Fanfic: Mujeres

Era primavera; abril acabava de nascer e seu calendário já estava todo cheio de compromissos, com círculos em vermelho, setas e lembretes. Ou melhor: estava. Abril seria um mês maravilhoso, talvez o melhor de todos, se ela pudesse cumprir com aqueles compromissos sem perder a dignidade. Mas não podia.

Fazia menos de uma semana desde que declararam sua falência mediante uma carta assinada pelo representante de sua assessoria de imprensa, o mesmo pilantra que ajudou seu assessor direto, Bernardo Viana, a dar-lhe o golpe que a privou de todo e qualquer centavo que houvesse em sua poupança. Por três dias, teve apenas os míseros mil pesos de sua carteira, que utilizou para se manter alimentada enquanto seus pais não chegassem a Los Angeles (onde morava) para ajudá-la com a mudança de volta para o México. Agora, desfazendo as malas, descobriu que tudo parecera tão ridiculamente óbvio que toda a dignidade que lhe restara simplesmente desapareceu. Como poderia, depois tal alarde, aparecer em uma emissora de TV e dizer que estava tudo bem? Ela não tinha mais como pagar a pós-produção de seu novo disco, investir em sua carreira, não tinha nem como aparecer em público sem que caçoassem de sua cara chamando-a pelo gentil nome que os meios de comunicação lhe cederam: “a exitosa mexicana falida”. Agora, só podia deitar-se em sua cama e lamentar o resto do dia, ou então arrumar alguma coisa pra fazer que não incluísse atuação, música ou qualquer coisa relacionada a isso. Mas o quê? Ela não era formada em nada e só sabia fazer esse tipo de coisa!

E pintar. Todavia, aonde esta carreira poderia levá-la?

A primeira semana foi a mais difícil. Era muito chato ter que se adaptar à monotonia de uma vida normal, principalmente quando se é artista desde os cinco anos de idade. Seus pais faziam o melhor para mantê-la animada, só que era tudo em vão. Era como uma depressão pós-parto. Seu advogado, marido de sua irmã, até havia oferecido ajuda, mas pior do que aceitar aquilo tudo de bico fechado era aceitar aquilo tudo de bico aberto. Por isso, teria de se adaptar a uma vida em meio a cobertas e sopa pelo menos até que a Sorte lhe sorrisse outra vez e resolvesse dar uma ajudinha. Era ou isso ou nada.

Mas ampliemos nossos conhecimentos acerca da realidade de Dulce María: viver no conforto por cerca de quinze anos e depois perder absolutamente TUDO não é uma opção viável para a maioria das mulheres, certo? Então, o quê fazer quando o Destino nos coloca nesta situação? Ler livros com títulos “Como Recuperar Sua Auto-Estima”. Dulce comprou uma centena deles depois que o primeiro salário que sua mãe ganhava como doceira chegou. Fernando, seu pai, incentivou-a a participar dum círculo terapêutico num centro qualquer, mas, como ela cansou de repetir, não podia sequer aparecer na janela sem que o vento a golpeasse com frases como “idiota falida!” ou “bem-feito bobona!”.

Era uma questão de “manter a postura” (ou seria compostura?), coisa que pouquíssimos faziam por incapacidade de se adaptar à vida monótona e sem-graça da normalidade.

-Meu Deus – murmurou para si mesma quando terminou o capítulo sete de “Bola Pra Cima!” – Eu preciso fazer alguma coisa.

Mas o quê, Dulce María? O quê?