Fanfics Brasil - CAPITULO III ***Bodas de Fogo*** ♥ D&C ♥

Fanfic: ***Bodas de Fogo*** ♥ D&C ♥


Capítulo: CAPITULO III

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De cabeça erguida, Dulce seguiu o sem­pre-presente Cecil, que viera buscá-la para o jantar. Seu quarto e o cubículo ao lado, uma espécie de depósito, estavam agora limpos e arrumados. Ela ten­tava não pensar nos aposentos espaçosos de Belvry ou no solário, rodeado de janelas envidraçadas, onde costu­mava passar a maior parte do dia. Talvez pudesse mandar buscar algumas de suas tapeçarias favoritas para cobrir as paredes mas de Dunmurrow e para alegrá-la também...

Determinada a não alimentar pensamentos dolorosos, tratou de se concentrar nos problemas imediatos. Depois do jantar iria pedir que lhe preparassem um banho, de­cidiu, esforçando-se para se concentrar em detalhes. Quem sabe se mantivesse a mente voltada para assuntos banais não conseguiria esquecer, pelo menos por um mo­mento, o tamanho e a gravidade de seu erro.

Sim, havia se enganado terrivelmente, Dulce admitiu pela primeira vez, embora continuasse a negar o fato para Alice. Seu plano fora um completo desastre porque se apoiara demais nas reações de terceiros. Quando o rei e Montmorency agiram de maneira inesperada, tudo fora por água abaixo. Em vez de ganhar a liberdade, suas atitudes a tinham condenado a viver neste lugar sinistro.

O bom senso lhe dizia que devia ter escolhido um outro homem para marido, entretanto bastava pensar nos ca­valeiros da corte para chegar a conclusão de que con­tinuaria a rejeitá-los de forma definitiva. A verdade é que preferia não ter se casado com ninguém. E se a opi­nião de Alice fosse levada em consideração, permanecia uma mulher solteira. A criada insistia na idéia de que Montmorency era um fantasma ou um demônio, não uma criatura mortal, com sangue quente correndo nas veias. Enquanto arrumavam o quarto, a pobre-coitada fizera questão de repetir à exaustão cada um dos boatos que ouvira sobre o Cavaleiro Vermelho, fazendo-o assumir os mais variados papéis, desde o próprio diabo encarnado até um espectro destituído de forma.

Dulce sorriu para si mesma ao se lembrar das tolices contadas pela serva pois aquelas histórias absurdas eram risíveis. Aliás, pensando bem no assunto, talvez não hou­vesse escolhido tão mal assim. Montmorency, de quem não chegara a ver sequer a face, podia ser um marido até melhor do que um homem de carne e osso. Afinal devia ser mais facil lidar com uma sombra do que com um nobre arrogante. Não, não era verdade. O Cavaleiro Vermelho, fosse sombra ou não, jamais se deixaria dominar.

Seguindo Cecil por um corredor frio e estreito, cercado de pedras por todos os lados, Dulce tropeçou várias vezes por causa da escuridão. Praguejando em silêncio, desejou ardentemente ter escolhido outro cavaleiro para marido. Se houvesse optado por um dos nobres da corte poderia até estar enfrentando outros problemas agora, mas pelo menos seria capaz de enxergar! A noite eterna de Dunmurrow começava a pesar sobre seus ombros como um fardo, frustrando quaisquer esforços de manter a pre­tensão de que vivia uma situação normal.

Quando Cecil parou diante dos aposentos principais ela não se surpreendeu. Não era incomum que o lorde de um castelo ceasse em particular na companhia de amigos íntimos ou convidados especiais. Porém não gos­tava nada de estar de volta à alcova do Cavaleiro Ver­melho. O quarto enorme parecia ainda mais escuro do que se lembrava. O fogo da lareira continuava sendo a única fonte de luz, as labaredas inquietas atirando-se para o ar como línguas vermelhas e vorazes.

Montmorency já estava sentado à mesa, aguardando-a no meio das sombras. Embora houvesse debochado das histórias contadas por Alice horas antes, não conseguia evitar a pontada de inquietude que aquela figura enorme despertava. Sentia-se como uma presa, atocaiada pelo caçador. Ao ouvir um rosnado, estremeceu violentamente.

- Quieto, Pollux - Montmorency falou e Dulce per­cebeu, para seu alívio, que o som viera de um dos cães, não de seu marido. Contudo, a escuridão absoluta e a presença ameaçadora dos animais, tornava difícil ignorar os avisos de Alice. Talvez o Cavaleiro Vermelho fosse uma fera, uma coisa horrenda, disforme... Talvez tivesse o rosto distorcido por focinho, caninos afiados e um par de olhos vermelhos flamejantes...

- Sente-se, minha lady. Não vou mordê-la.

O tom seco, quase insultuoso, acabou por transformar o desassossego em irritação. Dulce ergueu o queixo, engoliu uma resposta mal-educada e sentou-se.

- Meu lorde - ela o cumprimentou no mesmo tom. Depois olhou ao redor, procurando sinais da presença de outras pessoas. Para sua total surpresa, havia apenas dois lugares postos à mesa. - Onde está o padre? ­Indagou. - E Delamere, o emissário do rei?

Montmorency não pareceu gostar das perguntas.

- Eles já se foram - respondeu asperamente. - Par­tiram logo após a cerimônia de casamento, ansiosos para começar a longa jornada que os aguardava.

Dulce sentiu um misto de frio e calor intenso. Não conseguia acreditar que aquele pequeno grupo que a acompanhara não fora convidado para, pelo menos, per­noitar no castelo. Mesmo que não houvesse abundância de alimentos por causa do inverno, com certeza um pouco de pão e vinho poderia ser servido aos convidados. Jamais ouvira dizer que as testemunhas de um casamento fossem mandadas embora sem que lhes servissem uma refeição.

Saber-se sozinha na companhia do Cavaleiro Verme­lho, trancada dentro de Dunmurrow para sempre e com todos os laços que a prendiam ao mundo exterior cortados, era algo no mínimo inquietante.

- Você os mandou embora sem... sem uma palavra minha? - ela indagou procurando manter a voz firme.

- Eu não sabia que você queria lhes falar. - Montmorency deu de ombros, como se o assunto não lhe des­pertasse o menor interesse. - Aliás, ambos me pareciam bastante ansiosos para tomar o caminho de casa.

Claro que aqueles dois deviam estar loucos para fugir do antro do Cavaleiro Vermelho, Dulce pensou, cheia de desprezo. Afinal não passavam de covardes.

- Então nada de festa de casamento? Nenhuma ce­lebração? - A pergunta fora feita com uma indiferença calculada.

- Celebração? Não vejo motivo para isso - Montmo­rency respondeu sem disfarçar a amargura.

A resposta fria e cortante foi como uma bofetada, dei­xando-a vermelha de ódio.

- Entendo. Muito bem. Talvez então você tenha mo­tivos para celebrar quando receber a contabilidade de Belvry. Não sei de quanto meu lorde precisa, mas devo lhe informar que acabei de transformá-lo num homem rico.

- Não quero o seu dinheiro! - Irritado ao extremo, ele esmurrou a mesa com força.

Ela decidiu ignorar a explosão.

- Não mesmo? Julgando pela aparência da sua pro­priedade, eu diria que dinheiro é exatamente aquilo de que você precisa. - Aparentando a maior naturalidade, Dulce partiu um pedaço de pão e mordiscou-o devagar.

- Talvez eu deva lembrá-la que foi você quem veio até aqui sem ser convidada, lady de Laci. - A voz pro­funda não passava de um sussurro ameaçador. - Foi você quem me forçou a um casamento que eu não procurei e muito menos desejei. Será que minha lady não pensa na sua... vítima? - Montmorency lidava num tom en­ganosamente afável agora. - E se eu já estivesse com­prometido com outra mulher? Você pelo menos considerou a possibilidade? E se eu gostasse de alguém?

Por um breve momento Dulce ficou abatida... e sur­presa. Casamentos entre famílias nobres costumavam ser, em geral, arranjados pelos pais dos noivos como um verdadeiro negócio. Porém havia casos de amor na corte sim. Embora o Cavaleiro Vermelho fosse a última pessoa a quem julgaria capaz de experimentar esse tipo de sen­timento, não podia ignorar a possibilidade de que ele desejasse outra mulher para esposa. A mulher por quem estava apaixonado.

- Você gosta de alguém? - perguntou sem rodeios. - Montmorency recostou-se no espaldar da cadeira como se a estudasse com interesse, apesar da escuridão rei­nante tornar impossível enxergarem um ao outro. Porém o Cavaleiro Vermelho estava longe de ser um homem comum. Talvez ele pudesse vê-la sim, como a criatura das trevas que era.

O barão não respondeu de imediato, deixando o silêncio se estender até ao ponto de quase sufocá-la. Sem que conseguisse entender o motivo, a resposta de seu marido tornara-se subitamente importante. Queria, precisava ouvi-lo negar que gostava de outra mulher.

- Não - ele respondeu afinal.

- Oh! - Dulce largou a faca sobre a mesa com força, irritada por ter sido deixada naquela expectativa.

- Mas e se eu gostasse? - Montmorency indagou cheio de desprezo, impedindo-a de protestar. - Você com certeza não pensou em mim, ou em qualquer outra pes­soa, um segundo sequer quando traçou esse plano louco para escapar do altar. .

Dulce mal podia conter o desagrado. Então aquele insolente tinha coragem de distorcer a situação, de fazê-la parecer a vilã da história quando fora Edward que a forçara a se casar e o Cavaleiro Vermelho tolo o suficiente para concordar.

 

- Oh, meu lorde, mas eu pensei em você sim. Na verdade nunca imaginei quê seria capaz de aceitar ca­sar-se comigo.

Montmorency resmungou alto, como se as palavras dela confirmassem seus pensamentos.

- Posso saber o que isso significa? - A irritação de Dulce crescia perigosamente. Já era desagradável o suficiente não enxergar o homem para ainda ter que agüen­tar resmungos incoerentes.

- Significa, minha querida esposa, que você é exata­mente o que eu suspeitava. Uma garota mimada.

- Como você tem a ousadia de me falar nesse tom? - ela indagou possessa de ódio.

- Posso ousar o que quiser porque sou seu marido - Montmorency retrucou muito calmo. - Talvez seja bom lembrar-se desse detalhe.

- Como se eu pudesse esquecer. - Por um instante Dulce julgou ter ouvido um som parecido com uma ri­sadinha, porém descartou logo a possibilidade. Quem sabe um dos cachorros rosnava baixinho... Irritadíssima, resolveu jantar. Melhor comer e ficar em silêncio do que ouvir insultos.

 Seu marido não era nenhum tolo, pensou furiosa. Se quisesse dominá-lo, precisaria usar toda a inteligência e sagacidade. Tinha que e encontrar uma maneira de dobrá­-lo, ou de no mínimo, arrancar o tom de zombaria daquela voz. De repente uma idéia salvadora lhe ocorreu. Uma revelação maravilhosa!

A união podia ser anulada.                                   ,

É possível invalidar casamentos alegando-se que a cerimônia foi realizada contra a vontade de uma das partes envolvidas. Embora Dulce não tivesse desejado casar-se com homem algum, escolhera Montmorency de livre e espontânea vontade na frente do rei e de várias teste­munhas, portanto seria impensável alegar que sofrera algum tipo de coação. Não, ela realmente não teria como dizer que fora coagida.

Mas Montmorency sim.

O Cavaleiro Vermelho deixara claro que não a queria. Durante a conversa de horas atrás, ainda de manhã, aquele grosseirão a insultara, dizendo-lhe que só podia ser uma mulher desejável por causa do dote. O barão também afirmara, em alto e bom som, que só a aceitava como esposa em obediência a Edward. Para completar, não fora ele mesmo que acabara de proclamar sua in­dignação por ter sido forçado a aceitar um casamento que não procurara e sequer desejara? Concluindo: ele se casara contra a vontade, simplesmente para cumprir um decreto do rei.

Certa de que a união de ambos seria anulada com facilidade, Dulce sorriu. Precisava apenas convencer Montmorency e dariam um fim àquela farsa. Ficaria livre para voltar para Belvry, uma vez que cumprira sua parte escolhendo um cavaleiro como Edward ordenara. Mont­morency tampouco seria culpado. Afinal ele obedecera ao rei. Também ninguém dissera nada sobre quanto tem­po o casamento teria que durar.

Usando de todo o seu poder de persuasão, como cos­tumava fazer ao barganhar com os mercadores de tecidos finos e especiarias, Dulce expôs sua idéia brilhante.

- Há uma saída, meu lorde.

- Uma saída para o quê?

- Para você se livrar de mim. - A voz feminina trans­pirava doçura.

- Se existe uma saída, eu gostaria de saber qual é.

- Casamentos realizados contra a vontade de uma partes envolvidas podem ser invalidados - ela exclamou paciente. - Portanto, teremos somente que aguardar o tempo suficiente de entrar com uma petição para dissolução de nosso casamento.

- Dissolução? - O Cavaleiro Vermelho indagou alto. - Sob qual alegação?

- Sob a alegação de que uma das partes foi forçada a casar-se contra a vontade - Dulce repetiu exasperada. Será que aquele homem recusava-se a entender?

Ruídos estranhos atravessaram a escuridão, como se o barão estivesse praguejando. Bem, talvez fossem os cães outra vez.

- E então? Você concorda?

- Quer dizer que está mesmo falando sério?! - Montmorency explodiu surpreso.

- Claro que estou falando sério, meu lorde. É a solução perfeita para o nosso dilema. Quando nossa união for declarada nula e dissolvida, estaremos livres para vol­tarmos às nossas vidas de solteiros.

Mais ruídos estranhos vindos da direção do Cavaleiro Vermelho. Seria o barulho provocado pelos animais?

- Bem, qual a sua opinião a respeito do meu plano?

- Na minha opinião você é louca! - Dulce o ouviu levantar-se e sentar-se de novo, a cadeira rangendo sob a montanha de músculos. Ao perceber que a respiração do marido havia se alterado, ela experimentou um prin­cípio de pânico. O que o deixara tão furioso? Ele não fora taxativo ao dizer que não a queria como esposa?

Quando Montmorency voltou a falar parecia ter se acal­mado um pouco.

- Vamos ver se consegui entender direito esse seu novo plano. Edward lhe ordenou escolher um marido e você escolheu a mim. Agora quer mudar de idéia e entrar com uma petição junto ao rei e à Igreja para que nosso casamento seja anulado, alegando ter sido coagida?

- Não, não. Você me entendeu mal, meu lorde.

Um suspiro de alívio vindo das sombras colocou-a mais à vontade para explicar o resto do plano. - Foi você quem contraiu matrimônio sem desejar, portanto é você quem deve entrar com a petição. Claro que vou apoiá-lo. Testemunharei a seu favor, dizendo que você se casou comigo somente por causa da ordem do rei.

- Eu?! - Desta vez o soco de Montmorency na mesa fez o quarto inteiro tremer. Ele se levantou de um pulo, jogando a cadeira no chão. - Você quer que eu declare que fui forçado a me casar com você?

- Claro que sim - Dulce respondeu devagar, in­quieta com aquela demonstração de fúria. - É verdade, não é? Pelo menos foi o que você me disse.

O Cavaleiro Vermelho rosnava feito uma fera enjau­lada e por um momento ela teve medo de ser atacada. Desacostumada a tais manifestações de raiva, Dulce ficou imóvel, tentando lutar contra o sentimento de pavor que ameaçava sufocá-la. Não era o modo como ele parecia pairar sobre o aposento, uma figura alta, sombria e com­pletamente desconhecida, o que a assustava, mas a força daquela ira.

Dulce sempre achara emoções de qualquer tipo algo inquietante e detestava funerais porque o excesso de la­mentos e tristeza a incomodava. Mesmo durante o enterro do pai não fora capaz de chorar. Lágrimas que Alice e outras pessoas derramavam com tanta facilidade nunca vinham aos seus olhos. Nervosa, mordeu os lábios sem saber se devia ficar onde estava ou voar para longe do alcance da fúria do Cavaleiro Vermelho.

Ao perceber que o marido não fazia nenhum movimento na sua direção, aventurou um comentário.

- Pelo que pude entender, você não está inteiramente de acordo com o meu plano.

Montmorency deixou escapar um gemido exasperado. Pelo menos era um avanço, Dulce pensou, considerando que até minutos atrás seu marido estivera rosnando.

- Não, não estou de acordo com o seu plano - ele falou muito calmo. - Em primeiro lugar, seria uma mentira porque ninguém, jamais, me forçou a fazer qualquer coisa contra minha vontade.

- Mas você disse...

- Eu disse que não procurei e nem desejei esta união. Também não falei nada sobre ter sido coagido. O casa­mento foi celebrado para agradar Edward, muito embora eu esteja tentado a acreditar que o sacrifício será maior do que supunha a princípio.

O comentário indelicado a magoou profundamente. Será que o Cavaleiro Vermelho precisava ser sempre tão rude?

- Você age como se fosse o único a estar sofrendo as conseqüências. Posso lhe garantir que nossa união tampouco me agrada. Por acaso você acha que eu quero viver aqui?

Montmorency estava longe de ser tolo e não lhe passou despercebido o desprezo contido em cada uma daquelas palavras.

- Pois viver aqui é o que fará - ele respondeu de forma tão dura e deliberada que Dulce sentiu uma pon­tada de dor no coração. Melhor ter cuidado. O homem sentado à sua frente podia ser muito perigoso.

Quando o barão se mostrava disposto a conversar como uma criatura civilizada, era até possível esquecer sua reputação bizarra e a esquisitice do ambiente ao redor. Se ela fechasse os olhos, podia quase se imaginar no solário ou jantando no salão aconchegante de Belvry, na companhia de um cavaleiro famoso, embora um tanto seco. O problema era que estava a centenas de quilôme­tros de casa. Fora presa numa armadilha, trancafiada dentro da escuridão eterna ao lado de um homem de quem jamais vira sequer o rosto e cuja fama violenta fazia o sangue de qualquer um gelar nas veias.

Melhor lembrar-se de quem era Montmorency de fato e agir com cuidado, especialmente até conhecê-lo um pou­co mais. Procurando raciocinar depressa, Dulce decidiu que deveria apresentar argumentos consistentes e evitar brigas e discussões. Embora estivesse claro que ele não a queria como esposa, também parecia resolvido a não anular o matrimônio. Talvez aceitasse um acordo em que ambos vivessem separados...

- Meu lorde - ela começou delicada -, se você está tão infeliz comigo, por que não me deixa ir para casa? Continuaríamos casados mesmo morando longe um do outro. Você poderia ir e vir de Belvry como lhe for con­veniente. - Entusiasmada com a idéia, Dulce teria continuado a falar se não fosse interrompida de repente.

- Você é minha esposa e ficará aqui, quer lhe agrade ou não.

- Mas precisam de mim em Belvry - Dulce argu­mentou, mudando de tática. Não pretendia abrir mão da própria liberdade tão facilmente assim. - É um feudo muito próspero e se queremos continuar obtendo lucros tenho que estar lá para...

Montmorency sequer deixou-a continuar a frase.

- Já lhe disse que não quero um vintém de seu precioso dinheiro! Não preciso dele!

- Então por que não foi oferecida uma refeição aos convidados do nosso casamento? Por que o castelo está nesse triste estado de abandono? Por que não há servos suficientes para mantê-lo limpo? Por que não há mais fogo nas lareiras para nos aquecer e nem velas para afastar essa escuridão maldita? - A voz de Dulce vibrava de frustração. Como Montmorency tinha coragem de negar que precisava de dinheiro? Como é que podia rejeitar aquilo que qualquer outro homem agarraria com ambas as mãos? E se ele não a queria, por que não lhe dava permissão para ir embora de Dunmurrow? Era impossível entendê-lo. Suas perguntas não podiam continuar sem respostas.

Entretanto sem respostas foi exatamente como suas perguntas continuaram. O barão trancou-se em si mesmo até o silêncio pesado se estendeu sobre o quarto como um manto sufocante e ameaçador. Se não fosse pelos contornos da figura maciça protegida pelas sombras, diria até que ele a deixara só. Contudo, quando o Cavaleiro Vermelho voltou a falar, sua voz não mostrava qualquer sinal de raiva, apenas da mais total frieza e indiferença, aliás como vinha lhe tornando familiar.

- Se você tem medo de escuridão, minha lady, não deveria me escolhido.

Dulce já engolira humilhação suficiente. Como uma criança mimada, culpava Montmorency pela situação em que se encontrava agora porque ele não desafiara a ordem do rei. Aquele de quem se diziam as piores coisas devia tê-la recusado, devia ter lutado para manter a própria liberdade. Pela primeira vez na vida, sentia-se derrotada, incapaz de dominar as circunstâncias.

- Se me der licença, meu lorde. - Não se tratava de uma pergunta, mas de uma declaração. Ela ficou de pé, as mãos cerradas e caídas ao longo do corpo. - O jantar já me foi... suficiente. - Sem esperar resposta, Dulce caminhou na direção em que julgava estar a porta pois a escuridão impenetrável não a deixava ver nada.

- Cecil! - Ao simples chamado do barão, o servo apa­receu como num passe de mágica, trazendo um castiçal.

- Vou jantar no salão esta noite - Dulce avisou-o, grata pelo castiçal. A expressão, em geral impassível do pobre-coitado, foi transformada numa máscara de pavor. Bem, talvez Cecil temesse a ira de Montmorency, porém ela não iria se deixar assustar pelo Cavaleiro Vermelho. Se aquele grosseirão tentasse obrigá-la a ficar mais um segundo sequer dentro de seus aposentos sinistros iria se arrepender amargamente, pois sentia-se preparada para resistir e lutar com todas as forças.

Esforçando-se para manter o controle, Dulce começou a descer as escadas sabendo que deveria parecer tran­qüila quando enfrentasse a pequena multidão que a essa hora já devia estar jantando no salão. Como a nova cas­telã de Dunmurrow, precisava agir de acordo com a po­sição, não importando o quanto o fato a desgostava. Er­guendo a cabeça, assumiu um ar confiante, determinada a jantar na companhia daqueles que moravam e traba­lhavam no castelo. Nem que lhe custasse a última gota de sangue, desempenharia o papel de noiva feliz. A mu­lher desesperada ficaria trancada a sete chaves.

Emergindo das sombras, ela sentia-se em seu elemento natural. Senhora do castelo sempre fora uma atribuição que soubera exercer com facilidade, desde menina. Porém ao entrar no salão, o chão pareceu fugir sob seus pés. Por um instante permaneceu imóvel, sem conseguir acre­ditar nos próprios olhos. Então inspirou fundo, como se engolisse um soluço diante da visão fantasmagórica.

Não havia sinal de damas ou cavaleiros ao redor das mesas vazias. Não havia servos indo e vinda da cozinha, nem aldeões procurando um lugar onde estender os catres para passar a noite. O salão de Dunmurrow estava de­serto, a escuridão silenciosa lhe parecendo mais amea­çadora do qualquer coisa que jamais enfrentara em toda sua vida. Ela estremeceu, os últimos fios de esperança transformando-se em pó.

Alice a esperava. Sonolenta, encolhida: diante do fogo, uma bandeja vazia sobre a única mesinha disponível.

- Oh, minha lady - a velha senhora exclamou le­vantando-se. - Será que eu cochilei? E muito tarde?

Deixando de lado os planos iniciais de tomar um banho, Dulce resolveu que o melhor seria tentar dormir.

- Ainda é cedo, mas você está cansada. Pode ir para seu quarto agora.

A criada parecia abatida, as bochechas normalmente rosadas e redondas haviam perdido por completo a cor.

- Talvez eu... eu devesse dormir aqui, no lugar des­tinado ao guarda-roupa - ela sugeriu apontando para o cubículo separado do quarto por uma cortina.

- Se você está com medo de ir para seu próprio quarto, então pode estender um catre no chão e dormir aqui mesmo.

- Sim, minha lady, por tudo o que há de mais sagrado, estou com medo sim. Tenho medo do que possa me acon­tecer neste lugar sinistro e também do que possa lhe acontecer. - Ela fez uma pausa, como se não soubesse como continuar. Quando voltou a falar, sua voz não pas­sou de um murmúrio tímido. - Você sabe o que deve o que deve esperar nesta noite... na noite de núpcias?

 

Dulce inspirou fundo. Deus, como pudera se esquecer daquilo que a aguardava? Estivera tão ocupada fazendo planos e discutindo com Montmorency que acabara se esquecendo de que seria obrigada a aceitá-lo na cama. O olhar penetrante que lançou à serva fez um rubor intenso voltar às bochechas pálidas. Alice corou até a raiz dos cabelos castanhos, já mesclados de branco.

- Seria obrigação de sua mãe lhe dizer tudo, mas, Deus lhe dê o descanso eterno, como ela não está aqui... Você quer saber?

Dulce acenou com a cabeça, os olhos fixos na criada.

- Quando um homem se casa, adquiri direitos sobre o corpo da esposa, para usá-la como quiser. - Alice estremeceu ao pensar no Cavaleiro Vermelho, forte e feroz, usando o corpo de quem quer que fosse. A idéia lhe causava verdadeiro pavor. Foi com enorme dificuldade que se obrigou a continuar - Você viu o suficiente de seus irmãos para saber que a anatomia masculina é di­ferente da feminina. O homem, se encaixa entre as pernas da mulher para ter prazer. E... doloroso, minha lady, mas você é jovem, resistente, e irá agüentar. Pense que assim poderá ter a semente de um bebê dentro de você. - A serva baixou a cabeça, os olhos marejados de lágri­mas. - Era essa a minha esperança, porém Deus não me deu essa bênção. Entretanto me encarregaram de criá-la, minha lady. Pude vê-la crescer, bela e inteligente. Oh, céus, nunca pensei em vê-la casada com alguém como esse Cavaleiro Vermelho! - Alice começou a se lamentar sobre o destino daquela a quem amava como a uma filha.

Cheia de piedade pelo sofrimento da velha senhora, Dulce abraçou-a com força, procurando consolá-la en­quanto lembrava-se das vezes em que vira os irmãos trocando de roupa. Montmorency era muito mais alto e corpulento do que seus irmãos, portanto aquela parte da anatomia devia ser ainda maior. Só de pensar no barão forçando o membro para dentro de seu corpo sentia-se à beira do pânico. Sim, era jovem e forte, porém...

Quando os soluços de Alice finalmente cessaram, Dulce sorriu esforçando-se para tranqüilizá-la.

- Não fique nervosa. Não estou nem um pouco preo­cupada - mentiu.

As palavras firmes transmitiram um pouco de tran­qüilidade à serva.

- Pelo menos não dura mais do que alguns poucos minutos, minha lady. Ou pelo menos não deveria durar. Aquele... aquele demônio pode ter poderes estranhos. Oh, minha lady, temo por sua segurança! Quem sabe o que n fera será capaz de lhe fazer? Você conseguiu dar uma boa olhada no barão? Talvez ele seja igualzinho ao diabo, com chifres e corpo de bode...

- Ele é apenas um homem - Dulce falou num tom que não admitia discussão, temerosa de que a serva co­meçasse outra vez com a mesma ladainha sobre a estra­nha reputação de Montmorency. Bem no íntimo, não acre­ditava muito que a expressão "apenas um homem" pudesse ser aplicada ao Cavaleiro Vermelho. Contudo não era tola de mencionar suas dúvidas.

- Mas, minha lady, e todas essas histórias que se contam sobre a sede de sangue que ele parece ter, sobre o domínio da magia negra? E se o demônio lançar algum encantamento e obrigá-la a fazer todas as suas vontades?

- Pare já com isso! Escutar tamanhos absurdos acaba tornando cansativo. - Alice era um doce de pessoa, embora ingênua e às vezes até ignorante. Dulce sentia-se um pouco culpada por não conseguir retribuir a afeição que a velha senhora lhe dedicava com igual in­tensidade. - Vá descansar - sugeriu baixinho, procu­rando acalmar a serva que retorcia as mãos aflita.

- Bem, minha lady, vou ficar por perto. - Alice não conseguia disfarçar a profunda apreensão, os olhos es­tavam tão arregalados que pareciam querer saltar das órbitas. - Se você gritar, venho correndo acudi-la.

Dulce sorriu amarga, sabendo que mesmo a força conjunta de duas mulheres jamais seria suficiente para conter um guerreiro, especialmente alguém da estatura do Cavaleiro Vermelho.

- E o que você fará, minha aia?

Alice pensou durante uns poucos segundos, então er­gueu o queixo determinada.

- Posso bater na cabeça dele com alguma coisa!

- E depois o quê?

- Depois fugiremos para bem longe, minha lady! ­- ela respondeu ansiosa. - Fugiremos deste castelo sinis­tro e ficaremos livres do demônio para sempre!

- Seremos duas mulheres sozinhas, perdidas numa região que não conhecemos, no auge do inverno. Para onde iremos? Você não vê que não há escapatória?

- Podemos procurar refúgio no convento mais próximo!

Dulce abraçou a serva com carinho, não querendo destruir quaisquer sonhos que ainda pudessem confor­tá-la. Por outro lado a idéia de assassinar o marido com certeza não seria aceita de bom grado pelo rei.

- Leve seu catre para o aposento ao lado e procure descansar, dormir. Tenho certeza de que tudo parecerá menos sombrio amanhã de manhã.

Tão logo Alice saiu, Dulce acendeu a lareira. Apesar de suas palavras corajosas, precisava afastar a escuridão de qualquer modo e todas as velas que Cecil lhe dera foram usadas, especialmente perto da cama. Por fim, ti­rou a roupa e deitou-se. Recostada nos travesseiros, aguardou a chegada de Montmorency.

O tempo pareceu se arrastar com uma lentidão espirante e Dulce desejou não ter se apressado tanto em sair dos aposentos do Cavaleiro Vermelho. Pelo menos se o jantar tivesse sido prolongado por mais algumas horas, o inevitável também seria adiado tanto quanto possível.

Esforçando-se para manter a calma, ela procurava se convencer de que os temores de Alice não passavam de fantasias absurdas, sem qualquer fundamento. Seu ma­rido não era demônio algum, mas apenas um homem, um ser humano comum, de carne e osso. Entretanto o pensamento de nada servia para tranqüilizá-la porque estava à mercê de um desconhecido, alguém de quem sequer vira o rosto.

Além de tudo, ele não a queria como esposa. O fato a deixava à beira do pânico. Ela sabia que Montmorency estava furioso por ter sido escolhido e obrigado a aceitar uma imposição do rei. E se o Cavaleiro Vermelho deci­disse demonstrar toda a sua irritação durante a noite de núpcias submetendo-a ao pior tratamento possível? Agora que o momento do acerto de contas estava próximo, Dulce desejava não ter discutido tanto durante o jan­tar... ou abandonado os aposentos do barão de forma tão brusca e mal-educada. Suas atitudes impensadas com certeza serviram apenas para aumentar a ira do senhor do castelo.

Enquanto a noite se estendia, Dulce pedia a Deus que Montmorency viesse logo para dar um fim àquela expectativa angustiante. Já não agüentava mais aguardar. Contudo ele demorava, fazendo-a imaginar as coisas mais terríveis capazes de acontecer entre um casal quan­do fechado entre quatro paredes. Preferia não ter per­mitido que Alice dormisse no cubículo ao lado porque a presença da serva era um lembrete constante da sua decisão.

Seja lá o que acontecesse, não deveria gritar e muito menos pedir socorro.



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Autor(a): nathyneves

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  Dulce não tinha muita certeza de quanto tempo permaneceu desperta, lutando contra a ansiedade e aguardando a chegada do marido, antes de adormecer. Embora se sentisse um pouco desorientada ao acordar, não demorou nada para se lembrar de que estava em Dunmurrow, o castelo medonho do Cavaleiro Vermelho. Imediatamente alerta, abriu os olhos, o cora­ ...


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Comentários da Fanfic 60



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  • stellabarcelos Postado em 27/10/2015 - 02:17:36

    Muito perfeita! Foi lindo! Amei

  • JokittaVondy Postado em 14/07/2014 - 18:29:06

    PERFEITA <3 Amei o final

  • sophiedvondy Postado em 21/09/2013 - 22:50:29

    embora seja pequena é perfeita, linda parabéns <3 quem gosta de fic? leiam a minha pfvrr http://fanfics.com.br/fanfic/27130/sumemertime-adaptada-vondy-vondy

  • larivondy Postado em 24/06/2013 - 13:17:00

    ameeei, linda a história *-*

  • claudia_miranda Postado em 15/03/2013 - 17:50:50

    li a sua web e amei parabens perfeita..

  • claudia_miranda Postado em 15/03/2013 - 17:50:50

    li a sua web e amei parabens perfeita..

  • claudia_miranda Postado em 15/03/2013 - 17:50:50

    li a sua web e amei parabens perfeita..

  • claudia_miranda Postado em 15/03/2013 - 17:50:49

    li a sua web e amei parabens perfeita..

  • claudia_miranda Postado em 15/03/2013 - 17:50:49

    li a sua web e amei parabens perfeita..

  • eduardooliveira Postado em 27/10/2011 - 20:06:44

    Para quem é vondy e tem orkut, vá nessa fanfic: http://www.orkut.com.br/Main#Community?cmm=118052479 ,se gostar,comente! =)


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