vara curta.


              MANOEL                   ¾ Ih, lá vem Alcina.


Alcina se aproxima. Eles mudam de assunto.


              MANOEL                   ¾ O baile de aniversário de Lorena de Castro decerto será o acontecimento do ano em nossa cidade. Não tenho dúvidas.


              ALCINA                     ¾ Pelo que vejo já souberam do baile. Alcmena, com sua língua enorme, já tratou de espalhar a notícia a todos.


              TOBIAS                     ¾ Não está animada para o baile, maninha?


              ALCINA                     ¾ Como não? Mas no momento estou mais preocupada com o Cosmorama. Decerto já ouviram falar.


              TOBIAS                     ¾ Ah, o bendito Cosmorama.


              ALCINA                     ¾ Há dias que foi instalado na cidade e ainda não tive a oportunidade de visitá-lo. Não posso ir sozinha, é claro.


              ÁLVARO                   ¾ Eu a levarei.


              TENÓRIO                  ¾ (AO MESMO TEMPO) Eu a levarei.


              MANOEL                   ¾ (AO MESMO TEMPO) Eu a levarei.


              TENÓRIO                  ¾ Eu falei primeiro.


              MANOEL                   ¾ Estás enganado, Tenório. Eu falei primeiro.


              ÁLVARO                   ¾ Não se façam de bestas. Eu falei primeiro.


              ALCINA                     ¾ Bem, já que agora tenho três pedidos, precisarei de tempo para pensar. Mandarei notícias. Até mais ver, rapazes.


Alcina sai, deixando Manoel, Tenório e Álvaro com cara de bobos. Tobias e Eugênio riem.


CENA 30. CASCATA DO ALTO DA GARGANTA. EXTERIOR. DIA.


Assírio diante de Cipriano.


              ASSÍRIO                    ¾ Acho que já esperamos o suficiente.


Assírio retira um envelope do casaco e o entrega a Cipriano.


              ASSÍRIO                                                                             ¾ Entregue isto a mucama da Senhorinha Lorena de Castro na Fazenda Mata Cavalos. A casa deve estar cheia, mas tome cuidado para não ser visto. Retorne em seguida, mas tenha certeza de que ela realmente leu a minha mensagem.


              CIPRIANO                 ¾ Sim senhor.


Cipriano some na mata e Assírio está apreensivo.


CENA 31. FAZENDA MATA CAVALOS. TERREIRO. EXTERIOR. DIA.


Fabíola se serve de frutas na mesa do almoço. Tobias se aproxima e também se serve.


              TOBIAS                                                                               ¾ Percebi que uma das escravas da fazenda tem um ferimento grave numa das mãos. Sabe como ocorreu?


              FABÍOLA                   ¾ Não, Sr. Tobias. Como bem sabe, não vivo na Mata Cavalos.


              TOBIAS                     ¾ Sei. Mas a senhorinha e sua prima Lorena vêm aqui pelo menos uma vez por semana. Todos sabem. Bem, não quero que me tome por enxerido, mas deve saber que estudo Medicina na Corte. Tenho grande interesse nesses assuntos. Sabe se algum médico examinou a mão da escrava?


              FABÍOLA                   ¾ Infelizmente não sei. Com sua licença.


Fabíola sai sob o olhar atento de Tobias.


CENA 32. FAZENDA MATA CAVALOS. COZINHA. INTERIOR. DIA.


Auta, Benedita e Brázia trabalham sem parar.


              AUTA                         ¾ Benedita, leva mais aimpim frito pra mesa do terreiro.


              BENEDITA                ¾ (PEGANDO UM RECIPIENTE COM AIMPIM) Esse diacho desse almoço num vai acabá nunca não? Ô gente pra comer! Só num tem comida é pra gente nessa fazenda.


              AUTA                         ¾ Pára de reclamá e leva isso de uma vez. Essa daí pegou a mesma doença de Aurélia. Reclama dia e noite de tudo.


Benedita sai resmungando. Brázia se afasta para pegar algumas batatas e é surpreendida por Cipriano, que a puxa para um canto da cozinha.


               BRÁZIA                   ¾ Vassuncê aqui?


               CIPRIANO               ¾ Tenho um recado do meu patrão pra sua sinhazinha.


               BRÁZIA                   ¾ Sinhá Ercília me trouxe pra eu ajudá Auta na cozinha. Num vai me metê em confusão. Sinhá Lorena faz o que dá na telha e no final quem pode se dá mal sou eu. Escravo sempre se dá mal quando se mete em história de branco. Eu é que sei.


Cipriano põe a carta e algumas moedas nas mãos de Brázia.


               BRÁZIA                   ¾ Quanto tem aqui?


               CIPRIANO               ¾ Alguns réis, mas posso conseguir mais se fizer tudo como meu patrão mandar. Ele é muito rico e muito generoso.


               BRÁZIA                   ¾ Agora vai embora ou vão acabá pegando a gente aqui.


Cipriano sai e Brázia conta as moedas.


CENA 33. FAZENDA MATA CAVALOS. VARANDA. INTERIOR. DIA.


Lorena e Fabíola conversam.


              LORENA                    ¾ Tobias também?


              FABÍOLA                                                                            ¾ É como lhe disse. Todos estão a xeretar sobre o ferimento de Aurélia. Estou com medo. Sinto-me literalmente como se me colocassem contra a parede. É horrível ter que mentir.


              LORENA                    ¾ Também por que tia Geronça tinha que fazer aquilo com a escrava. Agora seria bem pregado para ela se todos descobrissem que trata os cativos como animais.


              FABÍOLA                   ¾ Seria um escândalo. Todos comentam a boca pequena que nossos tios são inclementes com a escavaria, mas o ferimento de Aurélia é uma prova contundente de que os boatos são verdadeiros. Não concordo com tudo isso, mas é o nome de nossa família que está em jogo. Não sei o que fazer, prima.


              LORENA                    ¾ Pois eu sei. Nos manteremos longe disso tudo. Fuja sempre que tentarem tocar no assunto sobre Aurélia. É o melhor a fazer diante das circunstâncias, acredite. Eu farei o mesmo.


Brázia entra.


              BRÁZIA                     ¾ Sinhazinha...


              LORENA                    ¾ Tem alguma mensagem para mim, Brázia?


Brázia entrega a carta a Lorena e sai rapidamente.


              FABÍOLA                   ¾ Volte aqui, Brázia.


              LORENA                    ¾ O que quer com ela?


              FABÍOLA                   ¾ Precisamos saber como ele faz para entregar as mensagens a ela, Lorena.


              LORENA                    ¾ Ora, Fabíola, e que importância tem isso? Deixe-a.


Lorena abre o envelope.


              FABÍOLA                   ¾ Vais ler aqui?


              LORENA                    ¾ Ninguém está prestando atenção em nós, Fabíola. Há gente demais aqui para meus pais imaginarem que posso estar flertando com um estranho.


Lorena se afasta e começa a ler sob o olhar atento de Fabíola. Lorena termina de ler e suspira.


              FABÍOLA                   ¾ E então? O que diz?


              LORENA                    ¾ É a mensagem que esperava. Ele está aguardando em nosso recanto na Cascata do Alto da Garganta.


              FABÍOLA                   ¾ Terás coragem? Teus pais e Guilherme estão por aí. E se derem por tua falta? O que direi a eles?


              LORENA                    ¾ Não te preocupes. A sede da fazenda está cheia. Se me procurarem diga que estou conversando com alguém, que fui me refrescar ou repousar num dos quartos da casa-grande. Invente qualquer coisa, Fabíola. Só não diga a verdade.


              FABÍOLA                   ¾ Temo por ti e por todos esses encontros às escondidas.


              LORENA                    ¾ Eu não temo nada. Hoje finalmente saberei o nome do meu anjo salvador. Saberei quem é o homem a quem já amo.


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FIM


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Autor(a): marcosrogerio

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