Ele olhou para o lado e viu o pai de Dulce se sentar
ao seu lado, em outra poltrona. Ele parecia bem despojado, com uma camiseta,
uma calça de algodão e chinelos nos pés. Estava banhado, com os cabelos
penteados para trás, e pairava no ar o cheiro do sabonete que ele usara no
banho.

Chris: Bom dia.
Fernando: Manhã fria, não?
Chris: Sim...

Estar ao lado do pai de Dulce, por mais familiarizado que estivesse, sempre ficava
acuado. Tinha medo de responder algumas perguntas que ele fizesse. Tinha medo
de que ele desconfiasse que ele e Dulce... Tragou a saliva, com medo também de
levar uma surra por ter sido “o canalha que se aproveitou” de sua menininha.
Embora não fosse essa a verdade, na mente de um pai como Fernando, seria desse
jeito. E sobraria para ele...do mesmo jeito. Suspirou um pouco... Eram bobos os
seus pensamentos, mas nunca ninguém conhecia a outra cem por cento. Era melhor
ter cuidado com as coisas que dizia ao pai de Dulce.

Fernando: Seu pai já está de pé?
Chris: Que nada, mamãe disse que ele foi dormir bem bêbado.

Fernando riu.

Fernando: Sempre é assim. Quando bebem nossa tequila por primeira vez...sempre
ficam assim. Ficam bêbados, passam a noite dando trabalho as mulheres...e
acordam com uma ressaca braba.
Chris: Não é para qualquer um...(sorrindo)
Fernando: Não, é para quem agüenta. Ela é diferente das outras...fica estocada
por mais tempo e há alguns ingredientes a mais.
Chris: Eu percebi que ela tem um gosto diferente...
Fernando: Sim...mas, o que já estão fazendo acordados uma hora dessas? Passei
pelo quarto de Dulce e ela já estava acordada e falando ao celular.
Chris: Vamos voltar a capital...
Fernando: Mas tão cedo? Pensei que estavam livres esse fim de semana...
Chris: Eu também pensei... (suspirou) Mas Pedro nos quer lá às nove horas.
Vamos a Guadalajara pela noite.
Fernando: Por isso que minha filha está tão mal humorada.

Ele virou o rosto para Fernando e franziu a testa.

Chris: Muito é?
Fernando: Péssimo.

Os dois riram.

Fernando: Vai ter que agüentar o dia inteiro.

Christopher alçou as mãos e as colocou detrás da cabeça.

Chris: Hoje será um dia longo.
Fernando: Por isso que moro aqui... Nessa tranqüilidade. (colocou as pernas
numa mesinha de centro e acendeu um cigarro) Isso aqui que é vida.
Chris: Sim, mas não creio que agüentaria viver tão isolado assim da cidade.
Fernando: É porque você nasceu na cidade, gosta das coisas da cidade... Mas eu
não entendo Dulce, prefere mil vezes morar lá do que aqui.
Chris: Está acostumada.
Fernando: Isso é certo. (riu um pouco)

Os dois ficaram em silêncio por um instante. E Christopher relaxou mais. Um
bocejo escapou de sua boca, e sentiu as têmporas latejarem um pouco. Nada que
um remedinho não o deixasse melhor. Agora era só tragar um pouco a decepção, e
encarar que o fim de semana estava acabando antecipadamente.

Fernando: Sabe, Christopher...

Ele, imediatamente, se acomodou no sofá e clareou a garganta, se refazendo do
susto. Fernando riu com o sobressalto dele.

Fernando: Não sabia que eu assustava...
Chris: Claro que não, senhor... (pigarreando)

Fernando (sorrindo): Tudo bem... (pigarreou,
desfazendo o sorriso) Sabe... Na primeira vez que te vi com Dulce, exatamente
aqui...eu senti tudo muito estranho.

Christopher franziu a testa, evitando virar para o lado.

Fernando: Não sei... (se inclinou para frente, colocando os cotovelos sobre os
joelhos) Dulce estava separada do ex-namorado somente há dois meses... Achei o
relacionamento de vocês uma coisa muito impulsiva.
Chris: Mas...
Fernando: Sim, eu sei. Você se apaixonou pela minha filha e ela por ti. Mas
mesmo assim ainda achava muito cedo para Dulce se relacionar com um homem...
Além do mais, por ter passado aquilo que passou com ela e o ex. (suspirou)

Christopher ficou calado, mexendo nas mãos com nervosismo. Acabava de se dar
conta de que Fernando não aprovava seu namoro com Dulce.

Fernando: Pra mim ainda é uma coisa complicada entender a cabeça dos jovens. Na
minha época não era assim... As coisas eram mais lentas, tudo no seu devido
tempo... Por isso...
Chris: Mas, senhor, infelizmente sentimento não vem com data de validade e nem
fabricação... Sim, está certo quando fala que foi cedo... Mas não sei, somos
jovens, temos impulsos... E eu acabei me apaixonando de verdade.
Fernando: Fiquei com medo de que a fizesse sofrer como fizeram os outros...

Christopher paralisou ao ouvir a declaração do pai de Dulce.

Fernando: Minha filha já sofreu muito... Muito mesmo. Sofreu com a carreira,
com a critica, e principalmente, com namorados. (virou-se para vê-lo) Eu sei
que houve outros homens além de você e dos outros namorados, mas esses nós
sabemos que ela não sentia nada... (Christopher assentiu) Dulce sofreu muito
com Poncho... (suspirou) eu não entendo bem dessas coisas, afinal, elas sempre
vão conversar isso com as mães... (fez uma careta e Christopher riu) Mas a
gente sabe quando um filho tá sofrendo. E por mais que Dulce fizesse até o
impossível pra disfarçar...não conseguia do todo...você me entende?
Chris: Claro...

Fernando: Não vou entrar na intimidade dela com
Poncho, porque não me diz respeito. O certo é ela lhe falar e não eu.
(Christopher assentiu outra vez) Mas ela sofreu muito... Poncho nunca levantou
a mão para ela como o outro fez, mas ele a torturava com palavras, o que às
vezes é muito pior...
Chris: Infelizmente, nós éramos testemunhas de muitas coisas...e sim, vi Dulce
sofrer muito.
Fernando: E por isso, eu fui um pouco...digamos...desconfiado do que tinham...
Chris: Mas o senhor me demonstrou totalmente o contrário.
Fernando: Não sou eu quem namoro você, Christopher. (disse ele com um sorriso)
Se eu o tratasse mal, Dulce nunca me perdoaria. Mesmo assim, eu tinha que ver
até onde chegaria tudo isso...
Chris: Então foi um tipo de teste?
Fernando: Não, não... Fiquei apenas observando. Quando você tiver uma filha
saberá do que estou falando. (suspirou) Eu queria saber se podia confiar minha
filha em você...porque o ex-namorado não passou no teste... (os dois riram)
deixou muito a desejar.
Chris: E, afinal, que nota eu alcancei?
Fernando: Com o que fez por Dulce já valeu a metade do teste... (Christopher
riu com timidez) Porque não foi só defendê-la daquele homem, você a ajudou a se
erguer novamente... E quando eu os vi juntos...eu tive a certeza de que eu
podia confiar em você. E
aquele final de semana me bastou para isso...entende? (Christopher assentiu)
Não acredito muito nos homens que quando chega a hora de conhecer os pais da
garota, agem como o puxa-saco que faz tudo o que o sogro pedir. Você não agiu
assim... (Christopher assentiu) E contribuiu mais ainda, essa sua maneira de
amar minha filha abertamente, de não esconder esse sentimento de ninguém... E
posso te dizer agora, nenhum dos outros namorados escancarou o que sentia por
ela como você o fez. Estava escrito na sua testa... que a amava.

Christopher estava com a mirada cravada no
horizonte, escutando atentamente as palavras de Fernando. Tragou a saliva e não
se atreveu a dizer nada.

Fernando: Acho que estou sendo um pai muito protetor, mas eu estava
assustado... Não foi fácil para mim vê-la sofrer...

Ele riu, desviando o olhar para as mãos.

Chris: Dulce tem muita sorte de ter um pai como o senhor. (ergueu a cabeça
olhando-o de soslaio) E eu compreendo tudo o que fez, não fora fácil nem para
eu vê-la tão triste como naqueles dias que se sucederam ao incidente. Dulce se
sentia totalmente humilhada... (tragou a saliva) Enfim, imagino que como pai
dela eu teria ficado revoltado. E desconfiaria de todos os homens que a
rondassem... Mas...eu posso lhe dar toda a certeza do mundo de que a amo, e
quero que ela seja feliz. (passou as duas mãos no cabelo relembrando algumas
coisas) Lógico que houve momentos ruins no nosso relacionamento...momento em
que fui um tremendo estúpido com ela, que me chateie...que fiquei furioso, mas
nunca...nunca eu levantaria uma mão para ela.... Disso o senhor pode ficar
tranqüilo. Assim como também não sou um torturador. O que eu tenho que dizer a
ela...eu digo na hora e não escondo. (pausa) Por mais que não tenhamos a melhor
comunicação do mundo, nós nos respeitamos acima de tudo... Houve várias vezes
que nos gritamos, que explodimos, mas isso é coisa normal... Em todo
relacionamento conjunto sempre há discussões, porque felizmente nem todos
compartilhamos das mesmas opiniões... E digo, se depois de tanto tempo, se
superamos tudo...e estamos juntos hoje, é porque eu a amo... assim como ela
também me ama.
Fernando: Sim... (sorrindo) Eu já percebi que se amam. E também já percebi que
o namoro de você não é muito estável.
Chris: Não é, mas um dia será... Somos muitos jovens ainda, temos que aprender
mais coisas...
Fernando: Isso é verdade. (se recostando no sofá) Só lhe peço uma coisa,
Christopher...
Chris: Sim?

Fernando:
Nunca deixe que morra o respeito entre os dois... Mesmo que morra o amor, a
paixão, qualquer coisa ligada ao sentimento...não deixe o respeito morrer.
Chris: Sim...
Fernando: Se amem, se ajudem...briguem, discutam...mas não permita que ela lhe
falte com respeito e nem você a ela. Pois assim como o amor, a confiança são
essenciais em um relacionamento, o respeito também é. E para um relacionamento
dar certo...terão que conseguir manter esses três elementos fundamentais. (pausa)
A menos...que não queira estar mais com Dulce...
Chris: É claro que quero estar... Eu quero fazer com que isso dê certo, nós já
passamos por muito sofrimento. Houveram pessoas que destruíram muitas
coisas...mas esse fim de semana teve que acontecer para que eu e Dulce déssemos
uma chance de recomeçar corretamente dessa vez.
Fernando: Se depender dela, estou certo de que conseguirão. Nunca a vi desse
jeito...
Chris: Se depender de mim também. Estou muito confiante...
Fernando: Ok, então está concedida a mão dela...

Fernando riu, e Christopher deu uma risadinha confusa, se perguntando se
Fernando estava fazendo uma piada.

Fernando: Se realmente a amar, um dia chegará a isso, não? Então para lhe
poupar o caminho, desde aqui abençôo essa relação. E, espero, que isso o que
fora criado ontem...entre essas duas famílias...não tenha sido em vão.

Fernando levantou-se, deixando Christopher pensativo.

Fernando: E voltem mais vezes, por favor...

Estendeu a mão para Christopher, quem ainda não havia saído de sua posição
anterior. Estava totalmente paralisado. Mas ao ouvir como seu sogro pigarreava,
ele se deu conta da mão que estava estendida para si, e levantou-se de um
salto, apertando a mão do sogro, quem sorriu.