Fanfic: O homem do gás (completa)

 FILHO DA PUTA! SEU TRASTE! SEU CÃO DOS INFERNOS!

- Dulce, tive problemas. O pneu da bicicleta furou...

- Mais uma desculpa esfarrapada. Já to cheia delas! Já to cheia de você! Já to cheia dessa desgraça de vida!

Dulce se afastou dele e foi para o lado do fogão, virando a manivelazinha do botijão. Olhou para o lado e viu que Maite já não estava mais ali. Dulce sabia que a amiga não gostava de presenciar suas brigas com Poncho.

- É verdade, porra! Eu tava com Zé da bicicrois ajeitando a porra do pneu!

- Não sabia que o Zé da bicicrois cheirava a xana, não! – cuspiu na cara. – Todo mundo sabe, até Dona Joaquina que é cega, surda e muda sabe com quem você estava!

Ele abriu a geladeira e mordeu um pedaço de cebola.

- Isso você tem que provar... – disse tranquilamente mastigando a cebola. – Já to de saco cheio dos teus ciúmes!


Dulce gargalhou ironicamente.

- Ciúmes?! (e gargalhou outra vez, vendo como ele ruborizava) Pelo amor neh! Tenho mais ciúmes do Jumento do depósito de Carlito do que de ti! (e gargalhou outra vez) Já te disse você faz da sua vida o que quiser, mas agora eu não vou ser mais a piada da rua, farei o mesmo da minha.

Ele abriu muito os olhos, assustado. Caminhando a passos longos até ela.

- O que você quer dizer com isso? – segurando-a pelos ombros.

- Me solta, traste! – e se esperneou até que ele a soltou. - Não tou de brincadeira. Ou você vai entregar essas merdas, ou pegue suas coisas e vaza daqui. Já tou cansada de tudo! Todo dia com o bucho do fogo! Trabalho só pra pagar conta! Quantos meses que não compro uma roupa, um sapato? A prestação de maquina de lavar ta atrasada porque eu dei o dinheiro na tua mão e você gastou todo no bingo! – ela gritou. - Ainda to devendo 200 reais pra minha mãe por causa disso. Você come, dorme, tem roupa nova, tem sapato, tem dinheiro pra levar tuas beep*s pro motel por minha causa... – Dulce aclarou a garganta, sentindo como começava a chorar aos poucos. - E a única coisa que você faz aqui é entregar a porra dessas marmita e tu ainda se atrasa!
Poncho se entristeceu ao ouvir os lamentos dela e tentou se aproximar dela, em vão. Dulce se afastou e foi para frente da pia, lavar as louças. Ela enxugou os olhos e fungou com raiva. Não iria chorar mais por causa desse beep. Não mais...

- Dulce, vamos conversar, por favor.

- Porra nenhuma, vá logo entregar isso e tome um banho quando voltar, porque com esse cheiro de vagabunda você não deita na cama não...
Ele então se calou, empilhou as mamitas e foi levando para a bicicleta. Arrumou tudo direitinho e partiu.

Dulce estava triste, ela realmente não estava com ciúmes dele. Não existia mais sentimento nenhum, muito menos ciúmes. Essa sua chateação era a mais pura revolta, raiva, fúria com sua vida. Lutou tanto pra terminar o 2º grau mesmo sendo disléxica. Poderia ter sido tudo na vida, mas preferiu ser honesta, trabalhar para ter o que tinha hoje em dia, que se resumia a sua casinha de 3 compartimentos, mas era sua. Sua marmitaria. E graças a Deus nunca teve seu nome jogado na lama. Sempre fora como resto das mulheres do mundo. Sonhara com o príncipe encantado, sonhara com o casamento perfeito, mas o que obteve dele foi um belo um jumento alado, e uma boa galha de chifres na cabeça.

Queria mudar de vida, queria se libertar desse destino. Mas tinha medo. Tinha medo do que poderiam pensar dela. Dulce não gostava que falassem dela. Nunca teve amizade com as fofoqueiras da rua justamente por isso. Sabiam que essas línguas do inferno tinham o poder de destruir qualquer coisa.
Isso não era vida. E ela não estava contente com isso. Precisava viver. Precisava de um ar que Poncho não houvesse poluído. Precisava sair por aí, precisava viver uma grande paixão, sem falar que precisava dar urgentemente. Fazia tanto tempo que não trocava o óleo que seu hímen já estava se reconstruindo. Dulce se encontrava tão desesperada que se o Maicon, o cachorro da vizinha, lhe pedisse pra passar a língua na sua xana, ela pensaria na hipótese. Estava desesperada por viver, por amar, por ser amada! Estava desesperada por sexo!

Os dias passaram rápido. Já era sexta e Dulce terminava de lavar os pratos do almoço, pronta para ir fazer as unhas. Era sexta. O dia do Forró lá no Clube Lapada na Rachada. E ela iria! Mal podia contar os minutos! Já tinha combinado tudo com Maite. Estava tudo certo, deu vinte conto a Poncho e ele sumiu rapidinho e só voltaria domingo a tarde bêbado pra ver o Faustão. Passatempo de vagabundo, como ele era. Mesmo assim ele era a última pessoa que a preocupava.

Parece que ele já tinha escolhido seu rumo e ela faria mesmo. E o Homem do gás lhe veio à mente. Christopri! Que nome mais lindo, meu Deus! Parecia nome de anjo. Queria encontrar esse homem que veio até sua casa e roubou seu juízo. Nossa Senhora das Cornas Carentes, queria mais que tudo as mãos dele correndo em seu corpo, como quando ele trocava o gás. Sentia uma pontada no seu ventre só de pensar nele. Na verdade, precisava dar pra ele, senão ficaria louca...

Tomou um banho rápido, vestiu um short curto e uma blusa colada. Colocou o celular no bolso detrás e o $$ no mesmo. Sabia que a tarde ia ser longa. Odiava depilação, mas enfim tinha que fazer, quem sabe se a noite promete. Dulce bufou ao ver suas unhas, pareciam umas garras, tinha mais corante que esmalte. Pegou a bicicleta e subiu para o salão... Passando pelas ruas, não deixava de ser observada pelos homens. O jeito sensual que pedalava sua Monarc vermelha, roçando seu quadril na cela, ouvindo como os assobios ressoavam por onde ela passava. Se sentia plena. Qual a mulher não se orgulhosa de si mesma ao ouvir os assobios e os gritos de “GOSTOSA” pelos pedreiros da casa da Dona Joana. Ouviu de longe os galanteios.

- Gostosa! Isso tudo é uma testa!

Sorria em seu interior. Era bom sentir-se desejada. Não entendia como o casamento dela caiu na mesmice. Apesar de que seu marido nunca prestara mesmo para nada, nem para apagar seu fogo. Dava uma e morria, virava pro lado e acendia o cigarro. Não queria mesmo pensar nessas coisas. Quanto mais pensava em Poncho, mais se sentia desgraçada. Deixou de quebrar a cabeça com isso e seguiu linda pro salão...

- Boa tardeeeeeeeee! – anunciou ao entrar no salão Krys Mega Hair, o salão do seu único amigo naquele bairro, o viado mais conhecido da cidade, Krystian Cornikova, em homenagem a sua musa do Tênis.

Krystian olhou de lado e abriu um sorriso ao ver como Dulce encostava a bicicleta na sua calçada. Anahí sentiu a espinha gelar.

- Tem vaga pra essa humilde cliente? – e se aconchegou em um dos tamburetes do salão.

- Claroooooooooo, as putas vêm em primeiro lugar!

Krystian saiu ao seu encontro, deixando a escova de lado, abrindo os braços para abraça-la.

- Nega, faz tanto tempo que não te vejo...como você ta?

Os dois se soltaram e Krystian foi para o lado da cadeira giratória, bateu nela e Dulce logo se sentou.

- Cansada, mas muito disposta... – deu um sorriso irônico, enquanto observava Anahí mexendo nos esmaltes pelo espelho. - Boa tarde Any!

 Boa nega... – respondeu sorrindo da mesma forma. - Veio fazer a unha?

- Sim e pode pegar o machado, serrote e facão. porque o trem aqui tá feio.

Todos riram cúmplices...

- E no cabelo, amor, o que vai fazer? – indagou Krystian tirando o elástico do cabelo de Dulce e o espalhando. – Nossa Senhora amiga, teu cabelo ta um grude... Dá pra fritar um pastel do óleo que tem!

- Ayy viado! Não ta tão feio assim. – se defendeu Dulce, se olhando no espelho.

- Amicaaaa, pra ficar feio tem que melhorar muito.

Anahí riu baixinho e Dulce levantou uma sobrancelha.

- Então arroxe o nó aí, porque com o dinheiro eu trouxe pra gastar aqui vai dar pra você aposentar o ferro e comprar uma chapinha de vergonha!

Krystian e Anahí gargalharam ao mesmo tempo. E Dulce só deu uma risadinha, enquanto continuava a falar:

- To pensando, tem dias... bom, séculos que não escovo, sem falar que faz tanto tempo que não pinto o cabelo que tou só com as pontas loura.

- Minina deixa eu te dar uma idéia... – disse olhando para ela desde o espelho. – Não pinte mais de louro! Seja uma ruiva poderosa!

- Ruiva? Eu? – e riu. – Nunca me vi ruiva.

- Pois quando eu terminar de pintar, você vai se ver... Vai ficar linda!

- Nem com macumba isso dá jeito, mas faça logo uma desgraça aí. O pior que pode acontecer é eu ficar careca!

- Ay meu amor, você não me conhece ainda... Eu transformo lixo em obra de arte!

- Então faça, viado, deixe de falar. Tou precisando mermo de uma mudança radical!

- Nossa, tudo isso pra maridão?

Dulce baixou a cabeça e logo Anahí fez o mesmo. Vendo a merda que tinha dito, Krystian, a puxou para o pro lavatório contando os últimos bafons... Dulce se acomodou na outra cadeira, enquanto ele lavava seu cabelo na pia de plástico, enquanto passava Kolene nos seus cabelos para desembaraçar.

- Menina, você não sabeeeeeee ...sabe aquele boy que é pedreiro do Ricardo, irmão da Lucyene?

- Acho que sei, entrego marmita lá...

- Passada bixa...to pegando ele!

- O que? Não creio que ta pegando aquele Pastel de Ovo, delícia, me conta tudo!

- Ai mulher que pegada tudooo! Não pensei que ele gostava da fruta, mas come tanto que se lambuza...

Dulce gargalhou.

- Então que bom que você ta feliz.... – suspirou ela com um pouco de pesar. Até Krystian dava e ela nada Que vida injusta, meu Deus!

- Nossa e como! Com uma neca daquelas uiiiiiii...chega me dá arrepios. Any encosta teu tamborete perto de lavatório e começa a fazer as unhas da Dul....

Anahí fez que ele disse. Colocou uma toalhinha encardida na coxa, enquanto pegava as mãos de Dulce e para ver a situação das suas unhas.

- Até que não ta ruim assim a unha...

- Isso é porque eu tenho tirado os cantos com a gilette...

- Ah ta...mas aí, sexta-feira hoje, me conta, vai pra onde hoje?

Anahí estava morrendo de curiosidade. Dulce no salão, fazendo tudo para ficar bonita... Não queria nem pensar como acabaria a noite dela com Poncho hoje. Isso era um martírio.

- Nossa Anahí. Não conhecia seu lado curiosa... – disse com ironia.

- Você ta ficando toda bonita pra ficar dentro de casa? Isso não tem lógica.
- Ouxii, eu tenho homem em casa.... – Dulce riu discretamente ao ver como Anahí tragava a saliva, nervosa.
E Krystian interviu, vendo o perigo rondando por ali. Por mais que ATORASSE PERIGO, não queria um quebra pau no seu salão.
- Amica, se eu fosse você ia no Forró da Lapada hoje. Lá bomba, cheio de machos cedozos...
- Ay Zé, eu não sei. Afinal meu MARIDO sai hoje de casa e só volta segunda mesmo... – Anahí arregalou os olhos, agora confusa. - É uma boa opção mesmo.
- Não sei como você agüenta... aquele marido. – disse ele sentindo o PERIGO dentro dele.
- Nem eu sabia, aff. – soltou ela. - Eu sei que ele anda com as putas... – disse olhando fixamente Anahí, quem mantinha a cabeça baixa. - O importante é que ele faz as entregas das marmita.. Era pior quando ele não trabalhava e vivia o dia todo com aquele rádio pelos cantos da casa...mas eu dou graças a deus quando chega o fim de semana porque ele some e me deixa em paz...
- Aff, você é uma mulher bonita, é gostosa apesar de mal cuidada...não sei porque você não se separa...
- E quem disse que ele quer? – bufou rindo de sua desgraça. - Quem não quer chegar em casa e achar tudo limpo, roupa lavada, comida quente...?
Anahí então se manifestou, não agüentando mais a comichão que sentia na língua.
- Nossa Dulce, pensei que você tivesse doente!
- Eu doente Anahí, pelo amor! – e gargalhou. - Só se chifre é doença! Jajajaja Se isso for, to com a vela na mão já....
Krystian riu alto.
- Menina chifre é detalhe!
- É como dizia minha mãe, homem é tudo igual pode comer as vagabundas na rua mas sempre volta pra mulher, sempre vai ter uma vadia disponível mesmo, aiiiiiiii!
Dulce encolheu o dedo ao sentir como Anahí lhe arrancava um bife.
- Perdão é que tá encravada...quantos anos você não faz as unhas do pé? Tô tirando até lodo debaixo da unhona...

- Do pé tem uns meses mesmo, tava sem grana mulher aquele fogão industrial me quebrou. Tive que economizar mais agora. Entrego quase o triplo de marmitas por
dia... E quero francesinha...

- Ah tá mas meu henna acabou...

- Ayy que Pobreza!

Depois de fazer a unha, Krystian pintou o cabelo de Dulce, sofreu minutos na depilação e logo depois deu um trato nas sobrancelhas.

- Minina, você ta uma Diva!

Anahí sentiu tremer de inveja, ao ver Dulce toda produzida. Suspirou, ainda bem que Poncho não estaria em casa. E deu um sorrisinho de canto de boca, sabendo que Dulce ia ciscar em outro galinheiro hoje à noite.

Dulce voltou pra casa feliz se sentindo o ultimo pedaço de chuchu da marmita. Como ela previa, Poncho já tinha vazado. Ela teve que decifrar os hieróglifos que Poncho escreveu num um bilhete dizendo que ia no velório e enterro de um primo segundo de um cunhado de um dos jogadores do bar de sinuca do Tonho... Cada desculpa era um flash! Mas hoje ela não iria gastar sua beleza pensando em Poncho. Há há! Hoje iria para o forró, e se Deus quiser, se daria muito bem....tinha medo até dos seus pensamentos...

Oito horas da noite Maite fez 3 segundos com Dulce dizendo que tinha arrumado carona pra elas e não precisariam ir de Lotação. Dulce correu, louca dentro de casa. Foi tirando a roupa no meio do caminho, até entrar no banheiro. Tomou um banho cedozo, colocou óleos no corpo...não deixando de usar seu leite de rosa nas axilas. Pegou seu perfume da Avon, porque a ocasião era especial e se maquiou devidamente...

Pegou um dos seus melhores vestidos, vermelho, justo, curto e com o decote bem generoso. Olhou várias vezes no espelho e pensou, ajeitando os peitos no decote: “Você é gostosa e você sabe disso!” Os colocou até que eles quase saltavam pelo decote. E sabia, que estava vestida para arrasar. Calçou seu tamanco e fez 3 segundos com Maite dizendo que já estava pronta.

Ela tomou um gole de água. Estava nervosa, ansiosa. Afinal há meses que não colocava o PÉ na rua, aliás fazia anos...

Passou 15 minutos e escutou uma buzina. Saiu como um raio. Hoje iria dançar até sair sangue de seus pés.

- Maiiiiiiii... – disse enquanto corria, ainda passando batom.

Maite estava de queixo no chão, olhando-a de cima a baixo.

- Dulce, menina, o que passou com você?

- O que tem demais ? – disse ela se olhando. – Tou com o batom borrado?

Maite abriu um sorriso radiante.

- Nossa você ta lindaaaaaaaaa, menina!

Dulce sorriu timidamente, mordendo os lábios.

- Ayyy, você também amiga, gostei dessa calça jeans.

- Peguei uma promoção bafon na feira essa aqui foi 15 reais e ainda tem brilho.

- Tá um arraso mesmo! Agora, vamos que Edvan ainda vai pegar um monte de gente no Pau de Arara do Seu Venâncio, o patrão dele.

- Que? Pau de Arara? – perguntou Dulce, olhando pro lado, vendo o Pau de Arara lotado, com os homens tocando batucada em cima. – Mai eu não vou poder subir no Pau de Arara com esse vestido!

...