Fanfics Brasil - CAPITULO I ***Bodas de Fogo*** ♥ D&C ♥

Fanfic: ***Bodas de Fogo*** ♥ D&C ♥


Capítulo: CAPITULO I

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   Dulce sentia-se como um verdadeiro presen­te de Natal! Ou talvez uma iguaria deliciosa, aguardando o mo­mento de ser devorada pelos cavaleiros famintos que se moviam lá embaixo como um punhado de cães raivosos e famintos. Todos, sem exceção, tinham se empanturrado de vinho, cerveja e comida. Agora pareciam ansiosos para receber um prêmio especial. Até se poderia pensar que as festas de fim de ano já haviam chegado, tal a maneira como se banqueteava aqui, na corte do rei Edward.

A cena lhe causava tamanha aversão que Dulce não conseguiu controlar a expressão nauseada do rosto. Porém ao perceber a aproximação de sua aia, virou-se imediatamente de costas. Não queria ser vista assim, vulnerável e impotente, quando sempre soubera enfrentar qualquer situação. Mas Alice, tendo carregado-a no colo desde que nascera e a acompanhado ao longo da vida, podia reconhecer o estado de ânimo que a dominava a distância.

- Que foi, minha lady? - a mulher indagou baixinho.

- Que foi? Dulce sorriu amarga, a voz normal­mente melodiosa vibrando de raiva e desprezo. - Sinto-me o prêmio de um torneio, toda embrulhada e enfeitada - num gesto irritado, passou a mão pelo ves­tido bordado e pela capa debruada de arminho -, espe­rando ser entregue ao vencedor.

- Minha lady... - Alice sussurrou, o tom aflito im­plorando cautela.

Impaciente, Dulce cortou-a no meio da frase.

- Nestes últimos meses, desde a morte de meu pai, nossas terras só têm feito prosperar sob a minha direção. Entretanto, em vez de receber uma recompensa pelos meus esforços, parece que eu serei a recompensa dada a algum patife imundo, louco por dinheiro. E tudo isso ape­nas porque nosso bom rei decidiu assim.

- Minha senhora! - a aia protestou .chocada.

- Não é justo - Dulce reclamou pela enésima vez.

Não importava o quão bem administrava as propriedades que lhe haviam sido deixadas pelo pai, ou quantos pre­tendentes conseguira recusar, ou quantas colheitas fartas extraíra das plantações, ou como a vida em seu castelo transcorria calma e serena, na santa paz de Deus. Pois todos esses resultados espetaculares tinham sido em vão. Em menos de um ano o rei lhe enviara uma intimação, ordenando-lhe casar-se.

- Pare de se lamuriar. Podia ser pior. Pelo menos você poderá escolher o próprio marido. E dentre todos os cavaleiros mais nobres do reino, diga-se de passagem.

- Ha! Grande coisa! Essa honra me foi concedida ape­nas porque tenho dinheiro suficiente para pagar pelo pri­vilégio. Ou por acaso você acha que o rei me permitiu escolher porque me estima profundamente?

- Chega - Alice tornou a avisar. - Pare com essa conversa tola e perigosa e fique quieta. Pelo menos uma vez na vida, comporte-se e faça a opção com sabedoria, usando a cabeça em vez do mau-humor.

Dulce sorriu de leve, sem se ofender com as palavras da serva. Além de Alice ter sido mais do que uma ver­dadeira mãe ao longo do tempo, era impossível conter a língua da velha senhora, mesmo se tentasse.

-Não se preocupe. Vou escolher com sabedoria. Aliás, tenho um bom plano.

 

Horrorizada com o que acabara de ouvir, Alice deu um passo para trás.

- Oh, Deus tenha piedade de nós! - Os anos de experiência lhe haviam ensinado que os planos da sua ama sempre acabavam em grandes confusões. À beira do pânico, juntou as mãos numa súplica angustiada. ­Minha lady, por favor, deixe suas idéias mirabolantes de lado. Esqueça os planos arriscados. São perigosos.

- Estou apenas aceitando o seu conselho - ela res­pondeu docemente, um brilho malicioso no olhar. - Vou decidir com sabedoria. O rei me deu liberdade para escolher um marido dentre todos os cavaleiros do reino, não é? Ele disse que eu posso optar por qualquer um de seus cavaleiros. E isso inclui todo o reino, certo? ­Dulce fez uma pausa, ignorando a expressão confusa da serva.

- Minha lady...

- Portanto já tomei uma decisão.

O sorriso vitorioso iluminando o rosto angelical não era um bom sinal, Alice pensou temendo pela sorte da ama. Desde o berço, Dulce de Laci demonstrara possuir uma personalidade marcante e o fato de ter crescido na companhia de três irmãos, sem a mãe por perto para lhe incutir maneiras delicadas, só fizera acentuar o ca­ráter destemido. Agora, depois da morte dos dois rapazes mais velhos por causa de uma febre, do terceiro ter sido morto durante a última Cruzada e do pai haver falecido recentemente, Dulce se tornara a única sobrevivente da família de Laci. Ela provara ser mais resistente, forte e inteligente do que qualquer um deles, além de mais teimosa e cabeça-dura também.

 

No fundo do coração, a velha criada acreditava que o casamento com um homem decente iria fazer bem à sua protegida. Ser guiada por uma mão firme, mas gentil, conceber filhos e criá-los, poderia contribuir para trazer à tona a natureza suave da jovem. Talvez o decreto do rei Edward fosse mesmo para o bem. Afinal Dulce já completara dezessete anos e até o momento não demons­trara qualquer interesse em procurar um marido. O único problema era que se esquecera de levar em consideração a natureza determinada daquela a quem amava como a uma filha.

- E se ele não aprovar a minha opção, presumo que ficarei livre para voltar para casa - Isadora concluiu com um ar triunfante.

Alice tentava raciocinar rapidamente, procurando en­tender que plano seria esse. Por algum motivo obscuro, sua senhora acreditava que o rei lhe negaria permissão para casar-se com o cavaleiro escolhido.

- Minha lady, você não teria coragem de selecionar um homem já casado?!

- Não! Eu sequer tinha pensado nessa possibilidade juro! - Dulce ficou em silêncio alguns segundos, como se considerando tal alternativa. Então descartou a idéia. - Não, não creio que Edward aceitasse um caso assim. Mas ele será contra a minha escolha. Terá que ser!

A velha criada inspirou fundo preparando-se para ou­vir o pior. Precisava saber o resto da história, embora tivesse certeza de que não iria gostar nada do que estava para escutar.

- E quem será o eleito? - indagou ansiosa.

         Experimentando a primeira sensação positiva do dia, Dulce passeou o olhar desdenhoso vagarosamente pelos cavaleiros lá embaixo antes de fitara aia.

- Vou escolher o barão Montmorency. - Cheia de expectativa, aguardou a reação de Alice, que com certeza iria cumprimentá-la pela demonstração de engenho e in­teligência. Entretanto, em vez de palavras de admiração, a criada só teve tempo de: arregalar os olhos antes de cair desmaiada no chão.

Dulce ergueu a cabeça e jogou os ombros para trás ao entrar no salão agora vazio, à exceção de Edward, da rainha, alguns poucos servos e conselheiros. O rei tinha concedido a graça de uma audiência em particular, porém não sabia se devia considerar a atitude uma bên­ção ou uma maldição. Se Edward pretendesse contrariar a sua decisão, com certeza seria mais difícil fazê-lo na frente de muitas pessoas. Já perante um grupo pequeno... Não, não queria pensar em derrota. Um guerreiro nunca se deixa abater.

O rei ainda era um homem bonito. Alto, pernas longas, cabelos louros e olhos azuis. Contudo Dulce se ajoelhou diante dele sem a menor emoção. Jamais se sentira atraí­da por qualquer homem.

         - Boa noite, Dulce de Laci. Espero que você tenha apreciado sua estada na corte.

         - Sim, claro, meu lorde - ela respondeu forçando um sorriso.

- Também espero que tenha usado seu tempo de ma­neira sensata para escolher um marido dentre meus ca­valeiros reunidos aqui. - a rei sorriu, como se a situação o divertisse.

- Meu lorde não limitou a seleção dentre os que se encontravam presentes na corte - Dulce falou procu­rando manter-se calma. - Posso me casar com qualquer um de seus cavaleiros, não posso?

Embora surpreso, Edward concordou com um breve aceno de cabeça.

Apesar de firmemente decidida a levar o plano até o fim, parecia cada vez mais difícil pronunciar o nome do eleito. Foi com muito esforço que as palavras ganharam vida.

- Então escolho para marido o barão Montmorency, de Dunmurrow.

O anúncio teve o efeito esperado. As pessoas ao redor não fizeram a menor questão de disfarçar o choque que sua escolha causara e logo os comentários, sempre asso­ciados ao barão, enchiam o ar.

- O Cavaleiro Vermelho... o próprio diabo encarnado... feiticeiro... praticante da magia negra... - sussurravam vozes anônimas.

Embora Dulce já tivesse escutado todos esses rumo­res antes, as palavras a desassossegavam mais agora porque, de certa forma, lhe diziam respeito.

Determinada a não se deixar abater, ergueu a cabeça e fitou cada um dos presentes com altivez. Todos a olha­vam horrorizados. Todos, exceto o rei e sua esposa, é claro. Edward conseguiu disfarçar a raiva rapidamente e Dulce conteve um sorriso triunfal. Se o rei estava zangado, era porque se sabia derrotado. E é claro que não poderia voltar atrás na palavra empenhada, ficando portanto obrigado a liberá-la do compromisso de arrumar um marido.

Quando estava a ponto de dizer algo, Edward foi in­terrompido pela esposa, que lhe sussurrou alguma coisa no ouvido. Talvez a rainha estivesse tentando apaziguá­-lo, Dulce pensou esperançosa. Afinal Eleanor sempre fora considerada uma influência benéfica sobre a perso­nalidade rígida do marido.Embora prestasse atenção à esposa, o rei mantinha os olhos azuis fixos em Dulce. Aquele olhar penetrante dava a impressão de enxergá-la por dentro, medindo suas forças e fraquezas, avaliando-a, desvendando-lhe os se­gredos da alma. Por fim Edward começou a rir. Dulce respirou aliviada, certa de que o rei achava tudo muito engraçado. Claro que sairia daquela audiência vitoriosa.

Logo poderia ir para casa como uma mulher livre!

- Pois então que seja! - Edward falou em alto e bom som. - Montmorency é o escolhido.

Dulce quase não podia acreditar no que acabara de ouvir. Estava certa de que sua escolha seria contestada ou que, pelo menos, fosse forçada a selecionar outro pre­tendente. Mas nunca, nunca lhe passara pela cabeça que o rei a deixaria casar-se com o Cavaleiro Vermelho, um recluso capaz de fechar as portas de seu castelo a todos os que viviam do lado de fora das muralhas sombrias que cercavam a propriedade. Por um instante ela sentiu o chão fugir sob os pés, porém manteve-se firme.

Edward apenas sorriu diante de seu assombro. Obvia­mente a tentativa de trapaceá-lo acabara desagradando-o e ele não hesitaria em puni-la pelo comportamento ul­trajante. Oh, Deus, Alice tinha razão. Conseguira se me­ter numa enrascada ainda maior do que antes... a não ser que... a não ser que...

- Muito naturalmente eu esperava que sua escolha recaísse sobre um dos barões que lhe foram apresentados durante sua estada aqui. Porém, como você mesma fez questão de ressaltar, dei-lhe permissão para selecionar um marido dentre todos os meus cavaleiros. Sua esco­lha foi incomum, inesperada, e Montmorency é alguém que eu não iria sugerir. Entretanto não vejo motivo para negar esse desejo de seu coração. - As palavras do rei exalavam um sarcasmo sutil, fazendo-a estre­mecer. - De qualquer maneira acho que você fará bem a Montmorency. Um anjo de luz para o nosso Cavaleiro Vermelho. Talvez você consiga domá-lo, hein? - A per­gunta fora feita à audiência, que não hesitou em rir ner­vosamente.

         Eleanor sorriu serena e Dulce logo percebeu que não teria ajuda feminina naquela questão delicada. ­

- Muito bem, então - o rei concluiu satisfeito- Que sua jornada seja tranqüila. Pode partir amanhã mes­mo e chegará a Dunmurrow antes do Natal.

Dulce não sabia o que dizer. Partir tão cedo assim? Com muita dificuldade conseguiu se recompor o suficiente para murmurar agradecimentos vazios. Então fez uma mesura e saiu do salão, ainda sem conseguir acreditar que estava para se casar com um homem de quem co­nhecia apenas a fama e os rumores assustadores que o cercavam.

Dulce de Laci estava arrumando a bagagem quando Alice apareceu.

 

- E então, minha lady? - a aia perguntou trêmula, a respiração suspensa.

Ela não se deu ao trabalho de virar-se e continuou ajeitando os vestidos dentro do baú.

- Partimos amanhã de manhã... para Dunmurrow.

A Serva começou a se lamentar baixinho, como se en­toando um canto fúnebre. Por fim Dulce voltou-se para fitá-la.

- Por favor, não me venha com essa história de des­maiar de novo. Tenho outras coisas mais importantes para fazer do que ficar levantando-a do chão.

- Mas, minha lady, por quê? Por que você foi escolher aquele monstro, quando na corte estavam reunidos os cavaleiros mais bonitos do reino?

Apesar de bonitos, todos agiriam como meu dono, Dulce pensou irritada. Nunca em sua vida se submetera a um senhor. Seu pai e seus irmãos sempre a tinham deixado entregue a si mesma. Jamais fora forçada a cum­prir ordens de terceiros, a seguir outras inclinações que não fossem as próprias. Portanto não pretendia começar agora, decidiu guardando os chinelos com raiva.

- Mas Montmorency! - Alice fez o sinal da cruz.- Ele é o mal encarnado! Dizem que é alquimista, prati­cante de magia negra, um adorador... do diabo! E por isso que o chamam de Cavaleiro Vermelho, porque tem parte com o demônio! E agora que se enfurnou em Dun­murrow, recusa-se a sair das suas terras. Porém manda buscar magos e feiticeiros para aprender os segredos da magia. Depois descarta-los e conjura os espíritos para realizar seus propósitos negros. Dizem que aqueles que ­ entram em seu covil... jamais retornam. -Alice baixou a cabeça como se não suportasse o peso do que acabara de dizer.

Percebendo o pavor da criada, Dulce abraçou-a ca­rinhosamente.

- Rumores! Quanta bobagem! Todos os grandes ca­valeiros costumam alimentar lendas sobre si mesmos com o objetivo de despertar medo no coração de seus inimigos. Este Cavaleiro Vermelho é um mortal comum. Você vai ver. - Ela deu um tapinha nas costas de Alice e obri­gou-a a sentar-se num banco enquanto voltava à tarefa de arrumar a bagagem.

- Mas por que, minha lady, por quê? - a velha serva tornou a insistir. - Era esse o seu plano... nos mandar direto para os braços do mal?

- Admito que alimentei esperanças de que o rei re­jeitasse minha escolha, porém Edward recusou-se a acei­tar que eu havia levado a melhor e resolveu me dar uma lição. - Dulce colocou uma Bíblia sobre os vestidos dobrados e fechou um dos baús.

Alice recomeçou a choramingar e a balançar a cabeça de um lado para o outro.

- Pare com essa tolice agora mesmo - Dulce or­denou, esforçando-se para não perder a calma. - Não se preocupe quanto ao tal cavaleiro terrível. Prometo-lhe que não ficaremos em Dunrnurrow o bastante para ser­mos maltratadas.

A serva fitou-a intrigada, sem entender o comentário. - Você acha que Montmorency quer uma esposa es­piando suas atividades macabras? Não, acho que não. Ele não demonstra qualquer interesse pela vida na corte e nem parece se preocupar com dinheiro. Tenho certeza de que se recusará a me aceitar como esposa. Assim poderei voltar para casa, livre e solteira - falou apa­rentando mais certeza do que sentia.

         - Isso seria loucura! Nem mesmo o Cavaleiro Ver­melho poderia desafiar uma ordem do rei!

         Dulce deu de ombros e voltou a atenção para a ba­gagem, terminando de ajeitar as últimas peças de roupa.

         - Ouvi dizer que Montmorency vive de acordo com as próprias leis,

         - Sim, só que certamente não se oporá ao rei - Alice insistiu.

         - Se ele não se opor à ordem de Edward, então nos casaremos. Na minha opinião, tanto faz ter um brutamontes para marido como outro qualquer. - Ela bateu a tampa do baú com tanta força que a madeira quase se partiu em duas.

 

O ar estava gélido na manhã seguinte e Dulce aper­tou a capa forrada de pele de encontro ao corpo, procu­rando calor e conforto. Delamere, um dos homens do rei, liderava o pequeno grupo, composto de seis guardas e três servos. Uma figura magra, de baixa estatura, logo lhe chamou a atenção.

- Quem é aquele? - indagou curiosa.

- O padre, claro - Delamere respondeu secamente. - Assim teremos certeza de que o casamento foi mesmo realizado. Talvez o rei suspeite de que não haja sacerdotes em Dunmurrow...

Irritada com a insolência do comentário, Dulce se afastou a galope, esforçando-se para não se deixar do­minar pela inquietude.

Embora tivesse usado a reputação tenebrosa de Mont­morency na esperança de escapar da imposição de Ed­ward, ela não acreditava numa só palavra do que se dizia sobre o Cavaleiro Vermelho. A experiência lhe en­sinara que fofocas se espalham depressa e são sempre exageradas. Portanto tinha certeza de que os rumores terríveis não passavam disso: rumores. O fato de não haver capelão em Dunmurrow não significava que Montmorency o espantara de lá com suas práticas de magia negra.

Dulce quase riu alto e de repente a presença do sa­cerdote no grupo lhe pareceu bastante divertida. Talvez o Cavaleiro Vermelho decidisse manter o pobre homem no castelo, mas certamente não para oficiar a cerimônia de casamento. Afinal pode-se levar um cavalo até a água, mas não se pode obrigá-lo a beber. Ela escolhera o barão Montmorency, porém ele não a escolhera. Assim, com ou sem padre, não conseguia imaginar alguém forçando-o a casar-se.

E então, ficaria livre para voltar para casa...

Estava claro que Delamere não a apreciava nem um pouco e a cada dia que passava forçava a marcha dos cavalos, como se o grupo estivesse indo direto para uma batalha, não para um casamento.

Alice choramingava e reclamava de pura exaustão, porém Dulce mantinha-se firme. Quanto mais cedo chegassem aos domínios de Montmorency, mais depressa poderia tomar o caminho de casa.

Contudo, ao se aproximarem de Dunmurrow, uma sensação estranha começou a dominá-la. A paisagem era imponente, rude. Vastas planícies se estendiam a perder de vista e uma floresta lúgubre impunha sua presença ameaçadora. Entardecia quando Dulce, pela primeira vez, colocou os olhos sobre o castelo do Cavaleiro Ver­melho e apesar de todas as suas resoluções corajosas, sentiu um aperto terrível no coração.

O Sol se punha no horizonte, lançando sombras pro­fundas sobre as velhas paredes de pedras. A construção maciça e retangular lançava suas torres negras para o infinito, desafiando os céus. Uma névoa úmida e cinzenta se espalhava pelos arredores, como se saída do nada, envolvendo Dunmurrow num manto fantasmagórico.

O efeito era tão arrepiante que Dulce se sentiu va­cilar e por um momento perguntou-se se Montmorency não teria mesmo poderes sobrenaturais, poderes que o permitiam comandar os elementos da natureza e fazer com que uma névoa espessa escondesse seu castelo de olhos curiosos e visitantes indesejáveis.

Os lamentos angustiados de Alice arrancaram-na da­quela espécie de torpor. Ao reparar que os servos se ben­ziam e o padre murmurava palavras incompreensíveis, orações ou maldições talvez, Dulce deixou a hesitação de lado e foi em frente.

Então aguardou que os guardas do rei cruzassem a ponte levadiça. Pelo menos teria o calor de um fogo e a maciez de uma cama para confortá-la. E quem sabe ama­nhã, quando tomassem o caminho de casa, também se veriam livre da neve. Claro que, apesar do mau humor constante, Delamere não se recusaria a acompanhá-las até Belvry. Porém, se ele tivesse coragem de recusar, não pensaria duas vezes antes de implorar o auxilio de alguns homens de Dunrnurrow. Afinal seria a esposa re­jeitada do senhor do castelo.

De repente Delamere aproximou-se a galope, uma ex­pressão furiosa no rosto.

- Negaram-nos permissão para cruzar a ponte - ele informou espumando de raiva.

- Por quê? - Embora estivesse ansiosa para escapar do frio intenso, Dulce decidiu que aquele tipo de tra­tamento rude era motivo para celebração. Quem sabe Montmorency se recusaria a vê-la? Talvez pudesse partir para Belvry ainda mais cedo do que imaginara.

- Porque o castelo já está fechado para a noite e todos os visitantes são proibidos de entrar até amanhã de manhã.

Dulce inspirou fundo, pronta para fazer um comen­tário qualquer, quando ouviu um gemido angustiado. Alice balançava perigosamente sobre o cavalo, como se estivesse a ponto de desmaiar. Em questão de segundos estava ao lado da aia, amparando-a com o braço.

- Que bobagem é essa? - perguntou com altivez. - Exijo falar com o barão Montmorency agora mesmo!

- Foi o que eu fiz - Delamere respondeu irritado. - Mas meu pedido foi recusado até amanhã.

Conformado, apesar de furioso, o emissário do rei man­dou os servos erguerem o acampamento sob as sombras do castelo.

Outro gemido de Alice exigiu a atenção de Dulce.

- Pare com isso, ou vou deixá-la cair no chão - avisou, impaciente com os chiliques da criada.

- Oh, minha lady, é como temíamos. O Cavaleiro Vermelho é uma criatura das trevas.

- Se ele fosse uma criatura das trevas, então deveria estar aqui, apreciando os arredores. Ele é uma criatura da grosseria, isso sim! Nunca ouvi dizer que alguém negasse abrigo a visitantes. E pensar que estamos aqui por ordem do rei! Este Cavaleiro Vermelho é ousado demais.

Embora a idéia de dormir outra noite ao relento, quan­do uma cama macia estava ao alcance das mãos, a in­comodasse, a atitude desafiadora de Montmorency a im­pressionava. Aliás, ia bem de acordo com seus planos.

- O homem é um demônio, marque bem minhas pa­lavras - Alice murmurou num tom lúgubre.

- E você marque bem minhas palavras - Dulce devolveu, um sorriso triunfante nos lábios. - Ele é um homem mal-educado e rude que não hesitará em desafiar as ordens do rei amanhã! E então... então poderemos ir para casa.

Na manhã seguinte, a ponte levadiça foi finalmente abaixada sobre a vala profunda que cercava o castelo e o grupo liderado por Delamere pôde entrar em Dunrnurrow. Acostumada ao movimento incessante de Belvry, Dulce ficou surpresa ao descobrir o pátio quase deserto. A cons­trução parecia vazia! Sabendo como Alice interpretaria aquela ausência de pessoas, evitou fitar a serva.

Mesmo considerando a lenda criada em torno do Ca­valeiro Vermelho um punhado de bobagens, Dulce não conseguiu evitar a sensação desagradável, beirando ao pavor, que a invadiu ao ouvir a ponte levadiça sendo alçada de volta. Por um instante sentiu-se trancada dentro do um covil, à mercê de feras...   

Determinada a enfrentar a situação a qualquer custo, procurou dominar o medo enquanto um guarda os con­duziu à parte interna do castelo. Porém o salão de Dun­murrow não lhe trouxe conforto algum. Imenso e escuro, cheirava a fumaça e mofo, sendo possível enxergar ca­madas grossas de sujeira acumuladas nas paredes. Que tipo de homem seria esse, capaz de deixar a própria casa nestas condições? As janelas estreitas estavam fechadas, quase não deixando passar os raios tímidos de Sol, in­suficientes para romper a escuridão.

Falta de iluminação adequada não era algo incomum, especialmente em construções antigas como o castelo de Dunmurrow, mas em geral o problema era contornado com o auxilio de velas e tochas, deixadas acesas durante o dia inteiro. Entretanto, apesar do tamanho impressio­nante do salão, quase não se viam velas.

Dulce estremeceu e olhou ao redor, procurando en­xergar através das sombras. Embora a lareira estivesse acesa, o fogo baixo de pouco servia para oferecer calor e conforto. De onde estava, a outra extremidade do salão era impenetrável, imersa em trevas sufocantes. Dulce recusava-se a fitar Alice que se aproximara do sacerdote como se buscasse proteção.

O grupo permaneceu em silêncio, a atmosfera opres­sora envolvendo-os como um manto. Dentro do silêncio pesado ouviam-se apenas os passos impacientes de De­lamere. O emissário do rei andava de um lado para o outro sem disfarçar a irritação crescente. Acostumado a ser tratado com uma certa deferência, não se conformava com o descaso mostrado pelo barão Montmorency, espe­cialmente depois da noite passada ao relento.

Quando Delamere parecia a ponto de explodir, um ser­vo anunciou que o Cavaleiro Vermelho mandara lhes ser­vir uma refeição. Mesmo ainda sendo um tanto cedo para o almoço, os homens se atiraram à comida, como se es­tivessem famintos não só de alimentos mas de algo que lhes desse uma sensação de normalidade.

         - Vamos, coma, minha lady - Alice murmurou pu­xando a jovem para o seu lado.

         Porém Dulce sentia-se incapaz de comer; não quando tinha consciência da gravidade da tarefa que a aguar­dava. De repente seu plano lhe parecia ousado demais, incerto demais para alcançar o sucesso. Além de tudo o castelo de Montmorency a perturbava profundamente, inquietando-a ao extremo. Até o momento presente, o homem fazia jus à sua reputação.

Um único servo ia e vinha da cozinha, trazendo tra­vessas, fatiando a carne assada, servindo cerveja.

- Onde estão todos? - ela indagou assombrada, sem na verdade esperar qualquer resposta. Acostumada ao movimento do salão principal em Belvry, onde as vozes das damas, cavaleiros, servos e visitantes se misturavam numa alegre algazarra, era impossível não se ressentir desse silêncio lúgubre. O castelo era muito quieto, o eco das paredes vazias transformando qualquer barulho num Bom ameaçador.

- Ele é inumano, pode estar certa disso - Alice sus­surrou horrorizada.

- Não é inumano viver na pobreza - Dulce retru­cou, um ar pensativo no rosto. - Só agora percebi como sempre tomei certas coisas como garantidas. O castelo que meu pai construiu quando jovem ainda está em óti­mas condições nos dias de hoje, cheio de luz, belas pin­turas, tapeçarias delicadas. E também muitos servos cumprindo suas obrigações...

         - Grande parte disso se deve a você, minha lady. Os homens, quando deixados por sua própria conta, em geral acabam se descuidando da comida e da limpeza. - Alice foz uma careta de desagrado.

- Concordo inteiramente. - Pelo pouco que Dulce conseguira ver até então, o castelo Dunmurrow parecia Imundo. Uma grossa camada de sujeira cobria o chão e o ar tinha o cheiro desagradável de alimentos estragados e lixo acumulado. As paredes estavam pretas de fumaça, as mesas sujas e ásperas. Os pratos usados na refeição nadavam em gordura e ela se perguntou se o resto do castelo também estava naquelas tristes condições.

Servida em pratos limpos ou não, a verdade é que a comida tinha um gosto intragável. Depois de provar o primeiro pedaço da carne, Dulce deu-se por satisfeita e mordiscou uma fatia de pão enquanto os outros conti­nuavam a almoçar. E como almoçaram. A refeição deu a impressão de durar para sempre, servindo apenas para aumentar seu estado de agitação.

De qualquer maneira todos pareciam mais relaxados com os estômagos cheios, à exceção de Delamere e Dulce, cada qual mais furioso do que o outro.

- Vamos, minha lady, beba alguma coisa - Alice insistiu, procurando acalmá-la.

- Não quero nada, quero apenas dar esse caso por encerrado. Mal posso esperar que Montmorency apareça para resolver o assunto. Assim poderemos ir embora logo!

- Psiu! - A criada apontou discretamente na direção de Delamere.

Dulce ignorou o aviso.

- Por que a demora? Por que somos obrigados a aguar­dar aqui como mendigos depois de termos sido forçados a passar a noite do lado de fora do castelo?

- Minha lady, por favor, cuidado com a língua. As paredes têm ouvidos. Não seria sensato desafiar a ira do Cavaleiro Vermelho.

- Pois não me importo se ele é o próprio diabo en­carnado. Se não formos admitidos na sua presença he­rética neste instante, partirei para Belvry. Claro que as­sim a ordem do rei perderá o valor.

Alice cobriu o rosto com as mãos, apavorada, enquanto Delamere fuzilava Dulce com o olhar. Como se aguar­dasse o momento certo para interferir, um servo chamado Cecil deu um passo à frente.

- Se minha lady e este cavaleiro fizerem o favor de me acompanhar, meu lorde está pronto para recebê-los agora.

Por um momento Dulce pensou em levar Alice tam­bém, mas acabou decidindo que o melhor era deixá-la no salão, na companhia dos outros. Se o Cavaleiro Ver­melho fosse metade do que os rumores envolvendo sua reputação afirmavam, provavelmente a criada desmaia­ria de novo.

Cecil os conduziu através de um corredor gelado até li ma escada em espiral. Era quase impossível enxergar os degraus, tão espessa a escuridão. O castiçal levado pelo servo silencioso de pouco adiantava e ela mal per­cebeu quando pararam diante de uma porta de madeira maciça. Então Cecil abriu-a e fez um sinal para que entrassem.

Dulce presumiu que estivessem nos aposentos do Ca­valeiro Vermelho, no próprio covil da fera. Depois do frio penetrante do corredor, o calor dentro do quarto imenso era mais do que bem-vindo. Ela aproximou-se da lareira para estendeu as mãos para aquecê-las, enquanto olhava ao redor curiosa. Se houvessem janelas, deviam estar her­meticamente fechadas porque o único foco de iluminação vinha do fogo pálido. Com muita dificuldade, percebeu que as paredes eram pintadas de vermelho claro e as cortinas de veludo acompanhavam o mesmo tom. Na ver­dade, um ambiente perfeito para Montmorency conside­rando todos os rumores, é claro.

Sem tachas ou castiçais para aliviar as trevas, estavam lodos envolvidos numa escuridão quase total.

Bem longe deles, envolto pelas sombras mais pesadas, destacava-se a figura de um homem altíssimo, ladeado por dois cachorros enormes.

Seria Montmorency? Dulce focalizou bem os olhos tentando enxergá-lo melhor, porém por mais que se esforçasse, não conseguia vê-la com nitidez. Contudo não linha dúvidas de que, apesar de sentado, era um homem muito, muito maior do que Delamere. Além da altura, era impossível distinguir as feições do rosto, a cor e o comprimento dos cabelos ou mesmo as roupas que o des­conhecido usava. Embora o instinto lhe dissesse que es­tava frente a frente com o Cavaleiro Vermelho, ainda assim não podia ver nada além de uma silhueta escura.

Toda aquela circunstância incomum era bastante in­quietante. Que tipo de homem seria ele? Será que pro­curava assustá-los propositalmente? Dulce jamais te­mera a noite e nunca acreditara nas histórias fantásticas que se contavam sobre o barão Montmorency. Mesmo assim não conseguiu evitar os tremores que a sacudiram da cabeça aos pés, como um aviso carregado de maus presságios.

Se estivesse presente, Alice, com certeza, teria caído desmaiada no chão.



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Autor(a): nathyneves

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- Li a mensagem que o rei me enviou. - A voz profunda e forte não es­condia um certo tom de zombaria. Ou seria irritação? Dulce sentiu-se ofendida com a falta de consideração, em especial porque o barão fora direto ao assunto sem dar ao trabalho de lhes dar as boas-vindas de maneira educada. Ao pensar na longa noite passada ...



Comentários do Capítulo:

Comentários da Fanfic 60



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  • stellabarcelos Postado em 27/10/2015 - 02:17:36

    Muito perfeita! Foi lindo! Amei

  • JokittaVondy Postado em 14/07/2014 - 18:29:06

    PERFEITA <3 Amei o final

  • sophiedvondy Postado em 21/09/2013 - 22:50:29

    embora seja pequena é perfeita, linda parabéns <3 quem gosta de fic? leiam a minha pfvrr http://fanfics.com.br/fanfic/27130/sumemertime-adaptada-vondy-vondy

  • larivondy Postado em 24/06/2013 - 13:17:00

    ameeei, linda a história *-*

  • claudia_miranda Postado em 15/03/2013 - 17:50:50

    li a sua web e amei parabens perfeita..

  • claudia_miranda Postado em 15/03/2013 - 17:50:50

    li a sua web e amei parabens perfeita..

  • claudia_miranda Postado em 15/03/2013 - 17:50:50

    li a sua web e amei parabens perfeita..

  • claudia_miranda Postado em 15/03/2013 - 17:50:49

    li a sua web e amei parabens perfeita..

  • claudia_miranda Postado em 15/03/2013 - 17:50:49

    li a sua web e amei parabens perfeita..

  • eduardooliveira Postado em 27/10/2011 - 20:06:44

    Para quem é vondy e tem orkut, vá nessa fanfic: http://www.orkut.com.br/Main#Community?cmm=118052479 ,se gostar,comente! =)


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