Fanfics Brasil - CAPITULO XV ***Bodas de Fogo*** ♥ D&C ♥

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Capítulo: CAPITULO XV

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- Christopher! Vamos - Dulce falou de repente. - Levante-se! - Ela pulou da cama e agarrou o braço do marido com ambas as mãos procurando, sem sucesso, obrigá-lo a se mexer. Era como tentar arrancar um carvalho gigante, com as raiz firmemente plantadas no solo. - Você não pode me negar isso agora.

Quando Christopher a fitou, um ar cético no rosto, apressou-se a explicar:

- Será que não entende? Podemos sair deste quarto juntos! Estamos livres! - Animada, Dulce começou a se vestir, quase tropeçando nos cachorros. Sentindo a excitação da dona, os animais roçaram os focinhos de encontro as pernas femininas, querendo brincar. Desvencilhando-se deles com uns tapinhas discretos nas cabeças enormes, ela terminou de se arrumar, ansiosa para provar ao povo de Dunmurrow que seu lorde não era nenhum demônio, e sim o homem mais bonito de todo o reino.

Vibrando de alegria, Dulce abriu um dos baús onde o marido costumava guardar as roupas, procurando alguma coisa adequada à ocasião. Decidiu-se por uma veste vermelho-sangue, finamente trabalhada, que faria sobressair o tom de pele e cabelos de Christopher. Um traje per­feito para o Cavaleiro Vermelho voltar ao mundo dos vivos.

- Use isto aqui. Quero exibi-lo. Oh, se ao menos Alice estivesse aqui! Ela estava sempre me chateando com his­tórias fantásticas a seu respeito, quase me fazendo acre­ditar que eu havia me casado com um homem de duas cabeças e cascos no lugar de pés. Só queria que ela pu­desse vê-lo agora!

A resposta de Christopher não passou de um resmungo desinteressado. Porém levantou-se da cama e, depois de vestir-se, ficou diante da esposa. Dulce prendeu a respiração maravilhada, observando a visão resplan­decente. Com a veste vermelha sobre uma túnica ama­relo-claro e um cinturão de ouro, ele transmitia força e virilidade.

- Você tem cabelos tão bonitos... - Dulce murmurou.

Christopher riu e acariciou os fios longos e macios da esposa.

- Os seus cabelos é que são lindos, esposa. Embora já tivessem sido descritos para mim muitas vezes, a co­loração dos fios escapa à imaginação. Fico feliz em poder vê-los com meus próprios olhos. - Montmorency beijou alguns fios, o olhar fixo no rosto da mulher.

O Cavaleiro Vermelho era mesmo um feiticeiro, Dulce pensou, sentindo um calor gostoso se espalhar por seu corpo inteiro, deixando-a com os joelhos trêmulos e a respiração ofegante.

- Vamos, antes que sua mente se volte para outras coisas - provocou-o sorrindo.

Os dois desceram as escadas em silêncio, imersos pela escuridão, até que enfim chegaram ao salão principal.

Porém se esperava causar uma impressão poderosa sobre a primeira pessoa que encontrassem no caminho, Dulce ficou profundamente desapontada. Pois foi Cecil quem os viu primeiro e o rosto impassível do servo não demonstrou a menor surpresa.

- É bom vê-lo, meu lorde - criado falou muito calmo antes de voltar a atenção para os seus afazeres.

Contudo o aparecimento repentino do barão provocou uma reação mais intensa de Glenna, que estava vindo da cozinha carregando uma bandeja com pratos e copos.

- Glenna, meu lorde vai almoçar conosco hoje - Dulce anunciou feliz.

A cozinheira deu uma olhada no Cavaleiro Vermelho e então deixou a bandeja cair no chão, o barulho estri­dente ecoando pelo ambiente enorme.

- Oh, vou ajudá-la. - No mesmo instante Dulce ajoelhou-se ao lado da serva, apanhando os objetos es­palhados aqui e ali. Mas ao fitar o marido, não conseguiu conter o entusiasmo e falou baixinho, apenas para os ouvidos de Glenna. - E então? O que você acha? Ele não é lindo?

- Bem, minha lady... - A cozinheira parecia indecisa, sem saber exatamente como responder. - Ele... ele pa­rece um pouquinho ameaçador.

- Ameaçador? - Ainda ajoelhada no chão, Dulce virou-se para fitar o marido. Ele era enorme sim, muito mais alto do que qualquer homem que jamais conhecera e os músculos poderosos ficavam evidentes sob as cama­das de roupas. Montmorency continuava parado no mes­mo lugar, observando atentamente as mudanças que haviam sido feitas no salão principal, os lábios comprimidos indicando intensa concentração. A cicatriz junto a um dos olhos era aparente. Mas considerá-lo ameaçador? Não, Christopher era bonito demais para parecer feroz. Dulce suspirou feliz, cheia de admiração pelo marido.

Glenna não teve dúvidas. A castelã de Dunmurrow estava perdidamente apaixonada pelo barão Montmoren­cy. Não demorou muito e as boas novas chegaram à al­deia. O terrível Cavaleiro Vermelho voltara ao mundo dos vivos, domado pela bela esposa que, em troca, só faltava beijar o chão em que ele pisava.

O fato de Christopher ter recuperado a visão tornou o mundo de Dulce perfeito e cada dia passou a ter um novo brilho. Ele fazia questão de a adular e satisfazer todos os seus desejos, convidando-a para cavalgar e caçar, fa­zendo as refeições no salão, visitando a aldeia, embora parecesse tão feliz com aquelas exposições públicas quan­to ela.

Durante as noites, ladeados pelos cães, costumavam jogar xadrez nos aposentos principais, as trevas para sempre banidas pelo brilho suave das velas. E faziam amor. Depois de ter vencido o medo dos sentimentos for­tes, Dulce se entregou de corpo e alma à emoção avassaladora que fluía de Christopher. Estivera certa, sim. Uma vez liberada, a paixão do marido desconhecia limites. E ela correspondia com igual ímpeto e ardor, algo que ja­mais se julgara capaz de fazer.

As semanas foram passando, transbordantes de feli­cidade, e, gradualmente, o tempo foi melhorando até a chegada da primavera. Montmorency recomeçou a tra­balhar com seus homens, treinando-os e aprimorando as habilidades de cada um no uso das armas. Dulce gos­tava de assistir algumas das sessões, admirando o Ca­valeiro Vermelho manejar a espada, o corpo enorme exe­cutando movimentos complicados com uma elegância na­tural, os músculos firmes e delineados sob as roupas. Mas apesar do prazer que a cena lhe causava, a ansiedade costumava ser maior.

Porque o milagre da visão recuperada abrira uma nova possibilidade. Christopher tornara-se novamente capaz de lutar e não podia suportar a idéia de vê-lo deixar Dunmurrow para se embrenhar numa batalha. A exis­tência de Hexham era o único ponto negro que toldava a sua felicidade.

Até então Montmorency dava a impressão de estar satisfeito com a permanência em Dunmurrow, porque tudo parecia tranqüilo em Belvry. Afonso e seus homens haviam se instalado lá e não tinham visto sequer um sinal do traiçoeiro vizinho. Alice e Pasqua também continuavam em Belvry, casados e felizes. A previsão de Christopher fora correta, pelo menos até o presente momento.Uma demonstração ostensiva de força mandara Hexham volta ao próprio covil. Porém, como uma serpente maligna, aquela criatura devia estar tramando alguma coisa. Talvez um ataque tão logo chegasse a primavera?

Por mais que se esforçasse para pensar o contrário, Dulce não conseguia ignorar as dúvidas que a assaltavam. Uma sensação horrível de que seus dias e noites com o Cavaleiro Vermelho estavam contados.

Ela estava na despensa, separando algumas ervas e preparando um tônico para um dos servos, quando Kendrick veio lhe dar a notícia. Um grupo de soldados tinha chegado de Belvry e o líder estava conversando com barão naquele instante. Kendrick estava bastante excitado, como apenas rapazinhos podem ficar a respeito de cavaleiros e preparativos para a batalha. Mas Dulce sentiu o sangue gelar nas veias.

Era como se o momento que sempre temera tivesse chegado. Procurando manter o controle, continuou separando as ervas. Ao terminar, lavou as mãos e subiu para os aposentos principais, onde, com certeza, más notícias a aguardavam.

Ao entrar no quarto, ela reparou, como sempre, as mudanças que ali haviam ocorrido desde a primeira vez em que pusera os pés nos aposentos do Cavaleiro Vermelho. Embora ainda existisse um brilho estranho no local, pois as paredes eram mesmo pintadas de vermelho. Embora as sombras tinham sido banidas para sempre e não mais escondiam o lorde de Dunmurrow.. As janelas abertas lançavam um faixo de luz sobre a mesa onde Christopher e um soldado estavam conversando.

Tão logo a viu, Christopher dispensou o soldado. Apesar de sentir que as pernas pesavam uma tonelada, ela conseguiu caminhar ao encontro do marido e, como se tentasse evitar o que estava para ouvir, fechou os olhos no instante em que escutou o barulho da porta sendo fechada.

- Hexham me fez um desafio direto - Montmorency falou. - Não posso recusar.

Dulce ergueu a cabeça, obrigando-se a aceitar a rea­lidade.

- Quando você vai partir? - perguntou com uma calma que estava longe de sentir.

- Assim que seja possível. Dentro de um ou dois dias.

Percebendo a tristeza do marido, ela desviou o olhar e foi até a janela, lutando contra a dor da separação. Lá fora as terras de Dunmurrow se estendiam a perder de vista, renovadas pelos primeiros sinais da primavera.

- Você se lembra quando eu fui visitar a curandeira da aldeia? - Dulce indagou, sentindo a presença do marido atrás de si, o corpo forte irradiando calor.

- Sim. - Christopher permaneceu imóvel, sem esboçar qual­quer tentativa de tocá-la.

- Fui procurar a curandeira para quebrar o encan­tamento que você tinha lançado sobre mim. Mas era um feitiço que poção alguma poderia desfazer. A viúva Nebbs sabia disso, claro, e acho que quis me ensinar uma lição.

- Dulce... - A voz masculina soava baixa e angus­tiada.

- Ela me ensinou mesmo uma lição. Foi quando decidi aceitar meus sentimentos por você. E eles cres­ceram tanto que me fizeram transbordar de felicidade. Porém, agora, neste momento, é fácil lembrar por que um dia eu pedi uma poção mágica... Eu queria me poupar desta dor.

Christopher abraçou-a com força.

- Querida... Eu sinto muito. Preferia que não tivés­semos que enfrentar uma situação como esta. Você acha que desejo deixá-la agora, quando finalmente encontrei tudo o que sempre procurei?

Como Dulce nada respondesse., Montmorency con­tinuou.

- Quando perdi a visão, eu rezei, eu chorei, eu implorei para tê-la de volta. Mas depois que você apareceu na minha vida... a única coisa em que eu pensava era em poder mantê-la ao meu lado.

Apesar de tentar se controlar, Dulce não conseguiu deixar de pedir:

- Então não vá.

- Mesmo que não fosse pela segurança de suas terras ou por causa da minha honra, o que seria do futuro? Se eu não lutar pelo que é meu agora, será que teremos que passar o resto de nossas vidas temendo vizinhos gananciosos? Eu gostaria de tornar Dunmurrow um lar seguro para os nossos filhos.

Ela sorriu, cheia de tristeza. Sabia muito bem que o marido estava certo, contudo essa certeza não diminuía a dor e nem tornava o sofrimento mais fácil de suportar. A verdade é que amava Christopher com todas as suas forças e agora seria obrigada a pagar o preço.

- Está bem. Só quero que você volte logo para casa...e em segurança.

- O quê? - Christopher indagou fingindo-se ofendido. ­- Você não tem nenhuma fé no Cavaleiro Vermelho?

Dulce levantou-se antes do amanhecer para vê-lo partir. Embora a primavera já tivesse chegado, as ma­nhãs continuavam úmidas e frias, obrigando-a a enro­lar-se numa capa pesada.

Imponente, Christopher dava as últimas ordens, montado no garanhão negro. Além dos homens que haviam vindo de Belvry, os soldados de Dunmurrow iriam acompanhá-lo também, pois não tinha a menor vontade de sofrer uma emboscada antes de chegar ao seu destino.

Com um aperto no coração, ela pensou que jamais vira o marido com uma aparência mais poderosa, ou mortal, do que naquele momento. Vestido para a batalha, o elmo sob o braço, ele personificava o deus da guerra.

-Dulce, meu amor - ele falou surpreso, vendo-a se aproximar. - Eu não a esperava aqui.

- Você nunca poderá escapulir da nossa cama sem que eu perceba - ela brincou, um sorriso nos lábios para esconder as lágrimas. - Aqui está, tenho uma coisa para lhe dar.

Sufocada pelo choro contido, Dulce entregou-lhe o que havia bordado durante as horas que o marido passara treinando os homens e se preparando para este dia. Com um único movimento do pulso forte, Christopher desfraldou o estandarte. Sobre o veludo vermelho-sangue, um veado branco lançava os chifres para o infinito.

- Já que você ainda não tem um brasão próprio, decidi bordar o emblema dos de Laci sobre um fundo encarnado - ela murmurou baixinho.

- É lindo. Obrigado. - Christopher chamou o escudeiro que apressou-se a enrolar o estandarte antes de guardá-lo junto aos pertences do barão.

Então ele fitou a esposa nos olhos, como se somente a muito custo conseguisse controlar a paixão dentro do peito.

- Dulce... - Montmorency abriu a boca para dizer alguma coisa, porém não foi capaz de emitir mais ne­nhuma palavra. Simplesmente ergueu-a nos braços e bei­jou-a com sofreguidão. Quando Dulce sentiu os pés to­carem outra vez o chão, o marido já cavalgava ao longe, perdido na escuridão que antecede a madrugada.

Debruçada sobre o balcão da despensa, Dulce pre­parava um chá medicinal para aliviar o desconforto de um dos aldeões que quebrara a perna recentemente.

Ao terminar, para o próprio sofrimento. Se ao menos pudesse fazer alguma coisa para aliviar a dor e a angústia que a consumiam e que, desde a partida de Christopher, se­manas atrás, só fizeram aumentar.

Entretanto sabia que nem ela, nem a viúva Nebbs, tinham a cura para o mal que a acometia. Sentia uma falta terrível do marido. Embora estivesse ainda mais ocupada agora, com o plantio das terras para supervisionar­ , os jardins para cuidar e uma centena de outros deveres, o fato é que a ausência de Christopher lhe pesava sobre os ombros como um fardo insustentável. Seus dias podiam ser cheios, porém uma parte de si mesma continuava vazia.

- Minha lady? - A chegada de uma nova residente do castelo, uma garota tímida, vinda da aldeia, arrancou-a do profundo estado de melancolia.      

- Sim? - Ela encorajou a menina com um aceno do cabeça.

- Estive na aldeia hoje. Fui ver a viúva Nebbs ­- Clara falou embaraçada, fitando o medicamento que a castelã preparara.

Dulce sorriu compreensiva, sabendo que velhos há­bitos custam a morrer. Certamente o fato de Clara ter buscado auxílio em outro lugar não a ofendia nem um pouco.

- E então?

- A viúva Nebbs me pediu para lhe entregar uma coisa, minha lady.

- Oh? - Dulce não havia tomado a visitar a velha senhora, as lembranças do profundo mal-estar causado pela poção ainda vivas em sua mente. Embora se sentisse culpada por negligenciar a viúva, a culpa não era grande o suficiente para fazê-la voltar ao casebre estranho e sombrio.

- Sim, minha lady, aqui está.

Ao receber o pequeno embrulho das mãos da garota, Dulce imediatamente colocou-o sobre o banco, procu­rando se convencer de que não era supersticiosa. Mas havia algo a respeito da viúva Nebbs que a deixava nervosa.

- Ela mandou lhe dizer que estas ervas são boas para fazer o bebê se acomodar bem no útero.

Surpresa, Dulce fitou Clara sem nada entender. Bebê? Que bebê? Antes que tivesse tempo de analisar o recado, a garota continuou devagar, como se recitasse algo de memória.

- A viúva Nebbs também me pediu para lhe dizer que você não precisa ter medo, minha lady... porque...porque a mágica do... veado branco a acompanha.

Ela simplesmente não sabia o que pensar depois de ouvir o recado ultrajante. Entretanto Clara não parecia esperar resposta alguma, pois tão logo se desincumbiu da tarefa que lhe fora imposta, sorriu feliz e saiu da dispensa.

Inspirando fundo, Dulce concluiu que talvez devesse rir. E até teria rido, se os pêlos arrepiados na nuca não a impedissem de relaxar. Um veado mágico? Antes, con­siderara a viúva uma criatura estranha, mas sábia. Ago­ra, perguntava-se se a pobre-coitada não tinha enlouque­cido. Ela estendeu a mão, disposta a jogar o embrulho no lixo. Mesmo se estivesse à morte, provavelmente não receitaria nada vindo da viúva Nebbs. A última poção a deixara doente demais para se arriscar.

Um bebê e um chá medicinal para fazê-lo se acomodar no útero. A idéia lhe soava como um total disparate. De repente Dulce sentiu um frio estranho percorrê-la da cabeça aos pés ao tentar se lembrar da última vez que ficara menstruada. Fazia mais de um mês que as regras não vinham e sequer prestara atenção ao fato, preocu­pada demais com a ausência do marido.

Era bem possível, Dulce pensou atordoada, inteira­mente possível. Não mais do que possível. Provável. Aliás, bastante provável que estivesse carregando no ven­tre o filho de Christopher. Só não se dera conta antes porque andara muito angustiada para reparar! Como será que a viúva Nebbs...?

No mesmo instante Dulce afastou a mão do embru­lho, como se as ervas tivessem o poder de queimá-la. Ao sair correndo da despensa, quase deu um encontrão em Cecil. Impassível, o servo fitou a sem menor surpresa, como se fosse comum ver a castelã de Dunmurrow correndo desabalada e esbarrando nas pessoas.

- Cecil - ela falou sem maiores explicações de um embrulho sobre o banco da despensa. - Por favor jogue-o no lixo para mim.

- Certamente, minha lady - o criado respondeu sem mover um músculo da face.

- Obrigada. Você é muito bom.

Então ela correu na direção dos aposentos principais ansiosa para ficar a sós e pensar, planejar, sonhar com o filho, ou a filha, que trazia no ventre. O vazio interior de repente fora preenchido outra vez.

Dulce não se preocupou mais com o tal embrulho porque suspeitava que aquela mistura de ervas fora apenas uma desculpa encontrada pela viúva para obrigá-la se dar conta do bebê. Porém, voltava a pensar com insistência no resto da mensagem que recebera, a mensagem que Clara se esforçara para repetir com exatidão. O que será que a velha senhora quisera lhe mandar dizer? Sentia-se curiosa sim, mas não curiosa o suficiente para visitar a viúva e descobrir por si mesma.

Ela estava no salão principal quando alguém veio avisar que um visitante recém-chegado aguardava permissão para entrar junto aos portões.

- É um homem chamado Benedict de Belvry ­- soldado explicou.

- Mande-o entrar! - Dulce falou, o coração batendo acelerado no peito. Nem por um momento questionou vinda de Benedict, e não de um dos homens do marido. Tudo em que conseguia pensar era que ouviria notícias de Christopher.

Imediatamente mandou que trouxessem uma bandeja com cerveja e pão para alimentar o viajante. Depois acer­cou-se do fogo para aquecer as mãos geladas, embora a temperatura no interior do castelo fosse agradável. Se alguma coisa tivesse acontecido ao seu marido... Christopher! Christopher! O nome dele latejava no seu sangue com uma força descomunal. Melhor não tentar pensar, nem adi­vinhar, nem antecipar...

Naquele momento Benedict entrou, uma capa jogada sobre os ombros e um capuz na cabeça, parecendo bem mais alto do que se lembrava. O rapaz não disse uma palavra e ficou de pé num canto, enquanto um servo deixava uma bandeja com alimentos sobre a mesa. Se­gundos depois Dulce estava novamente a sós com Be­nedict. Só que não era Benedict.

Ela permaneceu imóvel sem saber se deveria chamar os guardas ou gritar pedindo socorro. Apesar do homem não fazer nenhum movimento ameaçador, alguma coisa estava muito errada. Quem seria ele? Por que estaria querendo se fazer passar por Benedict? O instinto lhe dizia que se tratava de um inimigo, contudo o que uma criatura sozinha esperava ganhar, quando havia guardas em Dunmurrow e uma pequena tropa acampada ao lado das muralhas externas?

Pois quem quer que fosse, o desconhecido obviamente não demonstrava nenhum medo porque continuou fitan­do-a com interesse até que deu um passo para frente e, num gesto melodramático, atirou o capuz para trás.

Ao se ver frente a frente com um rosto que lhe era familiar, Dulce não podia acreditar nos próprios olhos.

- Hexham! Você está louco? O que está fazendo aqui?

- Vim resgatar a bela dama, claro - ele respondeu no tom arrogante que lhe era peculiar. O barão era tão moreno quanto Christopher era louro, a pele desbotada, os ca­belos negros como uma noite de breu. Muitas pessoas poderiam até considerá-lo um homem bonito, porém Hex­ham se achava maravilhoso.

- Venha, Dulce. Eu a libertarei desta masmorra e a conduzirei de volta a Belvry.

Ela se afastou das mãos estendidas, completamente confusa.

- O que você está dizendo?

- Estou dizendo que vim libertá-la deste lugar horrível para reconduzi-la ao luxo ao qual está acostumada e que lhe pertence por direito. - Com o peito estufado feito um balão, Hexham se dava ares de grande cavaleiro. Somente então Dulce percebeu que seu antigo vizinho via a si mesmo como um verdadeiro salvador.

O plano do barão estava claro enfim. O desafio que ele fizera ao Cavaleiro Vermelho fora apenas uma desculpa para obrigar o lorde de Dunmurrow a afastar-se de seus domínios, deixando o castelo sob a guarda de uma tropa reduzida. Assim Hexham poderia raptá-la da maneira mais covarde e desleal possível. Aquele verme não tinha um pingo de honra e se escondera atrás de um disfarce para atingir seus objetivos baixos.

Enojada, Dulce não conseguiu disfarçar a expressão de profundo desprezo no rosto. Hexham era traiçoeiro, como uma cobra e não merecia ser levado em consideração. Christopher, por exemplo, teria agido às claras e com ousadia, já Hexham preferia agir pelas costas, sem qualquer ética. Muito embora ele estivesse só naquele momento, tinha certeza de que seus homens o aguardavam a uma distância segura do castelo. Covarde por natureza, o barão não se aventuraria a agir por conta própria, mesmo julgando que viera em auxílio de uma mulher desejosa de ser salva.

Do alto da sua insolência, Hexham estendeu os braços, certo de que Dulce correria ao seu encontro, cheia da gratidão por ser salva de um marido bárbaro.

Ela quase começou a rir.

Apesar de no início Dunmurrow ter lhe causado um certo desconforto e o Cavaleiro Vermelho tê-la deixado bastante inquieta, jamais lhe passara pela cabeça fugir. Mesmo que Alice tentasse convencê-la do contrário, nem por um momento cogitara tomar o caminho dos covardes. E aqui, bem à sua frente e em toda a sua glória, estava o maior de todos os covardes.

- Vamos logo - Hexham insistiu, procurando apressá-la.

Se ao menos julgasse que os motivos do barão fossem puros, que ele viera com o único objetivo de socorrê-la, talvez pudesse até perdoá-lo. Porém Hexham não fazia nada a não ser em proveito próprio.

- Por quê? - Dulce indagou com ousadia.

Um brilho de raiva passou pelos olhos negros, porém ele tentou disfarçar a irritação com um sorriso falso.

- Teremos tempo de sobra para conversarmos durante a jornada de volta. Vamos embora depressa, antes que nos descubram.

- Por quê? O que você está planejando ganhar com esta vinda aqui?

- Quero apenas libertá-la deste lugar. Agora venha! - Hexham deu um passo à frente, incapaz de esconder a fúria que o atraso estava lhe causando.

- Não - Dulce falou muito calma. - Não vou a lugar nenhum. Aqui é meu lar.

Hexham ficou transtornado de raiva, o rosto vermelho, os olhos dilatados.

- Isto aqui não passa de um amontoado de pedras! Seu lar é em Belvry, ao meu lado!

- Posso saber o que você tem a ver com Belvry? ­- ela indagou friamente. - Aquela propriedade pertence ao meu marido.

- Marido?! Não vejo nenhum marido por aqui - Hex­ham debochou. - Seu pai a prometeu a mim! Ele queria ter certeza de que suas terras ficariam protegidas, e que maneira melhor de garantir essa proteção do que juntar Belvry às minhas terras?

Ela mal podia conter a indignação diante de tantas mentiras.

- Meu pai não lhe prometeu nada pois sempre o con­siderou um arrogante imprestável e jamais pensaria em associar-se a você! Seria mais fácil ele se levantar da própria sepultura do que aceitá-lo à cabeceira da mesa de Belvry.

- Chega! - O barão tinha os lábios retorcidos, como se um odor nojento houvesse empestado o ar. - Muito breve serei dono de seu querido Belvry.

- Você nunca terá Belvry!

Hexham deu um passo para frente, ameaçador.

- Engano seu. Assim que eu puser as mãos em você, ninguém poderá me impedir de coisa alguma!

- Se você ousar me tocar, meu marido o matara. - Dulce falou num tom tão frio e mortal que o barão pareceu hesitar.

Então ele riu.

- Ha! Você não tem marido! Por que o Cavaleiro Vermelho não aparece e me enfrenta? - Hexham apontou na direção da porta, despejando ironia.   

- Meu marido não pode aparecer agora porque no momento anda bastante ocupado dizimando aquele exército ridículo que você tem!

- Você está mentindo - ele falou, tentando convencer a si mesmo. - Ninguém tem visto Montmorency nos últimos tempos. Ou está morto ou é um homem muito velho e fraco que atendeu ao meu desafio apenas para ser retalhado pelos meus soldados. Se você esta realmente casada, o que eu duvido, assim que chegarmos a Belvry darei um jeito para que esse matrimônio seja anulado.

- Pode esquecer, meu caro, porque agora trago um filho no ventre. Montmorency está vivo sim. - Ela tocou a barriga de leve, percebendo o olhar de surpresa e desgosto de seu oponente. - Meu marido não é ne­nhum fraco e sim o Cavaleiro Vermelho, um grande guerreiro, com poderes e força que ultrapassam a sua imaginação.

Ao reparar uma sombra de medo toldar as feições do barão, Dulce pressionou a vantagem. O que será que Hexham sabia sobre a reputação de Montmorency? E até onde acreditava nas histórias que se contavam?

- Meu marido ficou em Dunmurrow alguns meses, aperfeiçoando suas habilidades, obtendo novos conheci­mentos e poderes, coisas que você jamais sonhou existirem. Montmorency saiu daqui para enfrentar alguém que ousou desafiá-lo. Somente um tolo como você não perceberia o perigo que o Cavaleiro Vermelho representa. A ira dele é vermelha como sangue, o seu sangue, Hexham, que meu marido fará questão de derramar.

- Cale a boca, sua vaca - Ele ergueu a mão para esbofeteá-la, porém os cães, esquecidos durante toda a cena, começaram a rosnar ameaçadoramente. No mesmo instante Hexham baixou o braço, o rosto desfigurado de ódio.

No início Dulce pensara apenas em se livrar da figura indesejável, convencendo-o de que não precisava ser salva de nada. Porém a violência e as palavras cruas a fizeram mudar de idéia. Sabia muito bem que Hexham não merecia a menor confiança pois se tratava de uma criatura desprovida de honra, um covarde que desafiara seu ma­rido e depois se esgueirara como um verme para lhe roubar a esposa. Naquele exato momento Christopher estava a quilômetros de distância, talvez lutando pela própria vida. Não, Hexham não iria sair impune da situação ele criara. O barão tentou outra vez. Contendo a raiva com muito esforço, vestiu novamente a máscara da falsa nobreza.

- Se este cavaleiro é tão feroz como você diz, então estou lhe dando a chance de escapar de seu domínio. Venha comigo, para Belvry. Não me importo que haja um bebê a caminho.

Apesar do tom ameno, Dulce percebia as mentiras sob o manto da delicadeza. Se o acompanhasse, Hexham jamais permitiria que aquela criança nascesse. A idéia a encheu de uma fúria tão grande como nunca se julgara capaz de sentir.

- Ainda podemos dar um jeito de conseguir a anulação deste casamento. Nós pertencemos um ao outro, você sabe.

Ela riu alto.

- Sempre o detestei e somente um cego não enxergaria isso. Mas mesmo se não o detestasse, não iria querê-lo para marido. Pertenço a Montmorency. O Cavaleiro Vermelho é meu lorde. E ele é muito mais do que eu um dia desejei.

- Você está enfeitiçada! O fato de ter se deitado com esse demônio e gerado um filho dele só pode provar sua insanidade. Venha, vou dar um jeito de quebrar esse encantamento logo.

- Castor! Pollux! - Dulce chamou ao perceber que o barão tentava tocá-la. Imediatamente os cães estavam ao lado da dona, enormes e ameaçadores. - ­ Quanto a você, meu galante salvador, farei com que seja jogado na masmorra, onde aguardará o julgamento de meu marido.

O choque no rosto de Hexham deixou claro que ele não esperava ser recusado e muito menos ser feito prisioneiro. O desespero estampado nos olhos malévolos devia tê-la avisado, porém Dulce estava muito segura de si, sabendo-se protegida pelos cães.

- Quer que eu sirva um pouco mais de cerveja, minha lady?

A chegada repentina de Glenna mudou toda a situação. Antes que Dulce tivesse a chance de responder, Hexham agarrou a serva pelo braço enquanto encostava um pu­nhal na garganta da mulher.

- Mande seus cachorros sossegarem - ele falou num tom baixo e cruel -, e venha comigo. De outro modo não hesitarei em cortar a garganta desta mulher.

Dulce inspirou fundo, sabendo que o barão cumpriria a ameaça. Ao pensar na possibilidade de Moira encontrar a mãe sangrando até a morte, não teve dúvidas.

- Está bem. Irei com você.

- Mande os cães para a cozinha.

- Castor! Pollux! Fora!

Rosnando baixo, os cães se retiraram. Sem outra escolha, Dulce aproximou-se do barão. Tarde demais se dera conta de que o tinha subestimado, considerando-o apenas um tolo arrogante. Agora devia pagar o preço pelo engano.

- Solte a serva.

Com um movimento rápido, Hexham soltou Glenna e agarrou o braço de Dulce, encostando a lâmina fria de encontro ao pescoço alvo.

- Não tente fazer nada, mulher, ou eu mato a castelã de Dunmurrow.

Glenna não conseguia se mover, os olhos arregalados de pavor.

- Você nunca sairá vivo deste castelo - Dulce o avisou.

- Oh, sairei sim. - Mantendo-a firme pelo braço, Hexham obrigou-a a vestir a capa e colocar o capuz, de forma que ninguém pudesse enxergar o punhal que a ameaçava. - Você facilitará minha saída. Dirá aos guar­das que estamos indo até a aldeia. E melhor ser convin­cente ou morrerá.

Será que o barão teria mesmo coragem de matá-la? Ele sempre a desejara, ainda quando casado não tentava sequer disfarçar os olhares lascivos e nojentos.

Sim, Hexham a queria e também ambicionava se tor­nar dono de Belvry. Porém agora não passava de um homem desesperado e incapaz de se render com nobreza. Se ao menos não estivesse presa pelo braço poderia gritar, chamar um guarda, correr. Dulce colocou as mãos sobre a barriga num gesto protetor. Não podia arriscar a se­gurança do filho de Christopher.

Como suspeitara, Hexham deixara um grupo de ho­mens aguardando-o no pátio, todos usando as cores de Belvry. Os covardes! Ao montarem nos cavalos, ela pensou em galopar na direção dos guardas de Dunmurrow pedindo socorro, entretanto Hexham segurava as rédeas ele seu cavalo com mãos de ferro. Impossível tentar escapar sem sair ferida.

Não havia sequer esperança de serem barrados na pon­te levadiça. Ninguém imaginaria que um pequeno grupo vindo de Belvry poderia significar perigo para a casto de Dunmurrow.

Também, escondida sob a capa e o capuz, nenhum dos guardas foi capaz de reconhecê-la e a deixara passar sem perguntas. Impotente, Dulce marchou de encontro ao seu destino, o coração tomado de um profundo desespero.

Já estavam fora das muralhas do castelo quando um dos últimos guardas finalmente a reconheceu.

- Minha lady! - ele chamou, aproximando-se. - Um momento!

Embora o grupo parasse, Hexham segurou as rédea do cavalo de Dulce com força, pronto para uma fuga arriscada.

- Minha lady vai nos mostrar a aldeia - o barão falou com delicadeza.

O soldado, um homem alto e de cabelos grisalhos, fitou a castelã atentamente.

- Não posso deixá-la sair sem a escolta de alguns dos meus homens, minha lady. Foram ordens de meu lorde.

Silenciosamente, Dulce agradeceu a intervenção do soldado. Com certeza tratava-se de um homem bem trei­nado e que sentira o perigo a distância. Só pedia a Deus que ao perceber o seu pavor, ele agisse rápido.

Tudo aconteceu em questão de segundos. Assim que o guarda de Dunmurrow levou a mão ao punho da espada, Hexham agarrou Dulce e puxou-a para o próprio cavalo, cobrindo o pescoço delicado com a lâmina do punhal.

- Saiam do meu caminho! - o barão gritou. Sem outra alternativa, o soldado deu passagem ao bando, que saiu em disparada.

Embora suspeitasse que uma tropa sairia ao seu en­calço, Dulce sabia que no momento os soldados de Dunmurrow quase nada podiam fazer, exceto atirarem flechas com extremo cuidado. Afinal, se acertassem Hex­ham correriam um grande risco de atingi-la mortalmente também.

Não, não podia contar certo com uma ajuda vinda do castelo. Estava entregue a si mesma e precisava controlar o medo se quisesse sobreviver.

 



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Autor(a): nathyneves

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A coragem e a fibra de Dulce de pouco ajudaram. Embora Hexham não mais ameaçasse com a espada, não havia nada que pudesse fazer a não ser se agarrar à crina do cavalo enquanto fugiam em disparada. Se caísse, seria pisoteada pelos outros animais.Ao entrarem na floresta, Hexham diminuiu a velocidade do galope e fez sinal para que o gru ...


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Comentários do Capítulo:

Comentários da Fanfic 60



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  • stellabarcelos Postado em 27/10/2015 - 02:17:36

    Muito perfeita! Foi lindo! Amei

  • JokittaVondy Postado em 14/07/2014 - 18:29:06

    PERFEITA <3 Amei o final

  • sophiedvondy Postado em 21/09/2013 - 22:50:29

    embora seja pequena é perfeita, linda parabéns <3 quem gosta de fic? leiam a minha pfvrr http://fanfics.com.br/fanfic/27130/sumemertime-adaptada-vondy-vondy

  • larivondy Postado em 24/06/2013 - 13:17:00

    ameeei, linda a história *-*

  • claudia_miranda Postado em 15/03/2013 - 17:50:50

    li a sua web e amei parabens perfeita..

  • claudia_miranda Postado em 15/03/2013 - 17:50:50

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  • claudia_miranda Postado em 15/03/2013 - 17:50:50

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  • claudia_miranda Postado em 15/03/2013 - 17:50:49

    li a sua web e amei parabens perfeita..

  • claudia_miranda Postado em 15/03/2013 - 17:50:49

    li a sua web e amei parabens perfeita..

  • eduardooliveira Postado em 27/10/2011 - 20:06:44

    Para quem é vondy e tem orkut, vá nessa fanfic: http://www.orkut.com.br/Main#Community?cmm=118052479 ,se gostar,comente! =)


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