Fanfic: Antes Mal Acompanhada Que Solteira

Finalmente, o ruído prenunciativo se faz ouvir logo antes de uma luz surgir no fim do túnel. Quando o trem da linha N entra rugindo na estação, eu avanço com cuidado, posicionando-me na frente do lugar exato aonde as portas vão se abrir, algo que só é possível depois de passar vários meses pegando o mesmo metrô.

O vagão está lotado e quente demais, e cheira a suor e a comida chinesa. Hip-hop salta dos fones do sujeito ao meu lado enquanto eu me seguro na barra coberta de germes do centro do vagão. Enquanto nos inclinamos para frente e as luzes falham, mantenho o equilíbrio, pensando em Will, imaginando se ele estará acordado quando eu chegar ao conjugado que ele divide com Nerissa, que conheceu em uma audição no último outono. Ele gosta de dormir até depois do meio-dia aos sábados.

Se eu me sinto incomodada com o fato de ele morar com outra mulher?

Quero dizer que não, claro que não.

Mas a verdade é que eu não me importaria se Nerissa fosse empurrada na frente de um trem da linha N em movimento amanhã. Ela é flexível e bonita, trabalha como dançarina em um espetáculo off Broadway que estreou há alguns meses. Dorme em um futon atrás de um biombo dobrável alto da loja de móveis práticos Ikea, e Will usa a cama de casal dele... e os dois nunca hão de se encontrar.

Sim, eu realmente acredito nisso. Eu me forço a acreditar, porque Nerissa tem namorado, um golfista profissional escocês que se chama Broderick, e Will tem a mim. Mas eu já vi a maneira como ele olha para ela quando ela anda pelo apartamento com calças de algodão por cima do collant de dança, sem quadris que valham a pena mencionar e peitos altos e duros sem sutiã.

Eu sou só carne, comparada com Nerissa ou não; toda quadris, coxas e bunda. Como já disse, meus sutiãs não são coisinhas delicadas de renda, arame e alças fininhas: minhas roupas de baixo não são exatamente o que se chamaria de lingerie, termo que remete a universitárias esguias em um catálogo chique da Neiman Marcus. Roupas de baixo de algodão, bem reforçadas, são necessárias para que minhas partes naturalmente largas e soltas não se larguem nem se soltem ao extremo indesejado.

Will adora lingerie de verdade, do tipo que sem dúvida enche a gaveta de cima da cômoda alta de Nerissa da loja Pottery Barn. Isso eu sei a respeito de Will porque uma vez, durante nosso último ano de faculdade, quando já fazia alguns meses que estávamos juntos oficialmente e eu sabia que em breve nos tornaríamos amantes, ele me comprou um collant daqueles de usar como roupa de baixo, de abotoar. Era um negócio da Christian Dior cor de champanhe, de cetim e renda, dois números menores que o meu (o que eu não sabia se interpretava como elogio ou indireta).

Cada vez que eu usava, colocava calcinha e sutiã por baixo. O sutiã porque, com meu corpo, não usar seria obsceno; a calcinha, porque cada vez que eu me mexia, o botão dos fundilhos abria porque eu era ou muito alta ou muito larga ou, infelizmente, os dois, para o collant. Finalmente, troquei o botão de pressão por um colchete. Eu tinha aprendido a costurar na aula de economia doméstica do ensino fundamental em Brookside, mas naquela época nunca imaginei que ia usar minhas habilidades para algo tão ilícito quanto a substituição do fecho dos fundilhos de uma roupa de baixo sensual presenteada por um homem com quem eu iria para a cama antes do casamento.

De todo modo, era difícil saber se Will alguma vez de fato se excitou com a visão de mim com aquele collant com o fecho trocado com meu sutiã grosso à vista no ombro e as minhas calçolas ultrapassando o comprimento do collant por cima das coxas bem fornidas. Gosto de achar que ele me considerava irresistível, mas, pensando melhor, não tenho muita certeza se era o caso.