Fanfic: Minha vida é o inferno

Eu tinha um atestado que me livrava de todas as aulas de E.F., pois alguém poderia desconfiar de minhas força e velocidade um pouco acima do comum.

Infelizmente, desta vez, eu não me safei.

Iríamos apenas tirar nosso peso e altura, enquanto jogávamos o que quiséssemos. A maioria escolheu queimada.

O novato foi automaticamente registrado no grupo dos “ignorados”, cujo só eu pertencia. Alias, ele entrou nessa classe social porque falou comigo. Por isso, fomos os últimos a serem escolhidos nos times e ficamos com os com menos capacidade de ganhar.

Foi fácil desviar das bolas lançadas e jogá-las de volta, eu só tinha que controlar a força. Matheus também era bom nisso. Parecia estar se divertindo e dava um sorriso cada vez que acertava um. Estranho, eu também estava achando aquilo legal.

-Valuska! – chamou a professora do outro lado da quadra – Suba na balança! Um metro e cinqüenta e seis! Quarenta e oito quilos! Parece magra demais.

‘Não, você é que é gorda demais’ – pensei com meus botões.

-Matheus! Bem vindo à escola! Suba na balança! – ela examinou – Um metro e sessenta e sete Cinquenta quilos! Você também precisa engordar,  garoto!

Ele chegou perto de mim e cochichou:

-Essa loira pensa que gordura é tudo na vida.

A piada foi tão fraquinha, mas não deu para evitar. Eu ri, em... em... Ah, a primeira vez na vida!

Ouvir o som da minha própria risada me fazia querer rir mais. Pareciam sinos de vento tocando na brisa.

O sinal bateu, anunciando o fim da aula da gorducha. Voltamos para a sala rindo, toda a classe, e antes que eu percebesse, estava de mãos dadas com ele.

Percebi que rir dá um efeito macabro nas pessoas. Elas se aproximam de você e perdem o medo. Para quem é um pouco mais próximo é pior. Matheus estava em transe, sorrindo lindamente e encarando meus olhos esquisitos. Queria que o efeito da risada acabasse, ou que pelo menos o professor de história chamasse atenção para aquela muvuca.

O sinal bateu novamente, meia hora atrasado no meu ponto de vista. Como de costume, saí no segundo em que o professor liberou. Ninguém poderia seguir-me, ou então iria se arrepender pelo resto da vida. Bem, o que não duraria muito mais que isso.

Assim que alcancei o portão, Matheus me parou.

-Ei, aonde vai com tanta pressa?

-Ahn, para casa.

-E vai assim, sem me dizer um tchau?

-Ah. Tchau, Matheus.

-Boa menina – sussurrou. Pude ouvir mesmo com toda aquela bagunça em volta de nós. Então ele se agachou e me beijou. Tá, foi no rosto, mas o que vale é a intenção. – Tchau, Val.

Fiquei parada ali, feito uma idiota, no meio da multidão. Ele tinha me beijado! Quem ele achava que era? Ahrg, como ele podia...?

Passei pela rua principal, pensando em tudo aquilo. Era um dia quente, mas mesmo assim eu usava capuz e luvas para o Sol não me atingir. Não iria ser bacana se a luz viesse diretamente.

Se alguém me seguisse até o beco, iria perder-me de vista. Aquele lugar era escuro e seguro o suficiente para que eu possa correr como uma vampira. Saltei de muro em muro, até perto da represa, onde passam mais carros. Tive que me disfarçar de novo.

O parque era mais vazio a esta hora do dia, e as arvores bloqueavam o Sol, além de me ajudar a ir mais rápido. A viagem parece cansativa, mas não é. Ela sempre dura 10 minutos no máximo.

A casa de Radolph é simpática, de modo que os humanos nunca desconfiariam da monstruosidade que a habita. As janelas estão sempre fechadas, nenhuma luminosidade é bem vinda.

-Ei, Val, já chegou. – meu ‘pai’ não costumava fazer perguntas. Ele afirmava.

-É.

-Como foi a escola?

-Foi legal.

O vampiro deu uma careta. Mesmo eu convivendo com ele há 13 anos, nunca entendi a sua capacidade de ler emoções.

-Não é o que parece. Vamos, me conte o que houve. – em menos de um segundo ele já estava sentado na cadeira, indicando outra para que eu fizesse o mesmo.

Suspirei, teimosa.

-Tem... um garoto – ele assentiu – E, não sei, mas, parece que ele que ser meu amigo. Mas eu não posso ter amigos, porque depois do Ritual, eles nunca mais poderão me ver... E eu não quero machucar ninguém.

-Querida, você veio ao mundo amaldiçoada. Mas por mais que você não queira, ainda é humana.

-Quem disse que eu não queria?

Ele arqueou uma das sobrancelhas. Não, eu não estava duvidando de suas capacidades.

-Uma menina amaldiçoada. Que lindo.

-Eu também era um híbrido, querida. Existem vários no mundo.

Epa.

-Mas, você não foi mordido? Não nasceu normal?

-Há coisas neste mundo obscuro que você não entende. Você precisa crescer.

Ele não falou mais nada. Apenas levantou-se e continuou o seu trabalho.

Bufei alguma coisa e fui para meu quarto. Larguei minha mochila na cama e sentei-me no chão, brava.

Estantes cobertas de livros, cadernos e mais livros: este era o meu quarto. Armários recheados com roupas escuras, mas um vestido de seda branco. Era de minha mãe, assim como o colar de ouro. Era daqueles em forma de coração que tem uma foto dentro. Infelizmente, estava vazio.

Peguei um livro e tentei lê-lo, mas era difícil. Bocejei. Ser híbrida não significava que você não tinha que dormir.

Deitei na cama e fechei os olhos. Adormeci quase instantaneamente.

Não costumo sonhar, e nas raras exceções, é tudo escuro.  É, eu sei que você deve perguntar: ’Então como é que você sabe que está sonhando e não parada feito uma pedra que respira?’ Te respondo: sei sabendo.

Hoje foi diferente.