Fanfics Brasil - CAPITULO V ***Bodas de Fogo*** ♥ D&C ♥

Fanfic: ***Bodas de Fogo*** ♥ D&C ♥


Capítulo: CAPITULO V

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  Dulce levantou-se na manhã seguinte sen­tindo-se estranhamente inquieta. Fora uma noite longa e insone. Ficara horas acordada, rolando na cama de um lado para o outro, incapaz de relaxar. Porém a ausência de Montmorency não lhe trouxera qualquer alívio, muito pelo contrário. Bastava pensar naquele beijo para seu sangue ferver nas veias e ela se perguntava se em vez de apreciar a ausência do marido, não devia se considerar insultada.

Sempre soubera que os homens a consideravam uma mulher atraente, embora tivesse passado a maior parte da vida tentando ignorar o fato. Estar à altura dos irmãos, ajudar o pai a administrar Belvry e ter seu sucesso re­conhecido haviam sido muito mais importantes do que beleza física para a garota solitária, criada num ambiente marcadamente masculino. Sua família jamais dera qual­quer importância à sua aparência e sim às suas habili­dades de castelã.

Contudo outros homens costumavam valorizar quali­dades superficiais, como beleza, por exemplo, e até ma­nifestavam certas preferências. De repente Dulce se perguntou quais seriam as preferências de Montmorency em relação ao sexo oposto. Talvez mulheres altas, mo­renas, de curvas generosas. Irritada consigo mesma, pro­curou ignorar os pensamentos. Não ligava a mínima para o Cavaleiro Vermelho ou as suas predileções!

A única coisa que lhe interessava agora eram as concessões que recebera. Tinha mil planos para o castelo. Na verdade Dunmurrow não seria tão ruim assim se Montmorency lhe desse carta branca para administrá-lo. E depois de ontem à noite, suspeitava que conseguiria obter sucesso na empreitada. Afinal ele parecera sofrer uma transformação durante o jantar. E que transformação! Num momento rugia como uma fera e no outro...

Sem que pudesse evitar o impulso, Dulce tocou os lábios com as pontas dos dedos, lembrando-se do beijo apaixonado que haviam trocado. Como fora capaz de retribuir a carícia com tanto ardor? Pela primeira vez desde a celebração do casamento, perguntava-se o que estaria perdendo por não consumá-lo. Não, quanta tolice! Um beijo era uma coisa, dividir a cama com alguém era outra bastante diferente. Para completar, o Cavaleiro Vermelho também não podia ser considerado um homem comum, e sim um enigma, cuja face ou corpo sequer chegara a ver.

Ela estremeceu, mal conseguindo acreditar que, de livre e espontânea vontade, tivera coragem de abraçar um completo estranho. De repente a fama aterradora de Montmorency pareceu pesar sobre seus ombros como um manto insustentável. Entretanto, apesar de todos os boa­tos, Alice se enganara a respeito de um detalhe. O Cavaleiro Vermelho, definitivamente, não era uma sombra, mas sim de carne e osso. Podia testemunhar quanto a esse detalhe. Aliás, o contato daquele corpo sólido a dei­xara em fogo...

Irritada, Dulce procurou desviar o rumo dos pensamentos. Apesar dos beijos de Montmorency não serem...detestáveis e apesar de lhe ter sido permitido fazer alterações no castelo, não se sentia pronta para colocar os planos de lado. Continuava determinada a provar sua falsa ascendência e conseguir a anulação do casamento. E quanto mais rápido melhor.

Enquanto isso, trataria de colocar Dunmurrow nos ei­xos. Era o tipo de trabalho que sabia fazer com perfeição.

Se sua aparência física não agradava Montmorency, pou­co podia fazer a respeito, porém mostraria suas quali­dades de castelã. Eventualmente, mesmo o Cavaleiro Ver­melho ficaria satisfeito com os seus esforços.

Não que desse qualquer importância à opinião de Montmorency a seu respeito. Também não era por causa dele que decidiu colocar uma de suas roupas preferidas. Um vestido de veludo azul claro, com bordados num tom mais escuro na gola e nas mangas. O contraste do tecido com sua pele branca e cabelos muito vermelhos realmente a favorecia. Seu pai, nunca dado a elogios, quando a vira naquele vestido pela primeira vez, dissera que o fazia pensar numa jóia delicada encravada em prata. Dulce ficara feliz porque sem um espelho onde pudesse se ver refletida, tinha apenas a opinião de terceiros para formar uma idéia quanto a própria aparência.

Depois de se vestir, ela chamou Alice para ajudá-la a arrumar os cabelos. Sendo agora uma mulher casada, seria mais adequado usar as longas tranças acobreadas presas ao redor da cabeça, e não soltas sobre as costas como era de seu costume. Já que pretendia ir até a aldeia, acabou se deixando convencer pela velha criada a usar um broche no alto da cabeça, embora normalmente con­sideraria o enfeite pomposo demais.

- Você está linda - Alice murmurou, os olhos bri­lhando de emoção. - Se ao menos pudéssemos estar de volta à corte, aposto que todos os cavaleiros do reino iriam pedir sua mão ao rei Edward.

- Mas só que não podemos voltar no tempo. Também continuaria sem me interessar por qualquer um deles. Jamais me arrumei de maneira especial para agradar um homem e não pretendo começar agora.

Por um momento Dulce imaginou se Alice não es­taria provocando-a, acusando-a de se vestir de modo es­pecial para impressionar o marido. A serva acabaria pen­sando que ela perdera a cabeça!

- Vou até a aldeia hoje. Também pretendo assumir meu papel de castelã de Dunmurrow, com todas as obrigações que o cargo implica - Dulce se apressou a explicar, como se assim justificasse a escolha do traje.

- Você pode estar parecendo uma rainha, minha lady como na verdade está. Porém, por mais que tente, não conseguirá fazer os aldeões mudarem de idéia. Eles dizem que o Cavaleiro Vermelho recebeu Dunmurrow como premio e que passou dois anos inteiros lutando ao lado do rei Edward, vindo visitar a propriedade apenas uma vez. Dizem também que ao voltar para cá, o Cavaleiro Vermelho se trancou dentro do castelo e daqui não saiu mais desde então. Enquanto o lugar se transforma em ruínas, o barão continua às voltas com feitiçarias. Dizem que...

- Psiu! - Dulce cortou-a impaciente. - Sei muito bem o que todos dizem e pensam a respeito de Montmo­rency, mas precisamos de ajuda para colocar o castelo em ordem e pretendo consegui-la. Você duvida de que eu seja capaz de obter o que quero?

Alice sacudiu a cabeça vagarosamente, dividida entre o desespero que a situação lhe causava e a lealdade à sua senhora.

- Bem, não vou forçá-la a nada. Você pode ficar aqui enquanto vou à aldeia sozinha. O que foi agora? - ela indagou, percebendo que a serva retorcia as mãos sem parar, os olhos brilhando de ansiedade.

- Pense no que vou lhe dizer, minha lady. Eu poderia acompanhá-la e juntas daríamos um jeito de fugir desse lugar amaldiçoado.

- Alice! Me faça o favor de parar com essas bobagens. Estamos aqui e aqui vamos ficar, a menos que aconteça um fato novo, capaz de alterar as circunstâncias. Na ver­dade sinto-me chocada por você pensar que uma de Laci seria capaz de fugir de um desafio.

- Então você considera o barão Montmorency um...um desafio?

- Claro que não! Estou me referindo ao castelo e à possibilidade de transformá-lo num local habitável. Não nada de errado com limpeza, pintura e pequenos reparos.

- E quanto a Montmorency?

Dulce descartou-o com um gesto impaciente de mãos.

- Ele ficará contente de nos deixar cuidar de nosso trabalho.

Deixando a criada totalmente apalermada com o co­mentário, Dulce saiu depressa do quarto.

Embora ansiosa para chegar ao salão principal, foi obrigada a andar devagar por causa da quase total es­curidão. Durante todo o trajeto, procurava se convencer de que seu entusiasmo devia-se apenas às melhorias que planejava fazer no castelo e não tinha nada a ver com o Cavaleiro Vermelho. De qualquer forma, tremia de an­tecipação só de pensar que talvez ele a estivesse aguar­dando lá embaixo. Quem sabe seu marido decidira levá-la a aldeia, tanto para cumprir a promessa de que trariam servos para Dunmurrow quanto para passar algum tem­po ao seu lado?

Ao descobrir que o salão estava vazio, à exceção do sempre-presente Cecil, não conseguiu evitar uma pontada de decepção.

- Meu marido não vem se encontrar comigo?

- Ele está ocupado com outras coisas urgentes, minha lady. Pediu que eu a acompanhasse à aldeia.

- Então vamos - ela respondeu secamente, incapaz de disfarçar a frustração. Na verdade o servo, apesar de taciturno, era uma pessoa educada e cortês. O problema é que parecia onipresente.

Em vez de ficar impressionada com a aparente habi­lidade de Cecil, sentia-se tentada a culpá-lo pelo estado deplorável em que o castelo se encontrava. Um homem, por mais competente que fosse, não podia dar conta de tudo sozinho. Mesmo ela, com todos os seus talentos de castelã, fora forçada a delegar responsabilidades a ter­ceiros. Seria bom que Cecil aprendesse a fazer o mesmo.

Dunney não ficava muito distante e, para seu prazer, a aldeia em nada lembrava a atmosfera sinistra do castelo. Quando se espalhou a notícia de que a esposa do Cavaleiro Vermelho iria passar por ali, as pessoas co­meçaram a chegar às portas e janelas das casas para dar uma espiada. A princípio os olhares frios e descon­fiados a incomodavam, porém, gradualmente, o humor dos aldeões pareceu se alterar.

Dulce sorriu de leve ao ouvir os murmúrios cheios de admiração sobre a sua aparência. Embora fosse o tipo de coisa a que não desse importância, se a beleza de seu rosto podia ajudá-la a conquistar um pouco da atenção dessas pessoas, iria aproveitar a vantagem. Quando um grupo de crianças aproximou-se do seu cavalo, ela ,os brindou com um sorriso radiante.

- Você é mesmo a mulher do Cavaleiro Vermelho? - perguntou um menininho, mais ousado do que os outros.

- Sou sim. Qual o seu nome?

- Kendrick - o garoto respondeu orgulhoso. - E esta é minha irmã Moira.

Uma menininha, de cabelos longos e escuros, saiu de trás do irmão.

- Você é uma feiticeira? - a criança indagou ofegante.

- Claro que não!

Apesar do olhar furioso de Kendrick, a menina resolveu continuar.

- Mas você se casou com ele... com o Cavaleiro Vermelho.

- Preste atenção no. que vou lhe dizer, Moira, e todos vocês também. - Dulce ergueu a cabeça e aumentou o tom de voz para que não ficassem dúvidas quanto às suas palavras. - O barão Montmorency não é nenhum demônio, ou uma criatura do mal. É apenas um ser hu­mano de carne e osso, como qualquer um de vocês. As histórias que se contam a respeito dele não passam de tolices e seu único objetivo é assustar os inimigos de Dunmurrow. Vocês estão sob a proteção do Cavaleiro Ver­melho e não têm motivos para temê-lo.

- Você não sente medo dele? - Moira insistiu, os olhos castanhos arregalados.

- Não tenho medo de homem algum. E muito menos do Cavaleiro Vermelho.

O burburinho excitado que se seguiu às suas palavras era um bom sinal, Dulce pensou satisfeita. Se os aldeões manifestavam opiniões diferentes era porque algumas das pessoas acreditavam no que acabara de dizer. Apesar de saber que seria impossível fazê-los mudar de idéia do dia para a noite, conseguira plantar a semente da dúvida.

Chateada por não ter se lembrado de trazer doces para distribuir à criançada, ela atirou várias moedas, ouvin­do-os gritar o nome da castelã de Dunmurrow cheios de prazer. Se pudesse conquistar a simpatia dos adultos com igual facilidade e levá-los para o castelo...

Para sua surpresa, Glenna, uma senhora viúva, mãe de Kendrick e Moira, foi a primeira a se manifestar. Dizendo-se à beira da miséria desde que perdera o com­panheiro, aceitou assumir o cargo de cozinheira de Dun­murrow. Logo a irmã de Glenna e seu marido, mais um garoto órfão, decidiram ir também. Um grupo pequeno, é verdade, mas melhor do que ninguém. Ao ouvir mur­múrios de que aqueles que cruzassem os portões do cas­telo não seriam vistos no mundo dos vivos outra vez, Dulce perdeu a paciência.

- Quanta bobagem! Pretendo que essas pessoas me ajudem no trabalho de fazer esta aldeia florescer. Vocês a verão aqui de novo amanhã mesmo, quando vierem ao mercado. Agora prestem atenção. Todos os que quiserem prosperar associando-se a Dunmurrow fiquem avisados de uma coisa: não difamem meu marido! Não o caluniem!

Ela puxou as rédeas do cavalo e afastou-se devagar, imponente como uma rainha, certa de que começara bem o lento processo de conquistar a confiança dos aldeões.

Eles teriam muito sobre o que falar e amanhã, quando mandasse aqueles que a seguiam de volta ao mercado, ficaria provado que o lorde não era nenhum demônio.

Satisfeita consigo mesma, Dulce deu uma olhada fur­tiva na direção de Ceci! e surpreendeu-se ao notar que o servo a observava atentamente. O homem parecia desaprovar seu pequeno discurso de minutos atrás. Talvez ela tivesse se excedido um pouco. Talvez tivesse sido me­lhor ficar de boca fechada o tempo inteiro.

Afinal, quem era ela para defender o Cavaleiro Ver­melho se desde que chegara a Dunmurrow, sequer lhe conseguira ver o rosto?

No final das contas, o saldo do dia foi positivo. A nova cozinheira logo assumiu os afazeres domésticos e provi­denciou uma refeição adequada para todos. Depois do almoço, Dulce os liderou na tarefa de limpar o salão principal.

Quando Cecil veio chamá-la para jantar, seu vestido estava empoeirado e as tranças caíam desalinhadas sobre as costas. Seus esforços para parecer bonita haviam sido em vão, porém sentia-se cansada demais para se importar.

Montmorency parecia de mau humor, portanto sua aparência descuidada não iria fazer a menor diferença aos olhos do marido. De qualquer maneira, a não ser um gato, nenhum ser vivo poderia distinguir o que quer que fosse dentro da escuridão reinante. Não era de se estranhar que o Cavaleiro Vermelho não a considerasse atraente já que nem se dera ao trabalho de querer vê-la à luz do dia. O fato a irritava profundamente, contudo sentia-se tão feliz com os progressos feitos na recuperação do castelo que preferia não se deixar incomodar pelo si­lêncio pesado e sufocante.

Mesmo não sendo uma pessoa de natureza falante, Dulce sentiu prazer em relatar os sucessos do dia. Ani­mada, contou sobre a resistência inicial dos aldeões, sobre a maneira calorosa como as crianças a tinham recebido e sobre as pessoas que trouxera para trabalhar no castelo.

- Já é um começo, meu lorde.

Ignorando os murmúrios sem entusiasmo de Montmo­rency, ela foi em frente, ansiosa para expor seus planos de estreitar os laços entre Dunmurrow e a aldeia.

- Assim que os aldeões se convencerem de que você não costuma comer gente no jantar se prontificarão a trabalhar aqui.

- E como você pode ter certeza de que eu não como pessoas? - o barão indagou, num tom frio e ameaçador.

De repente ela se lembrou das histórias estranhas que insistiam em persegui-lo e da atmosfera sinistra que a rodeava. Entretanto estava de muito bom humor para se deixar abater com facilidade.

- Como posso ter certeza? Simplesmente porque você ainda não me comeu - respondeu rindo.

Ruídos estranhos ecoaram pelos aposentos. Depois de alguns segundos Dulce percebeu que o barão tossia forte.

- Você se engasgou? - Antes mesmo de terminar a frase, levantou-se preocupada.

- Não foi nada. Pode se sentar.

Mais tranqüila, ela voltou a atenção para a conversa.

- Estive pensando nos preparativos para o Natal. Uma comemoração adequada, com todas as honras, aca­bará conquistando os aldeões de uma vez por todas. Tam­bém teremos tempo suficiente para organizar uma pe­quena ceia. Vamos precisar de especiarias para o bolo de gengibre e também para o bolo de frutas. Nosso es­toque está baixo, mas creio que será possível darmos um jeito. Será um longo caminho até ganharmos a confiança deles, meu lorde.

- Dulce. - A voz de Montmorency não guardava nada da reserva habitual, o que imediatamente lhe pren­deu a atenção. Era algo tão pequenino, ser chamada pelo nome de batismo... Ainda assim sentiu um arrepio es­tranho percorrê-la de alto a baixo.

- Sim, meu lorde?

- Cristopher. Meu nome é Cristopher.

- Cristopher - ela repetiu devagar. Gostava do som, assim como gostava da maneira como a palavra deslizava em sua língua. Ao se lembrar de como as línguas de ambos tinham se encontrado no dia anterior, Dulce corou violentamente, grata pela escuridão protetora. Será que Montmorency iria beijá-la de novo? Só de pensar na possibilidade ficava em fogo, imagens sensuais dançando selvagens em sua mente.

Chocada consigo mesma, percebeu que queria ser beijada. Na verdade, queria o marido por inteiro. Ele não passava de uma silhueta enorme, sempre imersa nas sombras, um mistério que não conseguia decifrar. Mas apesar dos perigos, não conseguia resistir. Queria só mais um beijo...

Inspirando fundo, Dulce cerrou os punhos sobre o colo e aguardou imóvel.

Os cães haviam parado de se remexer e com certeza deviam estar deitados aos pés de Montmorency. Aos pés de Cristopher. Cristopher. Embora repetisse aquele nome silencio­samente, como um pedido, uma súplica, seu objeto de de­sejo permanecia indiferente aos seus pensamentos ousados.

- Você falou que sabe cantar bem -ele disse de repente. - Se importaria de exibir esse talento?

- Claro que não. - Oh, Deus, por que se sentia assim, toda trêmula por dentro? Não era possível que estivesse sedenta das atenções do Cavaleiro Vermelho. Só podia ter bebido vinho demais durante a refeição. Além de tudo o dia havia sido longo e cansativo. Isso explicava o tu­multo interior... Ou será que não?

Com muito esforço, conseguiu acompanhar o que Mont­morency dizia agora.

- Estou pensando em mandar Cecil chamar o garoto que chegou da aldeia hoje para acompanhá-la. Ouvi-o tocar flauta algumas horas atrás.

- Você acha que seria sensato? - Talvez fosse melhor evitar que o garoto penetrasse nos aposentos do Cavaleiro Vermelho. Depois do sucesso relativo obtido naquela ma­nhã, detestaria que rumores sobre a figura ameaçadora do lorde chegassem à aldeia.

- Não, não creio que seria sensato. Embora esteja certo de que você não hesitaria em defender minha honra dos que tentam me caluniar.

Ela enrubesceu até a raiz dos cabelos. Então Cecil repetira suas palavras aos ouvidos do barão.

- Será que alguma vez já lhe ocorreu, esposa, que de gosto das histórias contadas a meu respeito como uma maneira de manter as pessoas afastadas da minha porta?

- Mas por que, meu lorde?

- Cristopher.

- Cristopher - ela repetiu, seduzida pelo poder daquela voz profunda. - Por quê?

- Não importa o porquê. Agradeço sua lealdade e suas boas intenções, mas deixe as coisas como estão. Ago­ra que você conseguiu trazer algumas pessoas até o cas­telo, vamos fazer uso delas. Cecil!

O servo apareceu imediatamente, como se não tivesse mais nada a fazer na vida a não ser aguardar ser chamado do lado de fora dos aposentos do barão. Minutos depois o rapazinho sentava-se diante do fogo. Talvez pensando que os recém-casados preferissem as sombras quando es­tavam juntos, ele não estranhou a ausência de velas e tocou com prazer.

Dulce cantou antigas baladas de amor, uma depois da outra. Cristopher sempre pedia por mais, até que ela se viu obrigada a parar, à beira da exaustão. Nunca pensara que faria um sucesso tão grande. Seu marido podia não apreciá-la, porém não tinha dúvidas de que ele gostava da sua voz.

Montmorency não fora muito efusivo nos elogios, é ver­dade. Contudo soubera como reverenciá-la através do si­lêncio absoluto e das poucas palavras de admiração. Em sua vida recebera agrados antes, mas nenhum deles fora mais sincero.

Cristopher ficara encantado. Bem depois de Dulce ter se retirado, ele continuara ouvindo os sons melodiosos. .Ja­mais escutara algo tão belo ou tão doce. Quando Cecil voltou, encontrou o barão sentado no mesmo lugar, uma expressão absorta no rosto viril.

- Ela acendeu tocheiros no salão principal - o servo comentou. - As sombras foram banidas e as pessoas que vieram da aldeia hoje estão agora estendendo os catres para passar a noite.

- E então? - Montmorency não conseguia disfarçar a irritação. Cecil soubera estragar o clima perfeito que sua esposa criara através da música.

- E então você tem um lugar a menos para andar dentro da sua própria casa. Além de mais pessoas abri­gando-se sob os tetos do castelo.

- E então? Qual o problema? Simplesmente começou o fim, como eu sabia que iria começar um dia.

- Sim, meu lorde, começou. Mas o que acontecerá com sua lady?

Sua lady. As palavras do criado tinham um peso quase insuportável. Embora pudesse lhe parecer estranho, Dulce era sua esposa. O que aconteceria com ela quando o mundo viesse bater à sua porta? o mundo do qual durante meses tentava se manter afastado? Não se sentia preparado para pensar no assunto.

Praguejando entre os dentes, Montmorency fez sinal para que Cecil se retirasse. Por que iria se importar com o que acontecesse à mulher responsável pela sua ruína? A mulher que invadira sua escuridão sem qualquer pudor?

Cristopher tinha consciência de tudo isso, assim como sabia ser Dulce a culpada de sua futura condenação. Entretanto apesar dos graves problemas que o aguardavam, só conseguia pensar na voz maravilhosa, suave como a de um anjo vindo dos céus para lhe aquecer o frio da alma.

Dulce deixou que Alice a ajudasse entrar na pequena banheira. Depois de um dia inteiro passado inspecionando a leiteira e os campos, estava ansiosa para se livrar da sujeira. Suspirando fundo, pegou o sabonete e começou a ensaboar-se.  Não havia nada como um delicioso banho quente.

Sua satisfação era ainda maior porque a serva parecia tranqüila. Finalmente Alice aceitara mudar-se para o próprio quarto e já não falava tanto sobre abandonarem Dunmurrow de uma hora para a outra.

- É bom vê-la alegre outra vez - Dulce comentou.

- Hum... Não posso dizer que esteja feliz aqui e tam­bém não confio naquele demônio vermelho. Mas vendo como ele a trata bem e como lhe deu permissão para dirigir o castelo... E, suponho que por enquanto eu vou ficar aqui.

Ela sorriu, sabendo que a criada jamais pensara em abandoná-la. Entregando-se ao calor da água que a aque­cia até aos ossos, Dulce percebeu que na verdade sen­tia-se bastante contente. Era uma idéia estranha, pois jamais julgara possível encontrar motivos para satisfação dentro daquelas quatro paredes e muito menos que o papel de lady de Dunmurrow pudesse lhe dar prazer. Contudo... aqui estava, ronronando como uma gata depois de um longo e proveitoso dia.

Apesar da hostilidade inicial, Cristopher acabara deixando-a ocupar a posição de castelã, algo que lhe pertencia por direito, e até concordara com as reformas que pretendia implantar. Alice tinha razão. Sua vida sempre girara em torno da administração de um castelo e era entre­gando-se às responsabilidades e cuidando de todos os detalhes que se sentia próxima à realização pessoal.

Dunmurrow talvez não fosse tão grande quanto Belvry, porém as mudanças ali necessárias representavam um desafio. Felizmente, no momento, Belvry estava entregue aos cuidados de um empregado de confiança, alguém ca­paz de dar conta da administração durante uns poucos meses. Quem sabe quando chegasse a primavera ela po­deria fazer uma visita...

- Uma única coisa posso dizer sobre aquele homem. Pelo menos ele sabe como agradá-la. Embora que com os seus poderes diabólicos não deva ser uma tarefa tão difícil assim. - Edith colocou um vestido limpo sobre a cama antes de continuar. - Fico feliz que você esteja se adaptando tão bem, minha lady, mas...

- Mas o quê?

- Às vezes acho que você não está feliz de verdade, minha lady, que esse seu bom humor é apenas o resultado de alguma feitiçaria.

- Que bobagem é essa agora?

A velha criada retorcia as mãos nervosa, sem saber como se explicar.

- O barão não lançou feitiços em você, não é? Tenho medo que o próprio demônio a tenha... hipnotizado!

Se não fosse pela expressão desolada de Alice, ela teria caído na risada.

- Pare de se preocupar à toa. Montmorency não me enfeitiçou.

Farta de ouvir comentários tolos, Dulce fechou os olhos e procurou relaxar. Qual o problema se o Cavaleiro Vermelho se diluísse em sombras? Ou se colocasse penas na cabeça e dançasse à luz do luar? Desde que ela fizesse o quisesse, o resto não tinha importância... Na verdade poderia ter acabado presa a um homem muito menos de seu agrado do que Cristopher Montmorency.

Barão Hexham, o tal vizinho viúvo, imediatamente veio à sua mente. Ainda se lembrava como o cavaleiro pom­poso e arrogante tratara a primeira esposa. A pobre coi­tada passara anos trancada numa torre, afastada do mundo, enquanto o marido se deitava com uma amante após a outra.

Ou então poderia estar às voltas com o barão Humph­ries, cujo olhar frio parecia mais malevolente do que a escuridão de Dunmurrow. Isso sem contar Rothchilde, com seus lábios gordos e molhados... Dulce estremeceu, cheia de repugnância.

- Pelo menos o Cavaleiro Vermelho não espera que você lhe dê banho - Alice falou, obrigando-a a inter­romper o curso dos pensamentos.

Dulce nada respondeu. Que a serva pensasse o que quisesse. Simplesmente recusava-se a discutir a intimi­dade, ou a falta dela, reinante em seu casamento com quem quer que fosse.

Alice jamais saberia o quanto seu comentário fora acurado. Cristopher não lhe pedia para executar qualquer ta­refa em geral associada ao papel de esposa, desde a mais banal até a mais íntima. E embora devesse se sentir grata pela distância que os separava, por algum motivo que não conseguia entender, sentia-se decepcionada.

Olhando para o próprio corpo nu na banheira, não havia como negar o óbvio. Suas formas estavam longe de ser opulentas. Sempre fora magra, esguia, os seios pequenos. Talvez Montmorency preferisse o contrário... Nunca em sua vida tentara parecer desejável aos olhos de um homem, entretanto tivera muitos admiradores. Seus irmãos quase precisavam colocá-los para fora de Belvry a pontapés. E durante a recente visita a Edward, vira-se cercada de cavaleiros ansiosos para cortejá-la. Aliás, todos deram a impressão de cobiçar suas terras com o mesmo ardor com que cobiçavam seu corpo.

O que fazer para despertar a atenção de um homem? Vira muitas damas vestidas em rendas e sedas, lançando olhares lânguidos na direção daqueles a quem preten­diam conquistar, os seios fartos empinados para o alto, expostos em decotes profundos. Porém essas táticas de nada adiantariam na escuridão dos aposentos do Cava­leiro Vermelho. Cristopher seria incapaz de enxergá-la. Ele nunca chegava perto o suficiente... exceto uma vez...

Dulce corou ao pensar no beijo que haviam trocado. Lembrava-se dos mínimos detalhes da carícia inesperada e saboreava o episódio como se degustasse um vinho raro. O calor que se espalhava por suas entranhas agora não tinha nada a ver com a temperatura da água. Mas como qualquer outra lembrança, estava começando a desbotar. Às vezes se perguntava se não fora somente um sonho, Será que aquele beijo realmente acontecera dias atrás? Sem que conseguisse conter o impulso, Dulce levou os dedos aos lábios, como se tentasse recapturar a sensação deliciosa. Então, irritada com a própria tolice, mergulhou a cabeça na água e pôs-se a lavar os cabelos.

Ao terminar o banho, Alice lhe entregou um dos belos vestidos que trouxera de Belvry. Fosse por uma simples questão de satisfação pessoal ou mera curiosidade, estava decidida a causar a melhor das impressões no jantar daquela noite.

O vestido de veludo grená tinha um corpete justo que evidenciava a linha dos seios com ousadia. Um pingente de ouro descansava sobre o colo branco, chamando ainda mais atenção para o decote. Para completar, uma tiara, também de ouro, nos cabelos. Na escuridão dos aposentos do Cavaleiro Vermelho, Dulce o fitou provocante en­quanto jantavam, procurando agir de maneira sensual e encantadora. Entretanto Cristopher parecia indiferente, com­pletamente alheio às suas tentativas de sedução.

Para complicar ainda mais, ele sequer dava mostras de que a fitava. Por que se dar ao trabalho de parecer bonita e desejável? Alice com certeza iria reprová-la por procurar despertar a atenção de um homem que se es­condia nas sombras como um leproso... ou algo pior... Se tivesse um pingo de bom senso, ela devia cair de joelhos e agradecer a Deus por Montmorency deixá-la em paz! Dulce empurrou o prato para o lado, esforçando-se para acreditar que sua inquietação e frustração eram devidas à mudança da lua e nada tinham a ver com certos desejos inconfessáveis.

Ainda assim, quando Cristopher falou, o tom baixo e profundo da voz deixou-a inteiramente arrepiada.

- Você vai cantar para mim esta noite?

- Se você quiser. Devo chamar o garoto para tocar flauta?

- Não é preciso. Sua voz é tão bela que dispensa acompanhamento.

Feliz com o cumprimento, Dulce cantou uma canção atrás da outra. A sua favorita era uma balada de amor, triste e doce. E foi com essa música que ela deu a noite por encerrada.

- Você não vai cantar mais nenhuma? - Cristopher per­guntou sem disfarçar o desaponto.

- Por hoje é só. Ou amanhã estarei mais rouca do que uma gralha.     

- Está bem. De qualquer maneira já é muito tarde pode se retirar.

De repente ela se deu conta de que estavam inteira­mente a sós, envoltos pela escuridão. Nada do músico ou mesmo de Cecil. Dulce levantou-se, porém em vez de caminhar para a porta, deu um passo na direção do marido. Um dos cães rosnou baixo.

- Que foi?

- Quero apenas lhe dar boa noite, meu lorde. - Ner­vosa, ela passou a língua pelos lábios secos, o sangue latejando nas veias. E claro que suas palavras podiam ser interpretadas de muitas maneiras, e na verdade isso não a preocupava nem um pouco. Ousada por natureza, sentia-se mais afoita e atrevida do que nunca, levada por sensações estranhas, que não sabia como explicar.

- Boa noite, esposa.

Por um momento Dulce ficou imóvel, confusa, inca­paz de acreditar que havia acabado de ser mandada em­bora. Não estava acostumada a ser tratada assim. Então virou-se e saiu, odiando-se por tentar ganhar um beijo de alguém como o Cavaleiro Vermelho.

Enquanto seguia Cecil até seu quarto, não parava de se recriminar por ter tido coragem de agir de modo tão tolo. Estaria mesmo interessada em partilhar uma certa intimidade com Montmorency, quando poucas noites atrás experimentara o terror mais profundo diante da possibilidade de ser abraçada? Não. Sim. Ah, Deus, já não sabia de mais nada. Até então sempre se considerara uma pessoa decidida, capaz de enxergar a realidade com clareza. Agora as sombras do castelo pareciam ter alterado sua capacidade de raciocinar!

O fato é que gostara do beijo. Cristopher não era nenhum demônio. Suas mãos não possuíam garras. seus caninos não eram pontiagudos, nem seus olhos irradiavam faíscas avermelhadas. Também apreciava a voz profunda, con­trolada e estranhamente reconfortante.

Dulce suspirou fundo, insegura a respeito de tudo. Tinha certeza apenas de uma coisa. Depois de uns poucos dias de casada, o Cavaleiro. Vermelho tornara-se muito mais atraente do que assustador.



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Autor(a): nathyneves

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  Depois que Dulce saiu, Cristopher continuou sentado, imerso na escuridão, analisando o comportamento da esposa. Desde que a recebera em Dunmurrow, passara a viver apenas para aqueles breves encontros durante o almoço e o jantar, mesmo tendo cons­ciência de que cortejava o perigo. A verdade é que não conseguia agir de out ...


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Comentários do Capítulo:

Comentários da Fanfic 60



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  • stellabarcelos Postado em 27/10/2015 - 02:17:36

    Muito perfeita! Foi lindo! Amei

  • JokittaVondy Postado em 14/07/2014 - 18:29:06

    PERFEITA <3 Amei o final

  • sophiedvondy Postado em 21/09/2013 - 22:50:29

    embora seja pequena é perfeita, linda parabéns <3 quem gosta de fic? leiam a minha pfvrr http://fanfics.com.br/fanfic/27130/sumemertime-adaptada-vondy-vondy

  • larivondy Postado em 24/06/2013 - 13:17:00

    ameeei, linda a história *-*

  • claudia_miranda Postado em 15/03/2013 - 17:50:50

    li a sua web e amei parabens perfeita..

  • claudia_miranda Postado em 15/03/2013 - 17:50:50

    li a sua web e amei parabens perfeita..

  • claudia_miranda Postado em 15/03/2013 - 17:50:50

    li a sua web e amei parabens perfeita..

  • claudia_miranda Postado em 15/03/2013 - 17:50:49

    li a sua web e amei parabens perfeita..

  • claudia_miranda Postado em 15/03/2013 - 17:50:49

    li a sua web e amei parabens perfeita..

  • eduardooliveira Postado em 27/10/2011 - 20:06:44

    Para quem é vondy e tem orkut, vá nessa fanfic: http://www.orkut.com.br/Main#Community?cmm=118052479 ,se gostar,comente! =)


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