Fanfics Brasil - CAPITULO IV ***Bodas de Fogo*** ♥ D&C ♥

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Capítulo: CAPITULO IV

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  Dulce não tinha muita certeza de quanto tempo permaneceu desperta, lutando contra a ansiedade e aguardando a chegada do marido, antes de adormecer. Embora se sentisse um pouco desorientada ao acordar, não demorou nada para se lembrar de que estava em Dunmurrow, o castelo medonho do Cavaleiro Vermelho. Imediatamente alerta, abriu os olhos, o cora­ção batendo descompassado no peito.

Lutando contra o pânico crescente, olhou ao redor, te­mendo encontrar a figura sinistra do marido na cama, ao seu lado. Mas não; estava só. O quarto continuava o mesmo de horas atrás, à exceção das velas que haviam queimado até o fim e do fogo quase extinto da lareira. Será que Montmorency viera vê-la como uma sombra negra e silenciosa? Inspirando fundo, ela percebeu que não fora uma visita inumana o que a acordara, e sim o amanhecer. As primeiras luzes da manhã procuravam se infiltrar através das pesadas cortinas de veludo.

Dulce sentou-se, a surpresa inesperada deixando-a zonza. Montmorency não viera ao seu quarto! O alívio que a conclusão lhe trouxe foi tão intenso que teve von­tade de rir. Qual o significado daquela atitude?

Só havia uma única explicação possível: ele não a desejava.

Não tinha importância, pensou com uma pontada de orgulho feminino ferido. Tampouco o queria. E quem ha­veria de desejá-lo? Afinal o Cavaleiro Vermelho não pas­sava de uma criatura sem rosto e sem forma que se escondia nas trevas e aterrorizava as pessoas com sua reputação terrível e temperamento explosivo.

Seria uma verdadeira bênção ficar livre das suas aten­ções e já que ele não quisera possuí-la na noite de núpcias, provavelmente não iria fazê-lo nunca. Mal conseguia acreditar na sua boa sorte. Não precisaria dormir com o Cavaleiro Vermelho, nem enfrentar suas paixões ani­mais ou ser obrigada a suportar uma provação dolorosa, provavelmente humilhante ao extremo.

Aquela era a primeira coisa boa que lhe acontecera desde que pusera os pés em Dunmurrow. Se ao menos não fosse obrigada a permanecer ali. Parecia-lhe óbvio que Montmorency não a desejava, portanto deveria haver uma maneira de convencê-lo a deixá-la ir para casa. Po­rém a lembrança da noite anterior, quando discutiram sobre o assunto, encheu-a de desânimo.

Para um homem que dissera desprezá-la, o Cavaleiro Vermelho era bastante possessivo. Homens! Todos gos­tavam de comandar e ditar regras, como se tivessem o direito divino para decidir o destino das pessoas. Talvez ele fizesse questão de mantê-la em Dunmurrow com o único objetivo de puni-la por tê-lo escolhido para marido. Não, não era possível que o lorde fosse assim tão mesquinho e cruel, apesar da reputação terrível.

Sentada na cama, ela puxou as pernas para junto do corpo e apoiou o queixo nos joelhos. Pena que ele não concordasse com a dissolução do casamento porque, infelizmente, não podia tomar nenhuma atitude a esse respeito sozinha. Também lhe ficara negada a chance de afirmar ter sido forçada a casar-se, mas... Dulce quase levou um choque com a idéia que acabara de lhe ocorrer.

Havia uma maneira de anular a união dos dois sim. E uma maneira que não exigia o consentimento de Montmorency. Relacionamentos em que os casais compartilham um parentesco de sangue de até quarto grau tor­nam-se inválidos perante a igreja. Verdade que não tinha qualquer parentesco com o barão. Precisava apenas dizer que sim...

Ela sorriu, as esperanças renovadas. Era de conheci­mento geral que os homens às vezes fabricavam falsos ancestrais somente para se verem livres das esposas. Talvez o plano fosse improvável de dar certo, mas a exis­tência de uma pequena chance valia o esforço. Dulce pulou da cama, rindo feliz com a possibilidade de recu­perar a liberdade. Seria um prazer derrotar o Cavaleiro Vermelho.

O som deve ter despertado Alice porque a serva per­guntou se podia entrar.

- Venha - ela respondeu alegre, fingindo não per­ceber a expressão de espanto no rosto da velha criada.

- Bom dia, Alice. Agora que já terminamos de arrumar este quarto, talvez devêssemos começar a cuidar do resto do castelo. - Ainda era muito cedo para compartilhar suas esperanças. Melhor concentrar os pensamentos em seu novo, embora temporário, lar. Sem dúvida as tarefas físicas iriam ajudá-la a se manter ocupada até o momento de voltar para Belvry.

- O quê? - Alice continuava sem entender nada.

- Vou mandá-la até a aldeia para buscar algumas mulheres dispostas a nos ajudar no serviço doméstico. Creio que até o fim do dia teremos quem possa cozinhar e cuidar da limpeza de maneira adequada. Também precisaremos de homens para retocar a pintura das paredes e se encarregar de um ou outro conserto ne­cessário. - Dulce contava as tarefas a serem feitas nos dedos das mãos, parecendo bastante entusiasmada.

- Ah, não podemos nos esquecer de providenciar ta­peçarias e um guarda-louça para o salão. Depois que eu der uma boa olhada no castelo todo, saberei do que mais iremos precisar.

- Ele vai deixá-la providenciar melhorias em Dun­murrow?

- Bem... - Dulce hesitou, recusando-se a admitir que ainda não chegara a discutir o assunto com o marido.

- Tenho certeza que Montmorency aprovará as mudan­ças. Claro que Dunmurrow não é tão bonito quanto Bel­vry, porém não se pode negar a beleza severa de suas linhas. Podemos tentar e ver o que conseguimos obter no final. Na minha opinião, devemos iniciar pela cozinha. Vou dar uma olhada nas despensas e porões, além de descobrir quem prepara aquela coisa horrorosa que Cecil nos serve.

Alice, que até o momento estivera sorrindo diante do entusiasmo da jovem, tampou a boca com a mão e gemeu alto.

- Minha lady, não! Você não pode ir aos porões!

- E por que não?

- Porque deve ser lá que ele pratica magia negra.

- Quem? Montmorency?

- Sim - a criada respondeu muito séria. - Não tenho dúvidas de que aquele homem tem parte com o diabo e se esconde nos porões para invocar os espíritos malignos. O lugar deve ser tão quente e abafado quanto o inferno, cheio de fumaça escura, as mesas lotadas de frascos, vi­dros e tubos onde substâncias mortais são misturadas.

Dulce riu alto, tentando imaginar o Cavaleiro Ver­melho debruçado sobre uma mesa repleta de frascos, sua altura gigantesca dominando o ambiente inteiro.

- Oh, fique quieta, Alice. Quanta bobagem.

Depois da noite passada, Montmorency lhe parecia muito menos ameaçador. Que ele resmungasse o quanto quisesse, pois no fim da história as coisas acabariam saindo à sua maneira.

- Minha lady se levantou cedo hoje- Cecil comentou enquanto ajudava o lorde a colocar a veste. - Ela parece estar de bom humor.

Montmorency ficou em silêncio. Ninguém precisava sa­ber que a felicidade de sua esposa devia-se ao fato de não ter havido noite de núpcias. Claro que Dulce se deliciara quando não fora obrigada a cumprir os deveres matrimoniais. De fato não ficaria surpreso se ela tivesse aberto o melhor vinho da adega para celebrar.

- Ela pediu uma audiência com você - o servo concluiu.

- Em outras palavras, minha esposa exige me ver.

- Sim, meu lorde.

Montmorency deu de ombros e acabou de se vestir.

- Diga a ela para se juntar a mim na hora do almoço.

Cecil pareceu hesitar.

- Você acha a idéia sensata, meu lorde?

Não, a idéia não era nem um pouco sensata, o Cavaleiro Vermelho decidiu. Mas hoje, pela primeira vez nos últi­mos meses, não acordava pensando naquilo que o con­sumia. Hoje, acordara pensando em cabelos vermelhos e olhos cinzentos... .

Ainda podia ouvir o tom ligeiramente rouco da voz feminina, sentir o perfume suave que emanava das for­mas delicadas e excitava os seus sentidos. Montmorency sentiu uma pressão na região das virilhas ao se lembrar daqueles seios firmes pressionados de encontro ao seu peito quando a beijara na capela. Há muito tempo não desejara alguém com tanta intensidade.

- Quero comer na companhia de minha esposa. Al­guma objeção? - ele indagou calmamente.

Alguns segundos se passaram antes que Ceci! se aven­turasse a responder.

- Você confia nela?

- Não, não confio, porém a considero intrigante. ­

A resposta não era de todo verdadeira. Embora o plano de Dulce para iludir Edward tivesse sido tolo e ingênuo, ele a admirava pela coragem de tentar escapar às regras impostas pelo destino. Também a admirava pela elegân­cia e fibra demonstrada em face à derrota. Seria natural esperar que Dulce procurasse fugir das conseqüências ao perceber que nada saíra como planejado. O fato dela ter permanecido firme, tanto complicava quanto trazia um novo significado à sua vida. Os sentimentos que aque­la mulher despertava em seu coração eram tão contra­ditórios que não se atrevia a examiná-los.

- Pode ser perigoso, meu lorde - Cecil insistiu.

Pelos céus! Claro que era perigoso, Montmorency pra­guejou em silêncio.

- Talvez fosse melhor se você pedisse a anulação deste casamento.

O Cavaleiro Vermelho virou-se na direção do servo, sem saber se queria ou não ouvir certos conselhos. Por outro lado, não podia correr riscos desnecessários. De­via considerar todas as opções em relação à sua nova esposa cuidadosamente antes de tomar qualquer deci­são definitiva.

- E baseado em que eu pediria a anulação deste ca­samento? - ele indagou com aspereza.

- Talvez você ainda não tenha pensado no caso, meu lorde, mas existe uma proibição contra uniões con­sangüíneas. Até mesmo parentescos distantes podem ser invocados. Portanto não seria difícil arranjar tes­temunhas dispostas a jurar que você e lady de Laci são parentes.

- Verdade - Montmorency murmurou, sentando-se na beirada da cama. - Por que não pensei nisso antes?

Quando na noite anterior Dulce viera com aquela história ridícula de que ele fora obrigado a casar-se, por que não se lembrara da proibição sobre uniões em que houvessem laços de sangue?

Se fosse sincero consigo mesmo, admitiria que na pre­sença da esposa acabara esquecendo-se de tudo o mais. Ficara fascinado pela voz envolvente, pelo perfume fe­minino e suave... e até pelos absurdos ditos com total convicção. Dulce parecia conseguir tirar qualquer ho­mem do sério com um simples estalar de dedos.

Melhor livrar-se dela. Embora reconhecesse o fato, alguma coisa o impedia de tomar as providências necessárias. Talvez a lembrança da vida pulsando em seu quar­to escuro sob a forma delicada de uma mulher. Era difícil abrir mão de um raio de luz.

- Edward não permitirá que uma jovem mantenha o poder sobre um feudo tão próspero quanto Belvry. Mes­mo que a Igreja concorde em nos conceder a anulação do casamento, o rei simplesmente a forçará a escolher outro marido.

- Sim - Cecil concordou, continuando a arrumar o quarto. - Você deve estar certo, meu lorde. Contudo, casada com outro, lady de Laci deixará de ser uma ameaça.

O barão resmungou qualquer coisa ininteligível. Ao imaginar Dulce abandonando Dunmurrow, a sensação de perda era tão intensa quanto inesperada. A quem ela escolheria da segunda vez? As circunstâncias o tinham forçado a romper contato com quase todos os cavaleiros da corte, a maioria realmente desprezível. Aquela mulher suave, casada com outro homem, os cabelos louros espa­lhados sobre o travesseiro, as pernas abertas enquanto alguém a violentava... Era uma visão que não conseguia ignorar.

- Eu não quero que ela sofra nas mãos de qualquer um. - Na verdade não queria a esposa nas mãos de homem algum. E quem poderia condená-lo por isso? -­ Edward não iria ficar nada satisfeito com esse pequeno truque tampouco. Aliás, o rei acredita na importância do casamento como instituição séria. É melhor deixarmos as coisas como estão, pelo menos por agora.

- Você está certo como sempre, meu lorde. Mas será que ela deve ficar em Dunmurrow? Se lady de Laci é dona de um feudo tão próspero, não seria mais sensato mandá-la de volta para lá?

- Não! -Montmorency surpreendeu-se com a própria reação, uma mistura de possessividade em relação à es­posa e irritação pela interferência de Cecil. Embora sou­besse muito bem que o servo falava com a voz da razão, mesmo assim preferia não lhe dar ouvidos. - Ela é mi­nha. E como qualquer outra esposa, ficará ao lado do marido. Não ultrapasse os seus limites, meu amigo.

- Sim, meu lorde. - Cecil suspirou alto, deixando claro que não concordava com o Cavaleiro Vermelho, apesar das palavras ao contrário. - Quer dizer então que você vai contar tudo à lady de Laci?

- Não, não vou contar nada! E você também não dirá coisa alguma. Ficará de boca fechada, mesmo se ela ten­tar fazê-lo falar. Dulce é inteligente, não costuma co­meter erros, ainda que trace planos às vezes ridículos.

- Mas, meu lorde, como vamos conseguir contornar a situação? O que você pretende fazer?

Apesar da preocupação evidente do servo, Montmoren­cy não demonstrava qualquer sinal de afobação.

- Vamos continuar exatamente como estávamos antes de lady de Laci chegar. Agora pode ir, Cecil. Vou pensar nos seus conselhos, porém tomarei minhas próprias de­cisões no que diz respeito a essa esposa inesperada.

Tão logo se viu a sós, Montmorency encostou um braço na parede e praguejou baixo para aliviar a tensão. Per­cebendo o humor do dono, os cães se aproximaram em busca de um pouco de atenção.

- Qual é a sua opinião, Castor? E a sua, Pollux? O que vocês acham da nova senhora do castelo? -Os ani­mais balançaram os rabos felizes ao ouvir seus nomes.

- Sim, é uma mulher tentadora demais... Sei muito bem o que eu gostaria de fazer com lady de Laci. Quando ela usa aquele tom de voz superior, tenho vontade de jogar os pratos e as travessas para o lado e possuí-la ali mesmo, em cima da mesa. Mas isso está fora de cogitação... não é?

O sensato seria devolvê-la para a corte de Edward, que a essas alturas dos acontecimentos deveria estar mor­rendo de rir com o desfecho da história.

Como se concordando com as palavras do dono, os cães agitaram os rabos freneticamente.

Ao cumprimentar o marido, Dulce procurou evitar o tom triunfante da voz, contudo era impossível disfarçar a intensa satisfação. Estivera certa ao pensar que as coisas sempre parecem melhores pela manhã.

- Meu lorde - ela falou, aproximando-se da mesa.

A visão daqueles aposentos estranhos e da silhueta de Montmorency escondida pelas sombras já não a pertur­bava como antes. De alguma maneira, depois da noite anterior, ele começara a lhe parecer menos ameaçador, o que a enchia de otimismo. Talvez pudessem chegar a um acordo, fazer algum tipo de arranjo que os permitisse viver em paz sob o mesmo teto, assim como vivera anos e anos ao lado do pai. Cada qual iria cuidar da própria vida sem tomar conhecimento da existência do outro.

- Minha lady - Montmorency respondeu, indicando­ lhe a cadeira.

Dulce lambiscava os alimentos com prazer. Afinal fizera questão de supervisionar a preparação dos pratos e aquela devia ser a primeira refeição decente que o barão comia há meses.

- Espero que a torta de veado esteja do seu agrado.

- Por quê? Foi você quem a fez?

- Sim. Dei uma boa olhada na cozinha hoje e creio que poderei deixá-la em condições bem melhores, a co­meçar pela limpeza geral. O detalhe é que vou precisar de ajuda. Estive pensando em ir até a aldeia durante a tarde e trazer algumas aldeãs para trabalhar no castelo em caráter permanente.

Ela procurava modular a voz com cuidado, fazendo das palavras não um pedido, mas um simples comunicado da sua decisão. Apesar do esforço, as mãos trêmulas traíam todo seu estado de apreensão.

Os minutos pareciam se arrastar enquanto aguardava os comentários do Cavaleiro Vermelho. Estava resolvida a não ceder. Hoje não se deixaria intimidar pela figura gigantesca ou pelo temperamento explosivo. Se o barão pretendia forçá-la a morar em Dunmurrow, então seria obrigado a lhe dar permissão para transformar o castelo num lugar habitável. Pronta para lutar por seus pontos de vista, foi pega de surpresa pela resposta do marido.

- Sinta-se à vontade para fazer o que quiser.

- Obrigada, meu lorde. - Dulce inspirou fundo, procurando relaxar. - Sabia que podia contar com a sua compreensão. Cecil, como o mordomo-mor, devia estar supervisionando o trabalho dos outros empregados e não constantemente servindo a todos nós, como vem fazendo. Precisamos de servos e da ajuda de alguns homens para fazer reparos, retoques na pintura e coisas assim. Claro que temos necessidade de um estoque maior de velas e castiçais, além dos serviços de um tecelão e de um mar­ceneiro. Se você quiser, poderei me encarregar de super­visionar a produção da leiteria e da horta também.

- Você é um poço de energia, minha lady. - O tom de Montmorency era tão estranho que Dulce se sentiu corar. Sem saber o que dizer, baixou os olhos para o prato e permaneceu em silêncio. Será que havia uma nota de sarcasmo escondida naquelas palavras aparen­temente elogiosas? Será que seu entusiasmo agradava ou irritava o Cavaleiro Vermelho? O barão de Dunmurrow não era um homem como outro qualquer. Seus pensamentos, assim como sua figura sempre encoberta pelas sombras, eram enigmáticas.

Desejando não dar chances a uma nova discussão, Dulce continuou quieta, ansiosa para terminar de almoçar e cuidar de seus afazeres. Contudo Montmorency ainda não parecia disposto a dispensá-la.

- Seu pai já morreu? - ele indagou depois de um longo silêncio.

- Sim. Há um ano.

- E você não tem mais ninguém?

- Tinha três irmãos. Dois morreram por causa de uma febre, quando eu ainda era menina. O terceiro foi morto durante uma batalha.

- Deve ter sido duro para você, cuidar de tudo sozinha. - A voz da barão era quase suave agora.

- Não. - Dulce a interrompeu firmemente. - Consegui dar canta de tudo muito bem. Na verdade tenho administrado Belvry há anos, das quais os últimos sem auxílio de ninguém. O feudo prosperou bastante sob minha administração. As coisas poderiam ter continuado assim, se não fosse pela intervenção de nosso bom rei Edward decidiu me tirar aquilo que me pertence por direito.

- Você nunca quis se casar?

- Não, nunca. Sei administrar Belvry sozinha e com competência. Para que iria querer um homem? Apenas para trazer ruína às minhas terras?

Um silêncio inquietante se estendeu por várias se­gundos.

- Para lhe dar filhos? - Montmorency sugeriu afinal.

- E assim eu poderia vê-los morrer, como vi meus irmãos? - ela retrucou, as palavras soando amargas como fel. - Não, abrigada. - Incomodada pela fato da conversa ter se tornada pessoal demais, Dulce bebeu um pouco de vinho.

- Então estamos de acordo. Você não deseja um ma­rido e eu tampouco deseja uma esposa. É uma pena que tenhamos nos casado um com a outro.

Ela quase engasgou e precisou se esforçar para recu­perar a compostura.

- Sempre passa contar com a sua ajuda, meu lorde, para estragar uma refeição e me lembrar de como fui tola ao o escolher para marido.. - Será que a ouvira rir? Não, o Cavaleiro Vermelho era inumano demais para rir.

- Não havia ninguém mais a quem você pudesse es­colher? - ele indagou interessada. - Um amigo da fa­mília? Um parente distante? Um vizinho?

Dulce sorriu amarga.

- Meu vizinho é uma criatura nojenta e arrogante, sempre cobiçando minhas terras. - Ela não explicou que Hexham também insistia em conquistá-la porque preferia não ter que ouvir as deboches de Montmorency. A opinião que o Cavaleiro Vermelho tinha a seu respeito era tão baixa que certamente a considerava incapaz de despertar o desejo num homem. Mas Hexham a desejava sim, e a idéia não era nem um pouco agradável. - Por acaso você conhece o barão Hexham?

-Não.

- Sorte a sua. É o tipo de amizade que eu desacon­selharia qualquer um a cultivar. Hexham é mentiroso, ladrão e traiçoeiro, sempre se derramando em sorrisos falsas e palavras doces enquanto tenta invadir Belvry nas minhas costas.

- Ele nunca atacou o feudo? - Montmorency indagou, a voz repentinamente dura e fria como o aço.

- Não. Na minha opinião ele não tem coragem su­ficiente para lutar, por isso procura atingir seus obje­tivos usando intrigas e ameaças veladas. Também con­ta com a atenção do rei. Aposto que deve estar falando nos ouvidos de Edward agora, demonstrando todo o seu ultraje.

- Quer dizer que a tal Hexham queria se casar com você?

A ferocidade contida na pergunta da Cavaleiro Ver­melho surpreendeu-a.

- Sim - ela respondeu depois de algum tempo. ­- Hexham sempre quis Belvry e depois da morte de meu pai, achou que era chegada a hora. Tornou-se uma peste tão grande, que precisei instruir as guardas das portões para não deixá-lo entrar. Eu... eu não confio naquele homem. - Ainda se lembrava de como uma de suas servas mais fiéis a alertara para a possibilidade de Hexham tentar desonrá-la para obrigá-la a se casar com ele. Desde então ignorara todos os pedidos do barão para ser ad­mitido em Belvry.

Dulce inspirou fundo antes de continuar.                                         

- Na minha opinião trata-se de uma criatura estú­pida demais para perceber que os de Laci sempre con­seguiram enxergar seu verdadeiro caráter. Além do mais é arrogante, cheio de si, incapaz de imaginar que alguma donzela possa lhe dizer não. Tornou-se dono de um feudo através do casamento. Com certeza con­seguiu enganar sua pobre esposa com sua boa aparên­cia e charme falso.

- Ele era casado?

- Sim. A esposa de Hexham morreu muitos anos atrás, provavelmente em conseqüência do longo tempo em que o marido a deixou trancada dentro de uma das torres do castelo. -Dulce ergueu a cabeça, desejando que os aposentos não estivessem tão escuros para que pu­desse julgar a reação de Montmorency. - Ele ficará furioso quando descobrir que eu escolhi outro homem para marido.

- Hexham realmente acreditava que você pudesse es­colhê-lo?

Dulce riu diante do tom cético do Cavaleiro Vermelho.

- Sim. Tenho certeza que esperava ser o escolhido porque se considera o máximo. Também julgava que eu iria preferir um rosto que já me fosse familiar.

- E você está longe de ter optado por um rosto que lhe era familiar.

- Estou mesmo - Dulce concordou, achando a pi­lhéria partilhada com o marido quase... apreciável.

Não demorou muito para o bom humor de Dulce azedar e quando entrou nos aposentos do Cavaleiro Ver­melho, à hora do jantar, estava furiosa. A escuridão que lhe parecera de pouca importância de manhã, agora pe­sava em seus ombros como um manto negro e ameaçador.

Sem dar uma palavra, sentou-se à mesa, diante da figura protegida pelas sombras.

- Minha lady - Montmorency cumprimentou-a com delicadeza. .

- Meu lorde. - Ela não disse mais nada e se serviu de uma posta de peixe sem vontade, odiando aquele jogo de gato e rato. Não estava acostumada a ser tratada assim. Seu pai e seus irmãos haviam sido frios e distan­tes, porém nunca a tinham manipulado por pura diver­são, enquanto permaneciam escondidos nas trevas. Qui­sera poder ficar de pé e enfrentá-lo face a face, em vez de se submeter às sombras.

O silêncio se estendeu durante toda a refeição. Só se ouviam os ruídos dos talheres e das respirações dos ca­chorros deitados aos pés do dono. Dulce sentia-se ter­rivelmente oprimida. Mesmo quando jantava em seus aposentos, em Belvry, quase nunca comia só. Se ne­nhum dos convidados lhe fazia companhia, podia contar com presença das servas. Enquanto aqui, um solitário Cecil trazia as bandejas e se retirava, deixando-os na mais completa escuridão. Dulce tinha a impressão de estar enterrada viva, com a sombra de um demônio a espreitá-la.

A sensação inquietante crescia pouco a pouco, fazen­do-a pensar como julgara possível apreciar um minuto sequer ao lado do Cavaleiro Vermelho. Ele devia ser tão sinistro quanto as histórias de Alice o pintavam além de inteligente também, para arrancar tantas informações dela como o conseguira na hora do almoço.

Tinha ódio de si mesma por ter sido ingênua a ponto de falar livremente sobre sua família e Hexham. Qual teria sido o objetivo de Montmorency? O que ele poderia querer? Talvez utilizar as informações para puni-la por causa do casamento desastroso? Ou quem sabe seu ma­rido tinha outras idéias diabólicas em mente?

Como Montmorency devia ter rido de seus planos en­tusiasmados para colocar o castelo em ordem! Ele lhe dera carta branca para tomar qualquer iniciativa, saben­ do muito bem que nada poderia ser feito... Que ódio!

A voz terrível interrompeu o curso de seus pensamentos.

- O jantar está gostoso. Também notei um sabor di­ferente no pão.

Dulce recusou-se a responder ao elogio.

- Você fez um bom trabalho na cozinha.

Era óbvio que Montmorency esperava uma resposta, mas ela preferia enfrentar as chamas do inferno a agra­decer os cumprimentos.

- Sim - foi a resposta curta e seca. Não diria mais nenhuma palavra. Se Montmorency não soubesse nada sobre seus sentimentos ou desejos, não teria como ma­goá-la, assim como fizera hoje cedo. Agora, quanto a ou­tros tipos de mágoas e outras maneiras de infligi-las, melhor nem pensar.

Só queria terminar a refeição e sair dali. Uma vez de volta ao seu quarto, poderia começar a traçar uma nova árvore genealógica, com ancestrais comuns ao Cavaleiro Vermelho. Quando acordara, pensara ser possível colocar Dunmurrow nos eixos antes de ir embora, porém tudo o que queria neste momento era conseguir a anulação do casamento o mais breve possível.

- Como foi a sua tarde? - Montmorency indagou interessado.

Aquela pergunta, feita num tom tranqüilo, afastou sua resolução de permanecer em silêncio por água abaixo.

- Você sabe muito bem como foi a minha tarde ­- ela respondeu entre os dentes, mal controlando a fúria. - Alice não conseguiu convencer mulher alguma da al­deia a trabalhar aqui e muito menos a morar no castelo. Se você não aprovava os meus planos, por que não me disse? Por que permitir que eu me desse ao trabalho de imaginar soluções para Dunmurrow? Simplesmente para me humilhar? Você me despreza tanto assim? - Perce­bendo que sua voz traía toda a carga de emoção interior, Dulce fechou a boca para conter o desespero.

- Não a desprezo - ele falou delicadamente.

- Não mesmo? Depois de tudo o que me fez passar hoje? E minha criada também. Alice voltou da aldeia mais apavorada do que antes porque os aldeões alimen­taram os medos dela com histórias fantásticas. Eles pen­sam que você é um demônio?

- E você não?

- Não sou uma camponesa ignorante, alguém que nunca deu um passo além do próprio quintal. Sei que os cavaleiros costumam cultivar lendas sobre si mesmos para espalhar o terror no coração dos inimigos.

- Quer dizer então que você é imune ao terror?

- Não sou seu inimigo! Por acaso você acha que sim? - Quando o Cavaleiro Vermelho recusou-se a responder, a fúria de Dulce excedeu os limites. - Estou cansada de seu desprezo, estou farta de seus deboches. Você devia ser grato por eu o ter escolhido! Pelo aspecto de Dun­murrow, o que lhe falta é uma castelã competente. E você tem essa castelã competente bem na sua frente! Eu cuidei do feudo de meu pai, antes e depois da morte dele. Orientei o administrador em todas as tarefas. Supervisionei pequenas obras, os trabalhos de criação de animais, o movimento da cozinha, da despensa, os serviços prestados pelo marceneiro... - Dulce tinha perdido por completo o controle e as palavras se sucediam num tom exaltado. - Cobrei aluguéis, resolvi problemas com a lei e administrei orçamentos para o feudo inteiro. Sou capaz de treinar um falcão, sei ler e escrever, jogo xadrez. E ainda dizem que possuo uma bela voz. Tudo isso além da larga soma de dinheiro que trouxe comigo como dote. Juro para você que qualquer outro homem se sentiria feliz em me ter como esposa.

O punho de Montmorency desceu sobre a mesa com violência, balançando pratos e talheres.

- Mas eu não sou qualquer outro homem - ele gritou, levantando-se como uma fera enraivecida. - E você sabia muito bem disso quando me obrigou a aceitar esse ca­samento. Pelos céus, não quero nenhuma esposa se me­tendo em meus assuntos!

Dulce levantou-se também e deu um passo para trás, para longe do alcance da ira. Pela primeira vez naquele dia, sentiu medo.

- Você não sabe nada sobre mim! Nada, sua mulher tola!

Ao perceber que o marido caminhava na sua direção, ela pensou em fugir, em correr para a porta em vez de enfrentar a figura sólida e enfurecida. Porém uma de Laci não se acovarda nunca. Embora o coração batesse descompassado no peito, ficou firme, o queixo erguido.

Ao sentir as mãos fortes pegarem-na pelos braços, teve certeza de que seria sacudida como um galho seco de árvore. Apesar de atos de violência entre marido e mulher não serem incomuns, jamais imaginara que algo assim viesse a fazer parte da sua vida. Porém antes mesmo de conseguir abrir a boca para protestar, Montmorency pu­xou-a de encontro ao peito.

Os lábios masculinos, quentes e ávidos, uniram-se aos seus, tomando tudo, nada pedindo, transformando o medo de minutos atrás numa coisa muito diferente. Entretanto... bem devagar, o beijo foi se modificando, tornando-se mais suave e gentil. Embora ele a segu­rasse pelo pescoço para mantê-la prisioneira do abraço, Dulce sabia que o momento de fugir havia passado. Não tinha intenção alguma de escapar porque uma sen­sação estranha a fazia querer permanecer exatamente onde estava, colada ao Cavaleiro Vermelho. O beijo de Montmorency não era nem um pouco parecido ao de Rothchilde, nem um pouco parecido com o que sua ima­ginação a levara a crer.

Imersa na total escuridão, Dulce sentia-se viva ape­nas por causa do toque daqueles lábios. Ao sentir a pres­são do polegar masculino em seu queixo, ela obedeceu ao pedido silencioso sem pensar, deixando a língua im­periosa invadir sua boca.

Depois fechou os olhos e abandonou-se às emoções. As sombras que a cercavam eram como um castelo, assim como o peito forte e pulsante de encontro aos seus seios. Sem que pudesse resistir ao impulso, ergueu os braços e enlaçou-o pelo pescoço, estreitando o abraço, isolando-os do mundo.

A língua de Montmorency, úmida e urgente, a impelia para além da razão, fazendo-a querer mais, muito mais. Quando ele a ergueu pela cintura, para que os quadris de ambos se tocassem, Dulce ouviu-o deixar escapar um murmúrio de prazer. Levada pelo instinto, tocou a língua masculina com a sua, ansiosa para experimentar o gosto do homem que o destino lhe impusera.

A reação de Montmorency, um gemido baixo e in­tenso, fez o sangue de Dulce ferver nas veias. Me leve com você, meu marido..., ela pensou, louca de pai­xão. Me guie...

- Dulce, Dulce... minha doce esposa.

A urgência contida na voz do Cavaleiro Vermelho, tão diferente da habitual, trouxe-a de volta à realidade. Mes­mo não podendo lhe enxergar o rosto, sabia que Mont­morency queria lhe dizer algo e procurava as palavras certas.

- Tenho que viver dessa maneira por razões pessoais - ele falou afinal, ainda abraçando-a. - Mas uma coisa lhe garanto. Você pode fazer o que quiser dentro deste castelo. Limpar, arrumar, mobiliar, providenciar reparos. Se as mulheres da aldeia não quiserem vir ajudá-la, traga os homens para fazer o serviço. E se eles se recusarem, diga-lhes que irei pessoalmente ar­rastá-los até aqui, para prestarem serviço ao lorde de Dunmurrow. Agora vá.

A suavidade do tom impediu que a ordem soasse rude, porém quando Montmorency se afastou, foi como se o mundo se tornasse repentinamente gélido.

Ainda trêmula e atordoada pelo acontecido, Dulce deu alguns passos na direção da porta, mal percebendo que o Cavaleiro Vermelho lhe fizera enormes concessões.

Antes de sair, fitou a escuridão impenetrável, tentando acalmar as batidas descompassadas do coração. Só não sabia o que a assustava mais, o fato de Montmorency a ter dispensado ou a certeza de que na verdade não queria deixá-lo.



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Autor(a): nathyneves

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  Dulce levantou-se na manhã seguinte sen­tindo-se estranhamente inquieta. Fora uma noite longa e insone. Ficara horas acordada, rolando na cama de um lado para o outro, incapaz de relaxar. Porém a ausência de Montmorency não lhe trouxera qualquer alívio, muito pelo contrário. Bastava pensar naquele beijo para seu sangue ...


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Comentários do Capítulo:

Comentários da Fanfic 60



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  • stellabarcelos Postado em 27/10/2015 - 02:17:36

    Muito perfeita! Foi lindo! Amei

  • JokittaVondy Postado em 14/07/2014 - 18:29:06

    PERFEITA <3 Amei o final

  • sophiedvondy Postado em 21/09/2013 - 22:50:29

    embora seja pequena é perfeita, linda parabéns <3 quem gosta de fic? leiam a minha pfvrr http://fanfics.com.br/fanfic/27130/sumemertime-adaptada-vondy-vondy

  • larivondy Postado em 24/06/2013 - 13:17:00

    ameeei, linda a história *-*

  • claudia_miranda Postado em 15/03/2013 - 17:50:50

    li a sua web e amei parabens perfeita..

  • claudia_miranda Postado em 15/03/2013 - 17:50:50

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  • claudia_miranda Postado em 15/03/2013 - 17:50:50

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  • claudia_miranda Postado em 15/03/2013 - 17:50:49

    li a sua web e amei parabens perfeita..

  • claudia_miranda Postado em 15/03/2013 - 17:50:49

    li a sua web e amei parabens perfeita..

  • eduardooliveira Postado em 27/10/2011 - 20:06:44

    Para quem é vondy e tem orkut, vá nessa fanfic: http://www.orkut.com.br/Main#Community?cmm=118052479 ,se gostar,comente! =)


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