Fanfic: Antes Mal Acompanhada Que Solteira

Esta revelação sem palavras não devia ser surpresa para mim, mas, de algum modo, é. De algum modo, talvez eu pensasse que, se ele precisasse escolher, escolheria a mim.

O negócio é que ele não deveria precisar escolher. E ele não precisa escolher.

Mas acho que ele escolheu.

- Will, tudo bem - digo, tentando colocar de lado minha mágoa para não estragar nossa última noite juntos. - Eu vou até lá e encontro um lugar simpático para ficar. Talvez eles permitam visitas conjugais - brinco.

Ele se inclina e me beija.

- Até onde eu me lembro, não tinha nada contra isso nas regras.

É um beijo rápido e simpático. Não um beijo apaixonado. Não o tipo de beijo que tem intenção de levar a algo mais.

Não como o famoso beijo de Alfonso.

Só pensar nisso já faz com que a culpa tome conta de mim. Já faz algumas semanas, mas eu continuo pensando com regularidade em como foi exatamente ganhar um beijo de maneira tão inesperada (e tão completa) de uma pessoa praticamente desconhecida.

Não contei isso a ninguém, nem a Raphael. Principalmente não a Raphael.

A única coisa que eu disse a ele, quando me ligou na noite daquele domingo com um "E aí?" cheio de expectativa, foi que nós dois estávamos errados, e que Alfonso era heterossexual.

Naturalmente, Raphael não acredita. Para ele, todo cara com aparência decente, bem vestido e com algum emprego remotamente criativo em Nova York é gay.

- O Alfonso pode até achar que é hetero - disse ele -, mas vai acordar uma manhã destas, Anahí, vai descobrir que o armário é claustrofóbico e vai resolver sair dele, finalmente. Quando isso acontecer, estarei esperando, de braços abertos.

Assim é Raphael: otimista em excesso.

Enquanto isso, sou consumida pelo pessimismo (o que, por acaso, é uma característica nítida da família Spadolini) e fico desejando que Will me jogue na cama e me faça feliz.

Ele parece se contentar apenas em colocar um braço afetuoso no meu ombro e dizer:

- Aliás, antes que eu me esqueça, eu disse ao Milos para ligar para você caso precise de ajuda extra durante o verão. Não sou o único que vai abandoná-lo durante a temporada de verão.

- Você disse? Obrigada. Eu estava mesmo pensando em arrumar algum trabalho paralelo. Preciso ganhar algum dinheiro extra.

- Você está com sorte. Ele paga bem, e as gorjetas são ótimas. E eu disse a ele que você tem experiência como garçonete.

- É, se for possível considerar uma temporada de férias de verão da escola trabalhando no Applebee`s como experiência adequada para uma empresa de bufê de Manhattan que só serve os ricos e famosos.

- Não se sinta intimidada. Nem todos os clientes do Milos são ricos e famosos, Annie.

- Ah, fala sério, Will. Podem não ser famosos, mas não são exatamente da classe média. Ele cobra mais por algumas dúzias de miniquiches aperitivo do que eu costumava ganhar em um dia inteiro de trabalho temporário.

- Verdade. E é por isso que você deve ajudá-lo se ele ligar.

- Pode deixar.

Vai ser bom ganhar um pouco de dinheiro além do meu parco salário. Ainda não contei a Will sobre o plano de aprimoramento pessoal que estou lançando. Resolvi surpreendê-lo com a nova versão de mim mesma quando ele voltar em setembro.

Will boceja.

- Que horas são? Confiro o relógio.

- Quase 11.

- A gente precisa ir para a cama. Preciso acordar às cinco e meia.

Estou temendo por isto: despedir-me dele à luz fria e cruel do amanhecer. Temos menos de oito horas restantes juntos, e ele aparentemente pretende passar a maior parte delas dormindo.

- Olhe, detesto ter de fazer você acordar assim tão cedo - diz ele. - Pode ficar na cama depois que eu for embora. Quando sair, é só trancar tudo e deixar a chave sobressalente lá embaixo, com James.

Isso me pega desprevenida.

Ele quer que eu deixe a chave com o porteiro... durante todo o verão?

- Acha que é uma boa idéia? - pergunto. - Quero dizer, não acha que eu devo ficar com a chave? Parece mais seguro...

- Não, James entrega para Nerissa quando ela voltar amanhã - diz ele, desenroscando as pernas das minhas e indo para o chão.

Estou com um turbilhão dentro de mim (Ele não vai deixar a chave sobressalente comigo?), mas minha voz sai ilusoriamente calma.

- Mas Nerissa não precisa de duas chaves, precisa? Quero dizer, se ficar trancada do lado de fora, é só pedir para James abrir...

Will pára de tirar a poeira invisível do chão em seu short caqui e fica olhando para mim:

- Qual é o problema, Annie?

- Nada. - Dou de ombros. - Só achei que talvez você fosse deixar sua chave comigo. Posso molhar suas plantas...

- Nerissa vai cuidar disso.

- Ah. Bom, a outra coisa é que eu não tenho ar-condicionado, e o verão na cidade é tão quente... Achei que, se eu ficasse com calor demais, poderia vir aqui para me refrescar.

Ele não estremece nem desvia o olhar, o que eu considero bom sinal, até ele dizer:

- Sabe, eu pensei sobre isso, mas não acho que seja boa idéia. Não seria justo com Nerissa se você ficasse aparecendo aqui sem avisar. Quero dizer, ela está contando em ficar com o apartamento só para ela durante o verão...

- Ah. Quero dizer, tudo bem, Will. É só que eu... Eu entendo. Tudo bem.